RESUMO: Busca-se, no presente trabalho, apontar as características, preceitos e fundamentos da união estável, bem como analisar os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais existentes sobre tais uniões, quando concomitantes, à luz dos princípios constitucionais, em especial, o princípio da monogamia. Desse modo, objetiva-se demonstrar a sua relevância para o direito, de modo que não podem, os operadores do direito, negligenciar essa realidade tão comum na sociedade contemporânea.
Palavras-chave: União Estável concomitante. União Estável. Monogamia. Poliamor.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o desiderato de fomentar a discussão acerca das novas espécies de família que, paulatinamente, vêm sendo reconhecidas pelo legislador pátrio que, impulsionado pelas próprias transformações sociais, vem atualizando o Ordenamento Jurídico.
Sabe-se que a Constituição Maior reconheceu a união estável como entidade familiar, quer seja entre homem e mulher, quer seja composta apenas por um deles.
Tais relações tem apoio na confiança, afeto, solidariedade, lealdade, respeito e amor.
Nessa linha, em que pese se saber que o Princípio da Monogamia está presente no nosso Ordenamento, não se pode fechar os olhos para um fato social bastante presente na comunidade brasileira, qual seja, a existência de uniões estáveis concomitantes, fazendo-se necessário que o direito observe-as e regulamente-as.
Ululante que diante da falta de homogeneidade quando à sua aceitação da nossa doutrina e jurisprudência, pretende-se, neste trabalho, tão somente provocar uma reflexão sobre tal tema.
DESENVOLVIMENTO
Inicialmente, identifica-se no nosso ordenamento jurídico 03 (três) modalidades típicas para a união afetiva de pessoas, quais sejam: o casamento (art. 226, § 1º da CRFB c/c art. 1.511 e seguintes do CC/02); a união estável (art. 226, § 3º da CRFB c/c art. 1.723 e seguintes do CC/02); e o concubinato (art. 1.727 do CC/02).
Em seguida, ainda antes de adentrar na polêmica propriamente dita, é importante ressaltar que, à luz da melhor doutrina, para a configuração da união estável é necessário o preenchimento de alguns requisitos elencados nos artigos 1.723 e 1.724 do Código Civil pátrio. São eles: publicidade; continuidade; durabilidade; objetivo de constituição de família; ausência de impedimentos para o casamento, ressalvadas as hipóteses de separação de fato ou judicial; observância dos deveres de lealdade, respeito e assistência, bem como da guarda, sustento e educação dos filhos.
Vale dizer, todavia, que, num primeiro momento, para configuração da união estável era necessária a convivência por mais de 5 anos, no entanto, este requisito foi derrogado com o advento da lei 9.278/96.
Mormente reconhecer a união estável como entidade familiar tenha sido um grande passo na construção de um Direito de Família moderno, não se pode negar que ainda existe certa resistência a determinados arranjos familiares que, a olhos mais tradicionais, estão distantes daquilo que se convencionou ser ideal de estrutura familiar.
É verdade que, à luz do princípio da monogamia, exige-se dos conviventes a fidelidade, no entanto não é segredo que tal postulado é desrespeitado comumente, de modo que não se pode permitir que o direito negligencie tal realidade, reveladora como é de inúmeros vínculos sociais e jurídicos. Daí porque se faz necessário que combatamos tal preconceito, lançando mão de outros princípios, tais como autonomia da vontade, isonomia e outros.
Nesse passo, doutrinas renomadas vêm combatendo essa resistência quando à possibilidade de um novo arranjo – fora do conceito de monogamia -, daí porque, no presente trabalho, primou-se por discutir uma modalidade que tem sido polemizada sobremaneira nas discussões doutrinárias, chegando aos tribunais, ainda de forma embrionária, mas merecedora de uma reflexão mais perfunctória.
Não se quer com a presente discussão afastar de uma concepção jurídica o postulado da monogamia, mas sim, em nome da vontade, liberdade e dignidade das pessoas, chamar o leitor para uma reflexão sobre um novo arranjo familiar, cujos nomes já são vários: união estável concomitante, paralela, poliamorismo.
