Uma das características marcantes do neoconstitucionalismo se refere à interpretação ampla e aberta das normas constitucionais, considerando que a Constituição deixou de ser mera exposição formal para adotar valores, princípios e regras de observância primeira, o que leva o intérprete às diversas possibilidades de adequação das normas infraconstitucionais com a Constituição Federal, dado o seu caráter valorativo (MOLLER, 2011).
A hermenêutica constitucional passa a ser exercida de forma contínua e permanente, com a participação de todos os integrantes da sociedade aberta de intérpretes, inclusive, com o devido respeito ao direito das minorias. Nesse sentido, as palavras do doutrinador Zanotti (2010):
Partindo da ideia de que Constituição é fruto do poder constituinte originário (cuja titularidade é o povo), nada mais lógico do que atribuir ao povo a legitimidade na sua interpretação e proteção. Assim, a hermenêutica constitucional passa a ser construída no dia a dia, bem como no exercício do processo legislativo ou judicial, por meio da concretização da Constituição Material de uma sociedade aberta de intérpretes da Constituição.
Peter Häbele (1997), idealizador de tal teoria, sugere que a interpretação das normas deixe de ser restrita aos órgãos estatais, de forma fechada, e passe a englobar todos os que fazem parte do contexto da norma (a Constituição), ou seja, uma interpretação aberta, na qual todos os indivíduos dos segmentos da sociedade passam a ser legítimos intérpretes. Portanto, quanto mais pluralista e democrática for a sociedade, mais abertos serão os critérios de interpretação das normas jurídicas.
Nesse sentido, a abertura hermenêutica deve escoltar todo o trâmite do processo, levando em consideração os fundamentos construídos ao longo do trajeto até se chegar à decisão final, pois a democracia deliberativa é voltada para o percurso que se deve fazer até a decisão final, ganhando lugar, pois, o debate e o discurso em torno da questão proposta, de modo a possibilitar a participação ampla (intérpretes constitucionais em sentido lato) dos cidadãos e grupos, órgãos estatais, do sistema público e da opinião pública.
No constitucionalismo contemporâneo, baseando-se em algumas de suas principais características, tais como a rigidez constitucional, a garantia jurisdicional da Constituição e sua força vinculante, a sobreinterpretação da Constituição e a aplicação direta das normas constitucionais, cada vez mais, a tarefa de interpretar as normas se torna mais complexa, cabendo ao intérprete buscar dentre todos os sentidos possíveis, aqueles que se aproximam das finalidades e valores adotados pelo constituinte. Nesse sentido, privilegia-se a própria supremacia da Constituição como instrumento efetivo de limitador de poder e de proteção dos direitos e garantias fundamentais (MOLLER, 2011).
A partir dessas considerações iniciais, é possível afirmar que atualmente, considerando os avanços do constitucionalismo brasileiro, são utilizadas algumas técnicas no julgamento das ações do controle de constitucionalidade, com o objetivo precípuo de resguardar a supremacia e a unidade constitucionais, de modo que, sempre que possível, interpreta-se as normas a partir do ângulo que preserve os preceitos constitucionais.
Tais técnicas “são instrumentos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal na declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada norma quando o caso necessita de desdobramentos não respondidos simplesmente pelas regras dos efeitos da decisão final” (ZANOTTI) comumente utilizadas.
O presente artigo busca, então, tecer breves considerações acerca das principais técnicas de julgamento utilizadas pela Suprema Corte, apresentando precedentes jurisprudenciais.
A interpretação conforme a Constituição se destina às normas plurissignificativas ou polissêmicas, que permitem duas ou mais interpretações, havendo divergência quanto a sua constitucionalidade. Diante de tal circunstância, o Supremo Tribunal Federal declara a inconstitucionalidade de uma interpretação e a constitucionalidade da outra, sem haver qualquer alteração no texto da norma, restando apenas uma possibilidade de interpretação, após a decisão.
Quando se utiliza a interpretação conforme a Constituição, a ação direta de inconstitucionalidade é julgada improcedente e a ação direta de constitucionalidade, procedente, pois, dentre as várias interpretações possíveis, encontra-se uma plenamente compatível com o espírito constitucional.
