RESUMO: O início histórico do desenvolvimento da ciência trabalhista é marcado pela separação entre o trabalhador e os meios de produção, de modo a viabilizar o monopólio dos instrumentos de trabalho a uma classe aquisitivamente dominante. A sociedade capitalista, hoje predominante na grande maioria dos Estados, iniciou-se pela exploração do indivíduo e da sua força de trabalho. O valor, sem dúvida, era a característica maior de tudo que era produzido e daquele que produzia.
PALAVRAS-CHAVES: capitalismo, mais-valia, trabalho.
INTRODUÇÃO
No princípio da implantação do sistema capitalista, a “mais-valia” surgiu como modo de demonstrar a relação entre o salário pago e o valor do trabalho produzido. É certo que a disparidade entre os fatores mencionados foi a primeira conclusão que os sociólogos chegaram acerca do surgimento deste sistema econômico.
Inicialmente, o valor do trabalho a ser tomado na análise do produto era visto como muito menor do que a mercadoria a ser vendida. Além disso, o salário era considerado como necessário para o suprimento de necessidades básicas e fisiológicas do homem, o que possibilitava a o pagamento de valores irrisórios, que garantisse apenas a sobrevivência, ainda que indigna.
O capitalismo, em suma, não estava ligado apenas à economia, mas também e principalmente ao pensamento de uma época, dotado de preconceitos e análises superficiais dos indivíduos.
O VALOR DA JORNADA DE TRABALHO E DO TRABALHADOR
A base de cada sociedade humana é o trabalho: indivíduos cooperam entre si num processo para fazer uso das forças da natureza e suprir suas necessidades básicas. Nas sociedades capitalistas esse processo pressupõe uma separação entre o trabalhador e os meios de produção, de modo a viabilizar o monopólio dos instrumentos de trabalho a uma classe aquisitivamente dominante.
Nesse contexto, os trabalhadores possuiriam liberdade quanto aos meios de produção e liberdade para disporem de si mesmos e integrarem o mercado de trabalho com sua única mercadoria: a força de trabalho capaz de produzir e gerar valor. Esta força seria o conjunto das capacidades físicas e espirituais que existem no indivíduo vivo e que ele põe em movimento para produzir.
O trabalho na sociedade capitalista difere dos das outras sociedades. Os trabalhadores, antes detentores do seu próprio trabalho e com domínio total do processo produtivo, passam a vender sua força de trabalho em troca de pagamento. O tempo e o espaço de trabalho são outros: o relógio passa a mensurar a quantidade de trabalho em horas. O espaço físico deixa de ser o lar e é na fábrica que os trabalhadores vão se condicionar a um disciplinamento constante. A atividade laborativa exigia disciplina na execução de tarefas mecanicamente repetitivas, não se tinha horário para descanso e muitas vezes as refeições eram feitas ao lado das máquinas. O trabalhador abdicava da convivência com amigos e parentes, horas de lazer, descanso e mesmo estudo para se dedicar exclusivamente ao trabalho. Isso ocorria porque os salários, muito baixos, não possibilitavam mais do que o nível de sobrevivência. O indivíduo se reduzia a uma máquina, assim como aquela com a qual trabalhava.
O valor é a característica maior de tudo que é produzido. Marx associa o valor à utilidade conferida a um produto por alguém, tida por ele como o valor de uso. As necessidades satisfeitas por um valor de uso podem ser físicas, cognitivas ou mesmo instrumentais. Alimentos possuem um valor de uso físico: são necessários a sobrevivência do homem. Um livro, por sua vez, apesar de não se associar as necessidades básicas, também possui um valor de uso, pois as pessoas necessitam da leitura. Semelhante a esses últimos estão a faca, o machado, o cobertor e a roupa. A metralhadora de um assassino ou o cassetete de um policial possuem um valor de uso tanto quanto um pacote de arroz ou o bisturi de um cirurgião.
