RESUMO: O presente trabalho visa analisar os dispositivos constitucionais que tutelam os direitos dos idosos. O crescimento da população idosa no Brasil fez surgir a necessidade de tutelas específicas para esse grupo populacional, diante de suas vulnerabilidades sociais. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, principal instrumento de defesa e promoção do ser humano no Brasil, estabelece um conjunto de normas destinadas à proteção das pessoas idosas, destinando um capítulo ao idoso. A dignidade da pessoa humana, a promoção da igualdade material e da assistência social são algumas normas protetivas do idoso trazidas pela Carta Magna.
Palavras-chave: Idoso. Tutela. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
INTRODUÇÃO
De acordo com dados do Censo 2010, promovido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem aproximadamente vinte milhões e quinhentos mil idosos no Brasil, o que significa que 10,8 % da população brasileira é composta por pessoas acima de 60 (sessenta) anos de idade. Isso significa que uma em cada dez pessoas brasileiras é idosa.
Estima-se que em 2050 a relação será de um idoso para cada cinco pessoas, o que elevará o número de centenários em 15 vezes. Caso sejam confirmadas essas projeções demográficas, antes da metade do século XXI, a população brasileira será composta em sua maioria por mulheres idosas (SILVA, 2012, p.108).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que no ano de 2025 o Brasil será o sexto país mais envelhecido do mundo, com mais de trinta e quatro milhões de idosos, e que até o ano de 2050 cerca de um quinto da população mundial será composta de anciãos, aumentando-se a proporção para um terço nos países desenvolvidos (FREITAS JR, 2008, p. 4).
O vertiginoso crescimento da população idosa exige que o Estado, a sociedade e as famílias estejam preparadas para atender às necessidades específicas dessa importante parcela populacional e, principalmente, para promover o seu bem-estar social, dirimindo a situação de exclusão social em que vivem atualmente.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê dispositivos que consagram a proteção e a promoção da pessoa idosa na sociedade brasileira, atribuindo essas funções tanto ao Estado, como à sociedade e à família, criando uma rede de proteção, consagrada pela promulgação do Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003.
1 DEFINIÇÃO DE IDOSOS
A delimitação de quem são as pessoas que se enquadram no conceito de idosos não é uma tarefa fácil, uma vez que os diferentes aspectos que envolvem a vida do ser humano como os sociais, biológicos e psicológicos influenciam diretamente seu envelhecimento.
Segundo Jordão Netto (1997, p. 33), na visão da gerontologia, ciência que estuda o envelhecimento do homem sob enfoques biológicos, psicológicos, ambientais e culturais, envelhecer é um processo natural, orgânico, dinâmico, progressivo e irreversível que se instala no indivíduo desde o nascimento e o acompanha por toda a vida, provocando alterações na forma do corpo, nas funções orgânicas e nas reações químicas do organismo.
A Constituição Federal, apesar de promover em seus dispositivos a proteção dos idosos, não se preocupou em definir quem seria assim considerado e atribuiu dúbio tratamento à pessoa idosa. Na alínea b do parágrafo primeiro do artigo 14, afirmou que o voto será facultativo para os maiores de 70 (setenta) anos e no inciso II do parágrafo primeiro do artigo 40 que os servidores públicos deverão ser compulsoriamente aposentados aos 70 (setenta) anos de idade. De forma diversa, no parágrafo segundo do artigo 230, a Carta Magna determinou que será garantida a gratuidade do transporte público aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos.
Em janeiro de 1994 foi promulgada a Política Nacional do Idoso – Lei nº 8.842/1994, que passou a definir idoso como a pessoa maior de 60 (sessenta) anos de idade, restando uma imprecisão quanto à inclusão ou não daqueles com exatos 60 (sessenta) anos de idade dentre os idosos.