Como exemplo, cita-se a recente decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da interpretação dos artigos 20 e 21, do Código Civil envolvendo direitos e garantias fundamentais - direitos da personalidade, tendo julgado procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4815, declarando inexigível a autorização prévia para a publicação de biografias, privilegiando “os direitos fundamentais à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença de pessoa biografada, relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas)”. Sobre o tema, registra-se a ementa:
1. A Associação Nacional dos Editores de Livros - Anel congrega a classe dos editores, considerados, para fins estatutários, a pessoa natural ou jurídica à qual se atribui o direito de reprodução de obra literária, artística ou científica, podendo publicá-la e divulgá-la. A correlação entre o conteúdo da norma impugnada e os objetivos da Autora preenche o requisito de pertinência temática e a presença de seus associados em nove Estados da Federação comprova sua representação nacional, nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal. Preliminar de ilegitimidade ativa rejeitada. 2. O objeto da presente ação restringe-se à interpretação dos arts. 20 e 21 do Código Civil relativas à divulgação de escritos, à transmissão da palavra, à produção, publicação, exposição ou utilização da imagem de pessoa biografada. 3. A Constituição do Brasil proíbe qualquer censura. O exercício do direito à liberdade de expressão não pode ser cerceada pelo Estado ou por particular. 4. O direito de informação, constitucionalmente garantido, contém a liberdade de informar, de se informar e de ser informado. O primeiro refere-se à formação da opinião pública, considerado cada qual dos cidadãos que pode receber livremente dados sobre assuntos de interesse da coletividade e sobre as pessoas cujas ações, público-estatais ou público-sociais, interferem em sua esfera do acervo do direito de saber, de aprender sobre temas relacionados a suas legítimas cogitações. 5. Biografia é história. A vida não se desenvolve apenas a partir da soleira da porta de casa. 6. Autorização prévia para biografia constitui censura prévia particular. O recolhimento de obras é censura judicial, a substituir a administrativa. O risco é próprio do viver. Erros corrigem-se segundo o direito, não se coartando liberdades conquistadas. A reparação de danos e o direito de resposta devem ser exercidos nos termos da lei. 7. A liberdade é constitucionalmente garantida, não se podendo anular por outra norma constitucional (inc. IV do art. 60), menos ainda por norma de hierarquia inferior (lei civil), ainda que sob o argumento de se estar a resguardar e proteger outro direito constitucionalmente assegurado, qual seja, o da inviolabilidade do direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem. 8. Para a coexistência das normas constitucionais dos incs. IV, IX e X do art. 5º, há de se acolher o balanceamento de direitos, conjugando-se o direito às liberdades com a inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa biografada e daqueles que pretendem elaborar as biografias. 9. Ação direta julgada procedente para dar interpretação conforme à Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo também desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas ou ausentes).
Noutro sentido, a declaração parcial de nulidade sem redução de texto, também destinada às normas plurívocas, ocorre no sentido inverso da norma anterior, considerando que, dentre as várias possibilidades de interpretação encontradas pelo intérprete, a Corte Máxima declara a inconstitucionalidade de apenas uma vertente restando todas as demais constitucionais e possíveis de serem aplicadas. Logo, a ação direta de inconstitucionalidade é julgada procedente e a ação direta de constitucionalidade, improcedente.
Pelo exposto, é possível concluir que na decisão que aplica a técnica da declaração parcial de nulidade sem redução de texto, não há delimitação da interpretação mais adequada, restando ao intérprete a ampla possibilidade de atribuir ao texto normativo sentido jurídico.
Por outro lado, a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade e declaração de inconstitucionalidade de caráter restritivo (com limitação de efeitos) são técnicas adotadas pela Suprema Corte quando se verifica no contexto fático a impossibilidade de se declarar a inconstitucionalidade, em razão de aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais, de modo que, em nome da segurança jurídica, mesmo havendo vícios formais ou materiais, não se mostra viável a declaração de inconstitucionalidade.
