RESUMO: Objetiva o presente trabalho analisar questão bastante conflitante no ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, a decretação da prisão preventiva sob o fundamento da garantia da ordem pública. Por não ter sido conceituada, nem seu alcance delimitado por lei, tal fundamento tem sido interpretado sob diversas órbitas e fins. Ocorre que tais interpretações têm confrontado direitos e garantias constitucionais. No entanto, com abordagens realizadas em torno da doutrina e da jurisprudência pátrias, será possível verificar que o fundamento da garantia da ordem pública não possui caráter de instrumentalidade, sendo, portanto, inapta para fins de decretação da prisão preventiva, haja vista que esta, por ser uma medida de segregação da liberdade do acusado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, só pode ser decretada em casos excepcionais que visam acautelar a persecução penal. Destarte, mesmo que a expressão garantia da ordem pública venha a ser legalmente conceituada, ou até mesmo que os Tribunais brasileiros pacifiquem-se sobre o tema, a prisão preventiva decretada sob seu fundamento sempre violará postulados constitucionais, posto que acautelar a ordem pública não integra a essência da medida cautelar. Para tanto, foram realizadas pesquisas de natureza bibliográfica, onde foram estudados livros de autores renomados, bem como jurisprudência dos Tribunais de Justiça brasileiros, especificamente o Supremo Tribunal Federal.
Palavras-chave: prisão – prisão preventiva – garantia da ordem pública – presunção da inocência.
INTRODUÇÃO
A garantia da ordem pública é um dos quatro fundamentos que o Código de Processo Penal Brasileiro traz, em seu artigo 312, para a decretação da prisão preventiva.
Ocorre que, por não haver uma delimitação legal de como deve ser interpretada a garantia da ordem pública no ordenamento jurídico processual penal brasileiro para fins de decretação da prisão preventiva, a doutrina e a jurisprudência vêm interpretando-a de diversas maneiras, que muitas vezes confrontam princípios basilares instituídos pela Constituição Federal de 1988, e conseqüentemente, restringem o acusado de exercer e desfrutar seus direitos.
Isso porque é comum deparar-se com doutrinadores ensinando que a ordem pública está sendo abalada por conta de forte clamor social, ou até mesmo alguns julgados que decretam a prisão preventiva para garantia da ordem pública objetivando resguardar a credibilidade da Justiça ou então em virtude da gravidade abstrata do delito ou periculosidade do acusado.
Ora, partindo do princípio constitucional de que “ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal), como pode-se então, decretar a prisão preventiva do réu sob o fundamento da garantia da ordem pública pelo fato de ser ele perigoso, sem ao menos ter sido considerado culpado pelo crime ora lhe imputado?
Assim, o presente estudo tem por objetivo examinar o fundamento da garantia da ordem pública, previsto no artigo 312 do Código de Processo Penal Brasileiro, à luz dos postulados constitucionais.
Para tanto, tratar-se-á do instrumento mais utilizado pelo Estado no exercício de seu direito de punir o acusado, qual seja, a prisão, oportunidade na qual haverá uma breve explanação acerca do direito de liberdade do cidadão, seja ele acusado ou não, frente ao ius puniendi Estatal, que é instrumentalizado através da prisão.
Com efeito, será feita uma classificação doutrinária da prisão brasileira, sendo importante frisar que, ainda neste primeiro momento, elucidar-se-á acerca da excepcionalidade da segregação do cidadão, haja vista que a liberdade é a regra geral do sistema processualista penal pátrio.
Já no segundo capítulo, ocorrerá um estudo mais aprofundado acerca da prisão preventiva, classificada no primeiro capítulo como sendo uma das prisões provisórias. Nesse ensejo, tratar-se-á, minuciosamente, de todos os seus requisitos, fundamentos e pressupostos, bem como de quando, onde e quem pode decretá-la.
Por fim, o terceiro e último capítulo versará sobre as interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, atribuídas à garantia da ordem pública, bem como onde será abordada a inexatidão e inconstitucionalidade de cada uma delas, apresentando-se ao final, o deslinde para tanta divergência.
Para a execução do presente trabalho empregou-se o método de pesquisa dedutivo, em que a partir do exame do instituto da prisão e de sua classificação, chegou-se à análise minuciosa acerca da decretação da prisão preventiva sob o fundamento da garantia da ordem pública.
Convém ainda mencionar que foram realizadas pesquisas de natureza bibliográfica, em que foram utilizados livros (legislação, manuais, códigos interpretados e comentados, dicionários), artigos e jurisprudências brasileiras.
1. DA PRISÃO
1.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
1.1.1 Do Direito de Liberdade do Cidadão
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, caput, assegurou o direito à liberdade como sendo, ao lado do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade, direito fundamental básico do cidadão, servindo como alicerce aos demais direitos descritos nos incisos conseguintes do mesmo dispositivo.
Sua primeira aparição no ordenamento jurídico brasileiro deu-se através da vigência da Constituição da República do Brasil de 1824 (SILVA, 2004, p. 75), que o trazia como direito fundamental em seu artigo 179, ao dispor que “a inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros[1], que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império [...]”.
Diversos estudiosos sobre o assunto definem a liberdade como sendo uma oposição ao autoritarismo e ao poder. Defendem a idéia de que o homem é livre por natureza, e por isso não pode ser coagido a deixar de praticar o que lhe apraz.
No entanto, Afonso da Silva (2004, p. 231), assevera que “[...] não é correta a definição de liberdade como ausência de coação. O que é válido afirmar é que a liberdade consiste na ausência de toda coação anormal, ilegítima e imoral.” (grifo do autor)
Para o mencionado doutrinador, a liberdade e a autoridade não se conflitam, e sim completam-se, haja vista que esta última é extremamente necessária para a manutenção da ordem pública social.
Sendo assim, conforme plausíveis e sucintas palavras de Montesquieu (MONTESQUIEU apud SILVA, 2004, p. 232), liberdade é “o direito de fazer tudo o que as leis permitem”, ou ainda, nos dizeres de Thomas Hobbes (2003, p. 158), “um homem livre é aquele que não é impedido de fazer o que tem vontade de fazer, naquilo que é capaz de fazer”.
Nos termos do § 2º da Carta Magna de 1988, o direito à liberdade possui aplicação imediata. Inclusive, encontra-se no rol das chamadas cláusulas pétreas, consoante o artigo 60, § 4º, inciso IV, razão pela qual não pode sofrer reformas ou emendas constitucionais.
Ainda segundo Afonso Silva (2004, p. 230-231), a liberdade classifica-se em liberdade interna e liberdade externa, onde a primeira, também denominada de liberdade subjetiva, “é o livre-arbítrio, como simples manifestação da vontade no mundo interior do homem. [...] Significa que a decisão entre duas possibilidades opostas pertence, exclusivamente, à vontade do indivíduo [...]”, e a segunda, também chamada de liberdade objetiva, “[...] consiste na expressão externa do querer individual, e implica o afastamento de obstáculo ou de coações, de modo que o homem possa agir livremente”. (grifo do autor)
Quanto às suas formas, a doutrina a distingue em: liberdade da pessoa física, liberdade de pensamento, liberdade de expressão coletiva, liberdade de ação profissional e liberdade de conteúdo econômico e social. (SILVA, 2004, p. 234)
Todavia, cumpre ressaltar que a liberdade na qual se pauta o presente trabalho refere-se exclusivamente à liberdade externa, que por via de conseqüência possui relação direta com a liberdade da pessoa física, haja vista que, como logo será abordado, a mesma pode ser restringida pelo ius puniendi Estatal nos casos de prisão.
1.1.2 Do Direito de Punir do Estado
Questão bastante discutida pelos mais diversos estudiosos criminais é o conflito existente entre o direito de punir do Estado (ius puniendi) e o direito de liberdade do cidadão (ius libertatis), que foi abordado no tópico anterior.
Nos tempos primórdios, o homem vivia uma liberdade plena e por vezes quase absoluta, já que agia conforme lhe motivavam as leis naturais[2], ou seja, vivia para garantir e proteger seus próprios interesses, tais como a honra, a segurança, a vida e o poder.
A respeito de tal assunto, Thomas Hobbes (2003, p. 128), assinalou que:
Em todos os lugares onde os homens viviam em pequenas famílias, roubar e espoliar uns aos outros sempre foi uma ocupação legítima. E longe de ser considerada contrária à lei natural, quanto maior era a espoliação conseguida maior a honra adquirida. Nesse tempo os homens tinham como únicas regras as leis da honra [...].
Nesta fase, também conhecida como estado de natureza, cada homem lutava para preservar sua própria vida e, já que gozava de uma liberdade plena, utilizava de todos os meios necessários para chegar a tal fim. Cada um confiava apenas em sua própria força, fato este, que o fazia permanecer em constantes guerras, em que sempre vencia o mais forte.
Ocorre que a luta pela proteção de interesses particulares, em que o mais fraco era subjugado à vontade do mais forte, trouxe enorme desequilíbrio social, pois, ao tempo que todos possuíam os mesmos direitos para proteger aquilo que achavam ser digno de preservação, cada um era guiado por sua própria razão. Daí a existência de guerra em que todos lutavam contra todos.
Foi nesse momento que o homem sentiu a necessidade de abdicar sua liberdade primitiva, que se pautava em fazer tudo quanto queria, em favor de algo que pudesse assegurar a ordem e a paz social.
Procedeu-se, assim, a passagem do estado de natureza ao estado civil, mediante a efetivação de um contrato social, ou seja, um pacto onde o homem concordou em transferir a um terceiro o poder para limitar sua liberdade, para o fim de erradicar a prevalência de interesses individuais em detrimento da maioria.
Nesse sentido, não existem melhores palavras para elucidar a referida passagem, senão às de Thomas Hobbes (2003, p. 130):
A única forma de constituir um poder comum, capaz de defender a comunidade das invasões dos estrangeiros e das injúrias dos próprios comuneiros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio trabalho e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda a força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. Isso equivale a dizer: designar um homem ou uma assembléia de homens como representante deles próprios, considerando-se e reconhecendo-se cada um como autor de todos os atos que aquele que os representa praticar ou vier a realizar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança comuns. Todos devem submeter suas vontades à vontade do representante e suas decisões à sua decisão. Isso é mais do que consentimento ou concórdia, pois resume-se numa verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: “Cedo e transfiro meu direito de governar a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de que transfiras a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações”. Feito isso, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado [...]. (grifo nosso)
Destarte, verifica-se que o homem, mediante a existência de uma necessidade de sobrevivência, haja vista que já não podia controlar os conflitos sociais, conferiu ao Estado parcela de sua liberdade, especialmente no que diz respeito ao uso da força, em favor da ordem e da paz social. Desse modo, todos os homens se tornaram iguais em direitos e deveres, não mais prevalecendo a vontade do mais forte.
Em síntese, pode-se conceber que o ius puniendi do Estado adveio de uma transferência mútua de direitos, visualizada na forma de um contrato, uma vez que o homem conferiu ao Soberano, o seu direito natural, para que, em contrapartida, pudesse ser servido com direitos e garantias de sobrevivência.
Nesse diapasão, é imprescindível colacionar o que ensinou Cesare Beccaria (2010, p. 16/17), ao afirmar que o direito de punir do Estado fundamenta-se pela confiança que cada homem teve em depositar parcela de sua liberdade, por menor que fosse, em favor do bem comum:
Cansados de só viver num contínuo de guerra e de encontrar inimigos por toda parte, cansados de uma liberdade tornada inútil por causa da incerteza de sua conservação, sacrificaram uma parte dela para gozar do resto com mais segurança. A soma de todas essas porções de liberdade, sacrificadas assim ao bem geral, constitui a soberania de uma nação; e aquele que foi encarregado pelas leis do depósito das liberdades e dos cuidados da administração foi proclamado o soberano do povo. [...] O conjunto de todas essas pequenas porções de liberdade é o fundamento do direito de punir.
Por outro lado, “o ius puniendi ou o poder de punir, por ser uma manifestação da soberania estatal” (MIRABETE, 2006, p. 5), só pode ser efetivada mediante aplicação de leis penais criadas pelo próprio Estado. Nesse âmbito, imprescindível é a lição de Mirabete (2006, p. 3), ao esclarecer o quão é indispensável a positivação de regras para regulamentar o trato social:
Uma das tarefas essenciais do Estado é regular a conduta dos cidadãos por meio de normas objetivas sem as quais a vida em sociedade seria praticamente impossível. São assim estabelecidas regras para regulamentar a convivência entre as pessoas e as relações destas com o próprio Estado, impondo aos seus destinatários determinados deveres, genéricos e concretos, aos quais correspondem os respectivos direitos ou poderes das demais pessoas ou do Estado. (grifo do autor)
Desse modo, verifica-se que o Estado passou a exigir a subordinação dos interesses do homem ao seu, posto que no momento em que ocorre a prática de uma ação proibida pelo direito positivado, cria-se para o Soberano o dever-poder de punir o cometidor de tal prática. Assim surge a pretensão punitiva Estatal, que é materializada pela lide penal e instrumentalizada mediante o processo.