Visando por fim à dúvida deixada pela Política Nacional do Idoso, a Lei nº 10.741/2003 - Estatuto do Idoso – estabeleceu em seu artigo 1º que são idosos aqueles com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define o idoso como a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, salvo nos países desenvolvidos, nos quais a idade sobe para 65 (sessenta e cinco) anos. Dessa forma, relaciona a expectativa de vida ao nascer com a qualidade de vida que as nações proporcionam aos seus cidadãos. Essa conceituação seguiu a Resolução 39/125 da Organização das Nações Unidas (ONU), fruto da Primeira Assembleia Mundial das Nações Unidas sobre o Envelhecimento da População, realizada em 1982, na cidade de Viena.
Observa-se que o Estatuto do Idoso, seguindo os parâmetros estabelecidos pela OMS, utilizou o critério cronológico para definir quem são os idosos, da mesma forma que fez o legislador quando tratou da criança e do adolescente, por exemplo.
No entanto, cabe destacar que este juízo de definição não é o ideal para identificar aqueles que realmente precisam ser protegidos pelo direito, pois, conforme os ensinamentos de Fabiana Barletta (2010, p. 30), a condição de idoso depende dos aspectos biopsicológicos de cada pessoa, devendo ser analisada no caso concreto. Ademais, a utilização do critério cronológico enquadra no mesmo grupo pessoas com idades e características muito variáveis, as quais precisam de proteções diversas.
Apesar das pertinentes críticas, a utilização do critério cronológico é a mais adequada para a aplicação da legislação brasileira, uma vez que a realização de avaliações das condições biológicas, psicológicas e sociais de cada indivíduo, para a análise de sua real condição de idoso, é completamente inviável no nosso ordenamento jurídico.
A Constituição Política do Império do Brasil, outorgada em 25 de março de 1824, assim como a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, primeira constituição da República, não trataram em seus dispositivos de quaisquer direitos relacionados aos idosos.
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 16 de julho de 1934, foi a primeira constituição brasileira que tratou explicitamente de um direito do ancião, trazendo no título “Da Ordem Econômica e Social” que a legislação trabalhista deveria observar a instituição da previdência a favor da velhice. Além disso, proibiu a diferença salarial em razão da idade, conforme as alíneas “a” e “h” do parágrafo primeiro do artigo 121.
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, outorgada em 10 de novembro de 1937, por Getúlio Vargas, conhecida como “Constituição do Estado Novo”, quanto aos idosos, na alínea “m” do artigo 137, estabeleceu apenas que a legislação do trabalho deveria garantir seguros de velhice.
Voltada ao reestabelecimento da democracia, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 18 de setembro de 1946, da mesma forma que as anteriores, mencionou no inciso XVI do artigo 157 somente aspectos previdenciários a favor da velhice. No entanto, também proibiu a diferença de salário por motivo de idade, nos moldes do inciso II do artigo 157.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, assim como a Emenda Constitucional nº 1 de 17 de outubro de 1969, não apresentaram inovações e trataram no inciso XVI do artigo 158 dos idosos apenas no contexto previdenciário.
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, vigente até os dias atuais, diferentemente das Constituições anteriores, que apenas asseguraram ao idoso o direito à previdência, trata explicitamente dos direitos dos idosos sob outros aspectos, os quais consistem no objeto de estudo deste trabalho e serão estudados nos tópicos a seguir.
Visando dar efetividade ao disposto na Constituição da República de 1988, foi promulgada em 04 de janeiro de 1994 a Lei nº 8.842, que dispôs sobre a Política Nacional do Idoso. Essa legislação infraconstitucional foi a primeira que cuidou de forma ampla dos direitos dos idosos no Brasil, criando mecanismos para a promoção de sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade.
Como uma consagração legal da Política Nacional do Idoso, em 01 de outubro de 2003 foi publicada a Lei nº 10.741, o Estatuto do Idoso, o qual estabeleceu regras de direito previdenciário, civil, processual civil, incluindo ainda, a proteção penal ao ancião. Constitui-se em um verdadeiro microssistema jurídico de proteção à velhice, que consolidou a matéria jurídica relativa aos direitos e garantias dos idosos.
Segundo Heloisa Helena Barboza (2009, p. 110), a palavra vulnerabilidade deriva do latim vulnerabilis, aquilo que pode ser ferido. Significa aquilo que se pode vulnerar, o lado mais fraco de um assunto ou questão e o ponto por onde alguém pode ser atacado ou ofendido (MICHAELIS, on line).