Sob o capitalismo, todavia, os produtos do trabalho tomam a forma de mercadorias. Para que isso ocorra é necessário que o já citado valor de uso e o valor de troca estejam separados por uma divisão de trabalho altamente desenvolvida na sociedade. Mercadorias não possuem apenas um valor de uso, mas tem como essência o seu valor de troca, pois não são feitas para serem consumidas diretamente, mas para serem vendidas. Os valores de uso e de troca, por sua vez, não são correspondentes. O fato primordial que os distingue está na utilidade que deve possuir o valor de uso, enquanto que o valor de troca apenas corresponde ao montante pelo qual será este trocado por outras mercadorias. O fato secundário, porém de total relevância, é que no valor de troca se embute a mais-valia. Esta é tida por Marx como a diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador. Assim, fica constituído um meio de exploração do trabalhador pelos detentores dos meios de produção.
Há, no capitalismo, uma esfera de circulação de mercadorias onde a força de trabalho é comprada e vendida por homens livres e juridicamente iguais. Livres porque comprador e vendedor de uma mercadoria são determinados apenas por sua livre vontade, e iguais porque diante do capital todos os seres humanos são dotados de igualdade.
Como qualquer outra mercadoria, a força de trabalho também possui valor, que é determinado pelo tempo necessário à sua produção, portanto também reprodução, desse artigo específico. Assim, seu valor corresponde ao valor dos meios de subsistência necessários à manutenção do seu possuidor:
O seu valor, como o de qualquer outra mercadoria, estava determinado antes de ela entrar em circulação, pois determinado quantum de trabalho social havia sido gasto para a produção da força de trabalho, mas o seu valor de uso consiste na exteriorização posterior dessa força. (MARX, 1996, v.1, p.278).
O valor de uso da força de trabalho é o trabalho, e uma vez que o trabalhador tenha sido empregado, o capitalista coloca-o para trabalhar. Mas o trabalho é a fonte de valor, e, além disso, o trabalhador criará durante um dia de trabalho mais valor do que o capitalista paga por seus dias de trabalho. Mas o decisivo [para o capitalista] foi o valor de uso específico desta mercadoria ser fonte de valor, e de mais valor do que ela mesma tem. (MARX, 1996, v.1, p.160).
Como comprador da força de trabalho, o objetivo do capitalista é tirar o maior proveito do valor de uso de sua mercadoria, pois o capital tem o impulso vital de valorizar-se. Nesse sentido, ele procura prolongar desmedidamente a jornada de trabalho tanto quanto possível para, através da mais-valia, absorver a maior massa possível de trabalho. A acumulação de capital aumenta quanto mais dividido é o trabalho, e vice-versa, sendo o trabalho a única fonte de riqueza na concepção do capitalista.
Se considerarmos um dia de trabalho de 8 horas e que 4 horas desse dia bastassem para pagar o salário desse indivíduo, as demais 4 horas seriam embolsadas pelo patrão. O que ocorre é semelhante ao indivíduo trabalhar 5 dias para si e 5 dias gratuitamente para o capitalista. Isso, porém não é claro e visível, pois o trabalho e o mais-trabalho confundem-se para a realidade do trabalhador, perpetuando sua exploração.
É neste ponto que Marx fundamenta sua teoria da mais-valia. Esta, ou lucro, é meramente a forma peculiar de existência do trabalho excedente no modo de produção capitalista. A importância desta análise da compra e venda de trabalho permite-nos traçar origens da exploração do trabalhador pelo capital. Essa exploração somente é possível porque o modo de pensar, agir e sentir do trabalhador foram forjados pela sua classe social:
Na produção social de sua vida, os homens entram em relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, em relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, ou seja, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas determinadas de consciência social. (LEFEBVRE, 1971, p.106).
Assim, é possível perceber que a ideologia capitalista mantém mascarada a realidade de exploração a que são submetidos os trabalhadores. Estes, certos de que cumprem seu trabalho e por ele recebem salário, e profundamente dependentes do emprego para sobreviverem, ficam mentalmente impossibilitados de agirem criticamente contra as condições, por vezes desumanas, a que são submetidos. É fato ainda que o produtor é alienado de seu produto, bem como todo o processo de produção, tornando-se um especialista de uma atividade isolada. Tendo em vista que a atividade produtiva é fonte da consciência, certo é que essa alienação da atividade gera também uma consciência alienada. Torna-se assim uma alienação não apenas de bens materiais, mas também físicos, mentais, políticos, econômicos, etc.