Contudo, a doutrina destaca que o ius puniendi do Estado subsiste em dois momentos distintos: in abstrato e in concreto. O ius puniendi in abstrato surge quando ao Estado, por meio do ordenamento jurídico, é conferido o poder de sancionar qualquer pessoa que venha a praticar infração penal. Já o ius puniendi in concreto, configura-se no momento em que alguém pratica a conduta ilícita, ocasião em que o Estado concretiza seu poder punitivo. (CAPEZ, 2006, p. 28).
No entanto, apesar de monopolizar o uso da força contra quem praticava conduta ilícita, o ius puniendi estatal tinha que, assim como a liberdade do homem, autolimitar-se, pois, da mesma maneira que não se conseguiria o equilíbrio e a paz social se ainda fosse permitido ao homem o uso da força, haveria exorbitantes abusos se o Estado não sofresse limitações em seu poder repressivo, posto que agiria, por vezes, de maneira desenfreada devido a execução de sua instrumentalização ser realizada por mãos humanas.
Desse modo, o ordenamento jurídico brasileiro, principalmente a Constituição Federal da República, prescreve algumas regras (limitações), nas quais deve pautar a atuação repressiva do Estado, como as previstas em seu artigo 5ª, nos incisos XXXV, XXXIX, LIII e LIV, respectivamente: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”; “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”; “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”; ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Portanto, embora detenha o poder-dever de processar, julgar e impor sanções a quem descumpra norma penal, o Estado só pode fazê-los através de um devido processo legal, onde ao acusado é certificado o direito de não ser desapossado de sua liberdade nem de seus bens, sem o desenrolar de uma ação penal que obedeça aos direitos e garantias previstos na legislação pátria vigente.
1.2 CONCEITO
Como é cediço, no ordenamento jurídico brasileiro o direito à liberdade faz parte do rol dos direitos fundamentais, através dos quais, perfazem os demais direitos, tanto individuais, quanto sociais.
Entretanto, o ius libertatis do homem pode ser postergado pelo Estado em razão da prática de infração penal positivada, salvo nos casos, como se explanará adiante, que se tratar exclusivamente de medida cautelar.
Tal postergação se dá através da prisão, que embora também possa significar o local onde o cidadão é enclausurado (colônia penal, albergue ou presídio), segundo Nucci (2009, p. 165) “[...] é a privação da liberdade, coibindo-se, através do recolhimento ao cárcere, o direito natural e constitucional do ser humano de ir, vir e permanecer (art. 5º, caput)”, ou seja, em sentido jurídico específico, é a restrição da liberdade de locomoção do indivíduo.
Porém, cumpre ressaltar que, mesmo sendo atribuído ao Estado o poder punitivo para fazer valer seus preceitos legais, a restrição da liberdade só pode ser considerada legal se obedecer, além de seus dispositivos regulamentadores, previstos em legislação específica, os direitos básicos do cidadão, que no caso do direito pátrio, encontram-se estipulados na Constituição Federal de 1.988, especificamente em seu artigo 5º, tais como: toda prisão será comunicada ao juiz competente, bem como à família do preso (inciso LXII); serão informados ao preso, os seus direitos, lhe assegurando a assistência tanto da família quanto do advogado que indicar (inciso LXIII); todo preso tem direito de ser informado sobre os responsáveis por sua prisão (inciso LXIV), entre outros.
1.3 ESPÉCIES
No que tange ao direito pátrio, a prisão só é considerada legal se for realizada mediante autorização por escrito de autoridade competente (Juiz), ou em casos de flagrante delito, em que pode ser executada por qualquer pessoa do povo, sem ordem escrita.
Não obstante, é permitido, em casos excepcionais, que a prisão seja realizada sem autorização em situações que não sejam as alhures citadas, como nos casos de prisão decorrente de crime militar (artigo 5º, LXI, da Constituição Federal), prisão em período de exceção (artigo 139, II, da Constituição Federal), ou em casos de captura de apenado (artigo 684, do Código de Processo Penal).
Daí a classificação doutrinária em prisão pena e prisão sem pena (MIRABETE, 2006, p. 361).
1.3.1 Prisão Pena
Antes de adentrar-se no assunto ora específico, faz-se mister destacar as espécies de penas vigentes no Direito Penal brasileiro, para melhor entendimento da matéria.
Em tempo anterior à Lei nº 7.209/84, que alterou a parte geral do Código Penal, as penas eram divididas em principais (reclusão, detenção e multa), e acessórias (perda de função pública, interdição de direitos e a publicação da sentença).
Porém, com tal alteração, o Código Penal Brasileiro passou a classificá-las em: privativas de liberdade (artigo 33 e seguintes), restritivas de direito (artigo 43 e seguintes), e multa (artigo 49 e seguintes).
Entretanto, como o presente estudo limita-se a explanar acerca do ius libertatis do cidadão, em detrimento do ius puniendi do Estado, discorrer-se-á, apenas em relação às penas privativas de liberdade, nas quais a restrição da liberdade de locomoção está inserida.
As penas privativas de liberdade subdividem-se em reclusão, detenção e prisão simples (MARQUES, 2000, p. 21), sendo que, embora o tema seja extensivo, pode-se dizer que todas dizem respeito apenas à maneira de como será cumprida a pena.
Na forma de reclusão, o acusado deve cumprir sua pena em regime fechado, semi-aberto ou aberto. Já na detenção, a pena será cumprida apenas em regime semi-aberto ou aberto (salvo em casos excepcionais em que pode ocorrer a transferência do cumprimento para o regime fechado – artigo 33, § 2º). Na prisão simples, a pena é cumprida, como ocorre na detenção, somente em regime semi-aberto ou aberto, diferenciando-se apenas quanto ao estabelecimento que, por se tratar de pena aplicada em casos de contravenção penal, deve ser cumprida em local especial. Ressalte-se que tal pena não é regida pelo Código Penal e sim pela Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/41).
Portanto, a prisão pena, segundo Fernando Capez, é (2006, p. 244):
[...] aquela imposta em virtude de sentença condenatória transitada em julgado, ou seja, trata-se da privação da liberdade determinada com a finalidade de executar decisão judicial, após o devido processo legal, na qual se determinou o cumprimento de pena privativa de liberdade.
Também decifrada como prisão penal, prisão definitiva ou prisão sanção, a prisão pena é, como visto, uma das espécies de penas previstas no direito pátrio (pena privativa de liberdade), e assim como aquelas, deriva de sentença penal condenatória irrecorrível, onde o Estado, como forma de punição, priva o infrator da norma penal de exercer sua liberdade de locomoção.
Tal prisão originou-se do Direito Canônico, consoante a liça de José Frederico Marques (2000, p. 20):
A prisão, como pena, data, ao que parece, do século XVI. Outrora, sua função era exclusivamente cautelar: carcer ad continendos homines non ad puniendos, como dizia ULPIANO. Foi o Direito Canônico que transformou a prisão em castigo ou pena, com o isolamento em calabouço, - como explica LE BRAS, - “para a salvaguarda moral dos presos e com o fito também de levar o condenado, com a inatividade obrigatória, a purificar sua alma”. (grifo do autor)
Observa-se que a finalidade do enclausuramento, durante a vigência do Direito Canônico, não era apenas de castigar o condenado, mas tinha como principal objetivo, fazer com que, através de sua inércia de locomoção, o indivíduo purificasse sua alma, haja vista que a espiritualidade, na época, era tida como um fator de conduta humana.
Entretanto, no direito pátrio, a prisão pena visa tão somente punir o infrator da norma penal, ou seja, possui finalidade repressiva (MIRABETE, 2006, p. 361).
1.3.2 Prisão Sem Pena
Ao contrário da prisão pena, a prisão sem pena não decorre de sentença penal condenatória transitada em julgado, e na maioria das vezes (como no caso da prisão processual penal), tem finalidade apenas de medida cautelar, como se verá logo adiante.
Segundo Denilson Feitoza (2008, p. 726), a prisão sem pena, prisão extrapenal ou prisão provisória, subdivide-se em: prisão processual penal, que compreende a prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão resultante de pronúncia, prisão resultante de sentença condenatória recorrível, prisão temporária; prisão civil; prisão administrativa, e; prisão disciplinar militar (provisória).
As prisões resultantes de pronúncia e de sentença condenatória recorrível não é automática, devendo-se, nas lições da doutrina e dos Tribunais Superiores, preencherem os requisitos das medidas cautelares (fumus commissi delicti e periculum libertatis).
Já a prisão civil é aquela decorrente de decisão proferida na esfera cível, e, atualmente, no direito pátrio, só é permitida nos casos de inadimplência de pensão alimentícia, já que a despeito de ainda estar prevista na Constituição Federal, a prisão civil do depositário infiel foi considerada inconstitucional pelo STF (Súmula Vinculante nº 25).
A prisão administrativa foi suprimida pelo artigo 5º, inciso LXI da Constituição Federal de 1.988, bem como pela revogação do artigo 319, I e II do CPP, pela Lei nº 12.403/2011.
A prisão disciplinar, por sua vez, é expressamente permitida pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXI, sendo, na visão de José Frederico Marques (2000, p. 22), “providência que a lei concede para as autoridades conseguirem a obediência e a ordem que devem reinar em determinados serviços”. No mesmo sentido, cumpre mencionar que a prisão disciplinar pode-se dar tanto em caráter definitivo, quanto em caráter provisório (FEITOZA, 2008, p. 726).
Já a prisão processual penal ou prisão cautelar, em todas as suas modalidades, é aquela que visa apenas acautelar a pretensão punitiva do Estado, não decorrendo de sentença penal condenatória transitada em julgado. Na visão de Paulo Rangel (2006, p. 557):
A prisão cautelar tem como escopo resguardar o processo de conhecimento, pois, se não for adotada, privando o indivíduo de sua liberdade, mesmo sem sentença definitiva, quando esta for dada, já não será possível a aplicação da lei penal.
Logo, a prisão processual tem por finalidade assegurar o cumprimento de futura decisão condenatória (XAVIER DE AQUINO & NALINI, 2005, p. 308), por isso tem como pressuposto o periculum in mora.
Porém, cumpre ressaltar que, segundo Denilson Feitoza (2008, p. 726), “diz-se processual no sentido de ser instituto de direito processual penal, e não no de ser durante o processo judicial (ou processo penal propriamente dito)” [3]. Tal liça faz-se necessária, haja vista que a referida prisão pode ocorrer fora do âmbito do processo, como nos casos de prisão em flagrante.
Derradeiramente, apesar de ser extensa e extremamente relevante a análise minuciosa de todas as citadas espécies de prisão vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, por conta da delimitação do tema ora apresentado, proceder-se-á a uma análise dirigida especificamente à prisão preventiva e uma de suas hipóteses de cabimento, qual seja, a garantia da ordem pública.
2. DA PRISÃO PREVENTIVA
2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
A prisão preventiva, espécie de prisão provisória[4], é uma providência processual de natureza cautelar que ocorre antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Diz-se cautelar por projetar a futura aplicação da lei penal, que em alguns casos não seria possível em estando o acusado em liberdade.
Na liça de José Frederico Marques (2000, p.50), “ela se destina a prevenir a execução da pena, uma vez que só é imposta ou decretada quando provável a condenação do réu”.
Sua acepção pode ser feita em sentido amplo e em sentido estrito. A prisão preventiva lato sensu diz respeito a toda medida restritiva de liberdade que se dá antes do trânsito em julgado da sentença. Já a prisão preventiva stricto sensu é aquela regida pelos artigos 311 e seguintes do Código de Processo Penal, a qual constringe a liberdade do acusado antes da sentença condenatória transitada em julgado, com base em hipóteses de cabimento que lhe são peculiares (MIRABETE, 2006, p. 389). É esta última, o objeto do presente estudo.
Apesar de ser alvo de grandes discussões doutrinárias quanto a sua legalidade, já que restringe a liberdade de locomoção da pessoa presumidamente inocente antes da sentença condenatória transitada em julgado, a prisão preventiva encontra-se prevista no ordenamento jurídico pátrio mesmo após ter sofrido consideráveis alterações legais.
O Código de Processo Penal em seu texto original previa a prisão preventiva obrigatória e facultativa. Obrigatória porque era decretada ao infrator que cometesse crime que tivesse pena de reclusão igual ou superior a 10 (dez) anos, desde que presentes, os pressupostos de materialidade do crime e indícios suficientes de autoria. Facultativa, quando decretada por necessidade, conforme análise sensata do Juiz à luz dos pressupostos legais.
Ocorre que a prisão preventiva de caráter obrigatório invertia a ordem de apreciação dos pressupostos determinantes da providência cautelar, pois primeiro analisava os requisitos relativos à quantificação da pena, para só então observar os pressupostos de cautelaridade e necessidade da segregação. Por conta disso, a mesma foi abolida do ordenamento pátrio pela Lei nº 5.349/67.
Assim, segundo Mirabete (2006, p. 389), a prisão preventiva “é hoje uma medida facultativa, devendo ser decretada apenas quando necessária segundo os requisitos estabelecidos pelo direito objetivo.” (grifo do autor)
Entretanto, como toda medida cautelar, a prisão preventiva subordina-se a pressupostos e fundamentos[5] específicos de necessidade para justificar seu caráter excepcional de inverter a ordem da segregação do acusado, que em regra, deveria ocorrer somente após o trânsito em julgado da sentença condenatória irrecorrível, haja vista ser medida excepcional de caráter punitivo.