O Supremo Tribunal Federal já se debruçou sobre o tema ao analisar o caso da criação de municípios sem observância dos requisitos constitucionais expressamente previstos no artigo 18, §4º, do texto constitucional, especialmente sobre a criação do Município Luis Eduardo Magalhães na Bahia. A problemática se deu pela inexistência de lei complementar federal que determinasse o prazo para a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, conforme determina a Carta Magna. Todavia, considerando o princípio da segurança jurídica e a impossibilidade prática de desfazimento do referido Município (assim como dos mais de 5000 criados após a promulgação da Constituição em 5 de outubro de 1988), o Supremo Tribunal Federal, embora tenha reconhecido a inconstitucionalidade da lei estadual de criação, declarou a sua inconstitucionalidade sem pronunciar a nulidade pelo prazo de 24 meses.
Confira-se parte do julgado, de relatoria do Ministro Eros Grau:
1. O Município foi efetivamente criado e assumiu existência de fato, há mais de seis anos, como ente federativo. 2. Existência de fato do Município, decorrente da decisão política que importou na sua instalação como ente federativo dotado de autonomia. Situação excepcional consolidada, de caráter institucional, político. Hipótese que consubstancia reconhecimento e acolhimento da força normativa dos fatos. 3. Esta Corte não pode limitar-se à prática de mero exercício de subsunção. A situação de exceção, situação consolidada --- embora ainda não jurídica --- não pode ser desconsiderada. 4. A exceção resulta de omissão do Poder Legislativo, visto que o impedimento de criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios, desde a promulgação da Emenda Constitucional n. 15, em 12 de setembro de 1.996, deve-se à ausência de lei complementar federal. 5. Omissão do Congresso Nacional que inviabiliza o que a Constituição autoriza: a criação de Município. A não edição da lei complementar dentro de um prazo razoável consubstancia autêntica violação da ordem constitucional. 6. A criação do Município de Luís Eduardo Magalhães importa, tal como se deu, uma situação excepcional não prevista pelo direito positivo. 7. O estado de exceção é uma zona de indiferença entre o caos e o estado da normalidade. Não é a exceção que se subtrai à norma, mas a norma que, suspendendo-se, dá lugar à exceção --- apenas desse modo ela se constitui como regra, mantendo-se em relação com a exceção. 8. Ao Supremo Tribunal Federal incumbe decidir regulando também essas situações de exceção. Não se afasta do ordenamento, ao fazê-lo, eis que aplica a norma à exceção desaplicando-a, isto é, retirando-a da exceção. 9. Cumpre verificar o que menos compromete a força normativa futura da Constituição e sua função de estabilização. No aparente conflito de inconstitucionalidades impor-se-ia o reconhecimento da existência válida do Município, a fim de que se afaste a agressão à federação. 10. O princípio da segurança jurídica prospera em benefício da preservação do Município. 11. Princípio da continuidade do Estado. 12. Julgamento no qual foi considerada a decisão desta Corte no MI n. 725, quando determinado que o Congresso Nacional, no prazo de dezoito meses, ao editar a lei complementar federal referida no § 4º do artigo 18 da Constituição do Brasil, considere, reconhecendo-a, a existência consolidada do Município de Luís Eduardo Magalhães. Declaração de inconstitucionalidade da lei estadual sem pronúncia de sua nulidade 13. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade, mas não pronunciar a nulidade pelo prazo de 24 meses, da Lei n. 7.619, de 30 de março de 2000, do Estado da Bahia.
É de ressaltar que, em determinadas situações específicas, não existe ato a ser declarado nulo, como, por exemplo, na ação direta de inconstitucionalidade por omissão e na ação direta de inconstitucionalidade interventiva, prevalecendo, portanto, a técnica da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade.
A declaração de inconstitucionalidade progressiva no tempo, também denominada declaração de inconstitucionalidade de lei ainda constitucional ou declaração de constitucionalidade de norma em trânsito para a inconstitucionalidade, tem como alvo a norma que, em virtude de uma situação fática em razão do tempo ou do lugar, em determinado momento é constitucional, mas com o passar do tempo vai se tornando inconstitucional.
