RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo a análise do cabimento da denunciação da lide, uma das formas de intervenção de terceiros previstas no Código de Processo Civil, quando houver a necessidade da análise de fato novo, estranho ao processo principal.
PALAVRAS-CHAVE: Direito processual civil. Denunciação da lide. Análise de fato novo.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A obrigatoriedade da denunciação da lide – 3. Do cabimento da denunciação da lide que introduz fundamento novo à causa. – 4. Considerações finais – Referências.
1. INTRODUÇÃO
Possuindo raízes germânicas e romanas e tendo como fundamento a economia processual, a denunciação da lide é um instituto que tem por escopo resguardar o denunciante de eventuais prejuízos sofridos na demanda pendente, propondo-se antecipadamente uma ação de regresso simultânea à ação original.
Preciso é o conceito trazido por Câmara (2009, p. 183):
A denunciação da lide é uma modalidade de intervenção forçada de terceiro provocada por uma das partes da demanda original, quando esta pretende exercer contra aquele direito de regresso que decorrerá de eventual sucumbência na causa principal.
Importante destacar que há, com a denunciação da lide, uma ampliação objetiva do processo, na medida em que o denunciante amplia o pedido ao pleitear a condenação do denunciado no caso de sucumbência na demanda principal. Observa-se, também, a ampliação processual subjetiva, posto que o denunciado, aceitando a denunciação, passa a ser litisconsorte passivo perante a parte adversa.
O art. 70 do Código de Processo Civil dispõe que a denunciação da lide é obrigatória ao alienante, nos casos de evicção, ao proprietário ou possuidor indireto, nas hipóteses em que, por força de obrigação ou direito, o demandado, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa litigiosa, ou àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar em ação regressiva o prejuízo do que perder a demanda.
De acordo com autorizada doutrina[1], a denunciação da lide é uma demanda incidente, porque instaurada em demanda já existente; regressiva, posto que fundada no direito de regresso da parte contra terceiro; eventual, já que guarda clara relação de prejudicialidade com a demanda originária; e antecipada, visto que há uma antecipação por parte do denunciante que, antes de sofrer qualquer dano e para a hipótese de vir a sofrê-lo, demanda em face de terceiro, visando responsabilizá-lo pelo ressarcimento.
Questão tormentosa na doutrina diz respeito à possibilidade da denunciação embasada no art. 70, III, do CPC quando introduzir fundamento novo à causa, estranho ao processo original, e que exija ampla dilação probatória, havendo duas correntes, a ampliativa e a restritiva, que buscam definir a amplitude do referido dispositivo.
Passa-se, então, a analisar aspectos relevantes da denunciação da lide, com ênfase nas referidas correntes doutrinárias e no atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do assunto.
2. A OBRIGATORIEDADE DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE
Conforme citado, o caput do art. 70 do CPC prevê a obrigatoriedade da denunciação da lide em alguns casos. Aplicando-se uma interpretação literal, chegar-se-ia à conclusão de que, não feita a denunciação, a parte perderia o seu direito de regresso, não podendo ajuizar demanda posterior à demanda originária com objetivo de ser ressarcido pelo sujeito que poderia ter sido denunciado. Trata-se, entretanto, de interpretação equivocada.
Argumenta-se[2], inicialmente, que a denunciação da lide é exercício de direito de ação, não podendo ser considerada um dever da parte, mas uma mera faculdade. Trata-se de um ônus processual que, caso o sujeito não o exercite, ficará em desvantagem perante a parte contrária. Um ônus processual não se confunde com uma obrigação, porquanto “ônus são imperativos do interesse próprio, ou seja, encargos sem cujo desempenho o sujeito se põe em situação de desvantagem perante o direito”.[3]
Tal prejuízo, entretanto, é a impossibilidade de ver o direito regressivo ser apreciado na mesma demanda, o que não impede o ajuizamento de demanda autônoma para o exercício da pretensão de ressarcimento.
Assim, diante da impossibilidade de uma norma de direito processual extinguir o direito material de regresso, é cediço que a discussão quanto a obrigatoriedade da denunciação fica restrita à hipótese do inciso I do art. 70, que trata da denunciação lide na hipótese evicção, já que o art. 456, caput, do Código Civil, norma de direito material, prevê que o adquirente evicto deverá promover a denunciação da lide para que possa exercer os direitos que resultam da evicção.
O entendimento mais recente do Superior Tribunal de Justiça[4] afasta a obrigatoriedade da denunciação até mesmo nos casos de evicção, fundamentando no fato de que a impossibilidade de ajuizamento de demanda contra o alienante evicto geraria seu enriquecimento ilícito.
Portanto, entende-se que a não-denunciação gera apenas a perda da oportunidade de o direito regressivo ser apreciado na mesma demanda, sendo sempre facultativa.
Destaque-se, por fim, que há casos em que a denunciação da lide não é cabível, como, por exemplo, nas demandas submetidas ao procedimento sumário, salvo quando fundada em contrato de seguro, nas ações de reparação de dano oriundas de relação de consumo e nos embargos à execução.
3. DO CABIMENTO DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE QUE INTRODUZ FUNDAMENTO NOVO À CAUSA
O art. 70, III, do Código de Processo Civil, prevê que será admitida a denunciação da lide ao que estiver obrigado, por lei ou contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda. Trata-se da forma mais frequente de denunciação da lide, posto que possui um objeto amplo, enquanto as outras duas hipóteses tratam de situações específicas.
Surgiram, então, duas concepções doutrinárias antagônicas que procuram definir a amplitude do referido dispositivo.