2.2 PRINCÍPIOS
O Código de Processo Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 3.689, de 03.10.41), em vigor desde 01 de janeiro de 1942, teve como fonte de inspiração o Código de Processo Penal Italiano, gerado pelo regime fascista na década de 30 (OLIVEIRA, 2006, p. 5). Em razão disso, a legislação processual penal brasileira apresenta enfoque marcadamente autoritário, notadamente referente às prisões provisórias, já que o Código Alemão era regido pelo Sistema Processual Inquisitivo[6].
Porém, com o advento da Constituição da República de 1988, os interesses de cunho autoritário foram suprimidos pelos direitos e garantias em favor da liberdade individual, ocasionando, assim, efetiva mudança na mentalidade dos operadores do Direito, principalmente no que tange às prisões provisórias.
Entretanto, por ainda estar em vigor o Código de Processo Penal de 1941, por vezes, confronta-se com os direitos e garantias individuais previstos na Constituição atual, principalmente no que diz respeito à privação de liberdade do acusado antes da sentença condenatória transitada em julgado. Quando acontecem tais confrontos, os operadores do Direito, em geral, servem-se da aplicação de princípios trazidos pelo texto constitucional.
Sendo assim, dentre os diversos princípios que regem a defesa da pessoa humana, faz-se necessário analisar com mais especificidade apenas os princípios que se aplicam diretamente às medidas cautelares pessoais, ou seja, aqueles que tratam das prisões processuais penais[7]. Tal análise é imprescindível, pois como trata de medida excepcional que restringe o ius libertatis do cidadão, a mesma não pode sobrepor aos direitos e princípios basilares do Estado Democrático de Direito.
Denilson Feitoza (2008, p. 155), classifica tais princípios em: princípio da proporcionalidade, princípio da necessidade, princípio da liberdade e princípio da inocência.
2.2.1 Princípio da Proporcionalidade
Mesmo estando previsto de maneira implícita dentre os preceitos constitucionais, “o princípio da proporcionalidade é, indubitavelmente, o mais importante mecanismo de proteção eficaz da liberdade na ordem constitucional de nossos dias” (BONAVIDES apud FEITOZA, 2008, p. 124).
Tal princípio estabelece que medidas restritivas, tanto de cunho judicial, administrativo ou legislativo, tomadas em detrimento de direitos fundamentais, devem observar os quesitos de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Tais requisitos acabaram se tornando subprincípios daquele.
Entretanto, para melhor entender o princípio da proporcionalidade, faz-se necessário realizar uma breve análise de seus subprincípios à luz da prisão preventiva.
Entende-se pelo princípio da adequação, que o meio utilizado para se chegar ao fim pretendido pelo Estado, qual seja, aplicação da lei penal, deve ser adequado, idôneo e legítimo. Nas palavras de Bernal Pulido, citado por Denilson Feitoza (2008, p. 128), “de acordo com este subprincípio, toda intervenção nos direitos fundamentais deve ser adequada para contribuir à obtenção de fim constitucionalmente legítimo”. Cuida de verificar se a medida utilizada para o fim pretendido é apropriada.
Já o princípio da necessidade pode ser entendido como um escudo aos direitos fundamentais do acusado, principalmente em relação ius libertatis, impedindo que o Estado, durante a persecução penal, tome medidas ofensivas àqueles direitos, quando lhe for oportuno valer-se de outros meios menos onerosos.[8]
Após passar pelo crivo da adequação e necessidade, a medida pretendida deve ser analisada se é razoável ou não, ou seja, segundo Canotilho, citado por Roberta Pacheco Antunes[9], “os meios e fins são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, como objetivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim”. Assim, o princípio da proporcionalidade em sentido estrito pode ser entendido como uma forma de analisar se o meio empregado ao caso é proporcional ao fim pretendido.
Resumindo, o princípio da proporcionalidade lato sensu diz respeito ao juízo de valoração que deve ser feito entre o meio utilizado e o fim pretendido.
No caso das prisões provisórias, o Magistrado, antes de decretar a segregação do acusado, deve analisar se a medida é adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, para que então, sua aplicação possa alcançar o fim legítimo.
Por exemplo: o Juiz, ao decretar a prisão preventiva a um acusado pela prática de crime punido com detenção, salvo as exceções do artigo 313 do Código Penal, não está agindo em consonância com o princípio da proporcionalidade, haja vista que não estaria atendendo ao fim da persecução penal, pois como é cediço, a pena dos crimes punidos com detenção é cumprida em regime semiaberto e aberto, consoante o disposto no artigo 33, também do Código Penal.
Observa-se, no exemplo proposto que, a decretação da prisão preventiva excederia o fim pretendido através da persecução penal, ou seja, a segregação seria desproporcional ao resultado que o processo alcançaria quando chegasse ao final.
Portanto, segundo o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, todas as prisões de natureza cautelar, especialmente a prisão preventiva, objeto do presente trabalho, só podem ser decretadas depois de realizado um juízo de valor entre a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito da medida, para que o fim pretendido pela persecução penal seja satisfeito através das medidas adotadas, sem, no entanto, afrontar direitos fundamentais do acusado.
2.2.2 Princípio da Necessidade
Além de instituir o princípio da presunção de inocência, que ocasionou conseqüências instantâneas às medidas restritivas de liberdade do acusado, a Constituição da República de 1988, em seu artigo 5º, também institui que toda prisão seria devidamente fundamentada e realizada por ordem escrita de autoridade judiciária competente.
No caso do acusado ser preso, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado (prisão pena), a fundamentação legal deve se pautar na própria essência da persecução penal, qual seja, condenar o acusado, agora considerado culpado, à pena atribuída pela legislação penal específica.
Todavia, quando tratar-se de prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória (prisão provisória), torna-se necessário que tal fundamentação seja pautada na necessidade da medida.
Sobre o tema, assevera Eugênio Pacelli (2006, p. 415):
E por se tratar de prisão de quem deve ser obrigatoriamente considerado inocente, à falta de sentença penal condenatória passada em julgado, é preciso e mesmo indispensável que a privação da liberdade seja devidamente fundamentada pelo juiz e que essa fundamentação esteja relacionada com a proteção de determinados e específicos valores igualmente relevantes (grifo do autor).
Sob o prisma do princípio da necessidade, toda e qualquer prisão provisória deve ser utilizada apenas quando não estiver disponível outra medida cabível para a proteção do interesse da persecução penal, pois deve ela interferir o mínimo possível no ius libertatis do acusado.
Para melhor visualização de tal princípio num caso concreto, Denilson Feitoza (2008, p. 130) traz a seguinte pergunta: “porque decretar prisão preventiva, com fundamento na conveniência da instrução criminal, supondo que o réu destruiria documentos comprometedores, se bastam a busca e a apreensão para resguardá-los?”.
Logo, tem-se que a prisão provisória, gênero da qual a prisão preventiva é espécie, por ser medida excepcional, deve ser decretada apenas quando estiverem presentes os pressupostos gerais de toda tutela cautelar, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora (CAPEZ, 2006, p. 263/264). Sem evidência de tais requisitos, que se pautam na necessidade da medida, a segregação antes do trânsito em julgado da sentença condenatória não passaria de uma antecipação da pena.
2.2.3 Princípio da Liberdade
A Constituição Republicana de 1988 traz em seu preâmbulo que o Estado Democrático destina-se “[...] a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia, social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias [...]”.
Diante disso, bem como através da análise e interpretação das demais disposições legais de proteção à liberdade individual, previstas no texto constitucional, em qualquer de suas formas[10], pode-se concluir que existe um princípio da liberdade (FEITOZA, 2008, p. 123).
Mesmo sendo detentor do ius puniendi, o Estado não pode exercer seu poder repressivo por mera liberalidade a ponto de confrontar o ius libertatis do acusado, haja vista ser ele um direito fundamental, sendo possível apenas em situações de cunho acautelatório para prevenir e garantir a persecução penal, pois consoante as disposições da Constituição de 1988, a prisão é medida extremada e excepcional ao passo que a regra é a liberdade.
Sendo assim, à luz da decretação de prisão preventiva, o princípio da liberdade deve ser observado, pois trata-se de direito fundamental do acusado, sendo que sua restrição somente pode ocorrer quando se fizerem presentes fatos que demonstrem a necessidade e cauteridade da medida (fumu boni iuris e periculum in mora).
2.2.4 Princípio da Inocência
O princípio da inocência, também denominado tradicionalmente princípio da presunção da inocência ou princípio do estado de inocência, encontra-se previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1.988: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Na acepção de tal princípio, ainda que no ato da persecução penal haja fortes indícios de autoria do crime, o acusado deve ser considerado inocente até que seja declarado culpado através de uma sentença condenatória irrecorrível.
Para Alexandre de Moraes (2006, p. 103), “há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal”.
O referido princípio possui aplicação em três momentos distintos durante o ius persequendi Estatal, quais sejam: na instrução processual, na avaliação da prova e no curso normal do processo, quando da avaliação da necessidade de prisão cautelar (CAPEZ, 2006, p. 44).
No primeiro momento, ocorre a inversão do ônus da prova, onde o acusado, que é presumidamente inocente, não precisa provar sua inocência, cabendo à acusação provar sua culpa.
Quanto ao momento da avaliação das provas, em caso de dúvidas existentes quanto a culpabilidade do acusado, o Julgador deverá absolvê-lo, observando o princípio do in dubio pro reo.
Já em relação ao último momento, o acusado só poderá ter sua liberdade restringida a título de medida cautelar (prisão provisória, preventiva, flagrante, etc), conforme dispõe a Lei (artigo 5º, incisos LXI e LXVI, da Constituição Federal; artigo 282, 301 e 311 do Código de Processo Penal, etc.).
É importante destacar que a inserção do princípio da inocência na Carta Magna, como preceito basilar do Estado de Direito brasileiro, revogou o inciso II, do artigo 393 do Código de Processo Penal, o qual dispunha que o nome do condenado, mesmo que ainda pudesse valer de recurso, seria imediatamente impelido no rol de culpados.
2.2.5 O Princípio da Inocência e a Súmula 09 do STJ
O Superior Tribunal de Justiça, após tantas discussões sobre o tema, editou na data do dia 06.09.1990, a Súmula de nº 09, assegurando que a prisão provisória[11] não afronta a garantia constitucional da presunção da inocência[12], o que dirimiu qualquer dúvida que ainda pudesse existir sobre a decretação da prisão provisória.
No entanto, por ser medida de caráter excepcional, a prisão provisória só pode ser decretada se observados os requisitos de cautelaridade (fumus commissi delicti e periculum in mora).
Sobre o tema, Fernando Capez, citando Luiz Flávio Gomes, que por sua vez cita Alberto Silva Franco, afirma que “a prisão cautelar não atrita de forma irremediável com a presunção da inocência. Há, em verdade, uma convivência harmonizável entre ambas desde que a medida de cautela preserve o seu caráter de excepcionalidade e não perca a sua qualidade instrumental” (SILVA FRANCO apud FLÁVIO GOMES apud CAPEZ, 2006, p. 264).
Neste sentido, tanto a prisão preventiva tipificada no art. 312, do Código de Processo Penal, como qualquer outro tipo de prisão provisória, se decretada em consonância aos requisitos de cautelaridade, não infringe o princípio constitucional da presunção da inocência.
2.3 PRESSUPOSTOS
Como é cediço, são pressupostos de toda providência cautelar o periculum in mora e o fumus boni iuris (MARQUES, 2000, p. 13/14). Logo, por ser uma medida de natureza cautelar, a prisão preventiva, por via de conseqüência, pauta-se na existência de ambos.
Todavia, no caso específico da prisão preventiva, a aplicação de tais pressupostos ocorre em dois momentos distintos. O fumus boni iuris (ou fumus commissi delicti) é inserido como pressuposto essencial à legitimação da segregação, ao passo que o periculum in mora serve para fundamentá-la. Trata-se de divisão meramente doutrinária, que serve apenas para facilitar a interpretação e utilização da medida.
Para a decretação da prisão preventiva é primordial que o Magistrado verifique se no caso há manifesta probabilidade de ser o acusado o autor do crime.
Portanto, são pressupostos para a decretação da prisão preventiva a prova de existência do crime e indícios suficientes de autoria (artigo 311, parte final, do Código de Processo Penal).
O primeiro pressuposto refere-se à materialidade do crime, demonstrada através de elementos probatórios capazes de comprovar que, de fato existiu um ilícito penal. Sem a demonstração efetiva de que o crime ocorreu, não se pode decretar a prisão preventiva (MIRABETE, 2006, p. 390).
Por outro lado, o segundo pressuposto satisfaz-se apenas com meros indícios de autoria, não sendo necessário o Juiz comprovar que foi o acusado o cometidor do ilícito penal, para que então seja decretada sua prisão. Tal pressuposto justifica-se pelo princípio do in dubio pro societate (em favor da sociedade). Nesta fase, o referido princípio se sobrepõe ao princípio do in dubio pro reu, que somente será utilizado pelo Juiz quando da condenação ou absolvição do acusado.
2.4 FUNDAMENTOS
Após a comprovação da prática do crime e diante da existência de indícios de autoria, deve a autoridade judiciária observar se no caso existe a necessidade da medida cautelar, uma vez que esta somente poderá ser decretada com a presença de seus dois pressupostos (materialidade do fato e indícios suficientes de autoria).