A Suprema Corte utiliza a técnica para as situações constitucionais imperfeitas que se situam entre a constitucionalidade plena e a inconstitucionalidade absoluta, nas quais as circunstâncias fáticas vigentes naquele momento justificam a manutenção da norma dentro do ordenamento jurídico.
Conforme afirma a doutrina, “a inconstitucionalidade progressiva é técnica de flexibilização do controle de constitucionalidade, aplicada pelo Supremo Tribunal Federal, em situações onde circunstâncias fáticas vigentes sustentam a manutenção das normas questionadas dentro do ordenamento jurídico” (RAMOS, 2011).
Como exemplo da aplicação da teoria, destaca-se o julgado envolvendo a competência do Ministério Público para propor ação ex delicto, conforme preconizado pelo artigo 68, do Código de Processo Penal, tendo em vista que a Constituição de 1988 estabelece como atribuição da Defensoria Pública, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados na forma da lei. Aplicando a técnica em comento, a Suprema Corte decidiu que, até a efetiva instalação e estruturação da Defensoria Pública no Brasil, a competência nos termos do artigo supracitado permaneceria com o Ministério Público, porém, após tal momento, passaria a ser da Defensoria Pública, como preconizado constitucionalmente. Logo, durante determinada situação fática (tempo e espaço), o artigo 68, do Código de Processo Penal é constitucional, tornando-se inconstitucional em momento posterior.
Sobre o tema, trecho da ementa do Recurso Extraordinário nº 135328 de relatoria do Ministro Marco Aurélio:
LEGITIMIDADE - AÇÃO "EX DELICTO" - MINISTÉRIO PÚBLICO - DEFENSORIA PÚBLICA - ARTIGO 68 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CARTA DA REPÚBLICA DE 1988. A teor do disposto no artigo 134 da Constituição Federal, cabe à Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, a orientação e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV, da Carta, estando restrita a atuação do Ministério Público, no campo dos interesses sociais e individuais, àqueles indisponíveis (parte final do artigo 127 da Constituição Federal). INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA - VIABILIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DE DIREITO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE - ASSISTÊNCIA JURÍDICA E JUDICIÁRIA DOS NECESSITADOS - SUBSISTÊNCIA TEMPORÁRIA DA LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Ao Estado, no que assegurado constitucionalmente certo direito, cumpre viabilizar o respectivo exercício. Enquanto não criada por lei, organizada - e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade da Federação - a Defensoria Pública, permanece em vigor o artigo 68 do Código de Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de ressarcimento nele prevista. Irrelevância de a assistência vir sendo prestada por órgão da Procuradoria Geral do Estado, em face de não lhe competir, constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam demandar, contratando diretamente profissional da advocacia, sem prejuízo do próprio sustento.
Destaca-se, também, a declaração de inconstitucionalidade circunstancial ou declaração de lei ainda inconstitucional, que se aproxima da técnica anterior, diferenciando-se pelo seu sentido inverso, logo, em razão de situações fáticas, uma norma é inconstitucional, mas, paulatinamente, caminha para a constitucionalidade. É o caso, por exemplo, do aumento exaustivo de atribuições da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional com as novidades da Super Receita, com destaque para o artigo 16, §1º da Lei nº 11.457/2007. Na ação direta de inconstitucionalidade nº 4.068, o Supremo Tribunal Federal decidiu que enquanto a Procuradoria não se encontrar estruturada suficiente para atender a demanda nova, essa norma permanece inconstitucional, tornando-se constitucional à medida da efetiva organização estrutural.
Alguns autores destacam, ainda, a técnica do apelo ao legislador, considerando que a Suprema Corte declara uma norma constitucional, porém a mesma é dotada de defeitos e imperfeições e, por tal razão, faz-se um apelo ou uma recomendação ao Poder Legislativo para que corrija as falhas da lei, sem haver, evidentemente, qualquer vinculação entre os referidos poderes. Caso a norma de correção sugerida pela corte não seja editada, é possível que ocorra a conversão da situação anteriormente declarada constitucional para uma situação de inconstitucionalidade, daí se falar que tal técnica está diretamente ligada à norma ainda constitucional ou inconstitucionalidade progressiva.