Sobre o assunto, leciona o insígne Caio Mário:
“Questão recente, que tem gerado polêmica na doutrina e na Jurisprudência, diz respeito à possibilidade de reconhecimento de uniões estáveis concomitantes, o que os doutrinadores contemporâneos vêm denominando de “poliamor”. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral em um Agravo em Recurso Extraordinário contra uma decisão do TJSE que entendeu pela impossibilidade do reconhecimento de uma relação homoafetiva devido à existência de declaração judicial de união estável entre o falecido e uma mulher em período concomitante.”
A doutrinadora de direito de família, Maria Berenice Dias, se posicionando sobre a legitimidade do poliamor, entende que:
“negar a existência de famílias paralelas – quer um casamento e uma união estável, quer duas ou mais uniões estáveis – é simplesmente não ver a realidade. (...) Por fim, desconsiderar a participação do companheiro casado na relação concubinária, a fim de entendê-la como monoparental em havendo filhos, ofende o princípio da livre escolha da entidade familiar, pois se estaria diante de uma entidade monoparental imposta”. Para a referida autora, deixando o Estado de conferir proteção a mais de uma família ao mesmo tempo, ele estaria privilegiando o infiel e punindo a concubina e, consequentemente, os filhos havidos desta relação extraconjugal.”
Todavia, não é esse o entendimento do STJ, que tem se manifestado pelo não reconhecimento das uniões estáveis paralelas, com base na condição da exclusividade de relacionamento sólido para caracterização e validade de uma união estável.
Com efeito, a 4ª Turma do STJ, tendo como Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, decidiu que:
“havendo sentença transitada em julgado a reconhecer a união estável entre o falecido e sua companheira em determinado período, descabe o reconhecimento de outra união estável, simultânea àquela, com pessoa diversa”. O Relator esclarece que “não se está analisando a possibilidade de, no mundo dos fatos, haver mais de uma união com vínculo afetivo e duradouro, com o escopo de constituição de laços familiares, o que evidentemente acontece. O que se está a perquirir é se, ainda que de fato haja vínculos afetivos desse jaez, o ordenamento jurídico confere-lhes alguma proteção. Vale dizer, indaga-se se as relações afetivas com esses caracteres, simultaneamente perfectibilizadas, recebem, não de fato, mas juridicamente, o predicativo de ‘união estável’”.
Do mesmo modo, no REsp. 1157273/RN, a 3ª Turma do STJ manifestou-se no sentido de que a análise dos requisitos para configuração da união estáve deve:
“centrar-se na conjunção de fatores presente em cada hipótese, como a affectio societatis familiar, a participação de esforços, a posse do estado de casado, a continuidade da união, a fidelidade, entre outros”. Segundo a Relatora Ministra Nancy Andrighi, em uma sociedade estruturalmente monogâmica, não haveria a possibilidade de atenuação do dever de fidelidade e de lealdade, devendo o juiz, ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, estar atento às “peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no princípio da eticidade”.
Acompanhando o entendimento do Supremo Tribunal Federal, Paulo Lobo, aduz que:
Desde a Constituição de 1988 abriu-se controvérsia acerca da possibilidade jurídica de uniões estáveis paralelas, tendo em vista a inexistência de regra expressa a respeito na legislação, inclusive no Código Civil de 2002. Entendemos não ser possível, porque a união estável é relação jurídica more uxorio, derivada de convivência geradora de estado de casado, o qual, consequentemente, tem como referência o casamento, que no direito brasileiro é uno e monogâmico.
Em direção oposta, os doutrinadores Pablo Stolze Gagliano e Pamplona Filho identificam-se com a visão de união livre de Fábio Ulhoa Coelho mencionada alhures:
O poliamorismo ou poliamor, teoria psicológica que começa a descortinar-se para o Direito, admite a possibilidade de coexistirem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que seus partícipes conhecem-se e aceitam-se uns aos outros, em uma relação múltipla e aberta.
