A tripartição dos poderes é um modelo em que antigo, que tem seus primeiros relatos antes mesmo da época de Montesquieu, o qual é tido como criador do mesmo, nele é que se divide o poder para evitar abuso e conseguir uma maior especialização por quem o detém.
Ocorre que, o mecanismo de freio e contrapesos inserido neste modelo, possibilita em um ato a atuação de vários poderes, para que mais de um participe da política e da atuação estatal, sendo fundamental para que ocorra um controle de abusos.
Por esses motivos, não raras vezes, para conseguir terminar um ato, um poder precisará da atuação do outro, da mesma forma que um poder acabará intervindo nos atos do outro, necessariamente ou desnecessariamente. Estas relações acabam por ser intrusivas, principalmente quando não há uma limitação clara e concisa na lei, neste momento é que iniciam os conflitos entre poderes, e uma ruptura no modelo que prima pela independência e autonomia de cada poder.
No meio destes conflitos, ou melhor, acima deles está o STF, que via de regra é o responsável pela última palavra em assuntos constitucionais, ou até mesmo não constitucionais, mais que acabam por ser classificados assim, já que na prática tudo está relacionado com a nossa carta magna.
Essa última palavra é oriunda da própria constituição, que em seu artigo 5º, inciso XXXV, dispõe sobre a inafastabilidade da jurisdição, instituto que amplia a competência do poder judiciário para muito além das suas atribuições tradicionais, já que todo e qualquer ato, ainda que unicamente político, ou legislativo, obtiver em seu bojo ou em seus efeitos alguma lesão ou ameaça de lesão a direito, não pode ser afastado da apreciação judicial, devemos refletir sobre quem pode falar se de fato ela houve ou não, que na prática é o próprio poder judiciário, principalmente no caso do STF.
Devemos refletir também que, em casos de conflito entre poderes, onde o STF é uma das partes, e a outra o poder legislativo ou executivo, quem acaba por dirimir o conflito é uma das partes envolvidas, no caso, o STF. A legitimidade para tal acaba por ofender o modelo, a independência e a autonomia.
Da mesma forma que o supremo as vezes é chamado para decidir sobre questões políticas ou unicamente legislativas, e acaba por emitir decisão sobre atos que desconhece, ou não tem a especialidade que fundamenta o modelo tripartite vigente, novamente ocasionando uma ruptura neste.
Devemos ressaltar que, as vezes isso ocorre por uma demora na prestação legislativa, que demora e deixa a sociedade sem regulamentação e a margem dessa espera, onde o judiciário em suas interpretações acaba suprindo com a justificativa de efetivar direitos, podemos ressaltar alguns julgados:
“Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à ‘reserva do possível’." (RE 436.996-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-05, Segunda Turma, DJ de 3-2-2006.) No mesmo sentido: RE 582.825, Rel. Min. Ayres Britto, decisão monocrática, julgamento em 22-3-2012, DJE de 17-4-2012; RE 464.143-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 15-12-2009, Segunda Turma, DJE de 19-2-2010; RE 595.595-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 28-4-2009, Segunda Turma,DJE de 29-5-2009.
“O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais e para garantir a integridade e a supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República. O regular exercício da função jurisdicional, por isso mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.” (MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-9-1999, Plenário, DJ de 12-5-2000.) No mesmo sentido: RE 583.578-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 31-8-2010, Segunda Turma, DJE de 22-10-2010
Assim como o entendimento doutrinário, de José Afonso da Silva, que diz que não há divisão absoluta, existindo interferências que são importantes para o sistema de freios e contrapesos.
Contudo, isso não pode ser feita de maneira desmedida, sob pena de violar o modelo tri particionado, o que novamente é feito em longa escala pelo STF, que emite normas genéricas e abstratas, disfarçadas em forma de jurisprudência, como exemplos podemos citar o recente (HC) 126292 onde o STF relativizou a presunção de inocência, que não mais ocorrerá após o transito em julgado, e que está de longe bem conhecido pela comunidade acadêmica em geral.