Noutro norte, a inconstitucionalidade por arrastamento ou por atração está ligada à excepcional possibilidade de uma norma ser também declara inconstitucional por ter direta ligação com outra. Explica-se. Conforme apontado pela doutrina e pela jurisprudência, a causa de pedir no controle de constitucionalidade é aberta, isto é, o Supremo Tribunal Federal não fica adstrito aos fundamentos apresentados, podendo se basear em qualquer fundamento constitucional apto a justificar a declaração. Por outro lado, o mesmo não ocorre em relação ao pedido, vigorando o princípio da correlação ou adstrição entre o pedido e a decisão, de forma que a corte só pode julgar referido pedido.
Todavia, ao se aplicar a técnica da inconstitucionalidade por arrastamento, é possível a declaração de inconstitucionalidade de norma que não foi objeto do pedido, mas que com este possui direta conexão ou correlação, de forma que esses outros dispositivos não existem por si só. Assim, como exceção, o Supremo Tribunal Federal declara a inconstitucionalidade do que foi objeto de pedido e, por arrastamento, declara também a inconstitucionalidade dos demais dispositivos.
Considerando que as normas possuem um vínculo de dependência ou de atração, a técnica em apreço também é denominada de inconstitucionalidade por reverberação normativa, inconstitucionalidade consequente ou derivada, inconstitucionalidade consequente de preceitos não impugnados ou inconstitucionalidade por atração.
Como medida excepcional, destaca-se o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade nº em que a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade do artigo 100, § 2 da Carta Magna, declarando igualmente inconstitucional, por atração ou arrastamento, o artigo 5º da Lei n° 11.960/2009, que deu a redação ao artigo 1º-F da Lei n° 9.494/1997, por constatar a consequência lógica entre os dois dispositivos. Confira-se, parte da ementa do julgado:
6. A quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança vulnera o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput) ao incidir sobre débitos estatais de natureza tributária, pela discriminação em detrimento da parte processual privada que, salvo expressa determinação em contrário, responde pelos juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado (ex vi do art. 161, §1º, CTN). Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução da expressão “independentemente de sua natureza”, contida no art. 100, §12, da CF, incluído pela EC nº 62/09, para determinar que, quanto aos precatórios de natureza tributária, sejam aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédito tributário. 7. O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, ao reproduzir as regras da EC nº 62/09 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de créditos inscritos em precatórios incorre nos mesmos vícios de juridicidade que inquinam o art. 100, §12, da CF, razão pela qual se revela inconstitucional por arrastamento, na mesma extensão dos itens 5 e 6 supra. 8. O regime “especial” de pagamento de precatórios para Estados e Municípios criado pela EC nº 62/09, ao veicular nova moratória na quitação dos débitos judiciais da Fazenda Pública e ao impor o contingenciamento de recursos para esse fim, viola a cláusula constitucional do Estado de Direito (CF, art. 1º, caput), o princípio da Separação de Poderes (CF, art. 2º), o postulado da isonomia (CF, art. 5º), a garantia do acesso à justiça e a efetividade da tutela jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), o direito adquirido e à coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). 9. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente em parte.
Por fim, é de se destacar o princípio da proporcionalidade muito utilizado nos julgamentos das ações do controle concentrado de constitucionalidade, denominado por alguns de princípio da proibição de excesso. Para melhor aplicação da técnica, comporta a existência de três subprincípios ou substratos, a saber: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Na adequação ou aptidão ou idoneidade é imprescindível que se verifique se o meio utilizado pelo interprete julgador é capaz de atingir o fim a que se destina a norma, de modo que se não o for, a norma, indubitavelmente, será inconstitucional.