Por mais este não seja o padrão comportamental da nossa vida efetica, trata-se de uma realidade existente, que já é objeto de reflexão da doutrina especializada e que culmina por mitigar, pela atuação da vontade dos próprios atores da vida, o dever de fidelidade, pelo menos na concepção tradicional que a identifica com a exclusividade.
Ressalte-se que existe em nosso país, um caso emblemático de poliamor, vivido pelo artista carioca Wagner Domingues da Costa, mais conhecido no meio artístico como Mr. Catra, que se relaciona simultaneamente com três mulheres, com as quais possui vinte e dois filhos e convive normalmente com todos (filhos e companheiras) como uma única família, sem que haja nenhum óbice das mulheres, e, ainda, com a anuência de todas.
Todavia, tais entendimentos não significam que a relação concubinária seja ignorada pelos Tribunais; implica, sim, em efeitos jurídicos, mas equipará-la ao casamento e à união estável seria afrontar de forma expressa a intenção legislativa de proteger os deveres de lealdade e de fidelidade da família.
Segundo Caio Mário, as uniões afetivas plúrimas, múltiplas, simultâneas e paralelas têm ornado o cenário fático dos processos de família com os mais diferentes arranjos, entre eles, aqueles em que um sujeito direciona seu afeto para 1, 2, ou mais outros sujeitos, formando núcleos distintos e concomitantes. Desse modo, propunha o autor que “ao analisar as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o Juiz, atento às peculiaridades multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na igualdade, bem assim com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os pés fincados no Princípio da Eticidade”
De forma brilhante, Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues entendem que “o simples fato de haver simultaneidade familiar, no âmbito das relações conjugais, não pode ser caracterizado como uma presunção absoluta de conduta desleal, inapta a gerar eficácia jurídica familiar”.
CONCLUSÃO
Pelo exposto, não se pode mais ignorar tais acontecimentos sem lhes atribuir efeitos jurídicos equânimes apenas pelo fato da simultaneidade de relações é uma total hipocrisia para uma sociedade que vê este tipo de relação acontecer corriqueiramente no nosso cotidiano. Não enxergo como negar a possibilidade de se admitir a coexistência jurídica de duas uniões estáveis ou uma união estável e um casamento. O dogma da monogamia deve abrir espaço para autonomia da vontade e liberdade de escolha, como postulados de um Estado Democrático de Direito.
No mesmo sentido, há de se relativizar os conceitos de de lealdade e fidelidade, tendo em vista que, nos dias atuais, é patente a existência de relacionamentos liberais nos quais os parceiros estão livres para relacionarem-se sexualmente com outras pessoas sem isso os tornem infiéis ou desleais aos seus. Fidelidade e lealdade não se podem resumir na relação carnal pois residentes na alma, no coração.
Quanto aos efeitos patrimonias, vou além: é absolutamente possível que numa convivência paralela tenha sido construído um patrimônio, com o auxílio concomitante de duas companheiras ou companheiros. Nesse caso, à luz das ensinamentos de direito das obrigações, a exemplo da coibição do enriquecimento sem causa, é justa privar uma das (os) companheiras (os), em caso de dissolução de união, de meação do bem cooperativamente adquirido? Categoricamente, não.
REFERÊNCIAS
- GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Família. Volume VI. Ano: 2011.
- DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família. 4ª Edição. Ano 2007.
- LOBO, Paulo. Direito Civil, Famílias. 4ª Edição. Ano: 2011.
- GAGLIANO, Pablo Stolze e Rodrigo Pamplona Filho. Novo Curso de Direito Civil, v. 6: Direito de família – As famílias em perspectiva constitucional 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p 446 – 502
- DA SILVA PEREIRA, Caio Mario. Instituições de Direito Civil, Direito de Família. Volume V. Editora Forense. 22ª Edição. Ano: 2014.
Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Pará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRUNO ALVES CâMARA, . A União Estável Concomitante na perspectiva da jurisprudência e doutrina pátrias Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jun 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46849/a-uniao-estavel-concomitante-na-perspectiva-da-jurisprudencia-e-doutrina-patrias. Acesso em: 23 dez 2024.
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