RESUMO: Partindo-se da premissa de que o duplo grau de jurisdição não se reveste de intangibilidade, mas, ao contrário, admite temperamentos, ressoa irretorquível constar-se que o acesso à justiça não se confunde com o manejo de recursos, e tampouco os de natureza excepcional, dirigidos aos tribunais superiores. Com efeito, norteando-se pela constatação de que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça são jungidos à concretização de escopos maiores, que não relacionados estritamente aos interesses intersubjetivos das partes protagonizadoras do litígio, mas alinhados ao controle do direito objetivo, é de rigor o erigimento de uma mudança de perspectiva dos litigantes no que toca à errônea presunção de que o ato de recorrer deve ser encarado como regra. Nesse esteio, merecem ser cotejados os instrumentos de celeridade propugnados pelas reformas legislativas engendradas após a edição da Emenda Constitucional n.º 45/04, cuja relevância para a filtragem de processos e a consequente abreviação do tempo das demandas deve ser memorada. Contudo, não se poderia deixar de ponderar que tão somente a concepção de mecanismos voltados à seleção de causas a serem apreciadas via recursos de superposição não tem o condão de, por si só, contribuir eficazmente para a entrega da prestação jurisdicional tempestiva, se, concomitantemente, não se caminhar em direção ao rompimento com a funesta ideia de que a decisão exarada pelo magistrado de primeiro grau, invariavelmente, é digna de reparos, sob a ótica de que o pronunciamento dos julgadores organizados em colegiado seria dotado de maior legitimidade.
Palavras-chave: razoável duração do processo – instâncias extraordinárias – filtragem processual.
ABSTRACT: Starting from the premise that the two levels of jurisdiction does not put on intangibility, but instead admits temperaments, resonates unanswerable appear that access to justice should not be confused with resource management, nor the exceptional in nature, directed to the higher courts. Indeed, guiding themselves by the fact that the Supreme Court and Superior Court are yoked to the achievement of larger scopes, not strictly related to the interests of the parties intersubjective protagonists the dispute, but aligned to the right of the control objective is erect the rigor of a change in perspective of litigants regarding the erroneous assumption that the act of appeal should be regarded as a rule. In this pillar, shall be collated instruments quickly upheld by legislative reforms engendered after the enactment of Constitutional Amendment. º 45/04, whose relevance to filtering processes and the consequent shortening of the time demands should be remembered. However, one could not help pondering that as only the design of mechanisms aimed at selecting cause resources to be enjoyed via superposition does not have the power to, by itself, contribute effectively to the delivery of timely adjudication if concomitantly , do not walk into the break with the disastrous idea that the decision rendered by the judge of first instance, invariably, is worthy of repairs, from the perspective of the pronouncement of the judges would be organized in collegiate endowed with greater legitimacy.
Keywords: reasonable length of proceedings - extraordinary instances - filtering procedure.
1 INTRODUÇÃO
O homem, enquanto indivíduo social consciente da falibilidade que é ínsita à espécie humana, oferece resistência em curvar-se a uma única decisão, desprovida do crivo da reanálise. Isto é, em regra, impera nas pessoas a necessidade psicológica de que a imposição de outrem (Estado juiz) que, em alguma medida, albergue carga de gravame, submeta-se ao exame de julgadores diferentes do originário, como forma de legitimar o “acerto” ou o “erro” do pronunciamento estatal e, por via de consequência, autorizar o cumprimento do que, ao final, restar certificado pela impossibilidade de mutação do decisium.
Destarte, é esse o cenário fértil para o desdobramento de concepções propugnadoras da multiplicidade de recursos processuais em nosso ordenamento jurídico, calcando-se na (errônea) ideia de que a amplitude dos meios de irresignação, acompanhada da variedade de órgãos judiciais apreciadores da lide, constituiria garantia de aproximação quanto ao alcance do valor “justiça”.
Entretanto, a conformação hodierna do sistema recursal brasileiro, em que é exacerbada a facilidade de insurgência contra os provimentos do Poder Judiciário, o que inclui o acesso ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, tem se constituído em verdadeira obstaculização da efetivação da prestação jurisdicional em tempo compatível com a persistência do interesse do jurisdicionado no gozo da bem da vida pretendido quando do acionamento da máquina judiciária. Nesse viés de abarrotamento de processos perante as instâncias extraordinárias, estas terminam por se distanciar da função precípua de intervenção excepcional na realização de interesses insculpidos na Magna Carta, representados pela guarda da Constituição Federal (STF) e pela uniformização de leis federais (STJ).
Ora, a morosidade da Justiça brasileira está definitivamente ligada à tradição e cultura nacionais, que sempre mostraram uma grande simpatia e afinidade pelos recursos, jungido-se ao favorecimento do reexame da decisão de um órgão inferior por um órgão superior, o que, consequentemente, amplia em muito as demandas processadas nas Cortes Superiores, deixando-as ainda mais obstruídas.
Diante de tamanha sobrecarga, não restam dúvidas de que, atualmente, a atividade das Cortes Superiores ainda se encontra evidentemente cerrada, demandando a busca por mecanismos que possam reconstituir a desejável eficiência do fluxo decisório no âmbito dos órgãos jurisdicionais, com vistas a tornar a tramitação processual mais célere e racional. Essa busca pelo resgate da celeridade processual tem pautado, nos últimos anos, não só o trabalho do constituinte derivado, mas também a atividade do legislador ordinário e dos maiores doutrinadores e processualistas da comunidade jurídica pátria.
Nesse contexto, a Emenda Constitucional n.º 45/2004 representa o mais importante pilar da “Reforma do Judiciário”, principalmente no que se refere ao enquadramento da razoável duração do processo no rol de direitos fundamentais, pela introdução, no art. 5º, do inciso LXXVIII.
Com o escopo de garantir a efetivação da referida cláusula pétrea, o legislador cada vez mais tenta instituir instrumentos que possam contribuir não apenas para a celeridade processual, mas também para a qualidade das decisões a serem proferidas, o que é de grande relevância, ante os números preocupantes de litígios que assoberbam o Poder Judiciário, e, em especial, os tribunais de superposição.
Assim sendo, o presente trabalho não é erigido sob a perspectiva de absoluta negação à interposição de recursos pelos protagonistas processuais inconformados diante de eventual “injustiça” cometida pela autoridade judicante. Ao revés, a mola propulsora deste estudo está assentada na demonstração de que a falta de maiores critérios de seleção das demandas que são deslocadas aos tribunais superiores compromete seriamente o direito fundamental ao desfecho das querelas processuais num interregno de tempo razoável.
Buscar-se-á, portanto, debruçar a importância dos mecanismos de filtragem processual para fins de bloqueio de demandas que, não albergando a relevância necessária à invocação da intervenção dos julgadores integrantes dos tribunais de superposição, terminam por distanciar-lhes da missão constitucional que lhes foi delegada.
O duplo grau de jurisdição, malgrado ordinariamente categorizado como princípio processual constitucional, em verdade, não se encontra expressamente consignado na Magna Carta, sendo aplicado, com efeito, através da interpretação gramatical do inciso LV do art. 5º da Constituição Federal, que assim preleciona: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos litigantes em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Segundo se extrai da redação constitucional supra, o duplo grau de jurisdição está associado ao contraditório e à ampla defesa, motivo por que o legislador ordinário criou uma série de espécies recursais, plasmadas em sua maioria no Código de Processo Civil, porém não esgotas no referido diploma, uma vez que legislações extravagantes, a exemplo da Lei n. 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), também contemplam modalidades de combate dos provimentos judiciais.
Questão interessante, nesse ínterim, é exposta por José Cretella Neto[1], ao aduzir que a tradição recursal já era realidade em Roma, conferindo-se, naquela época, o poder de revisar as decisões ao imperador, o que amplificava com ainda mais vigor o seu já enorme controle sobre a sociedade.
Sob uma ótica estrita, é indubitável que o postulado em tela colabora para o retardo na oferta da prestação jurisdicional, notadamente quando se constata que quase todas as espécies recursais podem albergar efeito suspensivo, o que culmina no sacrifício processual suportado pela parte adversa àquela que manejou a irresignação, que terá de aguardar pelo pronunciamento da instância superior para ver o seu direito confirmado, e mais, para que tenha o direito de requerer a instauração da execução, na técnica do cumprimento da sentença, se a decisão exequenda determinou o adimplemento da obrigação de pagar soma em dinheiro, por exemplo[2]. Ainda no viés de demonstrar a relação da extensa gama de recursos disponíveis com o comprometimento da celeridade, a título de ilustração, pode ser citada a hipótese de um processo cuja sentença é exarada em tempo além do que seria esperável, tendo em vista a proliferação de decisões interlocutórias, as quais desafiaram agravos.
Malgrado as ponderações esboçadas retro, não se pode olvidar que a prevalência do duplo grau de jurisdição repousa na necessidade de controle dos atos judiciais, com o escopo de evitar que uma injustiça ou uma ilegalidade prevaleça, acaso inexistente recurso hábil a confrontá-la, conforme preleciona Antônio Carlos de Araújo Cintra:
Mas o principal fundamento para a manutenção do princípio do duplo grau de jurisdição é de natureza política: nenhum ato estatal pode ficar imune aos necessários controles. O Poder Judiciário, principalmente onde seus membros não são sufragados pelo povo, é, dentre todos, o de menor representatividade. Não o legitimaram as urnas, sendo o controle popular sobre o exercício da função jurisdicional ainda incipiente em muitos ordenamentos, como o nosso. É preciso, portanto, que se exerça ao menos o controle interno sobre a legalidade e a justiça das decisões judiciárias. Eis a conotação política do princípio do duplo grau de jurisdição.[3]
Também Ada Pellegrini Grinover ressalta tal caráter político, ao destacar:
Nenhum ato estatal pode escapar de controle e, como tal, a revisão das decisões judiciárias constitui postulado do Estado de Direito, através do qual se realiza o controle interno, exercido por órgão diverso do que julgou em primeiro grau, para aferir a legalidade e a justiça da decisão por este proferida.[4]
Não obstante, não é pacífico o enquadramento do duplo grau de jurisdição no rol de direitos e garantias fundamentais, sobretudo por serem verificadas decisões judiciais que não comportam refutação, tais como se dá nos processos de competência originária do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do qual o mérito das decisões não é passível de modificação. Outrossim, é fonte de divergência a amplitude do direito ao recurso, observando Ada Pellegrini Grinover que "o princípio do duplo grau esgota-se nos recursos cabíveis no âmbito do reexame da decisão por uma única vez".[5] Desse modo, os recursos extraordinários para o STF e o STJ, bem como os recursos de terceiro grau das justiças trabalhista e eleitoral não se enquadrariam na garantia do duplo grau de jurisdição, sendo diverso seu fundamento.
Nessa esteira, para Ingo Wolfgang Sarlet[6], em que pese a ausência de previsão explícita, o duplo grau de jurisdição pode ser extraído do art. 5°, inc. XXXV da Constituição Federal de 1988, o qual dita o direito de acesso à Justiça, nos moldes de que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito". Desta feita, na medida em que a lesão ou ameaça ao direito pode advir de ato do próprio Poder Judiciário, essa garantia constitucional poderia se tornar inoperante, se não viabilizada, de alguma forma, a sua revisão. Ao lado do dispositivo em comento, o aludido jurista acrescenta os incisos LIV e LV do mesmo art. 5° da Carta Maior, referentes aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa. Para o jurista, essa última garantia, isoladamente, já poderia ser considerada como previsão, pelo menos como regra geral, de acesso a uma segunda instância.
Ada Pellegrini Grinover[7], adepta dessa corrente que considera o direito ao recurso uma garantia fundamental, admite tratar-se de princípio constitucional autônomo, a despeito de se encontrar previsto apenas implicitamente na Constituição Federal de 1988. Argumenta, assim, que decorreria o duplo grau de jurisdição do princípio da igualdade, sob o enfoque de que todos os litigantes devam, em paridade de condições, usufruir pelo menos de um recurso para revisão das decisões, inadmitindo-se a previsão de recursos para uns e não para outros. Sobreleva, ademais, o fundamento político maior em favor da preservação do duplo grau, qual seja a primado de controle dos atos estatais. Nessa linha, ratifica que "um sistema de juízo único fere o devido processo legal, que é garantia inerente às instituições político constitucionais de qualquer regime democrático".
Por outro lado, as opiniões destoantes, igualmente arrazoadas, ecoam aceitação significativa, refletidas inclusive na jurisprudência, consoante se exporá adiante. Nessa linha, Joaquim José Gomes Canotilho[8], afirma que, no Direito Português, o Tribunal Constitucional tem reconhecido o direito de acesso aos tribunais, assim como o direito a um duplo grau de jurisdição. Todavia, atenta para o fato de que não se cuida de um direito fundamental, existindo uma liberdade de conformação do legislador, que não pode, todavia, subvertê-lo.
Nelson Nery Jr. também considera não haver uma garantia absoluta ao duplo grau de jurisdição, embora reconheça a Constituição a existência de tribunais, conferindo-lhes competência recursal:
Com isto, queremos dizer que, não havendo garantia constitucional a um duplo grau, mas mera previsão, o legislador infraconstitucional pode limitar o direito de recurso, dizendo, por exemplo, não caber apelação nas execuções fiscais de valor igual ou inferior a 50 OTNs (art. 34 da lei 6.830/80) e nas causas, de qualquer natureza, nas mesmas condições, que forem julgadas pela Justiça Federal (art. 4° da lei 6.825/80) ou, ainda, não caber recurso dos despachos (art. 504 do CPC)[9].
O STF, seguindo essa concepção, já se manifestou no sentido de que não há inconstitucionalidade nas decisões em que não haja previsão de recurso para um órgão de segunda instância. De acordo com o Pretório Excelso, "o duplo grau de jurisdição, no âmbito da recorribilidade ordinária, não consubstancia garantia constitucional".[10]
O então Ministro do STF Sepúlveda Pertence, relator do RHC n° 79.785/RJ, constante do Informativo n° 183 do STF, expôs em seu voto que as opiniões divergentes a essa corrente esposada pelo Supremo não passam de wishfull thinking, carecendo de uma base dogmática sólida, pautadas na utilidade dos recursos como instrumentos de segurança, de controle e de isonomia. Nesse esteio, asseverou que a previsão do art. 5°, LV, da Constituição Federal, de que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes", utiliza a palavra “recursos” não em seu sentido técnico, de forma que não se pode considerar como uma garantia ao direito de recurso.
O STF já se posicionou, inclusive, quanto à recepção do art. 34, §2°, da lei de Execução Fiscal (lei 6.830/80) pela Constituição Federal de 1988. Ocorre que o referido dispositivo limita a interposição de recursos que não os embargos infringentes e de declaração às sentenças de primeira instância proferidas em execução de valor igual ou inferior a cinquenta Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTN. Em havendo limitado o direito a recurso a causas de pequeno valor pecuniário, atendeu o legislador à proporcionalidade, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal[11].
Com tal julgamento, corroborou o STF que não só a Carta Política traz limitações ao direito de recurso, como também não veda o legislador infraconstitucional a fazê-lo, sendo viável a estipulação de exceções que se entender cabíveis, restrição a ser pautada na proporcionalidade.
De fato, a previsão de recurso para um órgão colegiado composto por juízes da mesma instância (como ocorre nos Juizados Especiais, por exemplo) e até mesmo a possibilidade de se criar órgãos de segunda instância compostos por julgador singular (julgamento de recursos por relatores em tribunais), não significam, necessariamente, por si só, supressão do acesso ao duplo grau de jurisdição, nem representam afronta ao direito de recorrer a uma instância superior.
Ademais, fomentou ainda mais as discussões em torno da intangibilidade do duplo grau de jurisdição o Decreto n.º 678/1992, que incorporou ao direito positivo nacional o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos). Este, em seu art. 8°, n° 2, alínea h, dispõe que, durante o processo, toda pessoa acusada de delito tem direito, em plena igualdade, à garantia do direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.
Na mesma senda, o art. 25 daquela convenção estatui que toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela referida Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas atuando no exercício de suas funções oficiais.
Por conseguinte, o citado art. 25 tem sido interpretado pela doutrina como uma garantia a um remédio, a uma ação judicial, tendo havido, portanto, o emprego da palavra "recurso" nessa acepção e não no sentindo técnico tradicional de impugnação a sentenças judiciais. Logo, é de se aferir que tal dispositivo não teria o condão de elevar o direito a recurso a um plano de garantia inafastável.
No que tange ao art. 8°, prevalece o entendimento de que houve adoção do princípio do duplo grau de jurisdição como garantia fundamental no âmbito do processo penal, uma vez que há referência ao direito de "toda pessoa acusada de um delito" de, durante o processo, "recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior".
A respeito da indisponibilidade do duplo grau de jurisdição na seara criminal, apregoa Ingo Sarlet:
Na esfera criminal, a questão assume relevo especialmente nos casos de penas privativas da liberdade. Aqui, poder-se-ia seriamente duvidar da constitucionalidade de uma supressão, ou mesmo de uma restrição substancial, ainda que não em todos os casos, do acesso ao duplo grau de jurisdição ou do direito de recurso para uma instância superior, principalmente por estarem sendo tangenciados direitos fundamentais (a liberdade, por exemplo) e valores inerentes ao princípio maior da dignidade humana.[12]
Como se nota, dada a indisponibilidade do status libertatis, pode-se inferir dos mencionados preceitos que o direito a recurso é garantia fundamental no direito processual penal, tendo sido assegurada a partir da ratificação do Pacto de San José da Costa Rica, incorporado ao ordenamento jurídico pátrio com status de lei ordinária, prevendo, em consonância com o art. 5°, §2°, da Constituição de 1988, uma garantia que não exclui as previstas na Carta Maior.
A contrario sensu, nas demais esferas processuais, o duplo grau de jurisdição não goza de igual peremptoriedade, na medida em que pode ser objeto de restrição, conforme demonstrado alhures.
Historicamente, apontam-se duas funções fundamentais que eram e, de certo modo, são exercidas pelos recursos dirigidos aos tribunais de cúpula. Trata-se, pois, das funções nomofilática e uniformizadora[13].
Destarte, por função nomofilática tem-se o escopo das referidas espécies de irresignação volvido à cassação da decisão impugnada, propugnada na França e na Itália. Com efeito, a função nomofilática foi largamente explorada por Calamandrei em sua obra clássica.[14] Para o mestre florentino, a aplicação correta da lei na solução de uma lide assumiria dois vetores: o primeiro vinculado ao interesse público e o segundo associado ao interesse das partes processuais. Para as partes, portanto, a correta aplicação da lei consistiria interesse secundário, pois a qualidade de primário era atribuída ao acolhimento da pretensão deduzida. Na visão do brilhante jurista, a seu turno, o interesse primário das partes, de ver seus pleitos acolhidos, se converteria no veículo do interesse do Estado em controlar a aplicação do direito objetivo.
