Resumo: O Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 730462/SP, distinguiu a eficácia executiva da normativa de suas decisões proferidas em âmbito de controle de constitucionalidade concentrado e abstrato de constitucionalidade. Tal distinção é de suma importância para se aferir a possibilidade ou não de reforma/rescisão de decisões contrárias a do Pretório Excelso.
Palavras-chave: Controle de constitucionalidade. Eficácia normativa. Eficácia executiva. Ação rescisória.
1) INTRODUÇÃO
O STF, em importante decisão proferida em sede de RE com repercussão geral reconhecida, diferenciou as eficácias normativa e executiva das decisões proferidas em âmbito de controle de constitucionalidade concentrado e abstrato. A questão versava sobre a possibilidade da decisão declaratória de inconstitucionalidade de ato normativo produzir efeito automático sobre decisões anteriores com entendimento diverso.
Segundo a Suprema Corte, sua decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de uma norma não produz a automática reforma ou rescisão das decisões judiciais anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Para que isso ocorra, é indispensável a interposição de recurso próprio ou, se for o caso, a propositura de ação rescisória, nos termos do artigo 485 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, observado o prazo decadencial do artigo 495.
2) AÇÃO RESCISÓRIA
Nos termos do art. 485, V, do CPC/73 (art. 966, V, do CPC/2015), cabe ação rescisória em face de decisão de mérito, transitada em julgado, que violar manifestamente norma jurídica:
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
V - violar manifestamente norma jurídica;
Importante destacar que o CPC/2015 trouxe a previsão de violação à “norma jurídica”, não somente à lei (como previa o CPC/73). Com isso, ampliou-se o objeto da ação rescisória, tendo em vista que o conceito de norma é mais amplo do que o de lei. Nos dizeres da doutrina de Marinoni, Arenhart e Mitidiero: “Se a decisão passada em julgado viola ‘manifestamente norma jurídica’, cabe ação rescisória (art. 966, V, CPC). O art. 966, V, CPC fala em manifesta violação de norma jurídica: com isso, autoriza a rescisão da coisa julgada em que há violação de princípio, regra ou postulado normativo[1]”.
É imperioso que seja observado o prazo decadencial de 2 anos para ajuizamento desta ação, conforme art. 975 do CPC/2015:
Art. 975. O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.
§ 1o Prorroga-se até o primeiro dia útil imediatamente subsequente o prazo a que se refere o caput, quando expirar durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente forense.
§ 2o Se fundada a ação no inciso VII do art. 966, o termo inicial do prazo será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.
§ 3o Nas hipóteses de simulação ou de colusão das partes, o prazo começa a contar, para o terceiro prejudicado e para o Ministério Público, que não interveio no processo, a partir do momento em que têm ciência da simulação ou da colusão.
É cediço que a natureza jurídica deste prazo é decadencial. No entanto, como se percebe com a simples leitura do art. 975, §1º, do CPC/2015, o legislador agasalhou entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quando previu a possibilidade de prorrogação do prazo para o primeiro dia útil seguinte quando este expirar durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente forense.