Essa prática entretanto não nasceu agora, a chamada judicialização já é corriqueira por parte do STF, e muito notada, contudo outro tribunal superior também costuma realiza-la, sendo menos percebido pela comunidade acadêmica, o STJ, que não raras vezes legisla a pretexto de emitir jurisprudência, como pode ser percebido no recente julgamento do REsp 686.965/DF, onde o tribunal, sem nenhuma margem hermenêutica para tanto, atribuiu a imprescritibilidade nos crimes de injuria racial, em prejuízo do réu, é o que consta no julgado a seguir:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 686.965 - DF (2015/0082290-3) RELATOR : MINISTRO ERICSON MARANHO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP) [...] DECISÃO: ‘‘(...) A análise da tese defensiva de desclassificação da conduta exigiria, inevitavelmente, o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, sobretudo diante das conclusões firmadas no Tribunal de origem, o que é inviável em sede de recurso especial, ante o óbice contido na Súmula 7/STJ. 5. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 381.500/RO, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 25/05/2015) No que diz respeito à prescrição, outra será a sorte do recorrente. A Lei n. 7.716/89 define como criminosa a conduta de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A prática de racismo, portanto, constitui crime previsto em lei e sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). O mesmo tratamento, tenho para mim, deve ser dado ao delito de injúria racial. Este crime, por também traduzir preconceito de cor, atitude que conspira no sentido da segregação, veio a somar-se àqueles outros, definidos na Lei 7.716/89, cujo rol não é taxativo. Vêm, a propósito, as palavras de CELSO LAFER, quando diz que "A base do crime da prática do racismo são os preconceitos e sua propagação, que discriminam grupos e pessoas, a elas atribuindo as características de uma 'raça' inferior em função de sua aparência ou origem. O racismo está na cabeça das pessoas. Justificou a escravidão e o colonialismo. Promove a desigualdade, a intolerância em relação ao 'outro', e pode levar à segregação (como foi o caso do apartheid na África do Sul) e ao genocídio (como foi o holocausto conduzido pelos nazistas)" (Racismo -- O STF e o caso Ellwanger, pg. A2). Esta conduta é que a Lei Maior pretendeu obstar, vedando a seus agentes a prescrição, entre outros benefícios. Nesse sentido é o magistério de Guilherme de Souza Nucci, que, em seu Código Penal Comentado, 14ª edição, p. 756-757 tece o seguinte comentário: O art. 5º., XLII, da Constituição Federal preceitua que a "prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei". O racismo é uma forma de pensamento que teoriza a respeito da existência de seres humanos divididos em "raças", em face de suas características somáticas, bem como conforme sua ascendência comum. A partir dessa separação, apregoa, a superioridade de uns sobre outros, em atitude autenticamente preconceituosa e discriminatória. Vários estragos o racismo já causou à humanidade em diversos lugares, muitas vezes impulsionando ao extermínio de milhares de seres humanos, a pretexto de serem seres inferiores, motivo pelo qual não mereceriam viver. Da mesma forma que a Lei 7.716/89 estabelece várias figuras típicas de crime resultantes de preconceitos de raça de cor, não quer dizer, em nossa visão, que promova um rol exaustivo. Por isso, com o advento da Lei 9.459/97, introduzindo a denominada injúria racial, criou-se mais um delito no cenário do racismo, portanto, imprescritível, inafiançável e sujeito à pena de reclusão. É caso, a meu aviso, de afastar-se a prescrição. De outro lado, penso que não se operou a decadência. No caso concreto, as ofensas foram publicadas através da rede mundial de computadores e permaneceram no site www.paulohenriqueamorim.com.br durante período considerável, porquanto consta dos autos que no dia 5.9.2009 a matéria injuriosa foi publicada e, no dia 7.6.2011, foi informado o cumprimento da decisão que determinara a retirada da matéria ofensiva do site. A injúria racial é crime instantâneo, que se consuma no momento em que a vítima toma conhecimento do teor da ofensa. No caso, porém, considerando-se que ela foi postada e permaneceu no ar por largo tempo, não é possível descartar a veracidade do que alegou a vítima, vale dizer, que dela se inteirou tempos após a postagem (elidindo-se a decadência). O ônus de provar o contrário, ao que se me afigura, é do ofensor. Dele não se desincumbindo, não é dado duvidar da vítima. E a dúvida sobre o termo inicial da contagem do prazo decadencial, na hipótese, deve ser resolvida em favor do processo. Afinal, embora crime instantâneo, em razão da veiculação da ofensa via internet, seus efeitos se prolongam no tempo. Forte em tais razões, afasta-se a prescrição reconhecida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios no julgamento dos Embargos Infringentes de fls. 1917-1956 e mantém-se a pena do recorrente, P. H. DOS S. A., em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, pela prática do crime previsto no art. 140, § 3º, do Código Penal, no regime inicial aberto, substituída a pena corporal por suas restritivas de direito, a serem especificadas pelo Juízo da VEPEMA, tudo nos termos do acórdão de fls. 1600-1650. (...)’’.
Ambas as decisões não estão fundamentadas estritamente na própria legislação, e sim em questões políticas e sociais, o que é competência do poder legislativo, e que culmina em atos normativos; necessárias ou não, se analisarmos estas decisões do ponto de vista da hermenêutica, verificaremos que exorbitam as palavras presentes na legislação que as fundamenta, de forma exagerada.
Todos estes fatores demonstram a ruptura no modelo de tripartição das funções estatais atual, e exigem a criação de um novo modelo que atenda as novas necessidades. Até lá, devemos evitar o aumento desta ruptura através de diálogos institucionais entre os poderes, que devem resguardar o bom senso, a independência e a autonomia dos poderes.
REFERÊNCIAS
LENZA, P. Direito Constitucional Esquematizado. 18.ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2014.
MASSOM, N. Manual de direito constitucional. 3.ed. Bahia: Editora Juspodivn. 2015.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros Editores, 30ª Ed, 2009, p. 110.
Bacharel em direito pela faculdade Estácio de Macapá, Especialista pela Faculdade de Tecnologia do Amapá e pós-graduando em direito público pela Faculdade Damásio.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: EDISON ROBERTO FONSECA FRAZãO JúNIOR, . A Ruptura na Tripartição das funções estatais e a Judicialização do STF e STJ Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jun 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46771/a-ruptura-na-triparticao-das-funcoes-estatais-e-a-judicializacao-do-stf-e-stj. Acesso em: 23 dez 2024.
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