O panorama brasileiro, contudo, não reflete tal concepção. É que aqui, desde cedo, o Supremo Tribunal Federal adotou postura de revisão dos julgados, afastando o entendimento de que sua atividade seria meramente cassacional. Entra nesse contexto o Enunciado 456 da súmula de sua jurisprudência dominante: “O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa aplicando o direito à espécie”.[15]
Nesse viés, Nelson Nery Jr. esclarece, com maestria, o significado da expressão “aplicando o direito à espécie”, constante do enunciado em referência:
Aplicar o direito à espécie é exatamente julgar a causa, examinando amplamente todas as questões suscitadas e discutidas nos autos, inclusive as de ordem pública que tiverem sido examinadas pelas instâncias ordinárias. É que, removido o óbice constitucional da causa decidida (CF, arts. 102, III e 105, III), o que só se exige para o juízo de cassação dos RE e REsp, o STF e o STJ ficam livres para, amplamente, rever a causa.[16]
Disso, todavia, não é lícito concluir que a posição do STF em nosso sistema equivale a uma “terceira instância”, como bem anota Nelson Nery Jr. em relação ao recurso especial, lição em tudo aplicável ao Recurso extraordinário.[17]
Já a função uniformizadora orienta-se à conformação de uma unidade jurídica e à garantia do respeito aos princípios da igualdade perante a lei e da legalidade. Isto é, busca-se que haja uniformidade na aplicação e interpretação das regras e princípios jurídicos em todo o território submetido à sua vigência. Atentos a essa função, os recursos direcionados aos tribunais de cúpula dos diversos países se prestam a uniformizar a jurisprudência nacional, verificando, nos casos particulares que lhes são levados a exame, se as regras de direito material e processual foram bem aplicadas. No caso do RE e do REsp brasileiros, esse exame limita-se à averiguação da melhor interpretação das normas constitucionais e da legislação federal, respectivamente.
Sem essa função, estaríamos diante da produção de efeitos jurídicos dos mais diversos a partir do mesmo suporte fático relevante, o que, em pese ser tolerado pelo sistema, evidentemente, não pode ser considerada a saída mais adequada.[18]
Daí decorre a conclusão de que a aplicação do princípio da igualdade perante a lei ao processo de realização do direito ao caso concreto importa ter como verdadeiro que a mesma norma, incidente sobre suportes fáticos suficientemente idênticos, no mesmo momento histórico, deve ensejar a produção de análogos efeitos jurídicos. Essa aferição, entretanto, não é permissiva da ideia de que os recursos extraordinários em sentido amplo prestam-se à defesa do interesse das partes processuais, ou à transformação dos tribunais de cúpula em cortes de terceira instância.
Assim sendo, transportando esse raciocínio para a realidade brasileira, é possível afirmar que, embora seja imanente a função uniformizadora do RE e do REsp, esta está jungida à tutela dos princípios da igualdade perante a lei e da segurança jurídica.
Não obstante a relevância das funções nomofilática e uniformizadora, hodiernamente, os recursos ínsitos às instâncias extraordinárias avultam outras diretrizes, a saber: a dikelógica e a paradigmática. A primeira está associada à busca de justiça no caso levado ao tribunal, mediante a correta aplicação do direito, motivo por que assume papel secundário no bojo dos recursos manejados junto às cortes de cúpula, já que a função primordial de tais insurgências é volvida à preservação do direito objetivo.[19]
A função paradigmática, noutro giro, é exercida de forma bastante distinta em países de tradição romano germânica e do common law.[20] Nestes, o que traz estabilidade e segurança jurídica é a obediência aos precedentes, vez que a regra não é a lei escrita. A doutrina do precedente, adotada com peculiaridades nos Estados Unidos e na Inglaterra, estatui que as decisões de casos anteriores muito semelhantes a novos casos devem ser repetidas nesses últimos.
A regra, porém, não é simples e de aplicação automática. Hoje já há nos países anglo-saxões ao menos duas correntes que a explicam: a estrita e a atenuada. Ronald Dworkin, nessa esteira, explica que a corrente estrita “obriga os juízes a seguirem as decisões anteriores de alguns outros tribunais (em geral de tribunais superiores, mas às vezes no mesmo nível de hierarquia dos tribunais de sua jurisdição), mesmo acreditando que essas decisões foram erradas.[21] A corrente atenuada, por sua vez, exige que o juiz, de alguma forma, leve em consideração as decisões anteriores sobre a mesma controvérsia, estabelecendo que o magistrado deve seguir tais decisões, a menos que as considere erradas o bastante para suplantar a presunção inicial em seu favor.[22]
Os sistemas da civil law, paulatinamente, têm adotado a eficácia vinculante dos precedentes, especialmente os das supremas cortes. No Brasil, em voto proferido na Medida Cautelar no Recurso Extraordinário 376.852, ao tecer considerações sobre o regime instituído pela Lei n.º 10.259/2001, para o RE interposto contra acórdãos dos juizados especiais federais, sustentou o Ministro Gilmar Mendes:
Esse novo modelo legal traduz, sem dúvida, um avanço na concepção vetusta que caracteriza o recurso extraordinário entre nós. Esse instrumento deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-se de orientação que os modernos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso de amparo e ao recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde)[23].
Robert Alexy também observou tal fenômeno, ponderando que, atualmente, mesmo na Europa continental, atribui-se importância aos precedentes. Salienta, nesse esteio, que o objeto de discussão hodierno é a posição teórica dos precedentes, de modo que a disputa concentra-se, sobretudo, na questão sobre se o precedente é ou não fonte de direitos[24].
No direito brasileiro, por outro lado, em regra, é aferível que os precedentes têm autoridade estritamente persuasiva. Nessa ótica, Rodolfo de Camargo Mancuso, tratando do sistema adotado no Brasil, observa com acuidade que nosso modelo político jurídico tem, como matriz, a lei, que foi eleita como parâmetro para o contraste e a exigibilidade das condutas, por força do princípio constitucional da legalidade.[25] Disso conclui o referido jurista que “a jurisprudência, mesmo sumulada, não se reveste – de lege lata – de força coercitiva, ficando sua eficácia por conta da natural proeminência e respeitabilidade que o Tribunal emissor exerça junto às demais instâncias a ele reportadas”.[26]
De fato, no Brasil, a regra é que cada decisão judicial só opere efeitos entre as partes e que os precedentes tenham caráter meramente persuasivo, servindo tão somente de orientação para a livre convicção do juiz (CPC, art. 131), que pode ou não se filiar ao entendimento manifestado pelo tribunal. Realmente, apenas nas situações excepcionais previstas pelo próprio texto constitucional é que os precedentes desbordam da eficácia inter partes que lhes é peculiar, para alcançar efeito vinculante e eficácia erga omnes. Certa feita, afora as hipóteses de processo objetivo (ADIn, ADC e ADPF), a Magna Carta somente atribui tal efeito à súmula vinculante (art. 103-A).
Arruda Alvim, escrevendo especificamente sobre o STJ, expõe argumentos que são válidos com ainda mais razão para o STF, ao afirmar, acertadamente:
Conquanto a validade e a eficácia das decisões seja, normalmente, circunscrita às partes, e com isto, protejam-se o prestígio e a autoridade da decisão nos segmentos, menor da atividade jurídica, de todos quantos lidam com o direito, e, mesmo em espectro maior, para a sociedade toda. As decisões do Superior Tribunal de Justiça configuram o referencial máximo em relação ao entendimento havido como o correto em relação ao direito federal infraconstitucional[27].
Entretanto, o adequado desempenho da função paradigmática por um tribunal de cúpula pressupõe um requisito essencial: suas decisões devem gozar do respeito da sociedade, dos membros do próprio Poder Judiciário e dos demais órgãos da Administração Pública. Para tanto, concorrem alguns fatores, tais como a honorabilidade dos seus membros, a legitimidade do procedimento perante a Corte, a uniformidade e estabilidade dos pronunciamentos, entre outros. Em suma, os tribunais de cúpula devem causar a sensação geral de que a justiça foi feita.
Como tentativa de aliviar o grande número de recursos extraordinários que eram submetidos ao Supremo Tribunal Federal, enquanto este era responsável por apreciar em último grau matéria constitucional e infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça foi criado pelo constituinte de 1988. Assim, a missão de zelar pela integridade e pela uniformização da interpretação do direito federal infraconstitucional passou a ser do novo tribunal, diminuindo em grande parte as demandas que eram de apreciação do STF.
O Superior Tribunal de Justiça tem jurisdição em território nacional e é composto por, no mínimo, 33 (trinta e três) ministros, escolhidos pelo Presidente da República, depois de indicados em lista tríplice elaborada pelo Plenário do próprio tribunal.[28] No tocante à sua organização, o STJ subdivide-se em Plenário, Corte Especial, três Seções (direito público; direito privado; criminal e outras) e seis Turmas.[29]
Para que o novo tribunal pudesse cumprir a sua missão, foi criado o chamado recurso especial, como instrumento por meio do qual se fizesse possível a submissão, ao Superior Tribunal de Justiça, de eventuais ofensas à legislação federal praticadas a partir da atividade jurisdicional a quo, mas também dos dissídios jurisprudenciais acerca da interpretação do direito federal infraconstitucional.[30]
O recurso especial, em regra, é julgado por uma turma. Em alguns casos, poderá ser julgado por uma Seção, quando a irresignação tratar de questão relevante, e para prevenir divergência no julgamento entre turmas da mesma Seção. Além disso, o recurso poderá também vir a ser julgado pela Corte Especial, quando convier pronunciamento do órgão jurisdicional máximo do tribunal, tendo em vista a relevância da questão jurídica, e para prevenir a divergência entre as Seções.[31]
No que toca aos aspectos processuais do recurso especial, a Constituição Federal traz em seu art. 105, inciso III, disposição no sentido de que compete ao Superior Tribunal de Justiça “julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios”, em três hipóteses, elencadas nas alíneas do mesmo inciso.
O recurso especial, assim, somente será cabível contra decisões proferidas pelos Tribunais Regionais Federais e Tribunais estaduais. Logo, em hipótese alguma a decisão atacada poderá ter sido prolatada pela justiça trabalhista, eleitoral ou militar. O acórdão proferido pelas turmas recursais dos juizados especiais também não pode ser impugnado por recurso especial (enunciado n.º 203 da súmula do STJ[32]), visto que as turmas recursais não integram o tribunal estadual ou federal, mas o próprio juizado especial.
Finalmente, as decisões do próprio STJ e do STF também não são passíveis de impugnação por meio do recurso especial.
O Supremo Tribunal Federal mantém a missão precípua de guardião da Constituição Federal, preservando as normas constitucionais, o que inclui a função de uniformizar a jurisprudência nacional. No espectro dessa função, insere-se o recurso extraordinário, mercê do qual a Corte Suprema analisa decisões proferidas, em última ou única instância, que tenham, dentre outros, direta ou indiretamente, violado dispositivo da Magna Carta.
Porque congrega o escopo de guarda da Constituição Federal, ao STF cabe conferir interpretação às normas constitucionais, fazendo-o por meio de controle abstrato de constitucionalidade ou através do controle concreto, sendo este último, como se sabe, realizado usualmente mediante recurso extraordinário.
Daí se infere que: “o recurso extraordinário, portanto, teve como finalidade, entre outras, a de assegurar a inteireza do sistema jurídico, que deve ser submisso à Constituição Federal”[33].
Enfim, o papel do recurso extraordinário, no quadro dos recursos cíveis, é o de resguardar a interpretação dada pelo STF aos dispositivos constitucionais, garantindo a inteireza do sistema jurídico constitucional federal e assegurando-lhe validade e uniformidade de entendimento[34].
Nos termos do art. 102, III, da Magna Carta:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(...)
III- julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
Sem a pretensão de pormenorizar as hipóteses de cabimento, vez que não relacionada essa abordagem propriamente ao objeto deste estudo, importante destacar um traço distintivo entre o recurso extraordinário e o recurso especial.
Pois bem. Já se viu que o recurso especial somente é cabível, se o acórdão recorrido tiver sido proferido por tribunal de justiça ou por tribunal regional federal, sendo certo, assim, que não cabe recurso especial de acórdão exarado por órgão recursal dos juizados especiais cíveis.
No tocante ao recurso extraordinário, por sua vez, a situação é diferente. Ao disciplinar o cabimento do referido meio de irresignação, o art. 102, III, da Constituição Federal, estabelece ser adequado tal apelo para impugnar decisão que julgar a causa em última ou única instância, não fazendo, diversamente do que sucede com o recurso especial, alusão a qualquer órgão jurisdicional que tenha proferido dita decisão.
Sendo assim, se um juiz ou órgão singular julgar a causa em última ou única instância, será apropriado o recurso extraordinário. É o que ocorre, por exemplo, nas execuções fiscais de valor igual ou inferior a 50 (cinquenta) ORTN. Nesses casos, só se admitirão embargos infringentes e de declaração. Aqueles, instruídos ou não com documentos novos, serão interpostos, no prazo de 10 (dez) dias, perante o mesmo juízo, em petição fundamentada. Dessa decisão cabe recurso extraordinário[35].
De igual modo, cabe recurso extraordinário, diferentemente do que ocorre com o recurso especial, contra decisão proferida por órgão recursal dos juizados especiais. A propósito, é válido mencionar o que estatui a súmula 640 do STF: “É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal”.
Em suma, o recurso extraordinário cabe, em princípio, de decisão de órgão colegiado, porém há hipóteses, como visto, em que poderá ser manejado contra decisão de órgão singular ou de primeira instância.
O exercício do direito de ação está condicionado à observância das chamadas condições da ação, a saber: legitimidade das partes, possibilidade jurídica do pedido e interesse de agir. Contudo, importantíssimo salientar que o atendimento de tais elementares não credita ao autor o direito de obter sentença que lhe seja favorável, e sequer sentença de mérito, consistente no pronunciamento que põe termo ao feito, certificando (ou não) o direito material em favor do promovente, ante à inequívoca autonomia delineada entre o direito processual face ao direito material.
As condições da ação, em associação com os pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, formam o arcabouço basilar a que seja prolatada sentença de mérito, com a eliminação do conflito de interesses que determinou a instauração da demanda.
Essas premissas básicas podem ser transportadas para a esfera recursal, mediante a seguinte analogia: as condições da ação estão para a ação (e para o processo) assim como os requisitos de admissibilidade estão para os recursos. Sob esse enfoque comparativo, escreveu Nelson Luiz Pinto:
É evidente que no julgamento do recurso pode-se voltar a examinar, ou examinar pela primeira vez, as questões preliminares ao mérito da ação, por se tratar de questões de ordem pública, nulidades absolutas, como as condições da ação e os pressupostos processuais. Isto é possível em razão da previsão expressa do art. 267, § 3º, do CPC, sendo este, então, o próprio mérito do recurso. Já as questões de admissibilidade do recurso, como preliminares ao julgamento do seu mérito, dizem respeito à possibilidade de conhecimento do recurso pelo órgão competente, em função das condições e dos pressupostos genéricos impostos pela lei – como a legitimidade e o interesse de recorrer, a tempestividade, a regularidade formal do recurso, o preparo etc. - e dos pressupostos específicos (hipóteses de cabimento) de cada recurso em espécie[36].
Os requisitos de admissibilidade, pois, constituem condicionantes formais a serem satisfeitos precedentemente à averiguação do mérito da irresignação, o qual, por sua vez, reside na alegação de injustiça ou de nulidade da decisão objeto de recurso. Vejamos, nesse certame, a opinião de Araken de Assis:
Antes de se examinar o conteúdo da apelação, seja ele qual for, o remédio empregado contra a sentença há de ultrapassar a implacável barreira da admissibilidade, uma série de requisitos impostos à possibilidade de a parte prolongar o processo após o oferecimento da prestação jurisdicional. Chama-se juízo de admissibilidade à avaliação do conjunto desses requisitos. Preenchidos a todos, se diz que o apelo é conhecido. Verificada a hipótese de conhecimento, o órgão competente para o julgamento da apelação se habilita ao exame do seu objeto, que é a etapa ulterior, inteiramente diversa, designada juízo de mérito[37].
Não obstante a lição do brilhante jurista abordar o recurso de apelação para elucidar as nuances do juízo de admissibilidade, tal apreciação é inafastável em todas as estirpes recursais, a ser desdobrada em qualquer tempo e grau de jurisdição, não se submetendo à preclusão processual, de modo que o fato de o vício não ser denunciado pela parte recorrida no momento que lhe compete o oferecimento de contrarrazões não retira do Poder Judiciário a prerrogativa de obstar o seguimento da irresignação diante da irregularidade ulteriormente constatada.
Em regra, o exame da admissibilidade é realizado em duplicidade, sendo a primeira vez pelo juízo prolator da decisão objetada (a quo), e a segunda pelo tribunal que se posicionará acerca da viabilidade do pleito recursal (ad quem). É válido sobrelevar, nesse mister, que o segundo juízo de admissibilidade não se vincula ao que foi decidido pelo magistrado do primeiro grau de jurisdição, significando, assim, que, em sede de segunda instância, pode-se negar seguimento ao recurso – impedindo o julgamento do seu mérito -, se se concluir que a parte recorrente não atendeu algum requisito, em que pese a autoridade processante não ter detectado nenhuma irregularidade.
Com efeito, a rigidez do procedimento, que impõe a constante renovação de aberturas de oportunidades para que se examine o preenchimento dos requisitos de admissibilidade dos recursos, justifica-se pela constatação de que as exigências formais são prejudiciais em relação ao enfrentamento da matéria de mérito, e ela sobrepondo-se[38].
Outrossim, os requisitos de admissibilidade podem ser classificados em gerais (aplicáveis a todas as espécies de recurso) e específicos, os quais são típicos dos recursos endereçados aos tribunais superiores, quais sejam o recurso especial (STJ) e o recurso extraordinário (STF).
Desta feita, a tempestividade, o preparo, a regularidade formal, a adequação, o interesse e a legitimidade para recorrer enquadram-se como pressupostos gerais, ao passo que o prequestionamento (exigível nos recursos especial e extraordinário) e a repercussão geral (exclusiva do recurso extraordinário) são requisitos de índole específica.
Consoante já assinalado, por recursos de caráter excepcional tem-se o recurso especial, manejado junto ao Superior Tribunal de Justiça, e o recurso extraordinário, direcionado ao Supremo Tribunal Federal. Para fins de compreensão dessas espécies, cujos requisitos e finalidades apartam-se de todos os demais recursos previstos na legislação, imperiosa a ratificação da ratio de sua existência. Isto é, a premissa fundamental que tangencia tais instrumentos de impugnação está preordenada à tutela do direito objetivo, e não à revisão do error in judicando dos magistrados do primeiro grau de jurisdição e dos tribunais, não se prestando, pois, à análise dos elementos de fato dos processos judiciais que lhes são confiados.
Dessa forma, a delegação constitucional atribuída às duas Cortes apoia-se na preocupação de se evitar a proliferação de interpretações descabidas das normas constitucionais e infraconstitucionais sobre um mesmo assunto, o que importaria manifesta instabilidade judicial, donde se conferir ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal a última palavra a respeito da interpretação dos regramentos infraconstitucional e constitucional[39].
Sendo assim, é notório que os recursos especial e extraordinário limitam a “vontade recursal” da parte, que apenas pode suscitar, como fundamento da irresignação, uma das hipóteses previstas no inciso III, do art. 105, e/ou no inciso III, do art. 102, da CF.
Além das estritas hipóteses constitucionais de cabimento, o ordenamento jurídico erigiu determinados requisitos de admissibilidade que são tangentes apenas aos recursos extraordinários em sentido amplo, cuja explanação é realizada adiante.
Cunhado na doutrina e na jurisprudência, o prequestionamento é considerado condição sine qua non para a admissibilidade dos recursos extraordinários. Morfologicamente falando, é possível subdividir o termo "prequestionamento" em: “pré”, que, no seu sentido etimológico, é prefixo de origem latina, significando anterioridade; e “questionamento”, que, derivado de "questionar", exprime debater, discutir, suscitar questão. Portanto, seguindo essa linha, "prequestionamento" é a discussão anterior de determinada matéria em juízo.