O inciso IX da súmula nº 100 do TST já era neste sentido:
AÇÃO RESCISÓRIA. DECADÊNCIA (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 13, 16, 79, 102, 104, 122 e 145 da SBDI-2) - Res. 137/2005, DJ 22, 23 e 24.08.2005
I - O prazo de decadência, na ação rescisória, conta-se do dia imediatamente subseqüente ao trânsito em julgado da última decisão proferida na causa, seja de mérito ou não. (ex-Súmula nº 100 - alterada pela Res. 109/2001, DJ 20.04.2001)
II - Havendo recurso parcial no processo principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito em julgado da decisão que julgar o recurso parcial. (ex-Súmula nº 100 - alterada pela Res. 109/2001, DJ 20.04.2001)
III - Salvo se houver dúvida razoável, a interposição de recurso intempestivo ou a interposição de recurso incabível não protrai o termo inicial do prazo decadencial. (ex-Súmula nº 100 - alterada pela Res. 109/2001, DJ 20.04.2001)
IV - O juízo rescindente não está adstrito à certidão de trânsito em julgado juntada com a ação rescisória, podendo formar sua convicção através de outros elementos dos autos quanto à antecipação ou postergação do "dies a quo" do prazo decadencial. (ex-OJ nº 102 da SBDI-2 - DJ 29.04.2003)
V - O acordo homologado judicialmente tem força de decisão irrecorrível, na forma do art. 831 da CLT. Assim sendo, o termo conciliatório transita em julgado na data da sua homologação judicial. (ex-OJ nº 104 da SBDI-2 - DJ 29.04.2003)
VI - Na hipótese de colusão das partes, o prazo decadencial da ação rescisória somente começa a fluir para o Ministério Público, que não interveio no processo principal, a partir do momento em que tem ciência da fraude. (ex-OJ nº 122 da SBDI-2 - DJ 11.08.2003)
VII - Não ofende o princípio do duplo grau de jurisdição a decisão do TST que, após afastar a decadência em sede de recurso ordinário, aprecia desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. (ex-OJ nº 79 da SBDI-2 - inserida em 13.03.2002)
VIII - A exceção de incompetência, ainda que oposta no prazo recursal, sem ter sido aviado o recurso próprio, não tem o condão de afastar a consumação da coisa julgada e, assim, postergar o termo inicial do prazo decadencial para a ação rescisória. (ex-OJ nº 16 da SBDI-2 - inserida em 20.09.2000)
IX - Prorroga-se até o primeiro dia útil, imediatamente subseqüente, o prazo decadencial para ajuizamento de ação rescisória quando expira em férias forenses, feriados, finais de semana ou em dia em que não houver expediente forense. Aplicação do art. 775 da CLT. (ex-OJ nº 13 da SBDI-2 - inserida em 20.09.2000)
X - Conta-se o prazo decadencial da ação rescisória, após o decurso do prazo legal previsto para a interposição do recurso extraordinário, apenas quando esgotadas todas as vias recursais ordinárias. (ex-OJ nº 145 da SBDI-2 - DJ 10.11.2004)
3) EFICÁCIAS NORMATIVA E EXECUTIVA EM SEDE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ABSTRATO E CONCENTRADO
As decisões em sede de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade do STF, em regra, geram efeito vinculante (força do julgado), eficácia temporal “ex tunc” (efeitos retroativos) e eficácia pessoal “erga omnes” (obediência do julgado pelos órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal), conforme art. 102, §2º, da CRFB/88.
Para dirimir dúvida sobre a possibilidade de efeito automático sobre sentenças contrárias à decisão do STF, o ministro Teori Zavascki, relator do RE nº 730462/SP, esclareceu que não se pode confundir a eficácia normativa de uma decisão que declara a inconstitucionalidade – e que retira a norma do plano jurídico com efeitos “ex tunc” – com a eficácia executiva, ou seja, com o efeito vinculante dessa decisão. Explicou que o efeito vinculante não nasce da inconstitucionalidade em si, mas sim da decisão que a declara. “Por isso, o efeito vinculante é pró-futuro, ou seja, começa a operar da decisão do Supremo em diante, não atingindo atos anteriores. Quanto ao passado, é preciso que a parte que se sentir prejudicada proponha uma ação rescisória”.
Portanto, percebe-se que a eficácia executiva, também denominada de instrumental, produz eficácia temporal “ex nunc” (para frente), ou seja, o termo inicial da eficácia executiva é o dia de publicação do acórdão do STF no Diário Oficial (art. 28 da Lei 9.868/1999), enquanto a eficácia normativa será “ex tunc”.
Quanto ao prazo bienal para ajuizamento da ação rescisória, seu termo inicial será o trânsito em julgado da decisão que se pretende rescindir, conforme trecho extraído do julgamento do RE em comento:
“6. Isso se aplica também às sentenças judiciais transitadas em julgado. Sobrevindo decisão em ação de controle concentrado, declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da norma que lhes serviu de suporte, nem por isso se opera a automática rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente. Para que tal ocorra, será indispensável a propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495). Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da ação rescisória, a questão relacionada à execução de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto, tema de que aqui não se cogita.