Voltando ao já explicitado, tem-se que a jornada de trabalho não é dada de forma constante. Ela se constitui por uma parte em que o trabalhador é remunerado, e por outra em que ele é explorado. A parte referente ao necessário à sobrevivência do trabalhador possui um limite mínimo, pois se associa a reprodução do próprio trabalhador. Sua grandeza total, entretanto, é variável: muda com a duração do mais-trabalho. Com base no modo de produção e pensamento capitalista, não haveria limite máximo para a jornada de trabalho, afinal, quanto mais trabalho, mais mercadorias com valores de troca muito maiores do que os valores de uso e conseqüentemente mais lucro. No entanto, vale lembrar que aquele que produz as mercadorias possui limitações físicas e mentais. Dessa forma, a jornada de trabalho possui sim um limite máximo independente do desejo do capitalista.
O limite máximo da jornada de trabalho pode ser duplamente determinado. Durante um dia natural de 24 horas, todo indivíduo necessita de um tempo mínimo para suprir necessidades básicas como alimentar-se, vestir-se, dormir, higienizar-se etc. Não há como o mesmo dispor de 16 horas do seu dia para dedicar-se ao trabalho, por exemplo. Além deste, existe o limite moral em que se esbarra o mais-trabalho. Um indivíduo necessita de um mínimo de tempo para relacionar-se, desfrutar do lazer, satisfazer suas necessidades espirituais e sociais.
O capitalista tem sua própria visão sobre esta última Thule, o limite necessário da jornada de trabalho. Como capitalista ele é apenas capital personificado. Sua alma é a alma do capital. O capital tem um único impulso vital, o impulso de valorizar-se, de criar mais-valia, de absorver com sua parte constante, os meios de produção, a maior massa possível de mais-trabalho. O capital é trabalho morto, que apenas se reanima, à maneira dos vampiros, chupando trabalho vivo e que vive tanto mais quanto mais trabalho vivo chupa. O tempo durante o qual o trabalhador trabalha é o tempo durante o qual o capitalista consome a força de trabalho que comprou. Se o trabalhador consome seu tempo disponível para si, então rouba ao capitalista. (MARX, 1996, v.1, p.330).
Da maneira mais simples, o capital é uma acumulação de valor que atua para criar e acumular mais valor. A mais-valia, ai exposta, se confunde com a própria noção de lucratividade a partir da exploração do trabalhador; ela é quem alimenta o burguês, o capitalista.
O estabelecimento de uma jornada normal de trabalho é o resultado de uma luta multissecular entre capitalista e trabalhador. Nada melhor para explicitar a exploração do homem embasada no processo capitalista da mais-valia do que os ramos de produção da revolução inglesa. Em meio ao glamour e o poderio financeiro da Inglaterra, jovens e adultos definhavam atrás de máquinas fazendo, muitas vezes, mais de 16 horas de trabalhos diários. O impulso à prolongação da jornada de trabalho, a voracidade por mais lucro levava a abusos desmesurados contra os trabalhadores.
As fábricas do início da Revolução Industrial representavam péssimos ambientes de trabalho. Tinham instalações precárias, muitas vezes sem iluminação, abafadas e sujas, colocando em risco a vida dos trabalhadores. Os salários recebidos pelos trabalhadores beiravam o nível da sobrevivência. Não havia direitos trabalhistas como férias, décimo terceiro salário, auxílio doença ou descanso semanal remunerado. Os trabalhadores estavam sujeitos a castigos físicos dos patrões e quando desempregados, ficavam sem nenhum tipo de auxílio, passando até por situações de precariedade. No quadro de funcionários das fábricas as crianças também eram incluídas, porém estas recebiam salários bem mais baixos que os dos adultos. Na indústria têxtil os menores formavam até 50% da massa trabalhadora.