Segundo Frederico Marques (2000, p. 56), a prisão preventiva possui finalidade dúplice, pois ao passo que é decretada para garantir a tramitação e a consecução dos procedimentos do processo penal, ela também visa assegurar o resultado final do mesmo, ou seja, tanto é utilizada para precaver os meios (atos que são realizados durante a persecução penal), quanto para certificar o fim (aplicação da lei penal, seja para condenar o acusado, seja para absolvê-lo se provada sua inocência).
Destarte, seja para garantir o meio ou o fim, está tratando-se dos fundamentos da prisão preventiva (artigo 312, primeira parte, do Código de Processo Penal). São eles: garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e segurança da aplicação da lei penal.
2.4.1 Garantia da Ordem Pública
Por não ter sido conceituada pelo legislador, a garantia da ordem pública vem sendo interpretada sob diversos prismas pelos operadores do Direito pátrio. Entretanto, em meio a tantas interpretações, pode-se afirmar que a garantia da ordem pública é conceituada sob o liame de duas vertentes, quais sejam, pela perspectiva individual e pela perspectiva social. A primeira versa diretamente sobre o acusado, enquanto que a segunda recai sobre a sociedade (FEITOZA, 2008, p. 746).
Analisada pela perspectiva individual, a garantia da ordem pública é decretada com o objetivo de obstar que o acusado, se permanecer em liberdade, venha a cometer nova prática delituosa. Para tanto, leva-se em consideração algumas circunstâncias, como a periculosidade do acusado, seus antecedentes, a reiteração da prática delituosa, a gravidade do delito, etc.
Sobre a perspectiva social, a garantia da ordem pública destina-se a resguardar o meio social em face de ocorrências delituosas que causam grande repercussão social, descrença na justiça, clamor público, etc.
Contudo, por não possuir conceito determinado em lei, a garantia da ordem pública, por vezes, é aplicada ao caso concreto segundo mero alvedrio do Julgador, que por assim proceder, decreta a prisão preventiva com base em um juízo de valor preconcebido, deixando de lado os verdadeiros pressupostos da medida (periculum in mora e fumu bonis iuris). Sobre esta inversão de pressupostos e conceitos quando da aplicação da garantia da ordem pública na decretação da prisão preventiva, reserva-se o próximo capítulo, que aborda, especificamente, esse assunto.
2.4.2 Garantia da Ordem Econômica
Inserida no artigo 312 do Código de Processo Penal, pela Lei nº 8.884/94 (artigo 86), como sendo mais um dos fundamentos para a decretação da prisão preventiva, o alcance da expressão garantia da ordem econômica permite a constrição do acusado que supostamente tenha praticado os crimes de cunho econômico, previstos, segundo Denilson Feitoza (2008, p. 748) nas Leis nº 8.137/90 (artigos 4º, 5º e 6º), 8.176/91 e 8.884/94 (artigo 20).
Para Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 622), o fundamento da garantia da ordem econômica “trata-se de uma espécie do gênero anterior, que é a garantia da ordem pública”.
A prisão preventiva decretada sob o fundamento da garantia da ordem econômica visa “impedir que o agente, causador de seríssimo abalo à situação econômico-financeira de uma instituição financeira ou mesmo de órgão do Estado, permaneça em liberdade, demonstrando à sociedade a impunidade reinante nessa área.” (NUCCI, 2009, 622)
Nessa espreita, pode-se entender como crimes que abalam a ordem econômica, aqueles que venham obstar o fluimento dos princípios gerais da ordem econômica nacional, instituídos pela Constituição Federal de 1998, em seu artigo 170 e incisos[13].
Dentre os crimes contra a ordem econômica, destacam-se: a concorrência desleal, o trust, o cartel, o monopólio de bens ou serviços, entre outros.
Ocorre que, assim como ocorre com a garantia da ordem pública, a garantia da ordem econômica vem sendo bastante impugnada por alguns doutrinadores brasileiros, principalmente pelo fato do ordenamento jurídico pátrio já ter previsto fundamento semelhante no artigo 30, da Lei nº 7.492/86 (Lei do Colarinho Branco), onde há a possibilidade da decretação da prisão preventiva com base na magnitude da lesão causada.
Eugênio Pacelli (2006, p. 435), em posicionamento categórico, rebate a garantia da ordem econômica prevista no artigo 312 do Código Processual Penal, bem como a prevista no artigo 30 da Lei do Colarinho Branco:
Parece-nos, contudo, que a magnitude da lesão não seria amenizada nem diminuídos os seus efeitos com a simples prisão preventiva de seu suposto autor. Se o risco é contra a ordem econômica, a medida cautelar que nos parece mais adequada é o seqüestro e a indisponibilidade dos bens dos possíveis responsáveis pela infração. Parece-nos que é dessa maneira que se poderia melhor tutelar a ordem financeira, em que há sempre o risco de perdas econômicas generalizadas. (grifo do autor)
Pela mesma vereda, também tem decidido o Supremo Tribunal Federal:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM ECONÔMICA. DESNECESSIDADE. EXIGÊNCIA DE BASE CONCRETA. MAGNITUDE DA LESÃO E REFERÊNCIA HIPOTÉTICA À POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS. FUNDAMENTOS INIDÔNEOS PARA A CUSTÓDIA CAUTELAR. 1. Prisão preventiva para garantia da ordem econômica. Ausência de base fática, visto que o paciente teve seus bens seqüestrados, não possuindo disponibilidade imediata de seu patrimônio. 2. A magnitude da lesão não justifica, por si só, a decretação da prisão preventiva. Precedentes. 3. Referências meramente hipotéticas à possibilidade de reiteração de infrações penais, sem dados concretos a ampará-las, não servem de supedâneo à prisão preventiva. Precedentes. Ordem deferida, a fim de cassar o decreto de prisão cautelar.[14]
Destarte, faz-se imperioso destacar que a decretação da prisão preventiva com base na garantia da ordem econômica ainda encontra-se em um campo minado por posições doutrinárias diferenciadas.
2.4.3 Conveniência da Instrução Criminal
A condenação penal pela prática de algum ilícito penal depende de provas legítimas e concretas que são produzidas durante a instrução criminal. Assim, se o acusado que estiver em liberdade praticar atos que perturbem o bom andamento do processo, sua prisão poderá ser decretada por conveniência da instrução processual.
Segundo Eugênio Pacelli (2006, p. 434), trata-se de um fundamento essencialmente instrumental, posto que versa “diretamente à tutela do processo, funcionando como medida cautelar para garantia da efetividade do processo principal (a ação penal)”.
Exemplos comuns de atos perturbadores do regular andamento do processo são: ameaça às testemunhas, ao juiz, ao promotor, aos jurados, ao próprio ofendido; tentativa de suborno do perito responsável pela apresentação de laudo; subtração de documentos ou objetos probatórios.
2.4.4 Asseguramento da Aplicação da Lei Penal
A segregação preventiva, decretada para assegurar a futura aplicação da lei penal, objetiva acautelar o propósito final do processo penal, qual seja, a aplicação do ius puniendi do Estado, que no caso de uma sentença condenatória transitada em julgado, submete o autor do ilícito penal ao cumprimento da pena que lhe for prevista por lei.
Tal fundamento prevê casos em que o acusado demonstre intenção real de fuga. No entanto, como o Código de Processo Penal não especificou as situações que podem caracterizar risco de fuga, cabe ao Julgador, em casa caso concreto, analisar se o acusado apresenta ou não intenção de se evadir do distrito da culpa, sendo que para tanto, algumas circunstâncias são utilizadas para corroborar o convencimento do Juiz.
Para Fernando Capez (2006, p. 266), “se o acusado ou indiciado não tem residência fixa, ocupação lícita, nada, enfim, que o radique no distrito da culpa, há um sério risco para a eficácia da futura decisão se ele permanecer solto até o final do processo, diante da sua provável evasão”.
Assim, pode-se dizer que a decretação da prisão preventiva sob tal fundamento visa garantir a aplicação da lei penal, que poderia ser inviabilizada no caso de uma iminente fuga do acusado enquanto durante a tramitação da ação penal.
2.5 HIPÓTESES LEGAIS DE ADMISSIBILIDADE E INADMISSIBILIDADE
Para a decretação da prisão preventiva não basta apenas a demonstração da materialidade do delito e dos indícios suficientes de autoria (pressupostos), bem como da ocorrência de qualquer das situações do artigo 312 do Código de Processo Penal (fundamentos), pois ela só é permitida nos exatos termos do artigo 313, do Código de Processo Penal:
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;
IV - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.
A prisão preventiva também não encontra guarida nos casos em que tiver praticado o crime nas condições do artigo 23, incisos I, II e III, do Código Penal[15], ou seja, quando estiver sob o manto das causas excludentes de ilicitude.
2.6 DECRETAÇÃO
2.6.1 Momento e Iniciativa
Segundo dispõe o artigo 311, do Código de Processo Penal, a prisão preventiva pode ser decretada “em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal [...]”. Porém, conforme esclarece Denilson Feitoza (2008, p. 753), a prisão preventiva também pode ser decretada ainda que inexista o inquérito policial ou ação penal, desde que presentes os requisitos legais[16].
Quanto à iniciativa, consoante o que dispõe o referido artigo, a prisão preventiva pode ser decretada “pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.” (artigo 311, CPP).
Por fim, cumpre destacar que a duração da prisão preventiva, ao contrário da prisão temporária, por exemplo, não tem prazo determinado. Entretanto, tal prazo não pode ultrapassar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, já que com esta, cessarão os motivos da segregação cautelar, visto que se absolvido, o acusado será posto imediatamente em liberdade, e se condenado, sua prisão passará a ser uma prisão pena.
2.6.2 Fundamentação do Despacho
Segundo impõe o artigo 315, do Código de Processo Penal, “o despacho que decretar ou denegar a prisão preventiva será sempre fundamentado”.
Doutrinariamente, entende-se pelo ato de fundamentar que, o Juiz, ao decidir sobre o decreto prisional, deve-se pautar em fatos concretos representados nos autos do inquérito ou do processo, indicando expressamente qual dos fundamentos, pressupostos e circunstâncias que o levou a tomar a decisão.
Embora não seja necessário elaborar um despacho longo, o Juiz deve, no entanto, fazer referência específica de que o acusado, por exemplo, por ter sido encontrado comprando passagens aéreas para outro país, onde nem sequer possui parentes, conhecidos ou negócios, irá fugir à futura aplicação da lei penal se permanecer em liberdade. Por isso, é inadmissível que a fundamentação da prisão preventiva seja genérica ou composta por meras suposições.
Não obstante o referido dispositivo processual, a jurisprudência tem admitido que o decreto prisional elaborado de maneira concisa não se reveste de nulidade ou de qualquer constrangimento ilegal em face do acusado.
Nesse sentido, tem decido a Suprema Corte da Justiça brasileira:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA TEMPESTIVIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA O SEGUIMENTO. I - Agravo regimental no qual se pretende comprovar indiretamente a data de interposição do recurso extraordinário. II - A informação clara, apesar de concisa, é suficiente à validade da decisão. III - O exame fático-probatório é vedado nos recursos excepcionais. IV - Agravo regimental a que se nega provimento.[17] (grifo nosso)
Na mesma seara, Mirabete (2006, p. 396) chega a enfatizar que o juiz pode inclusive, quando da fundamentação da decretação da prisão preventiva, utilizar as mesmas anotações argumentadas pela autoridade policial e pelo Ministério Público.
2.6.3 Revogação e Redecretação
Conforme assegura o artigo 316, do Código de Processo Penal, se no decorrer do processo, cessarem-se os motivos ensejadores[18] da segregação preventiva do acusado, o Juiz poderá de ofício ou a requerimento da defesa ou do Ministério Público, revogar o decreto prisional. Por isso, diz-se que a prisão preventiva possui caráter rebus sic standibus [19] (MIRABETE, 2006, p. 396).
Porém, faz-se necessário destacar que, conforme preconiza o mesmo artigo 316, a prisão preventiva, ao passo que pode ser revogada quando não mais subsistirem seus motivos, também pode ser redecretada a qualquer momento da persecução penal, ou seja, ainda que o juiz a tenha revogado, ela poderá ser novamente decretada quando ocorrerem fatos novos que a justifiquem.
2.6.4 Dos Recursos Cabíveis
Tanto da decisão que revogar, quando da que indeferir o pedido de sua decretação, consoante o artigo 581, inciso V[20], do Código de Processo Penal, caberá Recurso em Sentido Estrito.
Porém, em relação à decisão que decretar a prisão preventiva, não há recurso cabível, podendo apenas ser impetrado Habeas Corpus, caso a prisão tenha sido ilegal (TOURINHO FILHO, 2009, p. 647).
3. DA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA: CONTROVÉRSIAS ACERCA DE SUA INTERPRETAÇÃO PARA FINS DE DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA
Prevista no artigo 312, do Código de Processo Penal Brasileiro, como sendo um dos fundamentos para a decretação da prisão preventiva em sentido estrito[21], a garantia da ordem pública, embora comumente utilizada pelos operadores do Direito, principalmente por Promotores Públicos, Juízes e Tribunais, quando da manifestação sobre pedido de liberdade provisória e Habeas Corpus, não possui conceituação expressa no ordenamento jurídico pátrio.