A corrente restritiva defende que o juiz não deverá admitir a denunciação da lide que traga à demanda um fundamento novo estranho à discussão original. Principal defensor dessa corrente, Vicente Greco Filho (1991, p. 90) leciona:
Parece-nos que a solução se encontra em admitir, apenas, a denunciação da lide nos casos de simples ação de regresso, isto é, a figura só será admissível quando, por força da lei ou do contrato, o denunciado for obrigado a garantir o resultado da demanda, ou seja, a perda da primeira ação, automaticamente, gera a responsabilidade do garante. Em outras palavras, não é permitida, na denunciação, a intromissão de fundamento jurídico novo, ausente na demanda originária, que não seja responsabilidade direta decorrente da lei e do contrato.
Assim, para essa teoria, só seria possível a denunciação nas hipóteses de garantia própria, aquela que decorre de transmissão de direito. Reconhecendo, porém, que a denunciação da lide sempre acarretará uma ampliação da demanda, os defensores dessa concepção afirmam que essa ampliação deverá ser mínima, não devendo o juiz enfrentar as questões referentes ao direito de regresso, que deverá ser indiscutível diante dos danos sofridos pelo denunciante.
Argumenta-se[5], ainda, que a introdução de fato novo comprometeria a economia e celeridade processuais, princípios que norteiam a aplicação da denunciação da lide.
A corrente ampliativa, por outro lado, se contrapõe à restritiva afirmando que não existe, no ordenamento jurídico pátrio, diferentemente do direito italiano, a distinção entre garantia própria e imprópria. Assim, não seria possível ao intérprete criar distinções que não foram feitas pela lei.
Argumenta, também, a corrente ampliativa, que a denunciação da lide traz economia processual, visto que um único processo é suficiente para a resolução de mais de um problema, bem como é instrumento utilizado para que se mantenha a harmonia dos julgados, uma vez que o mesmo magistrado resolve o conflito trazido na demanda principal e a questão relativa ao direito de regresso, evitando decisões contraditórias.
Nesse sentido, Dinamarco (2005, p. 232) leciona:
A litisdenunciação da lide inclui-se entre as intervenções de terceiro que ampliam o objeto do processo. Além da pretensão deduzida pelo autor em face do réu e visando a uma medida a ser proferida com relação a este, feita a denunciação, o juiz terá diante de si, para conhecer e julgar, também essa outra que visa à condenação do terceiro a prestar a quem o trouxe ao processo uma indenização pelo que ele eventualmente venha a perder.
O Superior Tribunal de Justiça, enfrentando o tema, adotou[6] a corrente restritiva, afirmando que não é admissível a denunciação da lide embasada no art. 70, III, do CPC quando introduzir fundamento novo à causa, estranho ao processo principal.
Tal entendimento se justifica na medida em que o fundamento novo iria de encontro aos princípios da celeridade e da economia processuais, já que a introdução de fundamentos que não são objetos de debate no processo originário poderia exigir ampla dilação probatória, prejudicando o autor da demanda principal.
Assim, filiando-se a corrente restritiva, o Superior Tribunal de Justiça tem por objetivo evitar que a lide paralela cause tumulto à demanda originária, visto que a produção de provas referente aos fatos novos não seriam necessárias se a denunciação não acontecesse.
Ressalte-se, por fim, que o não exercício da denunciação da lide não gera um prejuízo irreparável à parte, já que, conforme citado, eventual de direito de regresso não estará comprometido, podendo ser exercido em ação autônoma.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por todo o exposto, percebe-se que a denunciação da lide é a mais polêmica das intervenções de terceiros, havendo acirrado debate doutrinário acerca de sua aplicação.
Quanto a sua obrigatoriedade, prevalece o posicionamento que defende a voluntariedade da denunciação em todas as hipóteses do art. 70 do Código de Processo Civil, entendimento também adotado pelo STJ.
No que se refere à hipótese de denunciação por obrigação de indenizar prevista em lei ou no contrato, há acentuada discussão quanto à possibilidade de introdução de fundamento novo à causa originária.
O Superior Tribunal de Justiça, examinando a questão, optou por filiar-se à corrente minoritária, interpretando de forma restritiva o art. 70, III, do Código de Processo Civil. Assim, o juiz não deverá admitir a denunciação se esta trouxer para a causa originária um fundamento novo, estranho à discussão principal.
REFERÊNCIAS
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Código de Processo Civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2004.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil v. 1. 19. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2009.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. v. 1. 11 ed. Salvador: Jus Podivm, 2009.
GOLDSCHMITD, James. Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 2003.
GRECO FILHO, Vicente. Intervenção de terceiros. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1991.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2012.
[1] Nesse sentido, cf. Bedaque (2004, p. 180)
[2] Nesse sentido, cf. Didier (2009, p. 354)
[3] GOLDSCHIMIDT, James. Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 2003, t. 1, p. 21.
[4] Vide REsp 880.698/DF.
[5] Nesse sentido, cf. Greco Filho (1991, p. 91)
[6] Vide AgRg no REsp 1412229/MG
Advogado, graduado pela Universidade Federal do Ceará. Aprovados nos seguintes concursos: Procurador do Estado do Piauí, Procurador do Estado do Paraná, Procurador do Município de São Paulo, Procurador do Município de Salvador.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Thiago Cardoso. A admissibilidade da denunciação da lide que introduz fundamento novo à causa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 maio 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46607/a-admissibilidade-da-denunciacao-da-lide-que-introduz-fundamento-novo-a-causa. Acesso em: 23 dez 2024.
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