Malgrado o prequestionamento seja, na prática, alinhado como óbice ao enfrentamento do mérito dos recursos de superposição, há quem obtempere a incongruência de ser reputado tal instituto como requisito de admissibilidade, justamente porque ausente a sua previsão em diploma legislativo. Nessa senda, assevera Nelson Nery Jr.:
Talvez a conceituação do prequestionamento como requisito imposto pela jurisprudência tenha nascido porque a expressão vem mencionada em dois verbetes da Súmula do STF (STF 282 e 356). Evidentemente a jurisprudência, ainda que do Pretório Excelso, não poderia criar requisitos de admissibilidade para os recursos extraordinário e especial, tarefa conferida exclusivamente à Constituição Federal[40].
Em que pese a divergência doutrinária supra, o prequestionamento é largamente manejado como requisito de admissibilidade, vislumbrado, assim, quando se constata que a temática federal ou constitucional abordada no recurso especial ou extraordinário já foi objeto de debate e decisão prévios.
A partir dessa construção didática, foram delineadas três correntes acerca da configuração do requisito de admissibilidade em voga.
Em primeiro lugar, há quem entenda que o prequestionamento é decorrente de um ato da parte, ou seja, matéria prequestionada é aquela ventilada pelo sujeito processual, independentemente de apreciação do julgador. Competirá à parte interessada, constituindo ônus desta, provocar o juízo a quo a respeito da matéria federal ou constitucional que entende imprescindível à solução do conflito de interesses. Sob esse vértice, o recorrente não pode propor a discussão de questão nova que não fora examinada até o momento, não se admitindo, pois, inovação em sede de REsp ou de RE[41].
Essa vertente categoriza a iniciativa da parte como norte fundamental para o deslinde e a caracterização do prequestionamento, calcando-se, assim, no princípio dispositivo:
Preordena o art.2º do Código de Processo Civil que 'Nenhum juiz prestara a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais'. Eis a ideia de inércia, verdadeiro principio processual que impõe aos interessados a tarefa de suscitar o aparelhamento da maquina jurisdicional, pena de a atividade compositiva dos conflitos verificados ao curso das relações jurídicos de direito material quedar inviabilizada. E é dessa ideia inicial que tiramos, doutra parte, o principio dispositivo, irmão da inércia, segundo o qual `as partes assiste um poder de disposição das faculdades jurídicas que se lhes põem: se disporem de tais ou quais faculdades, deixando, por exemplo, de postular sobre um direito (material) que lhes assiste, deixarão de obter do Poder Judiciário (que e inerte) a correlata providencia[42].
Também em correlação com o princípio da congruência (art. 460, CPC), sustenta-se a desvantagem do prequestionamento como um ato da parte, pois, diante da sua inércia, o juiz ou tribunal não poderia suprir a omissão, sob pena de caracterização de julgamento extra petita.
O professor Nelson Nery Junior[43], por sua vez, filia-se ao entendimento no sentido de que o elemento imprescindível à certificação do prequestionamento é a deliberação do juízo a quo, ainda que a parte não tenha arguido a questão federal ou constitucional. Então, afasta-se aqui a provocação do sujeito processual, visto que será a decisão proferida pelo órgão julgador que marcará o momento do prequestionamento, independentemente do elemento volitivo daquele. Assim, prequestionamento é a efetiva apreciação de uma questão por parte do juízo a quo, donde se concluir que se cuida de ato adstrito ao juiz singular ou ao tribunal. Nesse viés, leciona Araken de Assis:
O prequestionamento constitui o próprio conteúdo do pronunciamento judicial. É a afloração (palavra expressiva e adequada ao caso) dos tipos constitucionais contemplados no art. 102 III da CF/1998. Em síntese larga, porém exata, consiste na afloração da questão federal no acórdão impugnado. É o modo peculiar de expressar-se o cabimento do recurso de motivação vinculada[44].
A terceira posição, por fim, mescla as duas anteriores, prescrevendo não bastar que a matéria seja objeto de arguição da parte, já que, na medida em que há um questionamento prévio sobre questão de direito federal ou constitucional, necessariamente, deve existir, em seguida, a manifestação expressa na decisão recorrida acerca desse tema. Portanto, matéria ventilada e não apreciada não seria considerada matéria prequestionada, donde ser conformado, então, o conceito de prequestionamento híbrido, pelo qual se entende que o debate tem que ser exaurido tanto quando da provocação da parte, quanto por ocasião da apreciação do mérito pelo julgador. É essa, destarte, a posição há muito tempo prevalecente:
A configuração jurídica do prequestionamento decorre de sua oportuna formulação em momento procedimental adequado. Não basta, no entanto, só arguir previamente o tema de direito federal para legitimar o uso da via do recurso extraordinário. Mais do que a satisfação dessa exigência, impõe-se que a matéria questionada tenha sido efetivamente ventilada na decisão recorrida. Sem o cumulativo atendimento desses pressupostos, além de outros igualmente imprescindíveis, não se viabiliza o acesso à via recursal extraordinária[45].
Assim sendo, não há dúvida de que, cotejada a matéria pelo tribunal recorrido, há o prequestionamento e, pois, o recurso excepcional é cabível. Na mesma esteira, também é sabido que, se a questão não houver sido examinada pelo tribunal, não obstante ter sido suscitada pela parte, impõe-se a interposição de embargos de declaração, com o objetivo de suprir a omissão engendrada. Entretanto, conjuntura interessante é conformada na hipótese de o juízo a quo permanecer omisso mesmo diante da interposição do recurso integrativo. A esse respeito, divergem os tribunais superiores.
Conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça, consagrada no enunciado n. 211 da súmula de sua jurisprudência, não haverá prequestionamento, devendo o recorrente interpor recurso especial por violação ao art. 535 do Código de Processo Civil (que versa sobre os embargos de declaração), por exemplo, para forçar o pronunciamento do tribunal de origem.[46] Da mesma forma, se já houver pronunciamento judicial sobre a questão, pouco importa se tenha havido ou não a provocação da parte, desnecessária a interposição dos embargos de declaração, porquanto já se tenha satisfeito a exigência.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal, porém, é diferente. Isso porque, diversamente do STJ, o STF admite o chamado prequestionamento ficto, que é aquele que se considera ocorrido com a simples oposição dos embargos de declaração frente a omissão judicial, independentemente do êxito desse recurso. Essa postura, aliás, qualifica-se como a mais correta, pois não submete o cidadão ao talante do tribunal recorrido, que, com a sua recalcitrância no suprimento da omissão, simplesmente retiraria do recorrente o direito de se valer das vias extraordinárias[47].
Partindo dessa premissa, é inócua a discussão quanto à possibilidade do chamado prequestionamento implícito, assim definido:
Há prequestionamento implícito quando o tribunal de origem, apesar de se pronunciar explicitamente sobre a questão federal controvertida, não menciona expressamente o texto ou o número do dispositivo legal tido como afrontado. Exatamente nesse sentido o prequestionamento implícito vem sendo admitido pelo Superior Tribunal de Justiça[48].
Pois bem. Afastadas todas as contrariedades que tangenciam o prequestionamento, é indubitável que a sua incidência reforça a excepcionalidade com que devem ser encarados os recursos direcionados aos tribunais de cúpula, na medida em que, uma vez não vislumbrado, obstado estará o exame do mérito recursal.
Haja vista a imperiosidade de que a Constituição Federal seja aplicada de forma equânime em todo o território nacional e para todas as causas, o recurso extraordinário exerce essa função controladora no que concerne à correta aplicação do direito objetivo constitucional ao caso concreto.
Por essa razão, o recurso extraordinário só poderá versar sobre questões de direito, não sendo possível, destarte, a discussão que tenha por objeto matéria fática, consoante reza o enunciado da Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal[49].
Malgrado o teor da Súmula 279, Ovídio Baptista pondera:
A discriminação, no entanto do que seja uma 'questão de fato' e o que se possa definir como uma quaestio iuris, capaz de alimentar o recurso extraordinário, nem sempre é fácil, ou possível na prática. Casos há em que o Supremo Tribunal Federal, para apreciar uma “questão federal” (quaestio iuris), terá, inevitavelmente, de pesquisar a prova dos autos. Isto ocorre sempre que se trate dos chamados 'conceitos indeterminados', como o são os de falta grave, injúria, bons costumes, etc.. Não podemos ficar presos ao paradigma racionalista do século XVII, imaginando que os tribunais superiores podem dar a melhor interpretação da lei em abstrato, pois a lei seria uma lei perfeita e imutável e independente dos fenômenos do caso concreto[50].
Consoante advogado retro, a rigor, o recurso extraordinário foi conformado para ser volvido em situações excepcionais, pormenorizadamente eleitas pelo constituinte. Nessa perspectiva de corroborar o fator excepcionalidade, a Emenda Constitucional nº 45/2004, que propugnou o fenômeno que ficou conhecido como “Reforma do Judiciário” - ante o lançamento de muitas e relevantes modificações no cenário jurisdicional brasileiro – inseriu o § 3º ao art. 102 da CF, operando, então, o acréscimo de um novo requisito de admissibilidade para o recurso extraordinário, consistente na comprovação, pelo recorrente, de que as questões constitucionais ventiladas albergam repercussão geral.
Eis a dicção do indigitado preceito normativo:
Art. 102, § 3º, CF. No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.
A Lei nº 11.418/2006, por conseguinte, regulamentou o dispositivo constitucional em apreço, ao adicionar os arts. 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil. Vejamos:
Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão, nos termos deste artigo.
§ 1º. Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
§ 2º. O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.
§ 3º. Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do tribunal.
§ 4º. Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao plenário.
§ 5º. Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
§ 6º. O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
§ 7º. A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.
Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processadas nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.
§ 1º. Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte.
§ 2º. Negada a existência da repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.
§ 3º. Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.
§ 4º. Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cessar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.
§ 5º. O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral. (grifos acrescidos)
Sendo assim, o recurso extraordinário, para ser admitido, exige, além dos requisitos genéricos sublinhados supra, uma das quatro hipóteses do art. 102, III, da Constituição Federal, o prequestionamento da matéria constitucional e a demonstração de que a questão subjacente transcende os interesses subjetivos das partes do litígio. Trata-se este último da repercussão geral.
O advento da repercussão geral criou uma peculiaridade no juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, o qual não se repete em outros recursos. Com efeito, o RE poderá ser inadmitido na origem por ausência de qualquer pressuposto de cabimento, excetuada a repercussão geral, cujo exame é privativo do STF. Além disso, até mesmo o relator do RE no STF enfrentará tal limite material à cognição, pois, como se trata de requisito de aferição necessariamente colegiada (exceção feita aos casos semelhantes já apreciados pelo colegiado, nos termos do § 5º do art. 543-A do CPC), será inviável o reconhecimento monocrático.
Isso denota que, embora a repercussão geral seja a manifestação de requisito intrínseco de admissibilidade, ela apresenta uma especificidade, decorrente de expresso comando constitucional, que a torna de status diferenciado dos demais pressupostos de cabimento, como o prequestionamento e o prévio esgotamento das instâncias ordinárias. Diferente desses, que podem ser aferidos monocraticamente, a repercussão geral pressupõe análise coletiva, com ao menos 08 (oito) pessoas focadas na mesma análise, já que somente o voto de dois terços dos membros do STF pode reconhecer a sua carência, o que, se não se reveste da garantia de justiça, ao menos torna a decisão sobremaneira mais qualificada.
Desse modo, a repercussão geral tem o condão de reforçar a função do STF como poderoso catalisador de sentimentos da sociedade, pois, diante de um novo instituto, seu membros têm, agora com muito mais razão, o dever de manter aguda sensibilidade para detectar em casos corriqueiros questões de interesse fundamental da sociedade inteira ou de largos segmentos dela.
Consiste a repercussão geral em um conceito jurídico indeterminado, por meio do qual se concede ao intérprete o poder de adequar o instituto ao caso concreto, de acordo com as diretrizes e princípios traçados pelo ordenamento jurídico. Tal técnica, aliás, demonstra-se bastante frequente na atualidade, em virtude de o legislador não ser capaz de prever, e consequentemente delimitar, todas as hipóteses do mundo dos fatos.
De acordo com os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero[51], consoante o pensamento de Karl Engisch, os conceitos jurídicos indeterminados são compostos por um "núcleo conceitual" (certeza do que é ou não é) e por um "halo conceitual" (dúvida do que pode ser). Quanto à repercussão geral, esta lacuna jamais poderá ser preenchida pelo intérprete de forma discricionária, devendo empreender grande esforço na objetivação valorativa nesta adequação.
Cumpre destacar, pois, que a própria lei exige, além da relevância da matéria discutida, a existência da transcendência da questão discutida em sede de recurso extraordinário. Pode-se afirmar, portanto, que o "nosso legislador lançou mão de uma fórmula que conjuga relevância e transcendência (repercussão geral = relevância + transcendência)".[52]
A relevância, a seu turno, terá que ser observada casuisticamente, devendo estar calcada no aspecto econômico, social, político ou jurídico. É válido sobrelevar, nessa esteira, que não há necessidade de que a questão repercuta em todas essas esferas, mas basta a caracterização da relevância em apenas uma das perspectivas elencadas pela lei.
No que tange à transcendência, por sua vez, pode-se afirmar, desde logo, que algumas questões, por si só, já ultrapassam o interesse subjetivo das partes, como a violação de direitos fundamentais, materiais ou processuais, por consistirem em uma "tábua mínima de valores de determinada sociedade em dado contexto histórico, cujo respeito interessa a todos" [53].
Importante esclarecer, ainda, que a norma regulamentadora impôs a presunção de repercussão geral quando a decisão recorrida contrariar súmula ou jurisprudência no âmbito do próprio Supremo Tribunal Federal (art. 543-A, parágrafo 3º do CPC).
Assim, a conceituação da repercussão geral será elaborada pelo intérprete ao longo da solução de conflitos concretos. O STF, então, deve avaliar a relevância e a transcendência da questão constitucional discutida, a fim de admitir o recurso extraordinário, à luz do ordenamento jurídico vigente, sendo vedada sua atuação de forma discricionária, contrária às diretrizes legais.
Enunciadas as considerações pertinentes, a nível preliminar, que tangenciam o duplo grau de jurisdição e os recursos excepcionais, imperioso revela-se o cotejo do outro objeto relacional animador do presente trabalho. Trata-se, pois, da razoável duração do processo.
A duração razoável do processo foi introduzida em nosso sistema, na forma de princípio constitucional, pela EC 45/2004, que deu a seguinte redação ao art. 5º, inciso LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Enquanto princípio constitucional, exsurge a sua categorização como dispositivo útil ao alcance de uma maior efetividade do processo[54].
O direito processual civil, através de sucessivas reformas, busca incessantemente a mais célere entrega da prestação jurisdicional. A demora na prestação, longe de se tratar de um problema estritamente brasileiro, pode ser observada em diversos países. Nesse diapasão, a duração média de um processo de conhecimento perante os tribunais italianos, que era de 116 dias em 1900, passou a ser de 1.136 nos dias atuais.[55] Nessa senda, José Carlos Barbosa Moreira, acrescentou:
No Japão, informou um dos vice-presidentes da Associação Internacional de Direito Processual, antes da entrada em vigor do novo código, em 1998, não era raro que um feito civil se arrastasse por alguns anos na primeira instância e levasse mais de um decênio até a eventual de decisão da Corte Suprema. Nos Estados Unidos, em muitos casos, um feito civil de itinerário completo chega a durar em média, na primeira instância, nada menos que de três a cinco anos[56].
Os fatores que conduzem à demora no desenvolvimento do processo são muitos, tais como a escassez de órgãos judiciais, o insuficiente preparo de muitos juízes, bem como de seu pessoal de apoio e a insuficiente utilização de moderna tecnologia, salientando-se, nesse sentido, que "há uma demora fisiológica, consequente à necessidade de salvaguardar na atividade judicial certos interesses e valores de que uma sociedade democrática não ousaria prescindir" [57].
Dessa forma, percebe-se que a duração razoável do processo apresenta dupla face: a duração oferecida pelo Estado e a duração a ser recebida pelo jurisdicionado. O Estado possui o monopólio da jurisdição, sendo vedada a autotutela, motivo pelo qual se apresenta imprescindível que a oferecida seja efetiva. É em função dessa premissa, assim, que devem ser adotados parâmetros voltados à mensuração da razoabilidade da duração do processo.
O novo dispositivo inserido na Magna Carta tem por escopo fazer prevalecer a entrega de uma prestação na solução de litígios com celeridade e segurança jurídica, tanto na esfera judicial quanto na administrativa. Na realidade, é uma garantia dada ao cidadão de que em qualquer processo, direta ou indiretamente, haverá uma razoável duração, considerando-se os meios já existentes e outros que poderão surgir para impor a celeridade de sua tramitação[58].
A tutela jurisdicional, função própria e exclusiva do Poder Judiciário, deve ser prestada no momento correto, sob pena de vir a ser considerada “vazia”. Seguindo tal diretriz, assim explicam Teresa Arruda Wambier, Luiz Rodrigues Wambier e José Miguel Garcia Medina:
Evidentemente, a demora na realização da prestação jurisdicional não apenas é algo contraproducente, mas, mais que isso, vai contra a própria natureza da tutela jurisdicional, de acordo com a feição que lhe foi atribuída pela Constituição Federal. É que a prestação jurisdicional tardia é fator de insegurança, na medida em que contribui para a intranquilidade do que seja, efetivamente, o sentido do Direito para os cidadãos[59].
Atento a essa mudança de paradigma, o Estado tem se preocupado cada vez mais em criar instrumentos que permitam realizar o Direito no tempo devido, e, nesse, contexto foi inserido o novo inciso LXXVIII no rol de direitos e garantias do cidadão brasileiro. A propósito, o princípio da celeridade processual e da razoável duração do processo, também conhecido como o princípio da tempestividade da tutela jurisdicional, já estava positivado em nosso ordenamento jurídico, em razão do disposto no Art. 8º, I, da Convenção Americana de Direitos Humanos, o chamado Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil em 1992, a saber:
Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza[60].
Logo, o que a Emenda Constitucional nº 45 fez foi elevar o princípio da tempestividade ao patamar de garantia constitucional, o que certamente traz maior credibilidade e eficiência ao seu cumprimento.
Para Alexandre Freitas Câmara, todo processo demora um tempo, o que é chamado pela própria doutrina de “tempo do processo”. Desse modo, apesar da busca pela celeridade processual que cada vez torna-se mais intensa, o tempo do processo deve sempre ser respeitado, para que ele atinja sua finalidade[61]. Quando o tempo mínimo não é respeitado, o processo corre o risco, inclusive, de não ser justo e pacificador.
As circunstâncias dos processos devem ser analisadas caso a caso, pois é normal que um processo demore mais que outro. Por isso, a Corte Europeia dos Direitos do Homem fixou o entendimento de que três critérios devem ser observados para a determinação do razoável tempo de duração de determinado processo: (i) complexidade do assunto; (ii) comportamento dos litigantes e de seus procuradores; (iii) atuação do órgão jurisdicional[62].
A aplicabilidade desses critérios deixa claro que o tempo de duração do processo será analisado em cada conjuntura particular, e exatamente por isso o princípio não foi tipificado, valorado, tabelado, tampouco quantificado, tendo em vista que deve atender à lógica do razoável, dentro de cada caso concreto.
Nesse sentido, convém acrescentar que, diante do “tempo de cada processo”, o qual sempre deve ser levado em consideração, o princípio surge como uma tentativa de acabar com as dilações indevidas. O precípuo fundamento da celeridade e da razoável duração do processo é extinguir aqueles atos que retardem injustificadamente a marcha processual.
Sob esse prisma, Alexandre Freitas Câmara ensina:
Não se pode, pois, considerar que o princípio da tempestividade da tutela jurisdicional sirva de base para a construção de processos instantâneos. O que se assegura com esse princípio é a construção de um sistema processual em que não haja dilações indevidas. Em outros termos, o processo não deve demorar mais do que o estritamente necessário para que se possa alcançar os resultados justos visados por força da garantia do devido processo. Deve, também, o processo demorar todo o tempo necessário para que tal resultado possa ser alcançado[63].
