1) Introdução:
A morosidade atual do Judiciário tem raízes na tradição lusitana, que, tradicionalmente, não contemplava garantias de tramitação dos processos em tempo razoável. A influência relativamente recente do constitucionalismo norte-americano, explica a lacuna de garantias à razoável duração do processo, em diversas constituições brasileiras, incluída a atual, em sua versão original. A inclusão explícita de um direito fundamental ao processo em tempo razoável na Constituição Federal de 1988 ocorreu apenas na Emenda Constitucional 45, visto que antes esse direito era uma espécie de “norma sem disposição”, pois estava inserido apenas de forma indireta e derivada no Ordenamento Jurídico.
O problema é iminente, o congestionamento do Judiciário brasileiro (considerado em sua totalidade) foi de 70%, em 2010, de acordo com a pesquisa “Justiça em Números” elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça.[1]
A importância em afastar a morosidade do Judiciário brasileiro é uma necessidade para efetivar a garantia de um direito fundamental positivado aos cidadãos. A grande importância do combate à morosidade está expressa nas palavras de Rui Barbosa, "Justiça tardia não é Justiça, é injustiça manifesta", sendo a justiça tardia uma verdadeira injustiça.
2) Metodologia:
A pesquisa acerca do tema "A morosidade no Poder Judiciário" tem caráter híbrido, tendo em vista que as fontes de estudo são tanto bibliográficas quanto baseadas em dados estatísticos, os quais enfocam o assunto da razoável duração que deve ter um processo no Brasil, além de informações e experiências fornecidas por juízes de diferentes áreas.
Este trabalho tem como objetivo a discussão real e atual das lesões que o sistema judiciário vem causando ao Direito Fundamental da razoável duração de um processo, como também, aponta possíveis formas de reparação desses danos.
Essa pesquisa tem a finalidade de explorar esse tema sob um novo enfoque, tendo em vista que, apesar desse assunto já ter sido bastante discutido na doutrina, até os dias de hoje, ainda permanece sem efetiva solução.
3) Discussão:
3.1) O número de juízes é muito grande ou é insuficiente no Brasil?
De acordo com uma pesquisa elaborada em 2010 pelo Conselho Nacional de Justiça, calcula-se que há 8,70 magistrados por cem mil habitantes no Brasil, superando a marca de 2009, que se situou em 8,50. Esse resultado não é muito elevado em termos internacionais. De acordo com as informações da Comissão Europeia para Eficiência da Justiça CEPEJ, utilizando dados de 2008 de 29 países europeus, a média foi de 18 magistrados por cem mil habitantes. Comparando-se os resultados do Brasil de 2010 com os países estudados pelo CEPEJ, somente cinco países contam com menos magistrados por cem mil habitantes que o
Brasil. Em conclusão, o número de magistrados é considerado relativamente suficiente no Brasil, estando incluído na média internacional. O número de juízes não deve ser considerado o problema do congestionamento do Judiciário.
3.1) Os recursos são os culpados?
Na estrutura do Poder Judiciário brasileiro, um processo julgado, por exemplo, por um juiz do trabalho pode passar a ser de competência pela via recursal do Tribunal Regional do Trabalho, depois do Tribunal Superior do Trabalho e ainda do Supremo Tribunal Federal. Os recursos no nosso sistema judiciário não deveriam ser apontados como a causa da lentidão no Poder Judiciário, porque eles são considerados um dos elementos constitutivos do direito fundamental das partes e está garantido pela Constituição de forma explicita no art. 5, inciso XXXV e LV e art. 104, inciso II e III, que asseguram o efetivo cumprimento dos direitos dos indivíduos e os protege de supostas violações de direitos e está de acordo com o princípio da segurança jurídica. Entretanto, nosso sistema recursal é muito extenso e dificulta que os processos tramitem com agilidade para que o princípio da celeridade e da ampla defesa sejam abraçados de forma igualitária.
3.2) Qual a causa de tanta morosidade?
Infelizmente, há juízes que não utilizam as novidades normativas processuais e acabam por atrasar a prestação jurisdicional. Há profissionais que por desinteresse, falta de aplicação nos estudos, ou por outros motivos acabam por causar prejuízo a alguém e consequentemente, a toda coletividade, ao Estado, a Justiça e a seus colegas de trabalho. O art. 133 do Código de Processo Civil, inciso II enuncia que responderá por perdas e danos aqueles juízes que se recusarem, se omitirem ou RETARDAREM, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte. Entretanto, os juízes mal preparados e sem vocação não são os únicos culpados As partes, as testemunhas e os advogados envolvidos em um processo, também podem colaborar para o atraso jurisdicional. Às vezes, os advogados chegam a se beneficiar da demora do processo, enquanto as partes e as testemunhas demoram a ser achadas para intimação ou não comparecem aos julgamentos.