Fréderique Coeht-Cordey, citado por Ana Paula Ariston Barion Peres (2009, p. 48-49), define a vulnerabilidade como sendo “um fator de agravamento dos riscos”. Já Heloisa Helena Barboza (2009, p. 110) considera a vulnerabilidade uma cláusula geral da tutela da pessoa humana, alegando que essa se apresenta sob múltiplos aspectos existências, sociais e econômicos.
É importante destacar que, diante de sua fragilidade, todo ser humano é vulnerável, tratando-se de característica inerente a qualquer pessoa. Contudo, existem pessoas que se encontram em situação de maior vulnerabilidade, pois possuem peculiaridades que as tornam mais frágeis e desamparadas, diferenciando-se das demais, as quais são atingidas apenas pela vulnerabilidade inerente a todos os seres humanos. Por essa razão, aqueles vulnerados de formas mais intensa merecem uma “tutela específica (concreta)” (BARBOZA, 2009, p. 110).
Os idosos, inequivocamente, possuem vulnerabilidades específicas, as quais se originam das peculiaridades da idade avançada e do tratamento que recebem da família, da sociedade e do Estado.
O processo de senescência, consistente nas alterações físicas decorrentes da longevidade, a diminuição do poder econômico e a exclusão do mercado de trabalho são alguns fatores que caracterizam as vulnerabilidades dos idosos. Fabiana Barletta (2010, p. 27), citando Ana Amélia Camarano e Maria Tereza Pasianto, em notas de rodapé, acrescenta que:
Assume-se que a idade avançada traz vulnerabilidades, perda de papéis sociais com a retirada da atividade econômica, aparecimento de novos papéis (ser avós), agravamento de doenças crônicas e degenerativas, perda de parentes e amigos entre outras [...] Pode-se dizer que as principais características do grupo são o crescimento, proporcional à idade, das suas vulnerabilidades físicas e mentais e a proximidade da morte. (Sic)
4 TUTELA CONSTITUCIONAL DO IDOSO
4.1 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PRINCIPAL FORMA DE TUTELA CONSTITUCIONAL DOS IDOSOS
A constituição Federal de 1988 instituiu a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Ao tratá-la desse modo, o constituinte, além de atribuir dignidade às pessoas, impôs ao poder público o dever de respeito, proteção e promoção dos meios necessários à realização de uma vida digna.
A expressão “dignidade da pessoa humana” é vaga e de difícil definição, não sendo possível estabelecer um conceito que consiga abranger seus infinitos âmbitos de sua atuação na tutela da personalidade humana. Nesse sentido, Freitas Junior (2008, p. 10), citando Damásio de Jesus, leciona que:
Conquanto não se possa estabelecer conceito absoluto para o princípio da dignidade da pessoa humana, seja porque vazado em conceitos indeterminados, plurissignificativos ou dotados de ampla ambiguidade ou porque a ele poder ser associada toda e qualquer qualidade intrínseca do homem como tal, ou seja, do homem segundo sua própria natureza, é certo ser da condição humana que decorre a necessidade de o Estado afirmar a ordem jurídica respeitante dos valores agregados à idéia (sic) de dignidade da pessoa humana, impondo a todos o dever de abstenção ou de ação capaz de concretizar a absoluta intangibilidade do homem como tal.
A República Federativa do Brasil, fundada na dignidade da pessoa humana, consagra a organização do Estado centrada no ser humano, no homem como um fim em si mesmo e não como um instrumento para a realização de algo.
Para André Ramos Tavares (2011, p. 587), todas as pessoas são dotadas de dignidade, independentemente de qualquer condição pessoal, pois a Constituição da República a tratou como um atributo inerente à pessoa humana.
Quanto à sua abrangência, é indiscutível o fato de que o princípio da dignidade da pessoa humana consagra os direitos fundamentais, como a vida, a saúde, a segurança, a moradia e o trabalho.
Para Maria Cecília Bodin, citada por Heloisa Helena Barboza (2009, p.108), a dignidade da pessoa humana encontra expressão jurídica nos princípios da igualdade, da tutela da integridade psicofísica, da liberdade e da solidariedade.