Assim, a decisão célere, em tempo razoável, não será em razão disso menos justa, persuasiva e pacificadora, mas terá que respeitar o chamado “tempo do processo”, sem que haja procrastinações desproporcionais[64].
Quando a celeridade processual passa a ser reconhecida como um direito subjetivo, o Poder Público em geral e o Poder Judiciário têm o dever de adotar medidas destinadas a realizar tal objetivo. Essas medidas podem estar relacionadas, por exemplo, com a simplificação processual, a criação de órgãos judiciais em número adequado, a modernização e controle da prestação jurisdicional e até a questões relacionadas com a efetividade e com o acesso à justiça[65].
Não se pode olvidar que o princípio da celeridade está fortemente ligado a outros dois princípios: o princípio do acesso à justiça e o princípio do devido processo legal. O acesso à justiça, com previsão no inciso XXXV do art. 5º, traduz-se em uma das maiores conquistas do Estado Democrático de Direito e manifesta-se pela inafastável prerrogativa – conferida ao cidadão – de provocar a atuação do Poder Judiciário para a apreciação de lesão ou ameaça de lesão a direito.
O direito constitucional de acesso à jurisdição, a seu turno, apresenta-se em três fases. A primeira delas é o acesso ao poder estatal prestador da jurisdição; a segunda é a eficiência e prontidão da resposta estatal à demanda de jurisdição; a terceira, finalmente, coaduna-se com a eficácia da decisão produzida pelo Judiciário[66].
A doutrina processual não diverge que
o direito de ação significa não apenas o mero acesso ao Judiciário, na dimensão restrita e insuficiente de propor demandas e se defender. Não. O direito de acesso à justiça significa tutela efetiva que se desdobra nos elementos adequação e tempestividade[67].
Dinamarco, com muita propriedade, assevera:
Acesso à justiça equivale à obtenção de resultados justos. É o que também já se designou como acesso à ordem jurídica justa (Kazuo Watanabe). Não tem acesso à justiça aquele que sequer consegue fazer-se ouvir em juízo, como também todos os que, pelas mazelas do processo, recebem uma justiça tarda ou alguma injustiça de qualquer ordem[68].
No mesmo sentido, Marinoni, ao comentar acerca do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, defende:
Uma leitura mais moderna, no entanto, faz surgir a ideia de que essa norma constitucional garante não só o direito de ação, mas a possibilidade de um acesso efetivo à justiça e, assim, um direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva. Não teria cabimento entender, com efeito, que a Constituição da República garante ao cidadão que pode afirmar uma lesão ou uma ameaça a direito apenas e tão-somente uma resposta, independentemente de ser ela efetiva e tempestiva. Ora, se o direito de acesso à justiça é direito fundamental, porque garantidor de todos os demais, não há como imaginar que a Constituição da República proclama apenas que todos têm direito a uma mera resposta do juiz. O direito a uma mera resposta do juiz não é suficiente para garantir os demais direitos e, portanto, não pode ser pensado como garantia fundamental de justiça[69].
Ora, não basta o cidadão ter o acesso garantido à jurisdição, é imprescindível que esta atue com presteza. É preciso ter a certeza de que a sua demanda será analisada em tempo razoável e que, ainda assim, será justa e pacificadora. Portanto, a celeridade e a razoável duração do processo fazem-se intimamente ligadas ao princípio do acesso à justiça, já que de inócua valia seria submeter os direitos ao Poder Judiciário, se tal apreciação não se concretizasse em tempo hábil. Assim, pois, complementam-se os axiomas em exame.
O princípio do devido processo legal, por sua vez, é, sem sombra de dúvidas, um dos vetores constitucionais de índole processual mais importantes, visto que dele irradiam os demais princípios aplicáveis ao processo. Sua previsão está contida no inciso LIV do art. 5º da Magna Carta, que dispõe que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Deve ser entendido como uma garantia assegurada ao cidadão de paridade com o Estado, quando este intentar restringir a liberdade ou o direito aos bens jurídicos constitucionalmente protegidos do indivíduo, ou seja, é uma garantia a um processo e a uma sentença justa, uma segurança jurídica.
O processo excessivamente moroso é, em si mesmo, injusto, porquanto agride a garantia do devido processo legal, vez que a lentidão traz insegurança jurídica aos litigantes. Nesse afã, percebe-se que se o devido processo legal é o caminho por meio do qual se busca um processo e uma sentença justos, a celeridade processual, desse modo, fortalece aquele princípio basilar.
Embora, em tese, fosse dispensável a inclusão de mais um direito fundamental para que o indivíduo pudesse pleitear a celeridade na prestação jurisdicional, levando-se em conta a plausibilidade de obter-se tal conclusão pelo tão só cotejo da sistemática dos princípios processuais dispostos na Magna Carta, o certo é que, antes do advento da Emenda Constitucional nº 45/04, foram poucas as legislações cunhadas com o objetivo de combater a morosidade da Justiça. Por outro lado, após a aludida manifestação do poder constituinte reformador, observam-se inúmeros avanços legislativos conferindo rapidez ao trâmite processual, conforme esposado ao longo deste trabalho.
Dessarte, conclui-se pela incomensurável relevância da constitucionalização do princípio da razoável duração do processo, inserido pela Emenda Constitucional nº 45/04, haja vista que, diante da grande morosidade sempre enfrentada pelo nosso Poder Judiciário, abriu-se espaço para o fomento de iniciativas condizentes com o abreviamento da tramitação do processo, e o consequente acesso a uma ordem jurídica realmente justa.
É clássica a catalogação elaborada por José Afonso da Silva no que pertine à aplicabilidade das normas constitucionais, tipificadas em normas de eficácia plena, de eficácia contida e de eficácia limitada (ou reduzida)[70].
As normas de eficácia plena são as idôneas para produzir todos os efeitos previstos, isto é, podem disciplinar de pronto as relações jurídicas, uma vez que contém todos os elementos necessários. Correspondem, assim, aos casos de norma autoexecutável. A essa categoria são muitas vezes assimilados os preceitos que albergam proibições, que conferem isenções e os que estipulam prerrogativas[71].
As normas de eficácia contida são também autoexecutáveis e estão aptas para produzir plenos efeitos no mundo das relações. São destacáveis da classe das normas de eficácia plena pela só circunstância de poderem ser restringidas na sua abrangência, por deliberação do legislador constitucional.
O terceiro grupo compõe-se das normas constitucionais de eficácia limitada. Estas somente produzem os efeitos essenciais após o desenvolvimento normativo posterior, a cargo dos poderes constituídos. A sua vocação de ordenação dependente, para ser satisfeita nos seus efeitos básicos, da interpolação do legislador infraconstitucional. São normas, pois, incompletas, apresentando baixa densidade normativa[72]. Nessa categoria, ainda, listam-se as de princípio institutivo, referentes às que contém um apanhado geral, um início de estruturação de institutos e instituições, entidades e órgãos. As normas programáticas, igualmente, são subespécies das normas constitucionais de eficácia limitada, impondo uma tarefa para os poderes públicos, dirigindo-lhes uma dada atividade, prescrevendo uma ação futura. Jorge Miranda ressalta-lhes a característica da “aplicação diferida”, realçando que
não consentem que os cidadãos ou quaisquer cidadãos as invoquem já (ou imediatamente após a entrada em vigor da Constituição), pedindo aos tribunais o seu cumprimento só por si (…). Aparecem, muitas vezes, acompanhadas de conceitos indeterminados ou parcialmente indeterminados[73].
De acordo com o disposto no art. 5º, § 1º, da Constituição Brasileira de 1988, os direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata, vinculando os poderes públicos independentemente do reconhecimento expresso por lei infraconstitucional, estando protegidos não apenas diante do legislador ordinário, mas também da ação do poder constituinte reformador, por integrarem o rol das denominadas cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, inc. IV, CF/88).
Cuida-se de vetor segundo o qual a efetividade dos direitos fundamentais não poderia ser deixada à mercê da vontade legiferante no que se refere à sua aplicação. Nesse sentido, pensou-se em conferir aplicabilidade imediata às normas garantidoras de direitos fundamentais como um mecanismo passível de evitar que tais direitos pudessem tornar-se “letra morta”, em caso de omissão legislativa. Diante da necessidade de ultrapassar-se um Estado de Direito meramente formal, concretizando-se realmente as garantias de direitos fundamentais, achou por bem o legislador constituinte originário deferir-lhe a característica da aplicabilidade imediata.
A característica da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais é de suma importância, vez que preserva e garante a dignidade da pessoa humana, a qual consiste em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Nessa senda, considerando que às normas consagradoras de tais preceitos foi conferida máxima efetividade, os magistrados não só têm a possibilidade, mas também o dever de aplicar diretamente aquelas para decidir casos concretos que sejam submetidos às suas decisões, sem depender, para tanto, da existência de lei ordinária. Eis o ponto de vista defendido neste trabalho.
Entrementes, não se ignora que, tradicionalmente, a doutrina divirja a respeito da eficácia dos direitos e garantias fundamentais previstos no Título II da Constituição Federal de 1988.
José Afonso da Silva, em seu estudo sistemático sobre o assunto, reconhece-lhes apenas eficácia contida, na consideração de que:
Por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata. A orientação Doutrinária moderna é no sentido de reconhecer eficácia plena e aplicabilidade imediata à maioria das normas constitucionais, mesmo a grande parte daquelas de caráter sócio ideológico, as quais até bem recentemente não passavam de princípios programáticos[74].
Todavia, esse mesmo constitucionalista, analisando o artigo 5º, § 1º, da Constituição da República, faz a seguinte ressalva:
Então...que valor tem o disposto no § 1º o art. 5º, que declara todas de aplicação imediata? Em primeiro lugar, significa que são aplicáveis até onde possam, até onde as instituições ofereçam condições para seu atendimento. Em segundo lugar, significa que o Poder Judiciário, sendo invocado a propósito de uma situação concreta nelas garantida, não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado, segundo as instituições existentes[75].
Nessa linha de raciocínio, que se orienta na direção de atribuir eficácia plena e aplicabilidade imediata às normas que consagram direitos fundamentais, está o magistério de Alexandre de Morais:
Em regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia e aplicabilidade imediata. A própria Constituição Federal, em uma norma síntese, determina tal fato dizendo que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata[76].
Nos fundamentos desta teoria, pode-se encontrar em Canotilho a defesa do princípio da máxima eficiência ou máxima eficácia[77]. E em Jorge Miranda a afirmação de que "A uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê" [78].
Entre nós, Celso Bastos sustenta a ideia de que esvaziar de conteúdo uma norma constitucional equivale a violar a própria Constituição:
O postulado (da máxima eficácia das normas constitucionais) é válido na medida em que por meio dele se entenda que não se pode empobrecer a Constituição. O que efetivamente significa este axioma é o banimento da ideia de que um artigo ou parte dele possa ser considerado sem efeito algum, o que equivaleria a desconsiderá-lo mesmo. Na verdade, neste ponto, acaba por ser um reforço do postulado da unidade na Constituição. Não se pode esvaziar por completo o conteúdo de um artigo, qualquer que seja, pois isto representaria uma forma de violação da Constituição[79].
Por fim, Tercio Sampaio Ferraz Jr., sob prisma diverso, traz à baila semelhante questão, distinguindo a hermenêutica tradicional – à qual se refere como procedimentos interpretativos de bloqueio – daquela que estaria em sintonia com a nova ordem constitucional – que denomina de procedimentos interpretativos de legitimação de aspirações sociais, voltados à consecução de determinadas aspirações ou "metas privilegiadas até mesmo acima ou para além de uma conformidade constitucional estritamente formal", observando:
Ora, a ideia, subjacente a esse procedimento interpretativo de legitimação, de que constituições instauram uma pretensão de se verem atendidas expectativas de realização e concreção só pôde ser atendida, juridicamente, na medida em que se introduziu na hermenêutica constitucional uma consideração de ordem axiológica. Ou seja, pressupondo-se que uma constituição apresenta, no seu corpo normativo, um sistema de valores, a aplicação das suas normas, por via interpretativa, se torna uma realização de valores[80].
No bojo desse processo, constata-se que cabe ao hermeneuta prover uma identificação dos meios possíveis para a consecução de finalidades, quer sejam eles meios sociais ou técnicos, a fim de que a norma possa ser efetiva.
A razoável duração do processo, capitulada no rol de direitos e garantias fundamentais (art. 5º, LXXVIII, CF), nessa qualidade, deveria desfrutar de igual eficácia plena e aplicabilidade imediata. Não obstante, há quem defenda que tal garantia nada significa na prática, pois dependeria da implementação dos meios que garantam a celeridade, objetivo a ser efetivado pelo legislador ordinário.
É o que sustentam, entre outros, João Batista Lopes, para quem "A referência ao direito à razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII) constitui mera promessa, sem qualquer ressonância prática" [81], e Silvania Bonifácio Souza:
Embora seja uma garantia louvável, constitui-se em uma cláusula aberta e que pouco efeito prático traz, já que não basta essa previsão. Na verdade, essa garantia já existia, ainda que não explicitada na Constituição Federal. Prevê-la apenas reforçou a ideia. No entanto, é preciso que existam meios materiais para que se torne realidade, que são os meios que garantam a celeridade de sua tramitação [82].
Contudo, não compartilhamos dessa posição. Em primeiro lugar, porque sua aceitação representaria autêntico retrocesso na evolução da moderna doutrina constitucionalista, especialmente no que diz respeito à efetividade dos direitos fundamentais, como é o caso. Em segundo plano, implicaria atribuir ao legislador infraconstitucional excessiva parcela da responsabilidade pelas mudanças almejadas pelo constituinte e contidas no seio da Emenda nº 45/06. Nesse aspecto, o intérprete da Constituição e da lei não pode se ver fora do processo de transformação presente no cerne da reforma constitucional.
Parece-nos, portanto, que o argumento de que o direito fundamental à razoável duração do processo constitui mera cláusula aberta, dependente da edição de normas infraconstitucionais para aquisição de eficácia plena, não poderá servir de pretexto para que se lhe negue aplicação prática, seja porque o sistema já oferece instrumentos voltados à garantia da celeridade processual (conforme será detalhado adiante), seja porque, na ausência desse instrumental, a atividade do hermeneuta deverá supri-lo tanto quanto possível.
Essa leitura da questão não constitui inovação, pois é inegável que, na prática, assistimos a um processo de legitimação de direitos veiculados por meio das denominadas cláusulas programáticas, cujo conteúdo, aberto ou indeterminado, caracteriza-se pelo fato de traçar um programa ou objetivo a ser implementado pelo legislador infraconstitucional. Tome-se de exemplo o artigo 6º, caput, da Carta de 1988, em que se assegura a todos o direito à educação. Ou ainda o artigo 196, onde está dito que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos".
Ora, em que pese o conteúdo aberto de tais normas, é incontroverso que o exercício dos direitos fundamentais por elas veiculados poderá ser judicialmente assegurado na hipótese de omissão do ente estatal responsável, pois já se reconheceu em nossa mais alta Corte que "(...) A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconsequente". (RE nº 368.041, Rel Min. Joaquim Barbosa, DJ 17/06/05)[83].
Nessa mesma ordem de ideias, orientou-se o Supremo Tribunal Federal no julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental - ADPF nº 45, em acórdão de relatoria do e. Ministro Celso de Mello:
Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado — e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético jurídico —, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado. (ADPF 45, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/05/04)
Ao observarmos tal raciocínio aplicado às normas programáticas – cujo teor, não é demasiado repetir, é caracterizado por definir, genericamente, um programa de metas a ser seguido pelo legislador infraconstitucional –, com maior razão, a nosso ver, há de ser deduzido para garantir maior eficácia possível às normas definidoras de direitos fundamentais.
Com base em tais elucidações e à luz da teoria da efetividade dos direitos fundamentais, entendemos que se deva atribuir aplicabilidade imediata e eficácia plena à garantia constitucional da razoável duração do processo, competindo ao intérprete, com o objetivo de lhe conferir máxima efetividade, a identificação dos meios possíveis para a consecução das finalidades a que a norma se destina, como, aliás, vem expressamente apregoado no art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro[84].
A natureza de direito fundamental de que se reveste a razoável duração do processo é indubitável, mormente face à sua alocação topográfica no art. 5º, preconizado por norma constitucional cujas eficácia plena e aplicabilidade imediata já foram amplamente corroboradas. Resta, assim, prescrutar as garantias constitucionais volvidas à tutela do aludido direito fundamental, conforme abordagem a seguir.
O mandado de segurança encontra-se insculpido no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal, o qual reza:
Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Nesse pórtico, Hely Lopes Meirelles exterioriza a sua acepção de “direito líquido e certo”:
Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante; se a sua existência for duvidosa; se a sua extensão ainda não estiver delimitada; se o seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais[85].
Hodiernamente, o mandado de segurança é regulamentado pela Lei n.º 12.016/2009, e, num arremedo de síntese, consiste em remédio constitucional de caráter residual, já que não será viável o seu manejo quando a ilegalidade ou o abuso de poder puderem ser extirpados por habeas corpus ou habeas data, volvido a sanar uma lesão ou coibir uma ameaça de ofensa a direito posto, provado de plano, de viés irretorquível e sobre o qual não são arguíveis dúvidas quanto à existência e possibilidade de efetivação.
Ora, tendo sido a razoável duração do processo erigida a status constitucional, além de demonstrada, no bojo deste trabalho, a deveras plausibilidade de que seja aquele direito fundamental exigido de imediato, independentemente da implementação de qualquer condição, não obstante ter-se verificado a edição posterior de leis dotadas do espírito da celeridade, o seu resguardo por mandado de segurança é por demais admissível.