O referido artigo 312, quando da previsão de tal fundamento, limitou-se apenas em afirmar que a prisão preventiva encontraria respaldo quando necessária a manutenção da ordem pública, sem, no entanto, conceituá-la, ou ao menos delimitar seu alcance de aplicação.
Destarte, por não haver qualquer tipo de conceituação legal, o fundamento da garantia da ordem pública, utilizado para justificar a prisão preventiva, tem causado constantes discordâncias entre os Julgadores brasileiros (Juízes, Desembargadores e Ministros). Tal problemática chegou a atingir, inclusive, a Suprema Corte brasileira, qual seja, o STF – Supremo Tribunal Federal, que, ao contrário do imaginado, apresenta entre suas próprias Turmas, explícitas divergências em relação a interpretação do fundamento da garantia da ordem pública, onde as mesmas, por vezes, exaurem veredictos diferentes mesmo estando diante de casos semelhantes.
No entanto, é imperioso destacar que o conflito existente acerca do referido fundamento da prisão preventiva inicia-se com a própria indefinição de ordem pública.
Tourinho Filho (2009, p. 640), ao fazer uma investigação jurisprudencial sobre o assunto, afirma que devido a “vaguidade da expressão” ordem pública, atualmente, “[...] a medida extrema fica ao sabor da maior ou menor sensibilidade do Magistrado, de idéias preconcebidas a respeito de pessoas, de suas concepções religiosas, sociais, morais, políticas, que o fazem guardar tendências que o orientam inconscientemente em suas decisões”.
Não obstante as temerárias interpretações atribuídas à ordem pública, cumpre destacar o que a doutrina e a jurisprudência, em meio a tantas discordâncias, têm trazido sobre o tema.
Paulo Rangel (2006, p. 590) afirma que:
Por ordem pública, deve-se entender a paz e a tranqüilidade social, que deve existir no seio da comunidade, com todas as pessoas vivendo em perfeita harmonia, sem que haja qualquer comportamento divorciado do modus vivendi em sociedade. Assim, se o indiciado ou o acusado em liberdade continuar a praticar ilícitos penais, haverá perturbação da ordem pública, e a medida extrema é necessário se estiverem presentes os demais requisitos legais.
Denilson Feitoza (2008, p. 50), por sua vez, ao estudar profundamente sobre a segurança pública, prevista no artigo 144, da Constituição Federal da República, diz que:
A ordem pública pode ser definida como situação de paz e de ausência de crimes. A paz pode ser definida estaticamente como a ausência de violência, processualmente como a identificação e a resolução favorável de fenômenos caracterizados por algum tipo de violência, e estruturalmente como capacidade de uma sociedade de tornar visível e resolver favoravelmente os tipos de violência nela existentes. (grifo do autor)
Já sob a ótica de Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 619), “entende-se pela expressão a necessidade de se manter a ordem na sociedade, que, em regra, é abalada pela prática de um delito”.
Embora sejam diversificadas as conceituações dadas à ordem pública, o mais temerário enleio ocorre quando, para a garantia desta, a prisão preventiva é decretada.
Nessa senda, tanto a doutrina, quanto os tribunais, incluindo-se o Supremo Tribunal Federal, mantém um descompasso exorbitante quanto à pacificação do que vem a ser ou a significar a expressão garantia da ordem pública, fato este, que tem trazido imensuráveis transtornos à ordem jurídica brasileira, pois muitas das interpretações atribuídas à garantia da ordem pública para fins de decretação da prisão preventiva tem confrontado princípios, direitos e garantias constitucionais[22], chegando, por vezes, ao ponto de suprimir o caráter de cautelaridade, necessidade e excepcionalidade que deve ter toda e qualquer medida cautelar de segregação provisória.
3.1 DAS DIVERSAS INTERPRETAÇÕES DADAS À GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA
Por não existir qualquer manifestação legal expressa acerca da definição da expressão ordem pública, para fins de delimitar o alcance do fundamento garantia da ordem pública, a doutrina e a jurisprudência brasileira têm formulado alguns argumentos a fim de melhor adequá-la no ordenamento jurídico pátrio.
Para os Julgadores, principalmente os que militam em Primeira Instância, a prisão preventiva é decretada como garantia da ordem pública sob o liame de duas vertentes: sobre a perspectiva social e sobre a perspectiva individual[23].
Sobre a perspectiva social, a garantia da ordem pública é tida como fundamento a justificar a prisão preventiva quando detectável clamor social, repercussão do crime na sociedade, bem como para prevenir a credibilidade da justiça, ou seja, a prisão preventiva, neste caso, será decretada com vistas à satisfação dos anseios da sociedade. Já sobre a perspectiva individual, a garantia da ordem pública é tolhida na probabilidade de nova prática delituosa pelo acusado, na sua periculosidade e na gravidade do crime, ou seja, tal fundamento será utilizado para proteger a sociedade, se caso o acusado, permanecendo em liberdade, traga riscos ao meio social.
3.1.1 Garantia da Ordem Pública e Clamor Social
De certo, um dos termos mais utilizados, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência para justificar a segregação preventiva sob o fundamento de garantir a ordem pública, é o clamor social.
Segundo Othon Sidou (2000, 152), a expressão clamor público significa uma “manifestação popular de descontentamento ou indignação, tendente a provocar a intervenção do poder público.”
Noutras palavras, o clamor público, trazido à baila do direito processual penal, pode ser entendido como uma manifesta comoção e indignação popular diante do acontecimento de um fato criminoso gravíssimo, o qual é vislumbrado quando da prática de crimes cruéis e sanguinários. Exemplos bastante comuns são os crimes de estupro, abuso sexual de menores, homicídio praticado mediante o uso de tortura, a própria tortura, entre muitos outros.
Segundo o Superior Tribunal de Justiça “tem-se como causa de intenso clamor e abalo da ordem pública, homicídio perpetrado com extrema frieza, em cidade interiorana reconhecidamente pacata e desacostumada a atos dessa natureza [...]”[24].
Porém, embora ainda utilizado[25] como circunstância idônea a caracterizar a garantia da ordem pública para fins de decretação da prisão preventiva, é certo afirmar que no atual paradigma constitucional, o clamor público tem sido impetuosamente desaprovado de maneira majoritária pela doutrina e pelas Cortes Superiores.
Na liça de Odone Sanguiné, citado por Alberto Wunderlich[26], a constrição preventiva pautada no clamor público “é inconstitucional”, pois “se trata de um estereótipo saturado na maioria das vezes de uma carga emocional sem base empírica”.
Ainda, para o referido Doutrinador, outrora citado por José Carlos Fragoso[27]:
[...] seria errôneo considerar que a prisão preventiva possa cumprir com o fim de dar satisfação ao público sentimento de justiça, ante o qual é suficiente processar penalmente o imputado. [...] Em síntese, o clamor público constitui um fundamento apócrifo (falso) da prisão preventiva que deve ser erradicado porque vulnera o princípio da legalidade processual da repressão (nulla coactio sine lege); porque através dele a prisão preventiva é imposta como verdadeira pena antecipada (cumprindo fins de prevenção geral ou especial, exclusivos da pena), o que resulta inconstitucional à luz dos direitos fundamentais da presunção de inocência, proporcionalidade e devido processo legal.
O STF, em decisões reiteradas, tem deliberado sobre sua rejeição à utilização do clamor público:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO E PRIVILEGIADO. CONDENAÇÃO. ANULAÇÃO DO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI EM SEDE DE APELAÇÃO. MANUTENÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR FUNDADA NO CLAMOR SOCIAL E NA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES. EXCESSO DE PRAZO.
[...] A prisão cautelar com base nesses fundamentos[28] não encontra apoio na jurisprudência desta Corte [...] Com efeito, o entendimento aqui pacificado é de que a invocação do clamor social e da credibilidade das instituições, por si sós, não se erigem em fatores que autorizem a conclusão de que a garantia da ordem pública está ameaçada.[29] (grifo nosso)
HABEAS CORPUS. QUESTÃO DE ORDEM. PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ALEGADA NULIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE. DECRETO DE PRISÃO CAUTELAR QUE SE APÓIA NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO SUPOSTAMENTE PRATICADO, NA NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA “CREDIBILIDADE DE UM DOS PODERES DA REPÚBLICA”, NO CLAMOR POPULAR E NO PODER ECONÔMICO DO ACUSADO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA CONCLUSÃO DO PROCESSO.
[...]
O clamor popular não é aceito por este Supremo Tribunal Federal como justificador da prisão cautelar. É que a admissão desta medida, com exclusivo apoio na indignação popular, tornaria o Poder Judiciário refém de reações coletivas. Reações, estas, não raras vezes açodadas, atécnicas e ditadas pelo mero impulso ou passionalidade momentânea.[30] (grifo nosso)
Pela mesma vereda, o STJ vem acompanhando o entendimento da Corte Máxima de Justiça, ao proferir as seguintes decisões:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 155, § 4º, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. REVOGAÇÃO.
[...]
II – Assim, a Suprema Corte tem reiteradamente reconhecido como ilegais as prisão preventivas decretadas, por exemplo, com base na gravidade abstrata do delito (HC 90.858/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 21/06/2007; HC 90.162/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJU de 28/06/2007), na periculosidade presumida do agente (HC 90.471/PA, Segunda Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, DJU de 13/09/2007); no clamor social decorrente da prática da conduta delituosa (HC 84.311/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, DJU de 06/06/2007) ou, ainda, na afirmação genérica de que a prisão é necessária par acautelar o meio social (HC 86.748/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, DJU de 06/06/2007).[31] (grifo nosso)
Em suma, o conflito doutrinário e jurisprudencial existente em torno do clamor público, tem ocorrido por entender-se que, se utilizado para fundamentar a prisão preventiva, além de se vulnerabilizar os princípio constitucionais da inocência e da liberdade, desvirtuar-se-á o próprio caráter da prisão preventiva, pois de instrumento acautelatório dos meios e fins processuais, a mesma passará a servir como uma antecipação de pena conclamada pelos anseios de uma sociedade que, muitas vezes, deixa se levar pelo sensacionalismo propagado pelos meios de comunicação.
Inclusive, deve-se destacar que, principalmente nos dias atuais e na maioria das vezes, o clamor público tem sido causado pelo sensacionalismo midiático, que cria no meio social uma rede de opiniões desprovidas de qualquer aparato legal.
Sobre o assunto, bem suscitou o Ministro Carlos Britto[32], em um de seus brilhantes pronunciamentos:
[...] o barulho da turba não serve a implementar-se algo que, por natureza e à luz do direito constitucional posto, está no campo das exceções, ou seja, a prisão de simples acusado em relação ao qual milita o princípio da presunção da não-culpabilidade. Sem fazer-se comparação, considerados os envolvidos, nunca é demais lembrar que a voz do povo levou Cristo ao Calvário[33]. (grifo nosso)
Nessa vereda, Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 620), mesmo entendendo que o clamor público, aliado a outros fatores, (gravidade do delito, perigo de fuga, maus antecedentes, etc.), pode ser utilizado para fundamentar a prisão preventiva, não se intimida em explicitar sua preocupação quanto as notícias veiculadas pela mídia:
Crimes que ganham destaque na mídia podem comover multidões e provocar, de certo modo, abalo à credibilidade da Justiça e do sistema penal. Não se pode, naturalmente, considerar que publicações feitas pela imprensa sirvam de base exclusiva para a decretação da prisão preventiva. (grifo nosso)
Tourinho Filho (2009, p. 640), na mesma vertente, tem advertido que os Julgadores não podem se submeter aos noticiários que causam a comoção social para decidir sobre a segregação do acusado, “sob pena de essa circunstância ficar a critério da mídia...”.
Ainda sobre o tema ora discutido, convém enfatizar o que Paulo Rangel (2006, p. 590), a despeito da utilização do clamor público para fins de decretação da prisão preventiva como medida hábil para proteger a integridade física do acusado:
O clamor público, no sentido da comunidade local revoltar-se contra o acusado e querer linchá-lo, não pode autorizar sua prisão preventiva. O Estado tem o dever de garantir a integridade física e mental do autor do fato-crime. Segregar, cautelarmente, o indivíduo, a fim de assegurar sua integridade física, é transferir para o cerceamento de sua liberdade de locomoção a responsabilidade do Estado de manter a ordem e a paz no seio da sociedade, reconhecendo a incompetência dos poderes constituídos de atingir os fins sociais a que se destinam. (grifo nosso)
Portanto, embora existam posicionamentos no sentido de que o argumento do clamor público pode ser utilizado para fundamentar a prisão preventiva, se aliado aos pressupostos da medida cautelar, bem como a outros fundamentos previstos no artigo 312, do Código de Processo penal, é prudente afirmar, com base no que se infere a interpretação do princípio da inocência, bem como de outros postulados constitucionais, que a prisão preventiva, por se tratar de medida com caráter unicamente acautelatório da persecução penal, só deve ser decretada se preenchidos estiverem os pressupostos de toda e qualquer medida cautelar, quais sejam, o fumu boni iuris e o periculum in mora.
3.1.2 Garantia da Ordem Pública e Credibilidade da Justiça
Assim como as demais interpretações[34], a credibilidade da Justiça tem sido motivo de grandes discussões na doutrina e jurisprudência pátrias. Os que a utilizam, justificam-se na afirmativa de que a repercussão de um fato criminoso juntado à gravidade com que foi praticado gera, imediatamente, um sentimento de impunidade no meio social, ocasionando, assim, descrença nas instituições responsáveis pela repressão criminosa e punição do acusado.