Como uma classe, os ceramistas, homens e mulheres, (...) representam uma população física e moralmente degenerada. São em regra raquíticos, mal construídos e freqüentemente deformados no peito. Eles envelhecem antes do tempo e são de vida curta, flegmáticos e anêmicos, denunciam a fraqueza de sua constituição por meio de obstinados ataques de dispepsia, perturbações hepáticas e renais e reumatismo. Sobretudo sofrem sob as doenças do peito, pneumonia, tísica, bronquite e asma. Sofrem de uma forma peculiar desta última conhecida como asma de ceramista ou tísica de ceramista. A escrofulose, que ataca as amígdalas, os ossos e outras partes do corpo, é uma doença que afeta mais de 2/3 dos ceramistas. A degenerescência da população deste distrito não é muito maior exclusivamente graças ao recrutamento dos distritos rurais circunvizinhos e ao casamento com raças mais sadias. (MARX, 1996, v.1, p.342-343).
Em contrapartida o trabalhador, afirmando seus direitos como vendedor de trabalho, impõe limites ao mais-trabalho, determinando para a jornada de trabalho uma grandeza normal e aceitável para sua vida.
Em uma análise dialética, Karl Marx afirmou que o sistema capitalista representa a própria exploração do trabalhador por parte do dono dos meios de produção, na disputa desigual entre capital e proletário. Para absorver o trabalho, com cada gota de mais-trabalho, o capitalista investe no processo de valorização do tempo e do suporte físico dos operários. Caso não faça isso, tem então o prejuízo, que aumenta proporcionalmente ao tempo de ociosidade dos trabalhadores. O prolongamento da jornada de trabalho além dos limites do dia natural, adentrando a noite, faz com que o capital se multiplique apropriando-se da vida social, física e moral do trabalhador.
Além da precariedade do ambiente de trabalho no período já citado, quando chegavam em casa a vida não se tornava melhor. Os trabalhadores moravam em ruas que não tinham calçadas e os esgotos corriam a céu aberto. A água não era tratada e isso facilitava o contágio com doenças, como a cólera. O problema da poluição do ar deslanchou com as fábricas que, nesta época, passaram a lançar no ambiente substâncias poluentes e tóxicas como fuligem das caldeiras e produtos usados no tratamento dos tecidos e das tintas. Doenças respiratórias como asma, bronquite, tuberculose e pneumonia se tornaram comuns nas cidades inglesas.
Todos os membros da família do trabalhador também eram trabalhadores, submetidos sem distinção aos mesmos trabalhos. A inferioridade do salário das mulheres e das crianças justificava a intensa procura por essa mão-de-obra nas fábricas. Um dos motivos, além do barateamento de custos, era a maior facilidade de se disciplinar esses dois grupos de operários. As crianças eram utilizadas nas fábricas e nas minas de carvão, sendo que muitas morriam devido ao excesso de trabalho, da insalubridade do ambiente e da desnutrição. Também trabalhavam na agricultura, freqüentemente mal agasalhadas, no campo ou na fazenda, sob qualquer condição climática.
O método de fazer meninos trabalhar alternadamente de dia e de noite leva ao iníquo prolongamento da jornada de trabalho, tanto nos períodos de maior pressão dos negócios, quanto no seu decurso normal. Esse prolongamento em muitos casos não é apenas cruel, mas também simplesmente inacreditável. Não pode deixar de ocorrer que, por esse ou aquele motivo, um menino falte vez ou outra ao revezamento. Um ou mais dos meninos presentes que já concluíram sua jornada de trabalho têm então de preencher a falta. Esse sistema é tão conhecido que o gerente de uma laminação, quando perguntei-lhe como seria substituído o menino que faltara ao seu turno, respondeu: Eu sei que o senhor sabe disso tão bem quanto eu, e não hesitou em admitir o fato. (MARX, 1996, v.1, p.355).
Durante toda a sua existência o trabalhador nada mais é do que uma máquina que trabalha para valorizar o capital que nem ao menos lhe pertence. Não há tempo para desenvolvimento da intelectualidade humana, dos estudos, da religiosidade ou mesmo das relações interpessoais.