No que tange aos procedimentos administrativos, com efeito, em relação aos quais também se reconhece o direito a uma tramitação tempestiva, tem sido enquadrada como coatora a autoridade administrativa que enseja o retardo, com a consequente aceitação tranquila do mandado de segurança como instrumento apto à satisfação do vislumbrado direito líquido e certo. Vejamos:
Apelação Cível. Administrativo. Mandado de Segurança. Prorrogação de permissão para dirigir. Sentença concessiva da segurança. Recurso da FESP. Desprovimento de rigor. 1. Por primeiro nada obsta a indicação do senhor Delegado da CIRETRAN como autoridade coatora porquanto detém ele atribuição específica para o ato de prorrogação. 2. De outra parte, inconteste a lesão a direito liquido e certo (razoável duração do processo) do impetrante pelo não julgamento oportuno do recurso administrativo correspondente a acarretar a prorrogação da permissão provisória a fim de evitar lesão. 3. Por fim, estaria inclusive prejudicado o recurso da FESP ante a notícia de que já expedida a CNH definitiva do impetrante. Sentença mantida - Apelação improvida. (TJ-SP - APL: 9182991152005826 SP 9182991-15.2005.8.26.0000, Relator: Sidney Romano dos Reis, Data de Julgamento: 01/08/2011, 6ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 05/08/2011) (grifos acrescidos)
REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - ADMINISTRATIVO - PEDIDO DE RENOVAÇÃO DE LICENÇA AMBIENTAL - INÉRCIA DO ÓRGÃO AMBIENTAL COMPETENTE PARA ANÁLISE DO REQUERIMENTO - RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO (ART. 5º, INCISO LXXVIII, DA CF)- APLICABILIDADE - DIREITO LÍQUIDO E CERTO - CONCESSÃO DA ORDEM DETERMINANDO QUE O IMPETRADO PROFIRA DECISÃO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO - SENTENÇA MANTIDA - REMESSA DESPROVIDA. "À autoridade administrativa não é lícito protrair, indefinidamente, decisão de requerimento de licença para construção. A omissão viola direito líquido e certo do postulante, reparável via mandado de segurança' (ACMS n.º (Apelação Cível em Mandado de Segurança n. , de Criciúma, rel. Des. Newton Trisotto, j. 21.09.2004)" A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. "(Art. 5º, inciso LXXVIII, da CRFB/88). (TJ-SC - MS: 388259 SC 2010.038825-9, Relator: Sérgio Roberto Baasch Luz, Data de Julgamento: 05/11/2010, Primeira Câmara de Direito Público, Data de Publicação: Reexame Necessário em Mandado de Segurança n. , da Capital) (grifos acrescidos)
MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO DE ANISTIA. MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA. DEMORA NA DECISÃO. FIXAÇÃO DE PRAZO. PRINCÍPIOS DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO E DA EFICIÊNCIA. 1. "O art. 10 da Lei 10.559/2002 outorga competência exclusiva ao Ministro de Estado da Justiça para decidir acerca dos requerimentos formulados para reconhecimento de anistia política, podendo a Autoridade servir-se de órgãos consultivos que lhe forneçam dados técnicos que permitam formar sua livre convicção." (MS 9190/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, DJ 15.12.2003). 3. A postergação indefinida da decisão acaba por negar eficácia à própria ordem constitucional e às disposições legais atinentes à anistia política, não atendendo aos princípios da razoável duração do processo e da eficiência (arts. 5º, LXXVIII, e 37 da CF). 4. Hipótese em que o processo administrativo perdura há mais de 5 (cinco) anos, havendo de ser aplicado o prazo previsto no art. 49 da Lei 9.784/99. Precedentes. 5. Segurança concedida, para que a autoridade impetrada decida o requerido pela impetrante no prazo de 60 (sessenta) dias. (STJ - MS: 12376 DF 2006/0247097-2, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 28/03/2007, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 01/09/2008) (grifos acrescidos)
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. REQUERIMENTO DE REGISTRO DE PROFISSIONAL DE JORNALISTA, NA FUNÇÃO DE REPÓRTER FOTOGRÁFICO, HÁ MAIS DE 9 (NOVE) ANOS. RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. DESRESPEITO. ARBITRARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 1. A Impetrante requereu, em 22 de abril de 1998 (conforme documento de fl. 28), o seu registro profissional de jornalista, na função de repórter fotográfico, nos termos da legislação em vigor. 2. A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (inciso LXXVIII, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988). 3. Apesar de o legislador não ter estabelecido o prazo da razoável duração do processo, o mesmo deve obedecer o princípio da razoabilidade. No caso concreto, é totalmente irrazoável a duração do processo administrativo por mais de 9 (nove) anos. 4. A alegação de necessidade de oitiva do sindicato respectivo, nos termos do parágrafo único, do art. 11, do Decreto nº 80.284/1979, não justifica a demora na conclusão do processo administrativo. Apelação e Remessa Oficial, tida por interposta, improvidas. (TRF-5 - AMS: 80579 CE 0013467-02.2002.4.05.0000, Relator: Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho (Substituto), Data de Julgamento: 10/01/2008, Terceira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 01/04/2008 - Página: 353 - Nº: 62 - Ano: 2008) (grifos acrescidos)
Questão nem tão pacífica, contudo, repousa na possibilidade de o magistrado também ser reputado autoridade coatora, para fins de impetração de mandado de segurança com vistas à concretização da celeridade processual. Não obstante, já são verificáveis na jurisprudência pátria posições favoráveis a tal perspectiva, embora em menor número, as quais, destarte, coadunam-se com o ponto de vista exarado no presente trabalho.
A título ilustrativo, Luis Carlos Moro propõe reconhecer a efetividade plena do princípio em tela, atribuindo-lhe, assim, feição garantística:
Na hipótese do não atendimento ou eventual insensibilidade no apelo formulado diretamente ao magistrado a quem incumbe o feito, fica patente a possibilidade de impetração de mandado de segurança para amparar o direito líquido, certo e exigível da razoável duração do processo[86].
Nesse viés, é esta a jurisprudência aplicável:
MANDADO DE SEGURANÇA - CONVERSÃO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RETIDO - MATÉRIA QUE, SE ACOLHIDA, IMPORTA EM CONCESSÃO IMEDIATA DA TUTELA JURISDICIONAL - PROPENSÃO DO DIREITO ATUAL À RAPIDEZ DAS DECISÕES JURISDICIONAIS - DEVER FUNCIONAL IMPOSTO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45, DE 8 DE DEZEMBRO DE 2004 - INC. LXXVIII, DO ART. 5º DA C.F. - GARANTIA E DIREITO À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO - ATO QUE POSTERGA A DECISÃO JUDICIAL - AMEAÇA DE LESÃO ÍNSITA NO ATO DE CONVERSÃO DO AGRAVO - MANDADO DE SEGURANÇA CONHECIDO E PROVIDO POR MAIORIA. O princípio da razoável duração do processo, agora animado pela garantia constitucional (inc. LXXVIII, do art. 5º da CF), impõe ao órgão de jurisdição a análise imediata de agravo, quando a matéria discutida, - se eventualmente acolhida -, pode proporcionar aceleração da prestação jurisdicional mediante concessão imediata da tutela objetivada, obstando-se, dessa forma, a realização de atos processuais desnecessários ou inúteis. (TJ-PR - MS: 7249309 PR 0724930-9, Relator: Costa Barros, Data de Julgamento: 09/02/2011, 12ª Câmara Cível em Composição Integral, Data de Publicação: DJ: 642) (grifos acrescidos)
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO DO WRIT OF MANDAMUS CONTRA DECISÃO QUE DETERMINOU A CONVERSÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RETIDO. ART. 527, II, E PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. LEI N. 11.187/2005. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL DO STJ. AFASTAMENTO DA REGRA CONTIDA NO ART. 515, § 3º, DO CPC. QUESTÃO GRAVITANTE EM TORNO DO ARCABOUÇO FÁTICO DOS AUTOS. 1. A Lei 11.187/2005 foi promulgada no afã de racionalizar a sistemática recursal cível cabível contra decisão interlocutória, a fim de conferir maior celeridade à prestação jurisdicional e, em último plano, prestigiar a cláusula "pétrea" que assegura razoável duração do processo (inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal). 2. A utilização de mandado de segurança, ação autônoma com esteio constitucional (art. 5º,. LXIX da CF/88), não pode ser suprimida do ordenamento jurídico por legislação ordinária, por mais que a sua utilização desenfreada ponha em risco a nova sistemática recursal do agravo de instrumento. É que o remédio heroico é cabível contra ato judicial que viola direito líquido e certo do jurisdicionado e que não seja coibido de pronto pelas impugnações recursais. 3. É desinfluente que a impetração esteja erigida contra a decisão singular do relator, que determinou a retenção, porquanto é perfeitamente possível que esse decisum afronte direito líquido e certo da parte. Ademais, se a decisão é irrecorrível por determinação legal, há, ainda, a possibilidade de o agravo regimental não ser sequer conhecido (Precedente: RMS 25.934/PR, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJ de 9 de fevereiro de 2009). 4. No caso em foco, a regra contida no § 3º do art. 515 do CPC deve ser afastada, pois a aferição do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação enseja análise do arcabouço fático dos autos, denotando que questão controvertida não é exclusivamente de direito (Precedentes: RMS 25462/RJ, Relator Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ de 20 de outubro de 2008; EDcl no RMS 25917/RJ, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 1 de dezembro de 2008; e RMS 22364/SC, Relatora Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, DJ de 15 de dezembro de 2008). 5. Recurso ordinário provido tão somente para declarar o cabimento de mandado de segurança contra decisão que determina a conversão de agravo de instrumento em retido, com a determinação do retorno dos autos ao TRF da Quinta Região para análise do mérito da impetração. (STJ - RMS: 28515 PE 2008/0283417-1, Relator: Ministro BENEDITO GONÇALVES, Data de Julgamento: 02/04/2009, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/04/2009) (grifos acrescidos)
Mandado de Segurança. Grupo Econômico. Falência. Responsabilidade Solidária. Configurada a ilegalidade no ato judicial que,diante da insuficiência patrimonial da executada, inclusive em processo falimentar, indefere o prosseguimento da execução contra as demais empresas integrantes do grupo econômico reconhecido por sentença, responsáveis solidárias pelos créditos alimentares do trabalhador. No caso, sujeitar o exequente ao longo, e, em muitas vezes inútil, processo de arrecadação de bens no juízo universal falimentar, é renegar, equivocadamente,o fato de que a existência de grupo econômico implica na responsabilidade solidária de todos os seus componentes,com a finalidade de tornar mais eficaz a execução, nos termos do artigo 2º, parágrafo 2º da CLT, notadamente quando ocorre a quebra da executada. O posicionamento adotado contrapõe-se à norma constitucional recentemente introduzida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, inserta no artigo 5º,inciso LXXVIII, que elevou à condição de direitos fundamentais do cidadão os princípios da razoável duração e da celeridade processuais. Segurança concedida. (TRT-2 - MS: 12590200500002005 SP 12590-2005-000-02-00-5, Relator: WILMA NOGUEIRA DE ARAUJO VAZ DA SILVA, Data de Julgamento: 12/06/2007, SDI, Data de Publicação: 17/07/2007) (grifos acrescidos)
Conforme ressoa perceptível, a razoável duração do processo constitui direito líquido e certo, digno de proteção através de mandado de segurança, seja na órbita administrativa ou jurisdicional, em que pese a aceitação naquela ser de maior envergadura, já que, nesta última, a insurgência contra ato judicial ainda pressupõe, na análise de muitos tribunais, a demonstração de que o magistrado incorreu em conduta designada 'teratológica', exame que, quase que inevitavelmente, assenta-se em valoração subjetiva.
É fartamente sabido que o excesso de prazo para a conclusão da instrução criminal enquanto o imputado encontra-se custodiado provisoriamente constitui constrangimento ilegal, donde se impor o relaxamento da respectiva prisão. É esse o espírito das súmulas 21, 52 e 64 do Superior Tribunal de Justiça[87]. Essa ilegalidade, aliás, gerada pelo alastramento desmedido do processo penal sem que se verifique o tempestivo erigimento dos elementos de prova pertinentes, autoriza o manejo de habeas corpus, conforme assente jurisprudência:
HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO PARA O JULGAMENTO DO PACIENTE NO TRIBUNAL DO JÚRI. ALONGAMENTO PROCESSUAL PARA O QUAL NÃO CONCORREU DECISIVAMENTE A DEFESA. DIREITO SUBJETIVO À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. RETARDAMENTO INJUSTIFICADO DA CAUSA. ORDEM CONCEDIDA. 1. O Supremo Tribunal Federal entende que a aferição de eventual excesso de prazo é de se dar em cada caso concreto, atento o julgador às peculiaridades do processo em que estiver oficiando. 2. A prisão instrumental do paciente já ultrapassa 5 (cinco) anos, tempo superior até mesmo a algumas das penas do Código Penal. Prazo alongado, esse, que não é de ser debitado decisivamente à defesa. 3. A gravidade da increpação não obsta o direito subjetivo à razoável duração do processo (inciso LXXVIII do art. 5º da CF). 4. Ordem concedida. (STF - HC: 107798 PE , Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 20/09/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-069 DIVULG 09-04-2012 PUBLIC 10-04-2012) (grifos acrescidos)
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. EXCESSO DE PRAZO. CONFIGURAÇÃO. RÉU PRESO HÁ QUASE 07 (SETE) ANOS SEM PROLAÇÃO DE SENTENÇA. GARANTIA CONSTITUCIONAL DE RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. RÉU PRESO. PRIORIDADE. I - Evidenciada situação de flagrante ilegalidade é de ser mitigada a aplicação da Súmula 52 desta Corte (Precedentes). II - Assim, muito embora já encerrada a instrução criminal, deve ser reconhecido o injustificável excesso de prazo para a prolação da sentença, haja vista que o paciente está preso desde 11/10/2002, em razão do cumprimento de mandado de prisão preventiva, permanecendo nesta condição até o presente momento. III - Ademais, em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, verifica-se que o processo encontra-se concluso para a sentença desde 17/09/2008. Portanto, o paciente está há aproximadamente 07 (sete) anos preso, sem que tenha sido proferida sentença. Configurado, portanto, na hipótese, excesso de prazo injustificado. Ordem concedida, para que o paciente aguarde o julgamento da ação penal 485., Comarca de Lagoa do Itaenga/PE, em liberdade, salvo se, por outro motivo, não estiver preso. (STJ - HC: 123062 PE 2008/0270751-0, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 01/09/2009, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/10/2009) (grifos acrescidos)
Ainda que a jurisprudência não fosse filiada ao posicionamento supra, o próprio Código de Processo Penal já prescreve o cabimento do aludido remédio constitucional. Vejamos:
Art. 647. Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.
Art. 648. A coação considerar-se-á ilegal:
II – quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei.
De fato, a franca aceitação quanto à existência de meio específico[88] pelo qual é viável impugnar-se a duração extenuante do processo penal ancora-se, dentre outros, na constatação de que, na seara criminal, foram lançados parâmetros de fluência das querelas em que visada a concretização do jus puniendi estatal, mormente quando o acusado aguarda preso o desfecho do processo.
Nesse certame, a Lei n.º 9.303/96, que alterou o art. 8º da Lei n.º 9.034/95, a qual disciplina o combate às ações praticadas por organizações criminosas, estabeleceu expressamente o prazo de 81 (oitenta e um) dias para o encerramento da instrução criminal em caso de réu preso, e de 120 (cento e vinte) dias, se solto ele estiver. Observemos:
Art. 1º. O art. 8º da Lei nº 9.034, de 3 maio de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 8º O prazo para encerramento da instrução criminal, nos processos por crime de que trata esta Lei, será de 81 (oitenta e um) dias, quando o réu estiver preso, e de 120 (cento e vinte) dias, quando solto.
É de rigor salientar que esse interregno máximo de 81 (oitenta e um) dias não foi lançado desprovido de qualquer critério. Ao revés, resultou o destacado paradigma da soma de todos os atos previstos no Código de Processo Penal, no procedimento dos crimes apenados com reclusão, de competência do juiz singular, e também de construção jurisprudencial em tal viés.
Ocorre que, até o ano de 2008, eram estes os prazos para os atos de persecução penal jungidos ao procedimento comum ordinário estando o imputado preso: 10 (dez) dias para a conclusão do inquérito policial (art. 10, CPP); 5 (cinco) dias para a denúncia; (art. 46, CPP); 3 (três) dias para a defesa prévia (art. 395, CPP); 20 (vinte) dias para a inquirição de testemunhas (art. 401, CPP); 2 (dois) dias para o requerimento de diligências (art. 499, CPP); 10 (dez) dias para o despacho de deferimento das diligências (art. 499, CPP); 6 (seis) dias para as alegações finais (art. 500, CPP); 5 (cinco) dias para as diligências ordenadas pelo próprio magistrado (art. 502, CPP) e 20 (vinte) dias para a sentença (art. 800, CPP). E os tribunais pátrios, embora não conferissem peremptoriedade ao lapso temporal de 81 (oitenta e um) dias, reconheciam-lhe a pertinência, já que se tratava, ao menos, de um meio de colmatação da lacuna legislativa existente, até porque, para todos os efeitos, não havia (e ainda não há) regramento legal expresso sobre a duração da instrução criminal no seio do rito aplicado à extensa maioria das infrações penais, qual seja o ordinário. Atentemos:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. APLICAÇÃO DE OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES. FALTA DA DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU. INSTRUÇÃO DEFICIENTE. NÃO CONHECIMENTO. EXCESSO DE PRAZO. CAUSA COMPLEXA. DEMORA RAZOÁVEL. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA.
1 - Não há como decidir a questão referente à aplicação de outras medidas cautelares, ante a deficiência na instrução do writ, pela ausência de prova pré-constituída essencial, é dizer, a decisão que decretara a preventiva. 2 - Segundo entendimento jurisprudencial e doutrinário, a apuração de diversos crimes (roubo de cargas, falsificação de documentos, corrupção ativa e passiva) praticados, ao que tudo indica, por intrincada organização criminosa, com diversos denunciados (15), redundando em investigações em variados municípios e em mais de um Estado da Federação, justifica, em face da razoabilidade, eventual atraso na instrução criminal, notadamente tendo em conta que o prazo de 81 dias não é de peremptória observância, erigindo-se apenas como parâmetro, utilizado pelos Tribunais, para aferir a duração do processo. 3 - Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte não provido. (STJ. RHC 32.164/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 03/05/2012, DJe 14/05/2012) (grifos acrescidos)
HABEAS CORPUS. FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA. CUSTÓDIA CAUTELAR LASTREADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E PARA ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL (CPP, ART. 312). EXCESSO DE PRAZO. NÃO-CONFIGURAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO DA DEFESA. PROCESSO COMPLEXO. ORDEM INDEFERIDA. (...) 5. Quanto à alegação de excesso de prazo, constata-se a existência de elementos que sinalizam para a complexidade da causa (elevado número de crimes e de acusados). Em princípio, desde que devidamente fundamentada e atendido o parâmetro da razoabilidade, admite-se a excepcional prorrogação de mais de 81 dias para o término de instruções criminais de caráter complexo. (...) 8. Decreto de prisão preventiva devidamente fundamentado, nos termos do art. 312 do CPP e art. 93, IX, da CF. Existência de razões suficientes para a manutenção da prisão preventiva. 9. Ordem indeferida. (STF. HC 89090, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 21/11/2006, DJe-117 DIVULG 04-10-2007 PUBLIC 05-10-2007 DJ 05-10-2007 PP-00038 EMENT VOL-02292-02 PP-00430 RTJ VOL-00203-03 PP-01175) (grifos acrescidos)
Com o advento da Lei n.º 11.719/08, que operou mudanças significativas na sistemática dos atos processuais penais, o prazo para o desfecho da fase instrutória enquanto mantida a prisão cautelar do acusado também foi alterado, passando, desse modo, a oscilar entre 95 (noventa e cinco) e 125 (cento e vinte e cinco) dias, no procedimento comum ordinário. Reparemos: 10 (dez) dias para a conclusão do inquérito policial (art. 10, CPP); 5 (cinco) dias para o oferecimento da denúncia (art. 46, CPP); 5 (cinco) dias para o recebimento da peça acusatória (art. 46, CPP); 10 (dez) dias para a apresentação da resposta à acusação (art. 396, CPP); 5 (cinco) dias para a análise de possível absolvição sumária (art. 397, CPP); 60 (sessenta) dias para a audiência una de instrução e julgamento (oitiva do acusado, inquirição de testemunhas, diligências, alegações finais orais e prolação da sentença). Ademais, em virtude da complexidade do caso, ou, se houver diligências, as partes disporão do prazo sucessivo de 05 (cinco) dias para oferecerem alegações finais escritas, após o que o juiz deverá sentenciar em 10 (dez) dias (art. 404, parágrafo único, CPP).
De qualquer forma, seja o parâmetro 81 (oitenta e um) dias ou mais, é inconteste que tal representa importantíssimo critério pronunciador do balizamento da razoável duração do processo criminal, o qual, em conjugação com os arts. 647 e 648 do Código de Processo Penal, conformam o arcabouço normativo apto à outorga de habeas corpus tendente a sanar eventual ilegalidade por excesso de prazo.