Quanto à consagração do princípio da isonomia como expressão da dignidade da pessoa humana, é necessário observar não só seu aspecto formal, consagrado na ideia de que todos são iguais perante a lei, mas também seu aspecto material, o qual considera as desigualdades existentes entre os seres humanos, em razão de distintas situações psicofísicas, sociais e econômicas (BARBOZA, 2009, p. 108). Assim, deve-se conferir tratamento desigual aos desiguais, na medida de suas desigualdades, a fim de alcançar a igualdade substancial.
Dessa forma, dar tratamento diferenciado aos idosos em função de sua maior fragilidade social, é uma forma de efetivar o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, Paulo Barbosa Ramos (2003, p. 65) ensina que:
[...] o tratamento diferenciado aos idosos não constitui qualquer lesão ao princípio da isonomia, muito pelo contrário, é justamente a partir desse tratamento diferenciado que se assegura a eles os mesmos direitos que devem ser assegurados aos outros cidadãos que não se encontram nessa faixa etária. Portanto, o atendimento preferencial nos hospitais, que se encontram superlotados; nas filas dos bancos, comumente intermináveis; a gratuidade nos transportes coletivos urbanos, em regra precários e lotados, são compensações não somente às fragilidades fisiológica e física desse segmento, como também financeira, em se tratando do último direito elencado anteriormente.
No que se refere à observância da dignidade da pessoa humana quanto aos idosos, Freitas Junior (2008, p. 07) elenca algumas situações em que esse princípio é aplicável aos anciãos. Veja-se:
O artigo 47 do Estatuto do Idoso, assim, diz que as políticas sociais básicas, os programas de assistência social, os serviços especiais de prevenção e atendimento às vitimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade ou opressão, o serviço de identificação e localização de parentes ou responsáveis por idosos abandonados em hospitais e instituições de longa permanecia, a proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos dos idosos e a mobilização da opinião pública no sentido da participação dos diversos segmentos da sociedade no atendimento do idoso constituem os objetivos principais da política de atendimento ao idoso. Ora, todos os objetivos mencionados caracterizam sem dúvida alguma, a observância, por parte do Poder Público, da dignidade da pessoa humana.
O artigo 230 da Carta Magna determina que é dever da família, da sociedade e do Estado defender a dignidade dos idosos. Assim, é possível observar que a dignidade da pessoa de idade longeva foi duplamente assegurada na Constituição Cidadã, tanto no inciso III do artigo 1º como no caput do artigo 230, o qual busca não deixar qualquer dúvida sobre a aplicação desse importante princípio na tutela dos idosos.
Para Roberto Mendes de Freitas Junior (2008, p. 8), a partir da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento do estado brasileiro, todos os direitos da pessoa idosa estão garantidos constitucionalmente, uma vez que qualquer violação dos seus direitos fundamentais afrontará a sua dignidade. Assim, a dignidade da pessoa humana “constitui o princípio fundamental dos direitos dos idosos” (FREITAS JR, 2008, p.10)
Além disso, o inciso IV do artigo 3º da Carta Magna estabelece como um dos objetivos da República Federativa do Brasil a promoção dos bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Dessa forma, Freitas Junior (2008, p. 9) alega, com base nesse artigo, que todos os direitos e garantias reservados aos demais cidadãos devem ser estendidos aos idosos sem necessidade de qualquer outro texto legislativo.
Nilson Tadeu Reis Campos Silva (2012, p. 131) acredita que a interpretação sistêmica que se faz das garantias de igualdade material contida no inciso III do artigo 3º e formal contida no caput do artigo 5º e dos os fundamentos republicanos da cidadania e da dignidade da pessoa humana, formam uma cláusula geral de tutela da pessoa humana.
4.2 TUTELA ESPECÍFICA DO IDOSO
De forma inédita na história das constituições brasileiras, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe, de forma expressa, dispositivos que destinam aos idosos um amparo especial.