É certo que o sistema judiciário deve ter uma organização complexa, já que aplicar a justiça não pode ser um processo simples, que se sujeita facilmente a erros. A figura que deve ser afastada é a da burocracia, ela sim é prejudicial ao direito porque não o ajuda, só o retarda. O Poder Judiciário necessita de profissionais que sigam o protocolo, não que dificultem a vida daqueles que precisam de seus serviços. "Obviamente, o recurso ao Judiciário deve ser regulado pela legislação processual, sendo imprescindível a previsão de condições mínimas para a fruição do direito. O que não pode haver e a proliferação de minudentes e pormenorizadas regulamentações que imponham a parte deveres onerosos e por vezes dificilmente alcançáveis. Essa prática - de burocratização do serviço judiciário - equivale a negar a considerável parcela da sociedade o gozo de um direito básico."[2]
A sociedade pós-moderna vem buscando a justiça de maneira exagerada, o que pode ser chamado de “litigância compulsiva“. “A exacerbada facilitação do exercício do Direito pode também levar a uma indesejável instrumentalização da jurisdição com a submissão ao Judiciário de um elevado número de questiúnculas que dificultam a tarefa da proteção jurídica esperável nos casos em que esta seria verdadeiramente imprescindível”[3]. Essas lides, baseadas em argumentos infundados ou de má-fé, pode ser apontado como uma das causas do congestionamento dos tribunais.
3.3) A demora da justiça para ricos e pobres:
O princípio da garantia da via judiciária fez parte de todas as constituições brasileiras. Na atual Constituição Federal de 1988, o acesso ao Judiciário é um direito fundamental consagrado no art. 5º, inciso XXXV. Esse acesso não deveria discriminar nenhum tipo de classe econômica, todavia há alguns fatores que facilitam os trâmites judiciais para os mais afortunados. Apesar de haver a figura do defensor público, dos tribunais móveis, dentre outros modos de facilitar o ingresso e acompanhamento na justiça das classes menos favorecidas, já é de conhecimento de todos que a justiça "funciona" bem melhor para aqueles que têm condições de pagar por eficientes advogados (que nem sempre coincidem com os mais éticos). A dificuldade no custeio dos gastos necessários ao litígio é um obstáculo ao acesso dos tribunais para os mais pobres. "Cabe ao Estado aproximar o judiciário a população, tornando-o acessível. Para tanto, é necessário também reduzir o custo econômico que a interposição de uma ação judicial representa para as partes, através da simplificação dos procedimentos e do subsidio aos menos favorecidos."[4] Deve haver uma espécie de efetivação social da tutela jurisdicional.
Importante ressaltar que advogados pagos e gratuitos apresentam nítida diferença entre suas atuações. Aqui não retrataremos o triste fato de alguns "profissionais" serem "comprados" em troca de mobilidade ou parada de processo, e até, infelizmente, alguns juízes venderem sentenças, tendo em vista que em todas as áreas profissionais, tanto públicas quanto privadas, há aqueles indivíduos sem ética, que burlam o sistema e disseminam a corrupção, não sendo este fato inerente apenas ao poder judiciário.
3.4) A digitalização do judiciário ajudará?
É uma tentativa válida a de organizar a exorbitante quantidade de processos existentes nos fóruns, tendo em vista até mesmo o fato de que o papel se estraga com o tempo, em cerca de seis meses tem início a decomposição e que processos mais longos se tornam de difícil manuseio, além de serem dispensados os carimbos e o uso dos Correios. Na questão ambiental, estima-se diminuição de impactos na natureza por causa da diminuição relevante do uso do papel. Apesar dessas vantagens, não se tem certeza se a digitalização do poder judiciário vai dar melhor andamento aos processos, já que muitos juízes apontam que não há diferença em julgar um processo no computador ou no papel, muitos afirmando que é até preferível permanecer com os processos no papel. Se por uma lado é certo que o sistema ficará mais organizado, por outro lado há dúvidas se o acesso se tornará mais democrático, já que nem toda a população tem conhecimentos na área da informática, não se tornando muito prático o disposto na Lei 11419 Art. 10 § 3º Os órgãos do Poder Judiciário deverão manter equipamentos de digitalização e de acesso à rede mundial de computadores à disposição dos interessados para distribuição de peças processuais.
O processo eletrônico vem sendo implantado de maneira desigual nas diferentes partes do País. No Índice de processos eletrônicos, elaborado em 2010, pelo Conselho Nacional de Justiça, é possível observar grande disparidade entre os Estados brasileiros. Em Roraima, 52% dos processos ingressaram por meio eletrônico, enquanto que o Amapá e o Rio Grande do Sul, não possuem novos processos eletrônicos. O índice de processos eletrônicos foi criado pela Resolução CNJ n 76/2009 com o objetivo de medir o nível de informatização dos tribunais.