(...) o capital atropela não apenas os limites máximos morais, mas também os puramente físicos da jornada de trabalho. Usurpa o tempo para o crescimento, o desenvolvimento e a manutenção sadia do corpo. Rouba o tempo necessário para o consumo de ar puro e luz solar. Escamoteia tempo destinado às refeições para incorporá-lo onde possível ao próprio processo de produção, suprindo o trabalhador, enquanto mero meio de produção, de alimentos, como a caldeira, de carvão, e a maquinaria, de graxa ou óleo. Reduz o sono saudável para a concentração, renovação e restauração da força vital a tantas horas de torpor quanto a reanimação de um organismo absolutamente esgotado torna indispensáveis. Em vez da conservação normal da força de trabalho determinar aqui o limite da jornada de trabalho, é, ao contrário, o maior dispêndio possível diário da força de trabalho que determina, por mais penoso e doentiamente violento, o limite do tempo de descanso do trabalhador. O capital não se importa com a duração de vida da força de trabalho. O que interessa a ele, pura e simplesmente, é um maximum de força de trabalho que em uma jornada de trabalho poderá ser feita fluir. Atinge esse objetivo encurtando a duração da força de trabalho, como um agricultor ganancioso que consegue aumentar o rendimento do solo por meio do saqueio da fertilidade do solo. (MARX, 1996, v.1, p.362).
A atenção do capitalista esta limitada à relação entre a divisão do trabalho e a acumulação de capital, fatores esses que interferem em seus lucros. Pouco se importa com a desvalorização da dimensão humana que o capital produz. O trabalho alienado, ou seja, aquele em que o indivíduo não reconhece o produto de seu próprio trabalho, alienando-o no ato da produção, tem como conseqüência a propriedade privada. Além disso, ideologicamente se convence o operário do possível acesso ao bem por ele mesmo produzido.
Não bastasse a desvalorização da dignidade humana, sobretudo no trabalho, pelo capitalista, apresenta-se a todos uma cultura intimamente ligada ao trabalho e que faz dele sinônimo de caráter e realização da pessoa enquanto ser. O trabalho contém representações simbólicas para o homem, de forma que o mesmo o veja como forma de se edificar socialmente, adquirindo utilidade frente à sociedade. Muitas vezes, no entanto, o trabalho se converte em forma de opressão ao trabalhador, o expondo de forma grosseira e desumana. Os indivíduos se submetem a essas condições não apenas pela necessidade de sobrevivência e sustento da família, mas também pelo sentimento de “dignidade social”. . Além disso, no contexto social o poder aquisitivo, alcançado através do trabalho, confere maior status quanto maior a capacidade de consumo apresentada, sendo este outro fator gerador da supervalorização do trabalho em detrimento do trabalhador. A dimensão do “ter” se sobrepõe à do “ser”.
Nesse sentido, o trabalho vem se tornando um valor do ser humano, sendo que, a partir do momento em que o indivíduo é destituído desse bem ele se torna indigno. Assim, torna-se o trabalho um importante instrumento de integração social, forjando uma sociabilidade que ata trabalho e trabalhadores.
O Direito, nesse contexto de supervalorização do trabalho e depreciação do homem enquanto pessoa dotada de honra, decorre da emergência das categorias da liberdade e da igualdade que convém ao capital, tornando os homens sujeitos de direito. Como conseqüência disso, a compra e venda da força de trabalho adquire expressão jurídica a partir de um contrato. A ciência jurídica, para Marx, seria fruto das relações sociais e o Estado não seria representante dos interesses coletivos como se propõe a ser, mas sim um instrumento de poder de uma classe sobre outra.
A partir dessa intervenção jurídica, o trabalho privado se torna trabalho social. Para Marx, a idéia de direito faz com que as determinações do capital fiquem imperceptíveis. Os trabalhadores não conseguem identificar a exploração do capital justamente por conviverem com as idéias de liberdade e igualdade burguesas, quando na verdade são “forçados a se venderem voluntariamente”. Por ser uma relação fundada no assalariamento e não na coerção direta sobre o trabalhador, desde suas origens o capitalismo obriga o homem a ser livre para que possa vender sua força de trabalho.