Na seção referente à assistência social, a Carta Magna estabelece a proteção à velhice como um dos objetivos daquela e garante, no inciso V do artigo 203, a concessão de um salário mínimo de benefício mensal ao idoso que comprovar a ausência de recursos suficientes para prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família, nos termos em que dispuser lei específica, qual seja, a Lei nº 8742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social).
Trata-se do benefício da prestação continuada (BPC), o qual é concedido apenas aos idosos com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, nos termos do caput do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). A concessão desse benefício assistencial decorre diretamente da dignidade da pessoa humana e da garantia do mínimo existencial, que consiste no fornecimento de recursos elementares para a sobrevivência digna do ser humano (IBRAHIM, 2014, p. 14).
No Título VIII do Capítulo VII, que trata da família, da criança, do adolescente, do jovem e do idoso, a Constituição de 1988 tutelou os anciãos nos artigos 229 e 230. Estabeleceu que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, bem como que tanto a família como a sociedade e o Estado têm o dever de amparar o idoso, assegurando sua participação na comunidade e defendendo sua dignidade e seu bem-estar. Nesse sentido, dispõem os supracitados artigos:
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
§ 1º - Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares.
§ 2º - Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.
O caput do art. 230 consagra o princípio da solidariedade social ao impor à família, à sociedade e ao Estado o dever de amparar o idoso. Interessante destacar que para Paulo Lôbo (2013, on line) a solidariedade é uma categoria ética e moral projetada no mundo jurídico e expressa um vínculo sentimental que impõe às pessoas deveres de cooperação, assistência, amparo, ajuda e cuidado em relação às outras.
Observe que o constituinte procurou proteger o idoso da forma mais abrangente possível ao conferir de forma simultânea a sua tutela a todos os agentes sociais. Desse modo, o dispositivo deve ser interpretado sempre da maneira mais ampla, a fim de conferir maior proteção àqueles de idade longeva.
O parágrafo primeiro do artigo 230 estabeleceu que os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares. Segundo Freitas Junior (2008, p. 13), os artigos 226 e 230 da Carta Magna, juntamente com o artigo 3º, inciso, V, do Estatuto do Idoso, consagram o princípio da manutenção dos vínculos familiares, de forma que a retirada do idoso de seu núcleo familiar é mediada extrema e excepcional. Leciona o autor que:
O idoso tem o direito de ser mantido em sue próprio lar, a fim de que sejam preservadas sua intimidade, o direito de propriedade, a privacidade, cultura e costumes, bem como pra garantir a manutenção dos laços familiares. [...] Necessário não olvidar, porém, que o convívio familiar não pode ser imposto ao idoso capaz, devendo constituir uma opção do mesmo. (FREITAS JR, 2008, p. 13/15)
Destaca-se que Carta Magna garantiu no parágrafo segundo do artigo 230 o direito à acessibilidade dos idosos ao estabelecer a gratuidade dos transportes coletivos para os maiores de 65 (sessenta e cinco) anos.
4.3 ANÁLISE CRÍTICA DOS ARTIGOS 14, §1º, “b” E 40, §1º
Apesar de a Constituição Cidadã ter construído de uma rede de normas constitucionais aptas a proteger e incluir o idoso na sociedade, dois de seus dispositivos merecem críticas, pois vão de encontro à sistemática de proteção e promoção do idoso. São eles o artigo 40, parágrafo 1º e artigo 14, parágrafo 1º, inciso II, alínea b, os quais preveem respectivamente a aposentadoria compulsória do servidor público aos 70 (setenta) anos de idade e o voto facultativo para os maiores de 70 anos de idade.
Quanto à previsão de aposentadoria compulsória para o servidor público que alcançar 70 (setenta) anos de idade, cuida-se de uma exclusão funcional sem qualquer cabimento constitucional. Constitui uma norma introduzida no ordenamento jurídico por meio da Constituição de 1934 que em nada se coaduna com as diretrizes de um sistema legal que traz como fundamento a dignidade da pessoa humana.