Sob a perspectiva de que grande parte dos recursos fundam-se em argumentações afins, revestindo, muitas vezes, caráter meramente protelatório, na última década, foram concebidos diversos instrumentos legais, visando obstar o encaminhamento de processos aos tribunais superiores. O uso desses mecanismos, por conseguinte, tem revelado resultados positivos, do ponto de vista pragmático.
Os filtros recursais partem do principio que, no mérito, tudo o que poderia servir como fundamento de convencimento dos ministros dos tribunais superiores já está exposto nos autos. Tais instrumentos, destarte, têm representado um avanço significativo na desobstrução dos órgãos de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, conforme se explanará a seguir.
Tendo sido debruçada a repercussão geral na qualidade de requisito específico de admissibilidade imanente ao recurso extraordinário, a reiteração da sua menção justifica-se em razão do estreito liame entre o referido instituto e a celeridade processual, vez que volvida à redução de processos apreciados pelo Supremo Tribunal Federal.
De acordo com os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero[89], com o advento da repercussão Geral resguardam-se, a um só tempo, dois interesses: o interesse das partes na realização de processos jurisdicionais em tempo justo e o interesse da Justiça no exame de casos pelo Supremo Tribunal Federal apenas quando essa apreciação mostrar-se imprescindível para realização dos fins a que se dedica a alcançar a sociedade brasileira.
Em sendo o Supremo Tribunal Federal responsável pela preservação dos valores fundamentais existentes na Constituição Federal, a denominada guarda da Constituição, ao aplicar o enfocado requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, estará cumprindo o papel unificador do Direito no Estado Constitucional. Ou seja, ao analisar as questões relevantes e transcendentes para a sociedade, mediante a aplicação do conceito indeterminado da repercussão geral, a Suprema Corte poderá alcançar a compatibilização das decisões à Constituição da República Federativa do Brasil e desenvolver novas soluções aos problemas sociais.
Logicamente, tais questões não poderão ser examinadas de forma adequada se todos os litígios existentes forem levados ao Supremo, sem que haja uma seleção das causas que gerarão maior impacto para a sociedade, que contribuirão efetivamente para a unidade do Direito.
Nesse ínterim, importantíssimo frisar que a repercussão geral não viola o direito fundamental de acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF), uma vez que este se distingue do direito ao acesso aos Tribunais, conforme lição de Luiz Roberto Barroso, em palestra proferida na EMERJ.[90] A jurisdição extraordinária realiza outros interesses, que não o acesso à justiça: objetiva a guarda da Constituição, pelo Supremo Tribunal Federal e a uniformização de leis federais, pelo Superior Tribunal de Justiça.
Ademais, diante do crescimento progressivo de demandas no Supremo Tribunal Federal e o consequente desvio de sua função precípua, criou-se o requisito da repercussão geral com a finalidade de desafogar o trabalho confiado àquela Corte, exigindo-se que a matéria objeto do referido meio de impugnação revele-se importante em termos gerais, não se limitando à solução do litígio intersubjetivo[91].
Cuida-se, verdadeiramente, de autêntico mecanismo de racionalização do volume de trabalho que chega ao Tribunal Constitucional, cuja produção de resultados práticos restou demonstrada em estudo realizado pelo Supremo Tribunal Federal, publicado em dezembro de 2007 em seu site na internet.[92] Observa-se no citado estudo que a tendência é a diminuição do quantitativo de recursos extraordinários e agravos de instrumento (interpostos quando inadmitido o RE) sem preliminar acerca da repercussão geral e o aumento dos recursos contendo a preliminar em questão, na medida em que se demonstra a eficácia do novo instituto na efetivação do acesso à justiça.
Com efeito, a partir de uma paulatina e natural formação de um catálogo de casos pelos julgamentos do Supremo Tribunal Federal permite-se o controle em face da própria atividade jurisdicional da Corte, objetivando-se cada vez mais o manejo dos conceitos de relevância e transcendência ínsitos à ideia de repercussão geral[93].
Nessa perspectiva, com arrimo em estatística fornecida pelo jornal O Globo[94], a Corte Suprema brasileira recebeu em 2007 (até 20/11), a quantidade de cento e quarenta mil e quinhentos processos, havendo julgado cento e oito mil, oitocentas e vinte e sete demandas, desviando-se, destarte, completamente de sua função precípua de controle da correta aplicação e interpretação da Constituição Federal.
A numerosa demanda de processos na Suprema Corte prejudica o tempo para reflexão, estudo e maturação de ideias, sobretudo nas matérias complexas e polêmicas, de acordo com Luís Roberto Barroso, em declaração realizada na referida reportagem, sendo necessária a implementação de mecanismos efetivos de filtragem, como a repercussão geral e a súmula vinculante, introduzidos pela Reforma do Judiciário.
A tão frisada Emenda Constitucional n.º 45/2004, realmente, disseminou uma série de inovações tendentes a contribuir, direta ou indiretamente, com o abreviamento do processo, seja mediante a expressa consagração da duração razoável do feito como direito fundamental, seja através da criação de mecanismos voltados à filtragem de processos remetidos aos tribunais superiores. E a súmula vinculante está igualmente preordenada a esse escopo, já que visa imprimir maior celeridade ao julgamento em todas as instâncias, a partir da imposição de um entendimento jurídico obrigatório para certas causas.
Antes mesmo da edição da EC n.º 45/04, o efeito vinculante das decisões judiciais de tribunais superiores sobre os atos de instâncias inferiores não configurava novidade. Nelson de Souza Sampaio, nesse mister, declarou que o Judiciário, no desempenho de sua missão, pode praticar ato que vai desde a sentença clássica até atos propriamente ''legislativos''. Assim é que, quanto à crescente extensão de seus efeitos, os atos dos juízes se escalonariam em sentença clássica, precedente, sentença normativa, jurisprudência vinculante, atos quase legislativos e plenamente legislativos[95].
É de Kelsen o esclarecimento de que a função criadora do direito dos tribunais, existente em todas circunstâncias, surge com particular evidência quando um tribunal recebe competência para produzir também normais gerais por meio de decisões com força de precedentes. Conferir a tal decisão caráter de precedente, pois, seria apenas um alargamento coerente da função criadora de direito dos tribunais. Dessa forma, na visão do ilustre jurista, se aos tribunais é conferido o poder não só de criar normas individuais, quando da solução de casos concretos, mas também normas jurídicas gerais, estariam aqueles em concorrência com o órgão legislativo instituído pela Constituição, e isso significaria uma descentralização da função legislativa.[96]
Os países que pertencem à tradição do common law construíram a prática do precedente judicial vinculativo, que se caracteriza pelo fato de a ratio decidendi de um alto tribunal ser, em princípio, obrigatória para os tribunais superiores. E a criação predominantemente judicial do direito concorreu positivamente para o estabelecimento dessa racionalidade. Isso, no entanto, não impede de a técnica do precedente vinculante ver-se plasmada também em países de tradição romanista, embora aí mais formalizado, como se verifica no Brasil.
E foi sob a égide de um espírito mais incisivo de uniformização da jurisprudência da Egrégia Corte que foi concebido o art. 103-A, introduzido no texto constitucional com a EC n.º 45/04. Vejamos:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
O preceito constitucional em tela explicita que a súmula terá por objetivo superar controvérsia atual sobre a validade, a interpretação e a eficácia de determinadas normas capazes de gerar insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos. Estão abrangidas, assim, as questões atuais sobre interpretação de normas constitucionais ou destas em face de normas infraconstitucionais.
A súmula vinculante, ao contrário do que ocorre no processo objetivo de controle de constitucionalidade, decorre de decisões tomadas, a rigor, em casos concretos, no modelo incidental, no qual também existe, não raras vezes, reclamo por solução geral. Esse aspecto, conseguintemente, acaba por definir o próprio conteúdo das súmulas vinculantes, vez que, em regra, são elas formuladas a partir das questões processuais de massa ou homogêneas, envolvendo matérias previdenciárias, administrativas, tributárias ou até mesmo processuais, suscetíveis de padronização. Tal vinculação, ainda, é oponível aos órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Ora, evidentemente, a súmula vinculante, pela carga eminentemente uniformizadora que alberga, não ficou imune a críticas. Nesse diapasão, um dos debates mais acalorados que ressoa da doutrina funda-se na suscitação de inconstitucionalidade do referido instituto, sob a alegação de infringência à cláusula pétrea de Separação dos Poderes. Nesse viés, Evandro Lins e Silva escreveu:
A independência recíproca dos Poderes pressupõe, como é óbvio, que cada um deles exerça uma função exclusiva; caso contrário, haveria superposição funcional. A função precípua e exclusiva do Poder Legislativo, como estabelecido desde os primórdios do regime democrático moderno, é a de ditar as leis, entendidas como expressão da vontade geral do povo. Ora, a súmula com efeito vinculante absoluto para os juízes de primeira instância significa a introdução de um sucedâneo da lei em nosso sistema jurídico, produzindo a superposição ou conflito de atribuições entre os Poderes Legislativo e Judiciário[97].
Não nos parece, entretanto, que a adoção das súmulas vinculantes cause qualquer afronta à divisão dos Poderes, por não se confundir a atividade judicial de criação de súmulas com a atividade legislativa de formulação de normas. Para aqueles que vêm agressão àquela cláusula pétrea, não resta dúvida de que a atividade do juiz, adotando-se a súmula vinculante, é a de legislar. Nessa conjuntura, estaria o Supremo Tribunal Federal ditando uma interpretação autêntica, com validade geral e abstrata, de acolhimento obrigatório em todo o país pelos juízes e pelos poderes públicos. Essa conclusão, todavia, não parece ser a mais acertada.
Muito embora se deva admitir que a súmula vinculante traz como consequência direta de sua aplicação uma nova modalidade de posicionamento do STF a respeito da aplicação de determinada norma jurídica com caráter genérico e obrigatório, não é correto afirmar que os Ministros daquele tribunal, ao promulgar essas súmulas, estariam funcionando como verdadeiros juízes legisladores. Isso porque, diversamente da atividade legiferante, não é dado a esses magistrados o poder de inaugurar a ordem jurídica, criando direitos e deveres. Conforme já debruçado, o Supremo estará sempre limitado a questões que porventura cheguem a seu conhecimento por meio de sucessivas demandas judiciais, cabendo aos Ministros, pois, somente a função de unificar interpretações conflitantes, dando um entendimento coeso a respeito da aplicação e interpretação da norma.
Outra feroz crítica que se faz às súmulas vinculantes em nosso país é a de que sua adoção levaria a um engessamento do direito, já que, com a cristalização das posições jurisprudenciais do STF, o direito perderia sua mobilidade, principal característica atribuída ao Poder Judiciário quando interpreta as normas editadas pelos outros Poderes, em especial no tocante às decisões proferidas pelos juízes de primeiro grau de jurisdição.
À evidência, não procede o argumento de que a súmula vinculante impede mudanças que ocorrem por demanda da sociedade e do próprio sistema jurídico, uma vez que há previsão da revisão e revogação de tais enunciados. Ademais, a revisão da súmula vinculante propicia ao eventual requerente maiores oportunidades de superação do entendimento consolidado do que o sistema de recursos em massa, que são respondidos, também, pelas fórmulas massificadas existentes hoje nos tribunais.
Tal questão foi objeto de observação do Ministro Sepúlveda Pertence, em pronunciamento perante a Câmara dos Deputados:
É muito mais fácil prestar atenção a um argumento novo, num mecanismo de revisão de súmula, do que num dos 5 ou 6 mil processos a respeito que subam num determinado ano ao Supremo Tribunal Federal, até porque a sentença que contém o argumento novo tem de ser sorteada, porque não dá para conferir mais do que por amostragem[98].
Críticas à parte, é inquestionável o relevante papel que a súmula vinculante exerce para fins de racionalização do trabalho perante o Supremo Tribunal Federal, com a consequente redução de processos ali julgados e a agilidade na solução de litígios em geral. Isso porque a elaboração de um enunciado jurisprudencial dotado de dever ser, versador de matérias criteriosamente selecionadas, além de assegurar a concretização da isonomia, com o tratamento equânime dispensado a causas assentadas na mesma fundamentação jurídica, funciona como verdadeiro filtro processual, evitando o abarrotamento de demandas repetitivas, e culminando, por conseguinte, na entrega da prestação jurisdicional de forma mais célere.
Embora os mecanismos esposados a seguir não sejam enquadrados estaticamente em uma dada categoria ou regidos por uma lei específica plasmada no intento específico de conferir celeridade processual, o certo é que, em alguma medida, contribuem para a diminuição de feitos remetidos aos tribunais superiores, o que, a um só tempo, fomenta a concretização da razoável duração do processo e o cumprimento da missão constitucional delegada às instâncias extraordinárias.
É pacífica a diretriz dos tribunais superiores de não admitir recursos excepcionais para a simples revisão de prova, tendo em vista o já bastante advogado caráter de controle da higidez do direito objetivo que preordena aqueles (enunciados 279[99] e 07[100] da jurisprudência predominante do STF e do STJ, respectivamente). Isso decorre, inclusive, da arraigada lição de que não é possível a interposição de recurso excepcional para a reanálise de matéria de fato, já que o referido pleito não se enquadra em qualquer das hipóteses de cabimento daquele.
Entrementes, há possibilidade de recurso especial por violação às regras de direito probatório, entre as quais se incluem os dispositivos do Código de Processo Civil e do Código Civil que cuidam da temática – notadamente quando tratam da valoração e da admissibilidade da prova. Como bem afirmou Athos Carneiro, “a questão da valoração da prova, no entanto, exsurge como questão de direito, capaz de propiciar a admissão do apelo extremo”.[101] Também é possível imaginar recurso excepcional para discutir a utilização de prova ilícita, a qual é vedada constitucionalmente[102].
No que tange ao tema, importante julgado do Supremo Tribunal Federal, da lavra do Ministro Rodrigues Alckmin, no RE 84.699/SE:
O chamado erro de valoração ou valorização das provas, invocado para permitir o conhecimento do recurso extraordinário, somente pode ser o erro de direito, quanto ao valor da prova abstratamente considerado, Assim, se a lei federal exige determinado meio de prova no tocante a ato ou negócio jurídico, decisão judicial que tenha como provado o ato ou negócio por outro meio de prova ofende ao direito federal. (…) Somente nesses casos há direito federal sobre prova, acaso ofendido, a justificar a defesa do ius constitucionis.
Análoga é a posição do STJ: “A valoração da prova, no âmbito do recurso especial, pressupõe contrariedade a um princípio ou regra jurídica no campo probatório, sendo cediço ser o livre convencimento motivado um dos postulados do nosso sistema processual” [103].
Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart enumeram diversas situações em que é viável o controle, por recurso excepcional, da aplicação de regras do direito probatório: “i) ilicitude da prova; ii) da qualidade da prova necessária para a validade do ato jurídico; iii) para uso de certo procedimento; iv) do objeto da convicção; v) da convicção suficiente diante da lei processual; vi) do direito material; vii) do ônus da prova; viii) da idoneidade das regras de experiência e das presunções; ix) além de outras questões que antecedem a imediata relação com o conjunto das provas e os fatos, por dizerem respeito ao valor abstrato de cada uma das provas e dos critérios que guiaram os raciocínios presuntivo, probatório e decisório” [104].
Em suma, a vedação ao reexame de prova em sede de recurso de superposição, constituindo mais um mecanismo de contenção do acesso às instâncias extraordinárias, não se imporá quando se visar discutir a aplicação do direito probatório.
Os recursos extraordinário e especial pressupõem um julgado contra o qual já foram esgotadas as possibilidades de impugnação nas várias instâncias ordinárias ou na instância única. Não podem ser exercitados per saltum, deixando in albis alguma vertente de irresignação. Logo, enquanto houver recurso na instância de origem, ainda não houve decisão de última ou única instância, conforme exige o texto constitucional. É necessário, como se percebe, o prévio esgotamento das instâncias ordinárias para que se possa intentar os recursos extraordinário e especial.
Tal exigência consta, aliás, do enunciado n. 207 da súmula do STJ, que reza: “É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem”.
À evidência, reformada a sentença de mérito por maioria de votos, não se deve interpor, desde logo, o recurso especial, justamente porque ainda não se esgotaram as instâncias ordinárias. É que cabíveis, ainda, embargos infringentes, nos termos do art. 530 do CPC, salvo se a sentença tiver sido proferida em mandado de segurança (art. 25, da Lei n. 12.016/2009).
De igual modo, eis a dicção da súmula n. 281 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”. Dessa forma, proferida, por exemplo, uma decisão isolada pelo relator, não é possível interpor, desde logo, o recurso especial ou extraordinário, pois ainda não se esgotou a instância ordinária, ante o cabimento de agravo interno.
Cuida-se a condição esposada, igualmente, de traço diferenciador dos recursos excepcionais.
De viés análogo ao preordenado pela repercussão geral, a Lei n. 11.672/2008 acrescentou o art. 543-C ao Código de Processo Civil, estabelecendo o procedimento para processo e julgamento de recursos especiais repetitivos, isto é, aqueles que albergam a mesma questão de direito.
Segue-se, em linhas gerais, o modelo de regramento dos recursos extraordinários reiterados (art. 543-B, CPC). Assim: a) o tribunal local deverá proceder à seleção dos recursos que mais bem representem as discussões em torno da questão, que será julgada por amostragem (art. 543-C, § 1º, CPC); b) permite-se a intervenção de amicus curiae neste julgamento (art. 543-C, § 4º, CPC); c) julgado(s) o(s) recurso(s) especial(is) selecionado(s), os outros, cujo processamento ficou sobrestado na origem, poderão ter um destes destinos: ou terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça, ou serão novamente examinados pelo tribunal de origem, caso o acórdão recorrido divirja da orientação do STJ.
Se o tribunal de origem não selecionar os recursos especiais mais representativos, conforme dita o § 1º do art. 543-C, poderá o relator do recurso especial determinar, ex officio, a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida. Para tanto, é preciso que verifique se há jurisprudência dominante sobre a controvérsia, ou se ela já está afeta ao colegiado a que pertence (art. 543-C, § 2º, CPC).
Para instruir o julgamento por amostragem, o relator poderá solicitar informações dos tribunais de segunda instância a respeito da divergência, que, no caso, funcionarão como amicus curiae (art. 543-C, § 3ª, CPC).
Impõe-se, também, a intimação do Ministério Público, para que se manifeste em quinze dias no procedimento para julgamento por amostragem (art. 543-C, § 5º, CPC). Outrossim, previu-se que o julgamento por amostragem gozará de preferência, a qual, no entanto, cederá nos casos que envolvam réu preso e habeas corpus (art. 543-C, § 6º, CPC).
Para regulamentar o procedimento relativo aos recursos especiais repetitivos, a Presidência do STJ editou a Resolução n. 8, de 07 de agosto de 2008, estabelecendo que, havendo multiplicidade de recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, o Presidente do tribunal de origem deve, ao admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, suspender a tramitação dos demais até o julgamento definitivo no STJ.
Ademais, o agrupamento de recursos repetitivos deve levar em conta apenas a questão central de mérito, sempre que o seu exame for prejudicial à análise de outras temáticas secundárias, arguidas no mesmo recurso.
Se o Ministro Relator, no STJ, verificar a existência, no seu gabinete, de diversos recursos ancorados nas mesmas questões de direito ou caso recena dos tribunais de origem recurso especial admitido como representativo da controvérsia, poderá, por simples despacho, afetar a apreciação de um deles à Seção. Por outro lado, se se tratar se hipótese em que o bojo do recurso estiver assentado em competência de mais de uma Seção, ao Relator caberá direcionar o julgamento à Corte Especial.