Segundo Marx, a exploração capitalista é maquiada pelo efeito ilusório do direito: a extração de mais-valia, ou mais-trabalho, é encoberta pela relação jurídica de compra e venda a que se submetem, por sua “livre vontade”, dois sujeitos de direito formalmente iguais. Sobre isto, na obra O Capital, Marx expõe:
O que a experiência em geral mostra ao capitalista é uma superpopulação constante, isto é, superpopulação em relação à necessidade momentânea de valorização do capital, apesar de que seu fluxo seja constituído de gerações humanas atrofiadas, cuja vida se consome depressa, que rapidamente se suplantam, como se fossem, por assim dizer, colhidas prematuramente. (MARX, 1996, v.1, p.365-366).
Apesar disso o Direito, enquanto instituidor e regulador do Estado, não pode ser concebido apenas de forma ideológica, pois não há como suprimir a realidade e a materialidade das relações das quais ele é expressão.Nesse sentido, o seu objetivo e das atividades dos juristas é regular as relações trabalhistas de modo que ninguém seja lesado. É evidente que apesar de o tratamento jurídico ser igualitário os sistemas econômico e social não possuem a mesma característica. Sendo assim, acredita-se que o tratamento jurídico deva direcionar-se para as particularidades de cada indivíduo visando diminuir as desigualdades, desmascarando definitivamente a ideologia jurídico-burguesa de que proletários e capitalistas são iguais. Considerado por Paulo Bonavides um dos princípios mais igualitários, a idéia de “dar a cada um segundo suas necessidades” se faz aplicável nesse cenário em que o predominante abismo entre as classes insiste em permanecer. Cabe aqui a conformação da lei à situação concreta analisada, baseando-se o jurista em princípios constitucionais de justiça e direitos fundamentais para que a verdadeira equidade se concretize e o homem enquanto centro do ordenamento jurídico esteja também no centro de suas finalidades.
Como uma sociedade que busca afirmar seus ideais democráticos, tem-se como necessidade essencial não apenas a valorização do trabalho mas também a dignificação do trabalhador por meio de honrosas condições de trabalho e salários. A economia deve estar a serviço do homem e não ser este sacrificado em nome do capital e do lucro.
CONCLUSÃO
Durante toda a sua existência o trabalhador nada mais é do que uma máquina que trabalha para valorizar o capital que nem ao menos lhe pertence. Não há tempo para desenvolvimento da intelectualidade humana, dos estudos, da religiosidade ou mesmo das relações interpessoais.
Não bastasse a desvalorização da dignidade humana, sobretudo no trabalho, o capitalismo, inicialmente, apresentava-se a todos como uma cultura intimamente ligada a determinação do indivíduo enquanto ser. Esse, entretanto, era definido pela quantidade e pelo valor do seu trabalho. Destaca-se que, como visto, o trabalho contém representações simbólicas para o homem. Esse deve, diferentemente do que ocorria, determinar que o ser humano veja o exercício das atividades laborais como forma de se edificar socialmente, adquirindo utilidade frente à sociedade.
Apesar do estudo mencionar uma perspectiva histórica do desenvolvimento do trabalho na sociedade, cumpre vislumbrar o quanto desta ainda sobrecarrega a contemporaneidade. Apesar de ter-se a ciência trabalhista brasileira bem definida e muito aplicada, no cotidiano ainda se vê focos de graves abusos aos direitos dos trabalhadores. Cabe a sociedade repensar o quanto da mais valia foi deixada e o quanto ainda remanesce na atualidade.
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Advogada. Graduação pela Universidade Estadual de Londrina. Pós Graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Damásio de Jesus e em Direito Constitucional pela LFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MIRANDA, Lara Caxico Martins. O valor da jornada de trabalho e do trabalhador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 maio 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46696/o-valor-da-jornada-de-trabalho-e-do-trabalhador. Acesso em: 23 dez 2024.
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