A retirada compulsória do servidor público de suas funções simplesmente porque ele atingiu determinada idade consiste em uma presunção de incapacidade que contribui para exclusão social do idoso, veementemente combatida pela Carta Magna e pela legislação infraconstitucional, demostrando-se flagrantemente inconstitucional. Nesse sentido, Nilson Tadeu Reis Campos Silva (2012, p. 135) leciona que:
Neste século XXI, a previsão da aposentadoria compulsória por idade, e não por inadequação funcional (como era à época do Império) configura uma excrescência constitucional a erodir o fundamento republicano da dignidade da pessoa humana, contribuindo para a conservação da imagem incapacitadora do idoso.
Com relação ao dispositivo que prevê o voto facultativo para os maiores de 70 anos, a doutrina diverge quanto ao seu papel no ordenamento jurídico.
Para alguns estudiosos, o dispositivo não exerce qualquer função protetiva e contribui para a apatia política da população idosa (RAMOS, 2003, p. 168-169), uma vez que presume de forma equivocada, mais uma vez, a sua incapacidade. O exercício do sufrágio universal é obrigatório para todos os maiores de dezoito anos de idade, sendo facultativo para os maiores de 16 (dezesseis) em razão de sua incapacidade relativa. Ora, o maior de 70 anos não é incapaz, não havendo qualquer razão pra essa falsa benesse, que apenas estimula a exclusão social dos velhos, fortalecendo a ideia de que sua vontade não é essencial para a sociedade. Corroborando esse entendimento, mais uma vez se faz necessária a transcrição das palavras de Silva (2012, p.135):
Essa regalia constitucional se traduz, a rigor, em fator de exclusão social do idoso, e só pode ser explicada pela menor valia a ele atribuída pelo ordenamento jurídico, uma vez que, sob o pretexto de amparo, despe o idoso da própria condição de cidadania. Assim, a significação, histórica até, do idoso como sujeito de direitos, estampada no art. 230 da Constituição de 1988, é esmaecida pela presunção de incapacidade retratada nos arts. 14 e 40.
No entanto, para parte da doutrina o dispositivo encontra-se em total consonância com as diretrizes protetivas do idoso, constituindo-se em faculdade que beneficia aqueles que estão fisicamente debilitados, privando-os da obrigação de se deslocar-se até as urnas para exercer o voto.
Com todo respeito àqueles que se posicionam dessa forma, tal entendimento não pode prosperar, uma vez que presume uma incapacidade que não necessariamente acomete o idoso. Não se está negando as vulnerabilidades de que o idoso padece, inclusive as de ordem física. No entanto, se aos deficientes não é dado o “benefício” do voto facultativo também não se deve fazê-lo com relação ao idoso, principalmente diante do quadro de exclusão social em que se encontram, o qual só é agravado com a existência de tal dispositivo.
Se em razão de vulnerabilidades físicas decorrentes da idade, tornar-se difícil para determinados idosos o deslocamento aos locais de votação, a eles devem ser garantidas condições de acessibilidade para que possam exercer sua cidadania por meio do voto. Caso isso não seja possível, em decorrência da completa impossibilidade de comparecer ao local de votação, poderia ser dispensado de votar, pelo juiz eleitoral, por meio de requerimento, da mesma forma que ocorre com os portadores de deficiência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O idoso merece proteção especial do ordenamento jurídico brasileiro, em razão de suas vulnerabilidades. Em razão disso a Carta Magna tutelou seus direitos, assegurando-lhe a dignidade da pessoa humana e o respeito à igualdade material.
Dessa forma, deve-se buscar o respeito aos direitos do ancião. Não se pode mais admitir o tratamento vexatório que muitas vezes lhe é conferido pelo Estado, pela sociedade e pelas famílias.
É importante ressaltar que a proteção conferida ao idoso não pode retira a sua autonomia e liberdade, uma vez que a velhice não é causa de incapacidade para o exercício de direitos. Assim, é necessário encontrar um equilíbrio entre proteção jurídica e tutela da autonomia daquele que apesar de vulnerável em determinados aspectos não é incapaz.
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Advogada, graduada no curso de Bacharelado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARAIVA, Luana de Lima. A tutela constitucional da pessoa idosa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 maio 2016, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46615/a-tutela-constitucional-da-pessoa-idosa. Acesso em: 23 dez 2024.
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