7. Pode ocorrer e, no caso, isso ocorreu que, quando do advento da decisão do STF na ação de controle concentrado, declarando a inconstitucionalidade, já tenham transcorrido mais de dois anos desde o trânsito em julgado da sentença em contrário, proferida em demanda concreta. Em tal ocorrendo, o esgotamento do prazo decadencial inviabiliza a própria ação rescisória, ficando referida sentença, consequentemente, insuscetível de ser rescindida por efeito da decisão em controle concentrado. Imunidades dessa espécie são decorrência natural da já mencionada irretroatividade do efeito vinculante (e, portanto, da eficácia executiva) das decisões em controle concentrado de constitucionalidade. Há, aqui, uma espécie de modulação temporal ope legis dessas decisões, que ocorre não apenas em relação a sentenças anteriores revestidas por trânsito em julgado há mais de dois anos, mas também em às demais situações em que o próprio ordenamento jurídico impede ou impõe restrições à revisão, qualquer que seja o motivo, de atos jurídicos ou sentenças já definitivamente consolidados no passado.” – grifo meu
O prazo de 2 (dois) anos permite, em respeito à segurança jurídica, que haja tempo suficiente para verificação da incidência de alguma das hipóteses previstas nos incisos do art. 966. Uma vez ultrapassado o prazo de 2 (dois) anos, ocorrerá a coisa soberanamente julgada, pois, a partir deste momento, mesmo que existam vícios na decisão, estes estarão absorvidos pelo ordenamento e não mais poderão ser expurgados, nem mesmo por meio da ação rescisória.
Cumpre destacar que já havia precedente do STF neste sentido, como se vê ao sul:
A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal, estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade. - A superveniência de decisão do Supremo Tribunal Federal, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia “ex tunc” - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, “in abstracto”, da Suprema Corte.[2]
4) SÚMULA Nº 343 DO STF
Consoante o verbete sumular nº 343 do Pretório Excelso, “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. A súmula é baseada no CPC/1973, por isso a expressão “dispositivo de lei” e não “norma jurídica” como consta no CPC/2015.
O STF, no julgamento do RE nº 590809/RS, em alteração de jurisprudência, decidiu que esta súmula se aplica nos casos que envolvam ação rescisória atinente a matéria constitucional. Assim, mesmo nos casos em que a sentença foi proferida com base na jurisprudência do STF vigente à época do julgamento e, posteriormente, esse entendimento foi alterado, não se pode dizer que essa decisão impugnada tenha violado literal disposição de lei (rectius: norma jurídica). Importante destacar que o ministro Marco Aurélio afirmou que, em regra, aplica-se a súmula em questão mesmo em caso de violação à norma constitucional. No entanto, mencionou uma exceção: se a sentença transitada em julgado baseou-se em uma lei e esta foi, posteriormente, declarada inconstitucional pelo STF com eficácia pessoal “erga omnes” e sem modulação de efeitos, viabilizaria a ação rescisória, afastando-se a súmula.
Nesta linha de intelecção, a solução jurídica dada pelo ministro Teori Zavascki sobre a eficácia executiva das decisões do STF em controle de constitucionalidade concentrado e abstrato somente poderá ser adotada se ao tempo da decisão rescindenda não houver entendimento da Suprema Corte sobre a matéria, pois, neste caso, não caberá ação rescisória.
5) CONCLUSÃO
Diante da sistemática delineada pelo Pretório Excelso, a diferenciação entre as eficácias executiva e normativa em sede de controle de constitucionalidade concentrado e abstrato é salutar para nortear o operador do direito quanto ao instrumento processual cabível para reformar (recurso) ou rescindir (ação rescisória) a decisão judicial. Ademais, deve-se observar que o julgamento se deu em sede de RE com repercussão geral reconhecida, servindo como orientação para juízes e tribunais em futuros julgamentos, com escopo alcançar a tão almejada segurança jurídica, a qual se mostra presente em diversos dispositivos do CPC/2015.
REFERÊNCIAS
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sergio Cruz, MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. 1ª ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, P. 902).
[1] MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sergio Cruz, MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. 1ª ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, P. 902).
[2] STF. 2ª Turma. RE 592912 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 03/04/2012.
Advogado. Aprovado no concurso para Procurador da Procuradoria-Geral do Estado do Paraná, aprovado no concurso para Procurador da Procuradoria-Geral do Município de Salvador, aprovado no concurso para Procurador da Procuradoria-Geral do Município de Palmas. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MONTEDONIO, Pedro Paulo. As eficácias executiva e normativa da decisão declaratória de inconstitucionalidade do STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jun 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46853/as-eficacias-executiva-e-normativa-da-decisao-declaratoria-de-inconstitucionalidade-do-stf. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
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Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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