Um caso que há poucos anos foi alvo dos holofotes midiáticos e que demonstra a utilização da credibilidade da Justiça como argumento idôneo para justificar a segregação preventiva sob o fundamento da garantia da ordem pública, foi a prisão do casal Alexandre Alves Nardoni e Ana Carolina Trotta Peixoto Jatobá, ambos acusados de assassinar a criança Isabella Nardoni.[35]
Veja-se trecho do decreto prisional do referido casal, in verbis:
Na visão deste julgador, prisão processual dos acusados se mostra necessária para garantia da ordem pública, objetivando acautelar a credibilidade da Justiça em razão da gravidade e intensidade do dolo com que o crime descrito na denúncia foi praticado e a repercussão que o delito causou no meio social, uma vez que a prisão preventiva não tem como único e exclusivo objetivo prevenir a prática de novos crimes por parte dos agentes, como exaustivamente tem sido ressaltado pela doutrina pátria, já que evitar a reiteração criminosa constitui apenas um dos aspectos desta espécie de custódia cautelar. [36]
Verifica-se que o Juiz de 1º Grau, em meio a outros elementos usados para caracterizar a garantia da ordem pública[37], decretou a prisão preventiva do casal Nardoni para defender a credibilidade da Justiça. Para o Magistrado, o fato de o delito ter sido grave, chegando a desencadear grande comoção social, gerou a necessidade da segregação dos acusados, a fim de que a credibilidade que se espera da Justiça brasileira não fosse abalada.
Assim, mesmo tendo impetrado Habeas Corpus ao Tribunal de Justiça de São Paulo/SP, ao STJ, bem como ao STF, o casal Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá, que hoje já cumprem pena definitiva, não teve sua liberdade provisória deferida, tudo sob o argumento de que, se aliada a outras circunstâncias, a credibilidade da Justiça pode servir para justificar a prisão preventiva sob o fundamento da garantia da ordem pública.
Não obstante as Cortes Superiores se posicionarem (como no caso Nardoni) no sentido de ser a credibilidade da Justiça um meio idôneo a justificar a constrição preventiva, é prudente denotar que tal argumento não pode servir para fundamentar a prisão preventiva sob o fundamento da garantia da ordem pública.
Ora, tentar corrigir a imagem que atualmente se tem da Justiça brasileira com a prisão do acusado é, sobretudo, afrontar postulados constitucionais previstos pela Carta Magna de 1998, tais como a presunção da inocência, ampla defesa, contraditório, liberdade provisória, e o próprio ius libertatis.
Ademais, decretar-se a prisão preventiva sem o preenchimento dos pressupostos cautelares é negar a própria finalidade da medida, qual seja, acautelar os meios e o fim do processo, para se submeter “a essa pobreza cultural que exige cadeia para todo e qualquer acusado [...] [38]. (grifo nosso)
Nessa tangente, o STF tem deliberado reiteradamente[39] o seguinte:
[...]
II. Prisão preventiva: motivação inidônea. O apelo à preservação da "credibilidade da justiça e da segurança pública" não constitui motivação idônea para a prisão processual, que - dada a presunção constitucional da inocência ou da não culpabilidade - há de ter justificativa cautelar e não pode substantivar antecipação da pena e de sua eventual função de prevenção geral.[40] (grifo nosso)
O Superior Tribunal da Justiça, por sua vez, também tem acolhido a negativa em relação à utilização da credibilidade da Justiça para fins de decretação da prisão preventiva:
HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONDENAÇÃO. PROIBIÇÃO DE APELAR EM LIBERDADE. AUSÊNCIA DE IDÔNEA FUNDAMENTAÇÃO. CONSIDERAÇÕES ABSTRATAS ACERCA DA GRAVIDADE DO CRIME, DO CLAMOR SOCIAL E DA NECESSIDADE DE SE PRESERVAR A CREDIBILIDADE DA JUSTIÇA. INOVAÇÃO PELA CORTE DE ORIGEM. RECEIO DE NOVAS PRÁTICAS CRIMINOSAS. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO.
1. A prisão provisória, dentre as quais se inclui aquela decorrente de sentença condenatória recorrível, é medida de exceção, somente podendo subsistir quando presentes e expressamente indicadas as hipóteses trazidas pelo art. 312 do Código de Processo Penal como justificativas para o cerceamento prévio da liberdade dos acusados.
2. Considerações acerca da gravidade abstrata dos crimes em tese cometidos, do clamor social por eles provocado, bem como da necessidade de se preservar a credibilidade da Justiça não são argumentos idôneos a sustentar a manutenção da medida de cautela sob a rubrica da garantia da ordem pública (Precedentes).
3. Além de não poder o Tribunal a quo suplementar a fundamentação trazida pelo juízo de primeira instância para proibir os apenados de apelar em liberdade, o reconhecimento pela própria sentença de que não ostentam condenações anteriores ou maus antecedentes desautoriza seja a prisão mantida pelo temor de que soltos venham a cometer novos delitos.
4. Ordem concedida, para que os pacientes possam aguardar em liberdade o trânsito em julgado da condenação, determinando-se a expedição dos competentes alvarás de soltura, se por outro motivo não estiverem presos. [41] (grifo nosso)
Portanto, mais uma vez, com supedâneo no ius libertatis do cidadão, garantido pela Constituição de 1998 através dos postulados da presunção da inocência, bem como demais postulados a ele concernentes, é que se diz que a credibilidade da Justiça não pode ser utilizada como garantia da ordem pública para se decretar a prisão preventiva.
3.1.3 Garantia da Ordem Pública e Reiteração da Prática Delituosa
Nos termos das decisões proferidas pelo Pretório Excelso, in verbis, a reiteração da prática delituosa utilizada para fundamentar a prisão preventiva como meio de se garantir a ordem pública refere-se tanto às condutas praticadas pelo acusado em tempo pretérito, quanto àquelas que poderão ser praticadas se o mesmo permanecer em liberdade:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL E APLICAÇÃO DA LEI PENAL. PRISÃO PREVENTIVA EMBASADA NA CONTEXTURA FACTUAL DOS AUTOS. RISCO CONCRETO DE REITERAÇÃO NA PRÁTICA DELITUOSA. ACAUTELAMENTO DO MEIO SOCIAL. ORDEM DENEGADA. 1. Na concreta situação dos autos, o fundamento da garantia da ordem pública basta para validamente sustentar a prisão processual do paciente. Prisão que se lastreia no concreto risco de reiteração criminosa. Pelo que não há como refugar a aplicabilidade do conceito de ordem pública se o caso em análise evidencia a necessidade de acautelamento do meio social quanto àquele risco da reiteração delitiva. Situação que atende à finalidade do artigo 312 do CPP. 2. Não há que se falar em inidoneidade do decreto de prisão, se este embasa a custódia cautelar a partir do contexto empírico da causa. Contexto, esse, revelador da conduta supostamente protagonizada pelo paciente no bojo de organização criminosa especializada no tráfico internacional de substâncias entorpecentes e do sério perigo de reiteração na prática delitiva. Precedentes: HCs 92.735, da relatoria do ministro Cezar Peluso; 96.977, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski; 96.579 e 98.143, da relatoria da ministra Ellen Gracie; bem como 85.248, 98.928 e 94.838-AgR, da minha relatoria. 3. Ordem denegada. [42]
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. REITERAÇÃO CRIMINOSA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. AMEAÇA A TESTEMUNHAS. DEFERIMENTO DE LIBERDADE PROVISÓRIA A CORRÉUS. SITUAÇÕES PROCESSUAIS DISTINTAS. 1. Prisão preventiva para garantia da ordem pública fundada na circunstância de o paciente integrar esquema de exploração sexual de crianças e adolescentes. Necessidade da medida extrema visando à proteção da sociedade da prática reiterada de crimes da espécie. 2. A periculosidade do réu, concretamente demonstrada, é suficiente à privação cautelar de sua liberdade para a garantia da ordem pública. Precedentes. 3. Segregação por conveniência da instrução criminal justificada: ameaça a testemunhas incluídas no programa de proteção da Polícia Federal. 4. Extensão de liberdade provisória deferida a corréus. Situações processuais distintas. Inaplicabilidade do artigo 580 do Código de Processo Penal. Ordem indeferida. [43] (grifo nosso)
Não obstante o advento da nova redação do artigo 282, inciso I, do CPP (trazida pela Lei nº 12.403/2011), que possibilita a prisão cautelar “para evitar a prática de infrações penais”, as decisões exaradas pela Suprema Corte, bem como o entendimento de alguns doutrinadores renomados[44], a utilização da reiteração da prática delituosa para fundamentar a prisão preventiva viola flagrantemente o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Carta Magna de 1988.
Observe-se que em ambos os significados da expressão, há uma aberrante inversão de valores, pois, ao invés de ser considerado inocente, conforme ordem objetiva da Constituição Federal de 1998, o acusado é primeiramente presumido culpado, ou seja, além de ser considerado culpado antes de sentença condenatória transitada em julgado, sobre o acusado é lançado um juízo de probabilidade, que se resume na idéia de que o mesmo, se permanecer em liberdade, voltará a cometer novos delitos.
Aury Lopes Júnior, ao refutar tal interpretação dada à garantia da ordem pública, qual seja, reiteração da prática delituosa, assevera que:
Manter uma pessoa presa em nome da ordem pública, diante da reiteração de delitos e o risco de novas práticas, está se atendendo não ao processo penal, mas sim a uma função de polícia do Estado, completamente alheia ao objeto e fundamento do processo penal.[45]
Seguindo o raciocínio do distinto Aury Lopes, é sensato dizer que, o Poder Judiciário ao decretar a prisão preventiva sob o argumento de se evitar novas práticas delituosas, seja porque o acusado já tenha cometido outros delitos ou não, está desvirtuando de sua esfera de atuação e competência, haja vista que a tarefa de reprimir práticas delituosas incumbe a outro órgão estatal.
No mesmo sentido, a Segunda Turma da Suprema Corte de Justiça, sob relatoria do Ministro Celso de Melo, por unanimidade decidiu o seguinte:
HABEAS CORPUS – PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA COM FUNDAMENTO NA GRAVIDADE OBJETIVA DO DELITO, NO CLAMOR PÚBLICO E NA DECRETAÇÃO DA REVELIA DO RÉU – CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL – UTILIZAÇÃO, PELO MAGISTRADO, NA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA, DE CRITÉRIOS INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADA – PEDIDO DEFERIDO.
[...]
O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA IMPEDDE QUE O ESTADO TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL.
- A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direito e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem.
Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível – por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) – presumir-lhe a culpabilidade.
Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado.
O princípio constitucional da presunção da inocência, em nosso sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes conseqüências, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário. Precedentes.[46] (grifo nosso)
Portanto, mesmo que a lei já tenha se posicionado, tem-se que toda e qualquer prisão de natureza cautelar decretada sob o argumento de se reprimir novas práticas delituosas, viola não só o princípio da presunção da inocência, mas também um dos bens mais preciosos do ser humano, qual seja, a liberdade.
3.1.4 Garantia da Ordem Pública e Periculosidade do Agente
Inicialmente, cumpre mencionar que, esta periculosidade utilizada para fundamentar a prisão preventiva, é vista tanto através da constatação das circunstâncias em que o crime foi cometido (modus operandi), quanto aos maus antecedentes do acusado.
Nesse sentido, as Cortes Superiores - STJ e STF, respectivamente - tem propulsado o seguinte:
HABEAS CORPUS. ROUBO AGRAVADO. PRISÃO PREVENTIVA. PERICULOSIDADE CONCRETA. COAÇÃO NÃO CARACTERIZADA. ORDEM DENEGADA.
1) A periculosidade concreta do paciente, que praticou roubo agravado contra a própria empregadora, de forma dissimulada, demonstra a necessidade da segregação cautelar, considerando-se que ele conhece as testemunhas e vítimas e poderia amedrontá-las, prejudicando, de forma indireta, a instrução processual.
2) As condições pessoais favoráveis ao agente – não comprovadas no caso em exame – não impedem a decretação da prisão preventiva, se presente pelo menos uma das hipóteses de cautelar previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal.
3) Diante da circunstância de ter o agente desaparecido do distrito da culpa, é lícito concluir que pretende ele furtar-se à aplicação da lei.
4) Prisão preventiva decretada com base em elemento idôneo constante dos autos. Ordem denegada.[47] (grifo nosso)
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. AMEAÇA A TESTEMUNHAS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. 1. A periculosidade do agente, aferida pelo modus operandi na prática do crime, consubstancia situação concreta a autorizar a prisão preventiva para garantia da ordem pública. 2. Segregação por conveniência da instrução criminal justificada: ameaça a testemunhas. Ordem indeferida.[48] (grifo nosso)
Entretanto, apesar de parte da doutrina, da jurisprudência e do Código de Processo Penal, em seu artigo 282, II, terem admitido o uso do argumento da periculosidade do acusado como sendo meio idôneo para fundamentar a prisão preventiva, não se faz conveniente, diante dos postulados constitucionais tão enfatizados no presente estudo (principalmente o princípio da presunção da inocência), se encurvar no mesmo posicionamento.