Na necessidade ou exigibilidade, verifica se o meio adequado, aquele proposto, também é o menos lesivo e suficientemente benigno para alcançar o fim, pois, caso contrário, a norma será inconstitucional. Verifica-se, pois, que a necessidade deve estar em perfeita consonância com a adequação.
Como último substrato a ser observado, a proporcionalidade em sentido estrito perfaz justamente na ponderação entre a colisão de princípios, isto é, em caso de conflitos entre dois ou mais princípios, deve-se ponderar acerca das normas envolvidas, de tal forma que se verifique se o cumprimento de uma justifica o não cumprimento de outro. Ressalte-se, que tal técnica, é muito utilizada nas situações que envolvem colisão entre direitos fundamentais.
Enfatiza-se, por derradeiro, a mutação constitucional que consiste em meio de modificação informal da Constituição Federal, sem haver, contudo, qualquer alteração em seu conteúdo. Isso porque, a Carta Magna, assim como todo texto normativo permite ao intérprete extrair do enunciado interpretações distintas, considerando a evolução social, econômica, política, dentre outros. Todavia, registre-se que para alguns autores não se trata exatamente uma técnica de julgamento, mas o produto da atividade interpretativa.
A mutação constitucional é Poder Constituinte Difuso, estando sujeito, portanto, aos limites constitucionais impostos pelo Poder Constituinte Originário, ou seja, encontra limitações no próprio texto constitucional, não podendo haver mudança do texto (o que fica a cargo do Poder Constituinte Derivado Reformados), apenas do seu sentido, de modo que a elasticidade gerada quanto ao conceito e alcance dos institutos não seja inconstitucional.
Como exemplo da mutação constitucional, encontra-se na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a alteração do conceito de “família”, passando a ter proteção constitucional todas as formas de manifestação de afetividade, inclusive entre pessoas do mesmo sexo, muito embora o texto da Constituição Federal permaneça inalterado nesse ponto.
Nesse sentido, destaca-se trecho do julgado da Suprema Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277, de relatoria do Ministro Ayres Britto, a saber:
O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.
Percebe-se, ainda, que no mesmo julgado a Suprema Corte além de ter aplicado o instituto da mutação constitucional, igualmente fez uso da técnica da interpretação conforme a Constituição ao interpretar dispositivo do Código Civil, pelo que se verifica que numa mesma situação concreta, é possível a incidência de duas ou mais técnicas de julgamento das ações do controle de constitucionalidade.
Pelo exposto, verifica-se a importância prática da aplicação das técnicas de julgamento no controle de constitucionalidade, tendo em vista que as técnicas tradicionais não se mostram completamente suficientes diante da ampla possibilidade de interpretação das normas constitucionais, a partir de elementos principiológicos e valorativos adotados pelo constituinte. Ao aplicar tais técnicas, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal preserva normas importantes para o Estado Democrático de Direito, viabilizando a sua compatibilidade com as normas constitucionais, garantindo-se, pois, a preservação da supremacia da Constituição, a limitação dos poderes e a proteção dos direitos e garantias fundamentais.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br>.
MOLLER, Max. Teoria geral do neoconstitucionalismo: bases teóricas do constitucionalismo contemporâneo. Porto Algre: Livraria do Advogado, 2011.
RAMOS, Diego da Silva. A inconstitucionalidade progressiva é técnica de flexibilização do controle de constitucionalidade, aplicada pelo Supremo Tribunal Federal, em situações onde circunstâncias fáticas vigentes sustentam a manutenção das normas questionadas dentro do ordenamento jurídico. Disponível em:
<http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5868/Inconstitucionalidade-progressiva>. Acesso em: mar. 2016.
ZANOTTI, Bruno Taufner. Controle de constitucionalidade para concursos. Salvador: Editora Juspodivm, 2010.
Pós-Graduação em Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TAVARES, Ana Flávia Wanderley Bezerra. Principais técnicas de julgamento aplicáveis às ações do controle de constitucionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 maio 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46699/principais-tecnicas-de-julgamento-aplicaveis-as-acoes-do-controle-de-constitucionalidade. Acesso em: 22 dez 2024.
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