Afetado o julgamento à Seção ou à Corte Especial, sua respectiva coordenadoria deverá incluir o recurso na primeira pauta disponível, além de comunicar a afetação, por ofício, aos demais Ministros integrantes do órgão julgador e extrair cópias do acórdão recorrido, do recurso especial, das contrarrazões, da decisão de admissibilidade, do parecer do Ministério Público e de outras peças indicadas pelo Ministro Relator, encaminhando-as aos integrantes do órgão julgador pelo menos 5 (cinco) dias antes do julgamento.
Publicado o acórdão do recurso especial afetado, o Ministro que tenha determinado a suspensão das irresignações fundadas em idêntica controvérsia poderá julgá-los nos termos do art. 557 do CPC.
Na mesma ótica, tão logo publicado o acórdão do STJ proferido no recurso especial afetado, cessa a suspensão dos demais recursos que ficaram represados nos tribunais locais, aos quais não será dado provimento se a decisão do STJ coincidir com a conclusão a que chegaram os acórdãos recorridos. Na conjectura de verificar-se divergência entre acórdãos recorridos e o julgamento do STJ, os recursos especiais que ficaram sobrestados na origem serão novamente submetidos ao órgão julgador competente no juízo recorrido, competindo-lhes reconsiderar a decisão para ajustá-la à orientação firmada pelo tribunal de cúpula, tudo em conformidade com o que já consta do art. 543-C do CPC.
Feita as delineações procedimentais acerca da Lei n. 11.672/08 e da Resolução n. 8, de 07 de agosto de 2008, é de rigor a exaração das razões que culminaram na conformação do art. 543-C do Código de Processo Civil, as quais, inequivocamente, estão jungidas à efetivação de uma prestação jurisdicional mais célere, nos moldes do art. 5°, LXXVIII, da Constituição Federal.
De acordo com Silas Mendes dos Reis e Marco Aurélio Serau Jr., acerca do procedimento dos recursos especiais repetitivos, compreende-se:
O Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), após debates internos e consulta ao Superior Tribunal de Justiça, em particular a partir de sugestão do ex-Ministro Athos Gusmão Carneiro, apresentou proposta de alteração legislativa visando a aplicação, também em relação ao recurso especial, de técnica de julgamento dos recursos repetitivos similar à adotada pelo Supremo Tribunal Federal, a partir da introdução do art. 543-B no Código de Processo Civil. Os objetivos desta proposta de alteração legislativa seriam por óbvio, reduzir o número excessivo de recursos especiais em tramite naquela Corte Superior, tendendo a uma prestação jurisdicional célere, de acordo com o ditame do art. 5°, LXXVIII, CF/88[105]. (grifos acrescidos)
Em sentido congênere, quando a Lei dos Recursos Repetitivos entrou em vigor, o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, à época o Ministro Humberto Gomes de Barros, manifestou-se sobre o novel procedimento criado para os recursos especiais:
Ao completar 19 anos de existência, o Superior Tribunal de Justiça ganha o mais poderoso instrumento processual capaz de apoiá-lo no cumprimento do papel constitucional de uniformizador da lei federal. Sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 8 de maio, a Lei 11.672/08 livrará o STJ de milhares de recursos repetitivos, ao acrescentar o Art. 543-C ao Código de Processo Civil. O projeto sancionado representa uma carta de alforria para o STJ. Em 2007, o tribunal julgou mais de 330 mil processos, dos quais 74% referiam-se a questões já pacificadas na corte. Nos últimos três anos, além do tempo dos ministros, foram gastos R$ 175 milhões com o julgamento de recursos repetitivos. Esses processos lotam os gabinetes e dificultam o julgamento de matérias de maior interesse da sociedade. (...).[106] (grifos acrescidos)
Diante da manifestação do Ministro, torna-se claro que a principal motivação para a criação do processamento foi a morosidade jurisdicional daquela Casa Superior, tal qual espelha a realidade do Judiciário como um todo.
Para Athos Gusmão Carneiro, ex-membro do STJ que sugeriu o projeto da Lei n. 11.672/08, o objetivo central da nova legislação atinente aos recursos repetitivos no STJ é atenuar a pletora de feitos em tramitação naquele tribunal, ao mesmo tempo em que se estará possibilitando o cumprimento do art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, a saber, o julgamento em tempo razoável e concessão de meios que garantam a celeridade na tramitação dos processos[107].
Conforme os subsídios doutrinários citados, restou translúcido que o julgamento por amostragem passou a existir com o especifico fim de conceder uma justiça mais célere e eficaz, possuindo como plataforma de atuação o principio da razoável duração do processo.
Não obstante a notável contribuição da técnica do julgamento por amostragem para o encerramento do processo em tempo aceitável, a leitura da Lei n. 11.672/08 e da Resolução n. 08/08 denota uma omissão no tocante ao desígnio de um número especifico de recursos para que o jurista utilize como parâmetro quantitativo na classificação do recurso especial como repetitivo, donde ser aferida, num primeiro momento, como subjetiva a atividade de classificação das impugnações direcionadas ao STJ.
Contudo, Ada Pelegrini Grinover observa dois aspectos:
O primeiro aspecto, quantitativo, diz respeito à necessidade de a questão de direito repetir-se em número elevado de demandas. [...] Caso a questão a ser apreciada na superior instancia seja singular, quer dizer, não se repita em outros feitos ou isso ocorra apenas em pequena média, cremos ser o caso de apreciação do recurso especial por meio da sistemática processual anterior, em que não se aplica o regime de suspensão ao apelo excepcional. [...] Outrossim, cumpre examinar que a identificação do recurso representativo ainda obedece a um critério superior, qualitativo.[...]Em termos procedimentais, deve-se escolher o recurso que traga mais e melhores argumentos a respeito da interpretação a ser dada à legislação federal sob apreciação do Superior Tribunal de Justiça [...][108].
O aspecto quantitativo é o que se refere à necessidade de a questão de direito repetir-se em número elevado de demandas. É preciso considerar os recursos que já foram interpostos, bem como aqueles que poderão ser intentados. Assim, o procedimento dos recursos repetitivos somente será aplicado se a contenda a ser apreciada pela instância superior se repetir em outros feitos (multiplicidade de recursos). Se isso não ocorrer, o procedimento será o comum dos recursos especiais[109].
Já em relação ao aspecto de ordem qualitativa, em um primeiro momento, é preciso observar que a questão repetitiva deve ser exclusivamente de direito. Por conseguinte, o recurso escolhido deve ser aquele que contiver a maior diversidade de argumentos e de fundamentos no acórdão[110]. Afinal, os demais recursos serão decididos com base no recurso paradigma.
Como se nota, a Lei dos Recursos Repetitivos também está volvida a assegurar que o Superior Tribunal de Justiça cumpra sua missão constitucional de corte de uniformização da interpretação da legislação federal, com a imediata inclusão dos recursos já na pauta das seções ou do órgão especial, a fim de que desde logo sejam julgadas por órgão colegiado mais numeroso[111].
Então, ante as proposições encartadas no enfocado diploma legislativo, torna-se claro que o Superior Tribunal de Justiça deixou de ser um julgador de causas e passou a ser um fixador de teses, tendo em vista que, por meio de um único recurso, é fixada uma tese, a qual será aplicada a inúmeros outros meios de irresignação reportados àquele.
Em que pese o instituto enfocado não constituir mecanismo que atua diretamente no bloqueio de irresignações havidas perante os tribunais de superposição, já que visa obstar a apreciação do recurso de apelação pelos tribunais de justiça dos estados e pelos tribunais regionais federais, não se pode olvidar a sua contribuição para a filtragem de processos remetidos ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, até porque, conforme explicitado alhures, a competência recursal destes apenas incidirá quando do esgotamento prévio das instâncias ordinárias.
Pois bem. A Lei n.º 11.276/2006 incorporou o § 1º ao art. 518 da Lei de Ritos, com a seguinte redação: “O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. ”
Como é facilmente perceptível, a norma em exame foi edificada com o propósito de reduzir a quantidade de recursos de apelação destinados aos tribunais da federação, com evidente prestígio às sentenças judiciais, quando em consonância com súmula editada pelo STJ ou pelo STF, circunstância que nos aproxima do common law, ratificando a tese de que a jurisprudência vem assumindo papel importante na solução de questões submetidas ao crivo do Poder Judiciário, muitas vezes, aliás, posicionando-se como fonte primária do direito processual.
No que respeita ao tema, Misael Montenegro Filho escreveu:
É sabido que os tribunais preferem decisões paradigmáticas, interpretando as normas constitucionais e infraconstitucionais, com o objetivo de pacificar entendimentos divergentes manifestados por diversos tribunais da federação. A Emenda Constitucional 45/2004 conferiu força complementar às súmulas editadas pelo STF, que podem assumir força vinculante, obrigando a que órgãos do Poder Judiciário e da administração direta e indireta apreciem questões com subserviência às conclusões constantes das súmulas (ver art. 103-A da CF). Mas essa não é a única demonstração de força das súmulas originadas das comentadas Cortes, bastando que se observe o teor do art. 557 da Lei de Ritos, reformatado desde o ano de 1998, de cujo dispositivo retiramos a conclusão de que o relator de espécies que têm curso por tribunais pode negar-lhes seguimento, quando concluir que a irresignação é manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicada ou quando estiver em confronto com súmula ou com jurisprudência do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior. Num outro dizer, mesmo na hipótese de a súmula não ter efeito vinculante, pode servir de apoio para a prolação de decisões de negativa de seguimento a recursos, numa clara demonstração de que o legislador vem se preocupando com o volume exacerbado de processos que tramitam em todas as Cortes Estaduais e Regionais do país[112].
Da forma como fora concebida, a autorização legal conferida ao magistrado através do parágrafo examinado qualifica-se como pressuposto negativo de admissibilidade da apelação. Num outro dizer, desde o início da vigência da norma, o recorrente, além de demonstrar a presença dos requisitos gerais (tempestividade, legitimidade, preparo, interesse etc.), terá que certificar que a decisão combatida não está em consonância com posicionamento maciço do STJ ou do STF. Do contrário, esbarra-se no não conhecimento da espécie.
O § 1ª do art. 518, todavia, não se aplica em cinco situações[113]: a) se a apelação tiver por fundamento error in procedendo, pretendendo o apelante invalidar a decisão judicial; b) se o apelante discutir a incidência da súmula no caso concreto, quando o recorrente não se insurge contra a tese jurídica sumulada, mas alega que a conjuntura por ele protagonizada não se subsume à hipótese normativa consolidada jurisprudencialmente; c) se o apelante trouxer em suas razões fundamento novo, não examinado pelos precedentes que geraram o enunciado da súmula do STF ou do STJ; d) se houver choque de enunciados do STF e do STJ, como se vê, por exemplo, nas súmulas 621 do STF[114] e 84 do STJ[115], que versam sobre o compromisso de compra e venda; e se, embora sem confronto entre enunciados dos tribunais superiores, houver divergência manifesta de posicionamento entre a jurisprudência dominando de um e a do outro.
Não admitida a apelação, inclusive quando a razão do não conhecimento for a congruência da decisão recorrida com precedente dominante das cortes superiores, cabe agravo de instrumento, nos termos do art. 522 do CPC. Em encontro promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, a Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, defendeu ser possível aplicar-se, analogicamente, a esse agravo de instrumento, a regra contida no § 3º do art. 544 do CPC. Nessa senda, o relator estaria autorizado a, se a sentença estiver em desacordo com súmula ou jurisprudência dominante de tribunal superior, conhecer do agravo para já dar provimento à própria apelação, ou determinar a conversão do agravo de instrumento em apelação, observando-se, daí em diante, o procedimento desta, com revisor, inclusão em pauta, sustentação oral etc [116].
Esse entendimento, aliás, ajusta-se às ideias manifestadas no presente trabalho, na medida em que inspirado no anseio de instrumentalidade do processo e, de igual modo, no chamado processo civil de resultados, que se destina à obtenção de uma solução mais rápida, eficaz e ágil. Atende-se, enfim, ao espírito das últimas reformas levadas a efeito no Código de Processo Civil, muitas das quais aqui abordadas, já que condizentes com a efetivação do direito constitucional à razoável duração do processo.
Consoante esposado retro, afora a seara criminal, na qual está em pauta o status libertatis do indivíduo, valor imanente ao Estado Democrático de Direito, as demais esferas jurídicas não conferem ao duplo grau de jurisdição igual intangibilidade. Ao revés, há, inclusive, produções legislativas que restringem e, em alguns casos, até mesmo aniquilam o manejo de recursos.
Nessa senda, avulta clarividente a cabal independência entre o acesso à justiça e o acesso aos tribunais superiores, catalogado o primeiro como direito fundamental (art. 5º, XXXV, CF), e o segundo, não.
Isso porque, se determinada lesão ou ameaça de lesão a bem jurídico é levada ao cotejo do Poder Judiciário, e estando satisfeitos os requisitos procedimentais exigidos para o enfrentamento do mérito, o Estado tem o dever de fornecer uma resposta ao cidadão, ainda que não condizente com a aspiração que motivou o acionamento da máquina judiciária. Em outras palavras, tornado litigioso o conflito de interesses, constitui encargo inafastável do Estado juiz apreciar a lide e sobre ela exarar algum pronunciamento, seja dando razão a uma das partes, total ou parcialmente, seja decretando a fulminação do exercício da pretensão em juízo, ao declarar a prescrição ou a decadência.
Análoga vereda, contudo, não toca à interposição de recursos, ainda mais os de índole excepcional. Ora, a inafastabilidade da jurisdição tem por escopo a pacificação social, o que, não necessariamente, compreende a provocação das instâncias extraordinárias, já que essas visam ao implemento de interesses outros, cujo maior expoente é o controle do direito objetivo. Isto é, limitar a interposição dos recursos extraordinários não significa negar o acesso à justiça, já concretizado desde a prolação da sentença de mérito, no juízo a quo.
Aliás, longe de defender um sistema totalmente desprovido de meios de irresignação e, ao mesmo tempo, reconhecendo a positiva contribuição das reformas legislativas engendradas com o viés de reduzir a quantidade de recursos direcionados aos tribunais de cúpula, com a consequente abreviação da duração do processo, não se pode olvidar que somente a intervenção do Poder Legislativo é incapaz de reverter o quadro de abarrotamento de impugnações às decisões judiciais, ainda remanescido em grau por demais expressivo no cenário brasileiro.
Destarte, ao lado dos mecanismos de filtragem outrora cotejados, é de rigor a mudança de paradigma em relação às decisões de primeiro grau, às quais, na esmagadora maioria das vezes, não se credita confiança, tanto que é quase inevitável a recorribilidade.
Nessa perspectiva, Ovídio Baptista, brilhantemente, nos brinda com lições que denotam o quão arraigada é a concepção de que o grau de legitimidade das decisões judiciais é inversamente proporcional ao escalão ocupado pelo julgador. Atentemos:
O sentido burocrático, inerente à ideia de recurso, revela-se muito claro quando consideramos que, no direito romano clássico, não havia recursos. Embora este fenômeno tenha muito pouco a ver com a cultura moderna, a comparação é útil para dar-nos uma ideia do grau de legitimidade de que gozam os juízes dos escalões inferiores, medida pela extensão do sistema recursal. No ponto mais elevado da escala, encontra-se uma magistratura altamente legitimada, contra a qual o sistema político abre mão de recursos. À medida que descemos na escala hierárquica, reduz-se a legitimidade dos magistrados e avolumam-se os recursos, até atingirmos a jurisdição de primeiro grau, que o sistema literalmente destruiu, sufocando-a com uma infernal cadeia recursal que lhe retira a própria ilusão, de que ela poderia alimentar-se, de dispor de algum poder decisório. A legitimação da jurisdição de grau inferior diminui na medida em que aumentam os recursos[117].
Por força da ferrenha concepção de que a justiça estaria jungida à lei e não à atividade jurisdicional, engessa-se a atuação do magistrado de primeiro grau, reduzindo-se a jurisdição à função declaratória e incutindo-se no imaginário dos sujeitos processuais a impropriedade de que o ato de recorrer funda-se, primordialmente, não na injustiça do provimento, mas no seu “erro”. Dessa forma, o apego ao dogmatismo exacerbado cria uma forte resistência quanto à admissão de que a lei, não esgotando todas as nuances factuais, dever ser hermeneuticamente interpretada, de modo a deferir ao julgador uma margem de liberdade que lhe permita harmonizar o Direito com as vicissitudes sociais e históricas.
Trata-se da perniciosa predileção pela lógica binária do “certo” ou “errado”, de inspiração iluminista, terminantemente incompatível com a doutrina contemporânea, que resgatou a importância dos princípios, cuja efetivação pressupõe que os magistrados orientem-se através de juízos valorativos, segundo patamares de relevância jurídica, redundando, assim, em decisões não adstritas à reprodução devotada ao que dita a letra fria da lei.
Com efeito, a compreensão de que os princípios, assim como as regras, qualificam-se como normas jurídicas e, como tal, são dotados de dever ser, podendo, desse modo, ser livremente empregados nas decisões judiciais quando assim o repute o caso sob exame, confere maior crédito aos pronunciamentos emanados da primeira instância e, por via de consequência, fomenta a racionalização de processos, ao se eliminar a ingênua ilusão de que os provimentos de última instância sejam expressão da “justiça perfeita”.
Dada a histórica morosidade da prestação jurisdicional pelo Poder Judiciário brasileiro e o evidente padecimento de efetividade que o acompanha, a Emenda Constitucional n.º 45/2004 incluiu, em nosso ordenamento jurídico, o princípio da razoável duração do processo, pela inserção de dispositivos que sustentam a criação de novos institutos processuais voltados à solução desse problema e de seus consectários.
Ora, o retardo processual apresenta-se como uma das principais causas de descrédito do Judiciário. É notório o entendimento de que "justiça tardia não é justiça". Cidadãos que buscam a tutela jurisdicional sentem-se, em muitos casos, desprestigiados, inclusive com a sensação de injustiça. De fato, a respeitabilidade e a confiabilidade no Poder Judiciário estão ligadas a uma resposta rápida e eficaz nas lides ajuizadas.
Por estar catalogada dentro do rol do art. 5º da Magna Carta, mais precisamente no inciso LXXVIII, a razoável duração do processo, sem sombra de dúvidas, é um direito fundamental, erigido, assim, como verdadeiro direito público subjetivo, autônomo, de índole constitucional. O status elementar da questão do tempo do processo demonstra a concepção que a tutela jurisdicional não deve ser apenas "prestada" pelo Estado, como decorrência do direito de ação, mas necessita ser efetiva, tempestiva e adequada.
Cumpre registrar, ademais, que não basta a tutela formal do direito. É imprescindível sejam disponibilizados os meios concretos que permitam que a norma constitucional consubstancie o efeito desejado - a efetividade do processo - com a consequente redução do prazo de duração entre o ajuizamento do pedido e a eficaz entrega do bem da vida almejado.
Nesse ínterim, não há dúvida de que, quanto mais recursos disponíveis para as partes, maior será a possibilidade de revisão, com a conseguinte procrastinação do feito. Essa ilação, todavia, não representa um discurso de completa negação dos instrumentos de irresignação das decisões judiciais, mas sim de acuidade quanto ao manejo do sistema recursal, mormente com ênfase nos recursos direcionados aos tribunais de superposição, os quais, em essência, não são volvidos a abarcar lides eminente intersubjetivas, porém jungidos ao controle do direito objetivo. Daí a premissa de que, naturalmente, haveriam de ser contabilizados em menor número do que o verificado na praxe forense.
A resistência em se compreender o caráter excepcional dos recursos direcionados ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, contudo, tem na crença da falibilidade humana, transportada para a figura do magistrado de primeiro grau, a sua principal causa.