Ora, prender o acusado sob o argumento de que o mesmo traz alto índice de periculosidade à sociedade, é o mesmo que condenar-lhe antes da própria condenação, fato este que reduziria a pó não só os postulados constitucionais, mas também a essência da própria persecução criminal, cuja finalidade é comprovar se sobre o acusado recai a autoria do delito, para só então o punir.
Nessa vértice, o inconfundível Ministro Marco Aurélio, em um marcante pronunciamento a despeito da utilização da presunção de periculosidade do acusado para fins de decretação da segregação preventiva, repudia a decisão do Juízo a quo, que decretou a prisão preventiva sob o argumento, dentre outros, de que sobre o acusado recaía alta periculosidade:
Então, a par de, na situação concreta, os pacientes encontrarem-se em liberdade há mais de um ano, verifica-se que o Juízo, no ato que implicou a preventiva – folha 589 a 615 –, após ressaltar a existência da materialidade do crime e de indícios de autoria bem como a gravidade da prática delituosa, fez abordagem, em tese, sobre a periculosidade dos envolvidos no que teriam contra si inquéritos e processo em andamento. Em outras palavras, partiu do pressuposto de serem culpados, desprezando a necessidade de haver decisão condenatória não mais sujeita a modificação na via da recorribilidade. Supôs, até, que, em liberdade, continuariam a cometer crimes, aspecto que se baseia em subjetivismo maior – a contrariar a ordem natural das coisas –, na premissa segundo a qual, mesmo estando em curso o processo, deixariam de observar as regras penais existentes. [...] Em síntese, a fundamentação lançada não se enquadra no permissivo do artigo 312 do Código de Processo Penal.[49]
O Ministro Marco Aurélio, noutra venerável manifestação, ao analisar minuciosamente os fundamentos utilizados pelo juízo a quo, que decretou a prisão preventiva de um acusado pelo crime de corrupção ativa, proferiu o seguinte[50]:
[...]
a) Da conduta criminosa, aterradora e extremamente grave.
Vê-se que se considerou[51] a prática delituosa em si e, sem culpa formada, sem a preclusão de título condenatório, partiu-se para a segregação.
b) Da persistência do intento criminoso.
Aqui serve o que costumeiramente proclamado por esta Corte. Na preventiva, levam-se em conta aspectos objetivos – e não subjetivos, a correrem ao sabor da capacidade intuitiva do órgão que a examine.
c) Da personalidade temerária e audaciosa.
O que assentado parte dos dados anteriores e, portanto, mostra-se insubsistente, pouco importando que se tenha empolgado a garantia da ordem pública. Há de se aguardar a tramitação da ação pena, o julgamento definitivo e, mais do que isso, em face da garantia constitucional da não-culpabilidade, a condenação do paciente. [...] A prevalecer essa base do pronunciamento que resultou na preventiva, ter-se-á, sempre, imputado crime que alcance um dos Poderes da República, a prisão imediata, a prisão obrigatória, invertendo-se a mais no poder, a ordem natural das coisas e voltando-se a período de há muito suplantado. [52] (grifo nosso)
Portanto, a inconstitucionalidade da utilização da periculosidade do agente para fins de fundamentar a decretação da prisão preventiva, é de plano latente, pois por uma questão óbvia, como poderia o acusado ser considerado perigoso se o mesmo até que se transite em julgado a sentença condenatória, é inocente?
3.1.5 Garantia da Ordem Pública e Gravidade do Delito
A prisão preventiva de caráter obrigatório[53], que era decretada ao infrator que cometesse crime que tinha pena de reclusão igual ou superior a 10 (dez) anos[54], foi abolida do sistema jurídico brasileiro pela Lei nº 5.349/67, pois invertia a ordem de apreciação dos pressupostos determinantes da providência cautelar, em que analisava primeiro os requisitos relativos à quantificação da pena, para só então observar os pressupostos de cautelaridade e necessidade da segregação.
Ocorre que em 2011, por meio da Lei nº 12.403, a gravidade do delito voltou a ser fundamento para a decretação de qualquer medida cautelar, daí incluída a prisão provisória (artigo 282, II, CPP).
Nada obstante, é sensato afirmar que tal argumento não condiz com o atual paradigma constitucional no qual se pauta o sistema jurídico brasileiro. Ora, a prisão preventiva tem como finalidade, acautelar os meios da persecução penal, para que esta alcance seu fim, qual seja, punir o acusado pela prática do crime ora lhe imputado, ou então, absolvê-lo se comprovado ficar sua inocência ou alguma excludente de ilicitude.[55]
Nesse sentido, o STF, em busca de pacificar-se quanto a não utilização da gravidade do delito para fins de decretação de prisão preventiva, vem decidindo o seguinte:
AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na gravidade do delito e no fato de o réu ser morador de rua. Inadmissibilidade. Razões que não autorizam a prisão cautelar. Constrangimento ilegal caracterizado. Precedentes. HC concedido. É ilegal o decreto de prisão preventiva que se funda na gravidade do delito e na falta de residência fixa do acusado, decorrente de sua condição de morador de rua.[56]
Ainda, para corroborar, tem-se os Habeas Corpus 92098/RJ[57], 95100/SP[58] e 94072/SP[59], onde a Suprema Corte posiciona-se à não utilização da gravidade do delito para fins de decretação da prisão preventiva.
O STJ, por sua vez, no mesmo sentido, também tem deliberadamente decidido quanto a inconsistência que a gravidade do delito tem para fundamentar a segregação preventiva:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO (TENTATIVA). PRISÃO PREVENTIVA BASEADA NA HEDIONDEZ E NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. PRISÃO HÁ MAIS DE 5 (CINCO) ANOS. EXCESSO DE PRAZO CONFIGURADO.
1. Por força do princípio constitucional da presunção de inocência, as prisões de natureza cautelar – assim entendidas as que antecedem o trânsito em julgado da decisão condenatória – são medidas de índole excepcional, as quais somente podem ser decretadas (ou mantidas) caso venham acompanhadas de efetiva fundamentação.
2. No caso, limitou-se o Magistrado do processo a aludir à hediondez e à gravidade abstrata do delito, circunstâncias que, na linha da iterativa jurisprudência desta Casa, não se prestam à restrição do direito à liberdade.[60] (grifo nosso)
Na mesma vertente, é imperioso destacar o posicionamento do Desembargador Walter Waltenberg Silva Junior, do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia:
“[...] Como se vê, a decisão que decretou a prisão preventiva não aponta, objetivamente, as razões pelas quais se mostra necessário o encarceramento provisório do paciente, pois alude, apenas, a gravidade e conseqüências que o delito trás à sociedade, sem, no entanto demonstrar a presença dos motivos concretos que justificariam a custódia. É certo que o crime é grave e assola a sociedade, entretanto, isso não pode ser usado como único fundamento para decretação de prisão preventiva. [...]”.[61] (grifo nosso)
Assim, o fato de o delito ser grave, não consta como motivo ensejador à manutenção da prisão preventiva do acusado, haja vista que já não mais existe prisão preventiva obrigatória para crimes graves no ordenamento jurídico brasileiro, devendo, portanto, ser demonstrado no caso concreto quais os elementos que indicam o periculum libertatis, frente aos pressupostos e fundamentos – fumu commissi delicti e periculum in mora – da segregação preventiva.
3.2 COMO INTERPRETAR A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA
Embora o Código de Processo Penal traga em sua essência traços notoriamente fascista (por ter sido espelhado no Código de Processo Penal Italiano), com a promulgação da Constituição Federal de 1988, tornou-se necessário proceder à aplicação dos dispositivos processuais penais em consonância com a nova sistemática constitucional.
Entretanto, a harmonia entre os dispositivos do Código de Processo Penal Brasileiro e da Carta Magna, tem-se mostrado extremamente custosa, pois se trata de duas grandes régias nacionais, onde de um lado se tem um consulado de direito e garantias protecionistas, e de outro uma consolidação de normas que na maioria das vezes são inquisitórias.
Tal situação é notável, principalmente, quando da decretação das prisões cautelares, que embora sejam autorizadas por lei, inclusive pelo próprio texto constitucional, por se tratar de prisões que ocorrem antes do trânsito em julgado da sentença condenatória criminal, acabam por, inevitavelmente, esbarrar em direitos e garantias fundamentais.
No caso da prisão preventiva, os ferimentos a tais direitos e garantias ocorrem com mais amplitude quando a mesma é decretada sob o fundamento da garantia da ordem pública, pois como a pouco visto, por não ter sido delimitado seu alcance pela Lei, a doutrina e a jurisprudência têm a interpretado de maneira subjetiva, dando-lhe diferentes interpretações.
Todavia, é nesse ponto que o tema chega ao seu embate. Ora, se a garantia da ordem pública não pode ser interpretada para proteger e acalmar a sociedade que se mostra abalada diante de um fato grave que lhe causou forte sentimento de impunidade, ou então, para prevenir que o acusado volte a praticar outros delitos, diante de sua periculosidade e maus antecedentes, qual seria a interpretação que caberia a tal fundamento, que ao mesmo tempo acautelasse o processo e não ferisse os preceitos constitucionais?
Segundo Augusto Cavalheiro Neto[62], da maneira que se encontra prevista no Código de Processo Penal Brasileiro, a prisão preventiva decretada sob o fundamento da garantia da ordem pública sempre ferirá garantias constitucionais, pois “é absolutamente insuficiente e em nada justifica, principalmente para aquele que teve sua liberdade tolhida, o fundamento e a justiça da medida”.
O lídimo doutrinador Eugênio Pacelli (PACELLI, 2006), indo mais além, afirma que:
[...] a prisão para garantia da ordem pública não se destina a proteger o processo penal, enquanto instrumento de aplicação da lei penal. Dirige-se, ao contrário, à proteção da própria comunidade, coletivamente considerada, no pressuposto de que ela seria duramente atingida pelo não-aprisionamento de autores de crimes que causassem intranqüilidade social.
Para Pacelli, ao passo que a conveniência da instrução criminal e o asseguramento da futura aplicação da lei penal são fundamentos caracteristicamente instrumentais, a garantia da ordem pública e a garantia da ordem econômica se desvirtuam desta finalidade, pois possuem caráter alheio à cautelaridade e instrumentalidade. (PACELLI, 2006, p. 434).
Nota-se, através dos ensinamentos supra que a prisão preventiva decretada para garantir a ordem pública sempre violará aos preceitos constitucionais, haja vista que a mesma tem como intuíto apenas resguardar a ordem social, sem, contudo, buscar em primeira mão a cautelaridade da persecução criminal.
Assim, enquanto a garantia da ordem pública estiver disciplinada da maneira que se encontra no artigo 312 do Código de Processo Penal, sem conceito e limites, sempre haverá divergências doutrinárias e jurisprudenciais a seu respeito, em detrimento às garantias constitucionais do indivíduo.
CONCLUSÃO
Como explanado no decorrer do presente estudo, a prisão preventiva, por ser uma prisão provisória de natureza cautelar que ocorre antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, para ser legítima e alcançar sua finalidade, qual seja, precaver a persecução penal, além de ter que pautar-se nos pressupostos e requisitos de admissibilidade, deve também obedecer a postulados constitucionais, tais como, princípio da presunção da inocência, do devido processo legal, da proporcionalidade, da ampla defesa e do contraditório.
A observância de tais postulados constitucionais, ao lado dos pressupostos e requisitos de admissibilidade, se justifica pelo fato de estar se tratando de duas magnitudes do ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam, o ius libertatis do cidadão e o ius puniendi do Estado, pois ao passo que o primeiro garante que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, o segundo, por sua vez, atua no sentido de sancionar o acusado que comete fato tido como criminoso, resultando, na maioria das vezes, na prisão.
Entretanto, em algumas situações, o Estado, para conseguir executar seu direito de punir o cometidor do ato ilícito, deve se valer de mecanismos capazes de resguardar o bom andamento do processo. É aí que ascende a necessidade de utilizar as prisões provisórias.
Assim, embora se reconheça quão grandes serão as conseqüências negativas experimentadas pelo acusado quando preso ainda enquanto deve ser considerado inocente, não se pode negar que sua segregação provisória torna-se patentemente necessária, em razão do acautelamento da persecução penal.
No entanto, mesmo sendo necessária, a prisão provisória não pode fugir de seu caráter excepcional e cautelar, sob pena de se tornar um meio arbitrário e discricionário de antecipação de pena ao acusado presumidamente inocente.
Ocorre que é nesse comparativo que ascende um dos maiores conflitos existente acerca das prisões provisórias, especificamente à prisão preventiva, qual seja, as controvérsias que a vaguidade da expressão garantia da ordem pública tem trazido ao campo doutrinário e jurisprudencial brasileiro.
Nota-se que até mesmo na mais alta Instância da Justiça brasileira (STF), a garantia da ordem pública tem sido interpretado sob diversos ângulos, fato este que só ratifica o que antes exposto, qual seja, a falta de conceituação legal do referido fundamento, além de causar graves divergências doutrinárias e jurisprudenciais tem infringido princípios e direito garantidos pela Carta Magna de 1988.
Todavia, independentemente da delimitação ou conceituação do fundamento da garantia da ordem pública, há quem entenda que ela sempre violará os postulados constitucionais, haja vista que, no prisma das prisões cautelares, a prisão preventiva do acusado só pode ser decretada com o único fim de se resguardar a persecução penal e não para precaver a sociedade.