4) Conclusão:
Durante anos, juristas tem procurado uma solução para a lentidão do Poder Judiciário. Apontar uma solução não é tarefa fácil. Entretanto, há algumas ações que poderiam ser colocadas em prática que não resolveriam a totalidade do problema, mas já seria um primeiro passo, como o Estado buscar incentivar a resolução de conflitos mais simples por via extrajudicial, onde as partes pudessem solucionar seu conflito consensualmente. Entretanto, para que isso ocorra, é necessário que os cidadãos sejam instruídos a respeito da resolução de conflitos por formas alternativas, tendo consciência de seus benefícios e malefícios. Nas palavras de Samuel Miranda Arruda: “A condição para a prestação da tutela judicial é justamente que alguém a requeira. Isto nem sempre é simples, pois para postular um direito é necessário conhecê-lo, saber que o pode reivindicar e como fazê-lo e tomar as medidas fáticas para tanto exigidas, o que importa algum dispêndio e assistência jurídica prévia. Os litígios podem mesmo vir a ser resolvidos em uma fase anterior a judicial, o que diminui o número de processos em tramitação, desafogando os tribunais.”[5] Dependendo de seu caso, o indivíduo pode recorrer a meios alternativos de resolução de conflitos e ter resultados mais satisfatórios do que se fosse buscar os Tribunais.
É fato que o prolongamento do processo tem como consequência a provocação de sérios danos econômicos às partes. O processo pode acabar se tornando um instrumento benéfico àquele que demanda sem ter razão, ou, em outros casos, fazendo muitas vezes com que a parte que tem razão, venha renunciar a seu direito. Pode ocorrer também de o processo demorar tanto tempo que quando ele finalmente chega ao fim, o “direito” ganho pode nem interessar mais a aquele que perdeu tempo e dinheiro na causa. Um grande sistema recursal, apesar de oferecer segurança jurídica, é impróprio.
Porém, não se pode requerer a resolução de conflitos e pendências sem um estudo prévio e sensato da causa. FRISON-ROCHE afirma com bastante propriedade: "É bem verdade, entretanto, que o trabalho jurídico não pode ser massificado ou industrializado a moda de uma linha de produção. Realmente, o tempo do processo e o tempo da gestação da decisão. Não sendo um julgamento divino, o humano investido na função de juiz precisa de tempo para refletir e definir o justo."[6] A pressa pode prejudicar a solução de um processo, o que também não seria Justo. Canotilho argumenta que a pressa impede a radicação de uma aceitação pública alargada.[7]
A justiça brasileira encontra-se congestionada não só em sua totalidade, mas também em cada uma de suas instâncias. A sensação de ineficiência e ineficácia da justiça brasileira é cada vez maior. Os brasileiros estão desacreditando no Judiciário, o acham lento, parcial e caro. Isso é prejudicial para a imagem do Judiciário, visto que para ele a confiança é a base que sustenta os seus alicerces.
5) Referências:
ARRUDA, SAMUEL MIRANDA. O direito fundamental a razoável duração do processo/ Samuel Miranda Arruda; pref. J.J. Gomes Canotilho. - Brasília: Brasília Jurídica, 2006.
ROCHA, JOSÉ DE ALBUQUERQUE. Teoria Geral do Processo / José de Albuquerque Rocha. 10º Edição. São Paulo: Atlas, 2009.
GOMES, CANOTILHO, J.J. Constituição e tempo ambiental. In: CEDOUA - Revista do Centro de Estudos de Direito do ordenamento, do urbanismo e do ambiente, 1999.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. Editora Malheiros. São Paulo. 12º Edição. 1996.
Disponível em: HTTP://www.cnj.jus.br/images/programas/justica-emnumeros/2010/rel_justica_numeros_2010.pdf Acesso em: 03/11/11.
[1] Disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/programas/justica-em-numeros/2010/rel_justica_numeros_2010.pdf Acesso em 03/11/2011.
[2] ARRUDA, SAMUEL MIRANDA. O direito fundamental a razoável duração do processo/ Samuel Miranda Arruda; pref. J.J. Gomes Canotilho. - Brasília: Brasília Jurídica, 2006, p. 68.
[3] ARRUDA, SAMUEL MIRANDA. O direito fundamental a razoável duração do processo/ Samuel Miranda Arruda; pref. J.J. Gomes Canotilho. - Brasília: Brasília Jurídica, 2006, p. 70.
[4] ARRUDA, SAMUEL MIRANDA. O direito fundamental a razoável duração do processo/ Samuel Miranda Arruda; pref. J.J. Gomes Canotilho. - Brasília: Brasília Jurídica, 2006, p. 68.
[5] ARRUDA, SAMUEL MIRANDA. O direito fundamental a razoável duração do processo/ Samuel Miranda Arruda; pref. J.J. Gomes Canotilho. - Brasília: Brasília Jurídica, 2006, p. 66.
[6] FRISON-ROCHE, M.A. Les droits fondamentaux des justiciables au regard Du temps dans la procedure. In:
COULON, J.-M; FRISON-ROCHE, M.-A. Le temps dans la procedure. Paris: Dalloz, 1996. P. 11. apud a ARRUDA, SAMUEL MIRANDA. O direito fundamental a razoável duração do processo, Brasília: Brasília Jurídica, 2006. P. 281.
[7] GOMES, CANOTILHO, J.J. Constituição e tempo ambiental. In: CEDOUA - Revista do Centro de Estudos de Direito do ordenamento, do urbanismo e do ambiente, 1999, n. 2, p. 9.
Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COLLMANN, Isabella Maria. A morosidade no Poder Judiciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2016, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46755/a-morosidade-no-poder-judiciario. Acesso em: 23 dez 2024.
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