Todavia, os julgadores em instâncias superiores são pessoas e também podem cometer equívocos, não havendo nenhum critério científico que prove a maior capitação para analisar um caso concreto de um ministro do Supremo Tribunal Federal, por exemplo, em detrimento de um juiz de primeira instância.
Mister sobrelevar, destarte, que, em regra, apenas o magistrado que primeiro analisa a demanda tem o contato imediato com as provas e até com as partes, podendo, assim, analisar questões mais afundas e sensíveis do que simples documentos, o que nem sempre é possível ser feito pelos órgãos ad quem, donde despontar a crescente valorização do princípio da identidade física do juiz.
Ora, o legislador e o constituinte já realizaram uma ponderação em abstrato, acerca dos valores justiça e segurança, optando, no hodierno contexto histórico, por uma redução no tempo de duração dos processos. Essa é a conclusão conformada ao se vislumbrarem as diversas reformas na lei processual e na própria Constituição Federal, trazendo diversos institutos com esse propósito, conforme foi advogado ao longo deste trabalho.
Não obstante, tão somente as alterações legislativas ensejadas até o presente momento não têm o condão de proporcionar uma duração razoável do processo, no âmbito recursal. Isso porque o legislador vem trabalhando com a ideia de que, reduzindo hipóteses de cabimento de recursos, mediante diversos institutos inovadores, apenas os realmente necessários e importantes sejam apreciados. Entretanto, tal linha de pensamento não considera uma importante variável, consistente na própria índole do ser humano, de não se contentar com um resultado desvantajoso, buscando incessantemente tentar rever a decisão a seu favor. Concomitantemente, a rançosa concepção de que o pronunciamento do magistrado de primeiro grau é sempre digno de ser rechaçado, visto que os tribunais gozariam de maior legitimidade, igualmente, inflama a quantidade de recursos e obstaculiza a marcha processual.
De fato, é indubitável que não podemos prescindir dos recursos, o que, no entanto, não nos embaraça a tecer críticas ao regime que os preordena, calcado na prodigalização dos meios de impugnação, os quais, de tão excessivo manejo, compromete a oferta da prestação jurisdicional em tempo justo. Para tanto, e sem a pretensão de esgotar as possibilidades de racionalização do sistema, propõe-se a alocação dos recursos extraordinários em seu leito natural, evitando que acabem desempenhando o papel de uma terceira instância ordinária e, com isso, dilargando ainda mais a duração do processo.
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[1] CRETELLA NETO, José. Fundamentos principiológicos do processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 82.
[2] MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009. p. 20.
[3] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. Teoria geral do processo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p.74.
[4] GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo em evolução. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 1998. p. 321.
[5] GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo em evolução. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 1998. p. 66.
[6] SARLET, Ingo Wolfgang. Valor de alçada e limitação do acesso ao duplo grau de jurisdição: problematização em nível constitucional, à luz de um conceito material de direitos fundamentais. Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 66, p. 85-129.
[7] GRINOVER, Op. Cit. p. 66.
[8] Direito Constitucional. Coimbra: Alamedina, 1993, p. 653 apud MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12ª ed., São Paulo: Atlas, 2002. p. 104.
[9] NERY JR., Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 6ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 170.
[10] STF – 2ª Turma – Agravo Reg. em Agravos de Instrumento n°s 209.954-1/SP e 210.048-0/SP- Relator Ministro Marco Aurélio, Diário da justiça, Seção 1, 4 de dezembro de 1998 apud MORAES, Alexandre de. Direito Direito Constitucional. 12ª ed., São Paulo: Atlas, 2002. p. 105.
[11] AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL. IMPROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO DE NÃO RECEPÇÃO DO ART. 34 DA LEI N. 6.830/80 PELA ATUAL CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. Relatório1. Agravo de instrumento contra decisão que não admitiu recurso extraordinário, interposto com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição da República.2. O recurso inadmitido tem por objeto o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:'EXECUÇÃO FISCAL. VALOR ÍNFIMO. RECURSO CABÍVEL. EMBARGOS INFRINGENTES. ART. 34 DA LEF.O art. 34 da Lei de Execuções Fiscais, recepcionado pela Constituição de 1988, dispõe que, das sentenças de primeira instância proferidas em execuções de valor igual ou inferior a 50 (cinquenta) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN, só se admitirão embargos infringentes e de declaração. A extinção da ORTN não derrogou o art. 34 da LEF, pois é possível apurar o valor de alçada pela equivalência com os indexadores subsequentes. Atualmente, 50 ORTN´s equivalem a 308,50 UFIRs, que, por sua vez, devem ser atualizados pelo IPCA-E após a extinção da UFIR em dezembro de 2000.No presente caso, não superado o valor de alçada recursal, não se pode conhecer da apelação interposta. Incabível a aplicação do princípio da fungibilidade, pois não há como reconhecer a escusabilidade do erro cometido pela recorrente a teor dos inúmeros precedentes acerca da matéria'.3. No recurso extraordinário, a Agravante afirma que o art. 34 da Lei n. 6.830/80 teria sido revogado pelo art. 108, inc. II, da atual Constituição da República.4. A decisão agravada teve como fundamento para a inadmissibilidade do recurso extraordinário a ausência de ofensa constitucional direta (fl. 115). A Agravante sustenta contrariedade direta à Constituição da República. Analisados os elementos havidos nos autos, DECIDO.5. Inicialmente, cumpre afastar o fundamento da decisão agravada de que a solução da controvérsia demandaria o exame de legislação infraconstitucional, pois a matéria é de natureza constitucional. Todavia, a superação desse óbice não é suficiente para o acolhimento da pretensão da Agravante.6. O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que o art. 34 da Lei de Execuções Fiscais não foi revogado pelo art. 108, inc. II, da Constituição da República. Nesse sentido:'RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ARTIGO 108, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - DESPROVIMENTO DO AGRAVO. Consoante a jurisprudência do Supremo, o inciso II do artigo 108 da Lei Fundamental não é norma instituidora de recurso. O dispositivo apenas define a competência para o julgamento daqueles criados pela lei processual. Nada impede a opção legislativa pela inviabilidade de inconformismo dirigido à segunda instância" (RE 460.162-AgR, Rel. Min. Março Aurélio, Primeira Turma, DJe 13.3.2009 -grifos nossos).'AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 6.830/80. SUPERVENIÊNCIA DO ARTIGO 108, II, DA CB/88. REVOGAÇÃO TÁCITA. NÃO OCORRÊNCIA. PRECEDENTE. 1. Este Supremo Tribunal Federal já decidiu que o artigo 108, inciso II, da Constituição do Brasil, não revogou tacitamente o disposto do artigo 34 da Lei 6.830/80. Agravo regimental a que se nega provimento' (AI 710.921-AgR, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe 27.6.2008 -grifos nossos).7. Dessa orientação jurisprudencial não divergiu o julgado recorrido.8. Pelo exposto, nego seguimento a este agravo (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). (STF. AI n.º 779505 RS. Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Data do Julgamento: 17/12/2009).
[12] SARLET, Ingo Wolfgang. Valor de alçada e limitação do acesso ao duplo grau de jurisdição: problematização em nível constitucional, à luz de um conceito material de direitos fundamentais. Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 66, p. 85-129.
[13] DANTAS, Bruno. Repercussão geral: perspectivas histórica, dogmática e do direito comparado: questões processuais. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2008. p. 57.
[14] CALAMANDREI, 1920, p.283 apud DANTAS, 2008, p. 58.
[15] Esse enunciado, aprovado na sessão plenária de 1º de outubro de 1964, sacramentou o fim da discussão sobre a natureza da intervenção do STF em sede de RE. Com isso, restou superada a controvérsia sobre se o nosso sistema se identificaria com a cassação francesa e italiana ou com a revisão alemã, ficando clara a opção pela última.
[16] NERY JR., Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 158-159.
[17] Ibidem, p. 441: “a instância do recurso especial não é terceiro grau de jurisdição, porquanto esse recurso é excepcional e não se presta à correção de injustiça eventualmente cometida pelos tribunais regionais federais e tribunais estaduais”.
[18] É assim que pensa Teresa Arruda Alvim Wambier (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória. São Paulo: RT, 2001, p. 13), a qual, insistentemente, afirma que “não se deve confundir a circunstância de o sistema 'tolerar' decisões tidas por equivocadas com o fato de que, com isso, elas estariam corretas”.
[19] DANTAS, Bruno. Repercussão geral: perspectivas histórica, dogmática e do direito comparado: questões processuais. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2008. p. 66.
[20] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 2.ed. São Paulo: RT, 2001. p. 374.
[21] Dworkin, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 30.
[22] Dworkin, Ronald. O império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 32.
[23] DANTAS, Bruno. Repercussão geral: perspectivas histórica, dogmática e do direito comparado: questões processuais. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2008. p. 74.
[24] ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Trad. Zilda Hutchinson Shild Silva. São Paulo: Landy, 2001. p. 258.
[25] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 2.ed. São Paulo: RT, 2001. p. 375.
[26] MANCUSO, Op. Cit., p. 375.
[27] ARRUDA ALVIM. A alta função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça no âmbito do recurso especial e a relevância das questões. STJ 10 anos: obra comemorativa 1989-1999. Brasília: Superior Tribunal de Justiça, 1999. p. 38.
[28] Art. 104, da Constituição Federal/1988.
[29] Art. 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
[30] SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 807.
[31] Art. 13, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
[32] Súmula 203, STJ. Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais.
[33] ALVIM, Eduardo Arruda. O Recurso Especial na Constituição Federal de 1988 e suas origens. In: Aspectos polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso extraordinário. Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.). São Paulo: RT, 1997. p.46.
[34] DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 8. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2010. 3 v. p. 323.
[35] DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 8. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2010. 3 v. p. 324.
[36] PINTO, Nelson Luiz. Manual dos recursos cíveis. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.49.
[37] ASSIS, Araken de. Efeito devolutivo da apelação. In: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil n.º 13. set./out.2001. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 146.
[38] MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil. São Paulo: Editora Atlas S.A. p. 37.
[39] “A Constituição Federal reservou ao Superior Tribunal de Justiça a missão, indeclinável, de zelar pela inteireza do direito positivo federal infraconstitucional (art. 105, inciso III), razão por que a ele cabe a última palavra no que se refere à interpretação das normais processuais, procedimentais e recursos insculpidos no Código de Processo Civil” (AGRMC 7328 – RJ, 2ª Turma do STJ, tel. Min. João Otávio de Noronha, j. 2.12.2003, DJ 21.6.2004, em transcrição parcial).
[40] NERY JÚNIOR, Nelson. Ainda sobre o prequestionamento - os embargos de declaração prequestionadores. In: NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos tribunais, 2001. p. 853-864.
[41] MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 196.
[42] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 76.
[43] NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 5 ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 252.
[44] ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 278.
[45] STF, AgRgAI n. 134175-1, 1ª T., j. 02.04.1991, rel. Min. Celso de Mello.
[46] PINTO, Nelson Luiz. Manual dos recursos cíveis. São Paulo: Malheiros Ed, 1999. p. 156.
[47] DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 8. ed. Salvador: Juspovivm, 2010. 3 v. p. 260.
[48] FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Prequestionamento implícito no recurso especial: posição divergente no STJ. Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e outras formas de impugnação às decisões judiciais. Coordenadores: Nelson Nery Jr. E Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2001. p. 980-981.
[49] Súmula 279, STF. Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.
[50] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Processo e Ideologia, o Paradigma Racionalista. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2004. p. 240.
[51] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral do Recurso Extraordinário. São Paulo: RT, 2007. p.34.
[52] Idem, Ibidem, p. 33.
[53] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral do Recurso Extraordinário. São Paulo: RT, 2007. p.37-38.
[54] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 2. ed. São Paulo, Ed. Malheiros, 2003. p. 70.
[55] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de Processo Civil. 3. ed. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2000. 3 v. p. 95.
[56] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual. 8. ed. São Paulo, Ed. Saraiva, 2004. p. 2-3.
[57] Idem, Ibidem, p. 4-5.
[58] DELGADO, José Augusto. Reforma do Poder Judiciário – Art. 5º, LXXVIII, da CF. In: Reforma do judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional N. 45/2004, coord. Teresa Arruda Wambier, Luiz Rodrigues Wambier, Luiz Manoel Gomes Jr, Octavio Campos Fischer e Willian Santos Ferreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 356.
[59] WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.47.
[60] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 60.
[61] Idem, Ibidem, p. 60.
[62] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Direito processual civil: tutela jurisdicional individual e coletiva. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2005. p.40.
[63] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 60.
[64] GUERRA FILHO, Wilis Santiago. Notas sobre algumas recentes inovações no perfil constitucional do Poder Judiciário. In: TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora (coord). Reforma do judiciário analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005. p. 33.
[65] MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 500.
[66] ALÁRCON, de Jesús Lora. Reforma do Judiciário e efetividade da prestação jurisdicional. In: TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora (coord). Reforma do judiciário analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005. p. 33.
[67] MENDONÇA JUNIOR, Delosmar. Princípio constitucional da duração razoável do processo. In: LEITE, George Salomão; LEITE, Glauco Salomão (Coords.). Constituição e efetividade constitucional. Salvador: Juspodivm, 2008. p. 23.
[68] DINAMARCO, Cândido Rangel apud SCARTEZZINI, Ana Maria Goffi Flaquer. A dignidade da pessoa humana e o prazo razoável do processo. A responsabilidade do Estado pela demora na outorga da prestação jurisdicional. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da (Coords.). Tratado Luso-Brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 1182.
[69] MARINONI, Luiz Guilherme. Direito fundamental à duração razoável do processo. Biblioteca Digital Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 10, n. 51, set. 2008. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo =55455>. Acesso em: 31/05/2013.
[70] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p.165.
[71] DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 100.
[72] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 34.
[73] MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 442.
[74] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p.165.
[75] Idem, Ibidem, p. 166.
[76] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 1997. p.42.
[77] CANOTILHO, J.J. GOMES apud BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 2. ed. Celso Bastos Editor: 1999. p.104.
[78] JORGE MIRANDA apud BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 2. ed. Celso Bastos Editor: 1999. p.104.
[79] BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. 2. ed. Celso Bastos Editor: 1999. p.104.
[80] FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Aplicabilidade e interpretação das normas constitucionais. In: Interpretação e Estudos da Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1990. p. 12-14.
[81] LOPES, João Baptista. Reforma do Judiciário e Efetividade do processo civil. In: TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; ALARCÓN, Pietro (Coord.). Reforma do Judiciário – analisada e comentada. São Paulo: Editora Método, 2004. p.330.
[82] SOUZA, Silvana Bonifácio. Efetividade do processo e acesso à justiça à luz da reforma. In: TAVARES, André Ramos; LENZA, Pedro; ALARCÓN, Pietro (Coord.). Reforma do Judiciário – analisada e comentada. São Paulo: Editora Método, 2004. p.49.
[83] Desse mesmo julgado, transcreve-se o seguinte trecho: "O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política — que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro — não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado".
[84] Art. 5o. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
[85] Meirelles, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção e habeas data.32 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 11.
[86] Moro, Luis Carlos. Onde está a razoabilidade: Como se pode definir a “razoável duração do processo”. Consultor jurídico. Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/32536,1. Acesso em 03/05/2013.
[87] Súmula 21. Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução.
Súmula 52. Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo.
Súmula 64. Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa.
[88] Afora a possibilidade de impetração de habeas corpus para combater segregação cautelar mantida por tempo exorbitante, sem que tenha sido havida a conclusão da instrução criminal, é sobejamente aceita a peça processual em que se formula pedido de relaxamento da prisão.
[89] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral do Recurso Extraordinário. São Paulo: RT, 2007. p.18.
[90] MEDEIROS, Taissa Souza. A repercussão geral como novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. Disponível em http://jus.com.br/artigos/11056/a-repercussao-geral-como-novo-requisito-de-admissibilidade-do-recurso-extraordinario/2. Acesso em 24/05/2013.
[91] FERNANDES, Sérgio Ricardo de Arruda. A Lei 11.418, de 19/12/2006, e o Novo Requisito de Admissibilidade do Recurso Extraordinário: Repercussão. Revista da EMERJ, v. 10, nº 38, 2007, p. 54.
[92] De acordo com o estudo realizado pelo Gabinete de Extraordinário de Assuntos Institucionais do Supremo Tribunal Federal sobre Repercussão Geral, a distribuição de Recursos Extraordinários sobre a discriminação dos pulsos em serviço de telefonia estava ascendente e com a decisão determinando o sobrestamento dos feitos (RE nº 685.066), em 05/11/2007, caiu a zero.
[93] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral do Recurso Extraordinário. São Paulo: RT, 2007. p.35.
[94] BRÍGIDO, Carolina. Casos sem relevância atolam o Supremo. O Globo, Rio de Janeiro, 25 nov. 2007. Caderno O País, p.10-11.
[95] SAMPAIO, Nelson de Sousa. O Supremo Tribunal Federal e a nova fisionomia do Judiciário. Revista de Direito Público, São Paulo, v. 75, jul./set., 1985, p. 13-14.
[96] KELSEN Hans. Teoria pura do direito. 2. ed. Coimbra: Arménio Amado Ed., 1962. v.2. p. 115-116.
[97] SILVA, Evandro Lins e. A questão do efeito vinculante. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, v. 25, n. 61, jul./dez. 1995, p. 53 – 58.
[98] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 1043.
[99] Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.
[100] A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.
[101] CARNEIRO, Athos Gusmão. Requisitos específicos de admissibilidade do recurso especial. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São Paulo: RT, 1999. p. 106.
[102] MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. 2 ed. São Paulo: RT, 2005, t. 1. p. 338.
[103] Resp 17.144-BA, rel. Salvio de Figueiredo Teixeira. A própria existência da súmula 149 do STJ é uma clara demonstração neste sentido: “A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícula, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”.
[104] MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz, Op. Cit., p. 320.
[105] REIS, Silas Mendes dos; SERAU Jr., Marco Aurélio. Recursos Especiais Repetitivos no STJ. São Paulo. Editora Método, 2009. p. 83.
[106] BARROS, Humberto Gomes de. Carta de alforria: Lei 11.672/2008 vai resgatar o STJ da inviabilidade. Disponível em: <http://conjur.com.br>. Acesso em 23/06/2013.
[107] CARNEIRO, Athos Gusmão. Primeiras observações sobre a lei dos recursos repetitivos no STJ. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais. Ano 33, n. 160, jun./2008, p. 70-78.
[108] GRINOVER, 2008, p. 33, apud REIS; SERAU JUNIOR, 2009, p. 51.
[109] SERAU JÚNIOR, Marco Aurélio; REIS, Silas Mendes. Recursos especiais repetitivos no STJ. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009. p. 54.
[110] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Resolução n. 8/2008, de 06 de agosto.
[111] SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 859.
[112] MONTENEGRO FILHO, Misael. Cumprimento de sentença e outras reformas processuais. São Paulo: Atlas, 2006. p. 132.
[113] DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 8. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2010. 3 v. p. 130.
[114] Não enseja embargos de terceiro à penhora a promessa de compra e venda não inscrita no registro de imóveis.
[115] É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro.
[116] DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 8. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2010. 3 v. p. 131.
[117] SILVA, Ovídio A. Baptista da. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006. p. 239-240.
Advogada, brasileira, solteira, graduada e pós-graduada (Direito Civil e Processual Civil) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DOMINGOS, Manuela dos Santos. Efetivação da razoável duração do processo através da racionalização das demandas remetidas às instâncias extraordinárias Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 maio 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46697/efetivacao-da-razoavel-duracao-do-processo-atraves-da-racionalizacao-das-demandas-remetidas-as-instancias-extraordinarias. Acesso em: 23 dez 2024.
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