Assim, a garantia da ordem pública, por ser um fundamento que se alheia à instrumentalidade que opera as prisões cautelares, em nada justifica a constrição preventiva do acusado, pelo que deve ser considerada insuficiente e inadequada para esse fim.
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[1] Na época em que foi editada a Carta de 1824, usava-se a letra Z para fazer o som de S.
[2] Segundo Thomas Hobbes, as leis naturais se resumiam em “fazer aos outros o que queremos que nos façam”. (2003, p. 127).
[3] Grifo do autor.
[4] Conforme classificação apresentada no tópico 1.3.2, do Capítulo I.
[5] Vide tópicos 2.3 e 2.4.
[6] O sistema Inquisitivo é um dos três sistemas processuais penais assinalados pela Doutrina Jurídica (ao lado do acusatório, utilizado pelo Processo Penal Brasileiro, e do misto). No sistema inquisitivo, originado no Direito Romano, tendo como influência a organização política do Império, bem como a maneira que a Igreja utilizava para punir as pessoas que praticavam as chamadas heresias (MIRABETE, 2006, p. 21), o processo, embora escrito, ocorria de forma sigilosa, onde uma única pessoa, qual seja, o Juiz, possui a tarefa de acusar, defender e julgar o acusado. Uma de suas características marcantes é que não há a observância dos direitos relativos à igualdade, à liberdade, ao estado de inocência e principalmente à dignidade da pessoa humana, vez que era permitida ao Juiz, no decorrer do processo, a prática da tortura que tinha como intuito, obter-se do acusado, a confissão.
[7] Prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão resultante de pronúncia, prisão resultante de sentença condenatória recorrível e prisão temporária.
[8] Princípio tratado no tópico 2.2.2.
[9] CANOTILHO, J. J. GOMES, apud STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, apud ANTUNES, Roberta Pacheco. O princípio da proporcionalidade e sua aplicabilidade na problemática das provas ilícitas em matéria criminal. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 999, 27 mar. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8153>. Acesso em: 27 abr. 2010
[10] Como já explanado no Capítulo I, Afonso Silva (2004) classifica a liberdade em: liberdade da pessoa física, liberdade de pensamento, liberdade de expressão coletiva, liberdade de ação profissional e liberdade de conteúdo econômico e social.
[11] Todas as prisões de natureza cautelar decretadas antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.
[12] Artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988.
[13] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
[14] STF, HC 99210/MG, rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, j. 27.05.2010, DJe 28.05.2010.
[15] “Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade;
II – em legítima defesa;
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.”
[16] Vide tópicos 2.3, 2.4 e 2.5, que tratam dos pressupostos, fundamentos e hipóteses de admissibilidade, respectivamente.
[17] STF, AI 626218/CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, j. 21.06.2007, DJe 09.08.2007.
[18] Garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou asseguramento da futura aplicação da lei penal (artigo 312 do Código de Processo Penal), atrelados aos pressupostos da materialidade do fato e dos indícios suficientes de autoria.
[19] Segundo definição dada pelo Dicionário Jurídico da Academia de Letras Jurídicas Brasileira (SIDOU, 2000, p. 715), rebus sic stantibus trata-se de uma “forma resumida da frase atribuída a Bartolo de Sassoferrato (1314-1357): “Contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro, rebus sic standibus intelliguntur”, que traduzido, entende-se como “os contratos que têm trato sucessivo e dependem de (cumprimento) futuro, entendem-se as coisas assim permanecendo.”
[20] Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:
[...]
V – que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante. (grifo nosso)
[21] Vide explicação dada no tópico 2.1, do capítulo II, sobre prisão preventiva em sentido amplo e prisão preventiva em sentido estrito
[22] Princípio da inocência, princípio do devido processo legal, princípio do contraditório e da ampla defesa, bem como o direito de liberdade de locomoção, responder o processo em liberdade, entre outros.
[23] Segundo Denilson Feitosa, a garantia da ordem pública é atualmente interpretada sob a perspectiva social e individual .Vide tópico 2.4.1, do capítulo II.
[24] STJ, HC 7436/GO, rel. Min. Anselmo Santiago, Sexta Turma, j. 26.05.1998, DJ 9/11/99.
[25] “[...] por isso que necessária se faz a garantia da ordem da ordem publica, face o grande clamor público ocorrido na pacata cidade de Paraíba do Sul, cidade pequena em que tais crimes provocam insuperável abalo social.” (grifo nosso) - TJRJ – HC 5717/2006 – 7ª Câmara Criminal, Rel.: Des. Elizabeth Gregory; “Em casos de crimes de grande repercussão e intenso clamor na sociedade, a medida excepcional segregatária se impõe para garantia da ordem pública” (grifo nosso) - TJ, RHC 2002353-30.1999.822.0000, Câmara Criminal, Rel. Desembargador Valter de Oliveira; “As circunstâncias de natureza pessoal, tais como primariedade, bons antecedentes, serviço lícito, família e residência em nada se relacionam com os motivos determinantes que levaram à segregação, sendo irrelevantes para a análise da liberdade, de modo que não impedem a segregação, mormente em crime onde há enorme clamor público” (grifo nosso) - TJMG – HC 1.0000.07.449536-7/000(1) – 1ª C Crim. – Rel. Des. Judimar Biber – DJMG 15.06.2007;
[26] SAGUINÉ, Odone. A inconstitucionalidade do clamor público como fundamento da prisão preventiva: estudos criminais em homenagem a Evandro Lins e Silva. Org. Sérgio Salomão Shecaira. São Paulo: Método, 2001, pp. 277-279, apud WUNDERLICH, Alberto. A inconstitucionalidade da expressão “clamor social” (público) como fundamento da prisão preventiva. DireitoNet, São Paulo, 13 jul. 2006. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/x/27/49/2749/>. Acesso em: 25 mai. 2010.
[27] SAGUINÉ, Odone. A inconstitucionalidade do clamor público como fundamento da prisão preventiva, in Boletim IBCCrim, out/2001, p. 29/31 apud FRAGOSO, José Carlos. Prisão Preventiva e Clamor Público. Fragoso Advogados, São Paulo. Disponível em: <http://www.fragoso.com.br/cgi-bin/artigos/arquivo70.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2010
[28] Nesse caso, a autoridade coatora justificou a prisão preventiva do paciente na credibilidade das instituições judiciárias e no clamor social.
[29] STF, HC 84.662-9/BA, rel. Min. Eros Grau, Primeira Turma, j. 31.08.2004.
[30] STF, HC 85.298-0/SP, rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, j. 29.03.2005.
[31] STJ, HC 130288/MG, rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, j. 21.05.2009, DJe 03.08.2009.
[32] STF, HC 85.298-0/SP, rel. Min. Carlos Britto, Primeira turma, j. 07.06.2005,
[33] Evangelho de Jesus Cristo segundo escreveu João, capítulo 18, versículos 28-40: “Depois, levaram Jesus da cada de Caifás para a audiência. E era pela manhã cedo. E não entraram na audiência, para não se contaminarem e poderem comer a Páscoa. Então, Pilatos saiu e disse-lhes: Que acusação trazeis contra este homem? Responderam e disseram-lhe: Se este não fosse malfeitor, não to entregaríamos. Disse-lhes, pois, Pilatos: Levai-o vós e julgai-o segundo a vossa lei. Disseram-lhe, então, os judeus: A nós não nos é lícito matar pessoa alguma. (Para que se cumprisse a palavra que Jesus tinha dito, significando de que morte havia de morrer.) Tornou, pois, a entrar Pilatos na audiência, e chamou a Jesus, e disse-lhe: Tu és o rei dos judeus? Respondeu-lhe Jesus: Tu dizes isso de ti mesmo ou disseram-to outros de mim? Pilatos respondeu: Porventura, sou eu judeu? A tua nação e os principais dos sacerdotes entregaram-te a mim. Que fizeste? Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, lutariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas, agora, o meu Reino não é daqui. Disse-lhe, pois, Pilatos: Logo tu és rei? Jesus respondeu: Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho de verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz. Disse-lhe Pilatos: Que é a verdade? E, dizendo isso, voltou até os judeus e disse-lhes: Não acho nele crime algum. Mas vós tendes por costume que eu vos solte alguém por ocasião da Páscoa. Quereis, pois, que vos solte o rei dos judeus? Então, todos voltaram a gritar, dizendo: Este não, mas Barrabás! E Barrabás era um salteador.” (grifo nosso)
[34] Clamor público, reiteração da prática delituosa, periculosidade do agente e gravidade do delito.
[35] Pelo fato de ter sido um dos crimes mais comentados, divulgados e debatidos da história brasileira, não há necessidade de delongar-se sobre o processo, senão em relação a fundamentação do decreto prisional do casal, bem como das decisões dos Habeas Corpus por eles impetrados.
[36] Recebimento da denúncia e deferimento da prisão preventiva proferidos nos autos da Ação Penal nº 274/2008, 2ª Tribunal do Júri de São Paulo/SP. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI2872267-EI5030,00.html>. Acesso em: 25 mai.2010.
[37] Além da credibilidade da Justiça, outros fatores como a “gravidade abstrata da infração, o clamor popular e a repercussão do caso”, foram utilizados para decretar-se a prisão preventiva sob o fundamento da garantia da ordem pública.
[38] VIDIGAL, Edson. RHC 2.725-7/STJ apud SILVA, Bruno César Gonçalves da. Uma vez mais: da garantia da ordem pública como fundamento de decretação da prisão preventiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 730, 5 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6965>. Acesso em: 09 jun. 2010.
[39] STF, HC 80.719/SP, rel. Min. Celso de Melo, Segunda Turma, j. 26.06.2001, DJe 28.09.2001; STF, HC 82.909/PR, rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 05.08.2003, DJe 17.10.2003.
[40] STF, HC 82.797/PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, j. 01.04.2003, DJe 02.05.2003.
[41] STJ, HC 141553/MG, rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 04.02.2010, DJe 26.04.2010.
[42] STF, HC 99676/SP, rel. Min. Ayres Britto, Primeira Turma, j. 23.03.2010, DJe 13.05.2010.
[43] STF, HC 102464/RR, rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, j. 09.03.2010, DJe, 06.05.2010.
[44] Guilherme de Souza Nucci, em seu Código de Processo Penal Comentado se posiciona no sentido de que a reiteração da prática criminosa “é motivo suficiente para constituir gravame à ordem pública, justificador da decretação da prisão preventiva.”
[45]LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal – Fundamentos da Instrumentalidade Garantista. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, apud SILVA, Luciana Leonardo Ribeiro. O alcance do conceito de ordem pública para fins de decretação de prisão preventiva . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1888, 1 set. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11669>. Acesso em: 28 mai. 2010.
[46] STF, HC 96.577-6/DF, rel. Min. Celso de Melo, Segunda Turma, j. 10.02.2009.
[47] STJ, HC 141604/SP, rel. Min. Celso Limongi, Sexta Turma, j. 18.05.2010, DJe 07.06.2010.
[48] STF, HC 101840/ES, rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, j. 27.04.2010. DJe 20.05.2010.
[49] STF, HC 94.541-4/SP, rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 30.06.2009.
[50] STF, HC 85.298-0/SP, rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 07.06.2005.
[51] O juízo a quo.
[52] O r. Min. Marco Aurélio está-se referindo à abolição, pela Constituição de 1988, da prisão preventiva obrigatória.
[53] Que tinha como escopo restringir a liberdade do acusado à prática, haja vista que só crimes de natureza grave são punidos com reclusão igual ou superior a dez anos.
[54] Mesmo que os pressupostos de materialidade do crime e indícios suficientes de autoria fossem também analisados, a prisão preventiva obrigatória não se pautava nos fundamentos (garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal e futura aplicação da lei penal), bastando-se apenas que o crime ora imputado ao acusado tivesse pena de reclusão igual ou superior a 10 (dez) anos.
[55] Previstas no artigo 23 e incisos do Código Penal Brasileiro.
[56] STF, HC 97177/DF, rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, j. 08.09.2009, DJe 08.10.2009.
[57] STF, HC 92098, rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 04.08.2009, DJe 17.09.2009.
[58] STF, HC 95100/SP, rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, j. 14.04.2009, DJe 14.05.2009.
[59] STF, HC 94072/SP, rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, j. 31.03.2009, DJe 21.05.2009.
[60] STJ, HC 136829/SP, rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, j. 02.02.2010, DJe 03.05.2010.
[61] TJ, HC 10100220090025502/RO, rel. Des. Walter Waltenberg Silva Junior, Primeira Câmara Especial, j. 21.03.2009, DJe 25.03.2009.
[62] CAVALHEIRO NETO, Augusto. A insuficiência da garantia da ordem pública como fundamento do decreto de prisão preventiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 270, 3 abr. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5039>. Acesso em: 09 jun. 2010.
Advogada (OAB/RO 4957) - Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões, pelas Faculdades Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NERES, Juline Rossendy Rosa. A Garantia da Ordem Pública como Fundamento para Decretação da Prisão Preventiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jun 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46869/a-garantia-da-ordem-publica-como-fundamento-para-decretacao-da-prisao-preventiva. Acesso em: 23 dez 2024.
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