A partir da leitura do disposto no artigo 27 da Lei 9.868/99, pode-se concluir que a modulação dos efeitos da sentença só poderá ocorrer no controle concentrado de constitucionalidade, ficando vedado aos demais Tribunais da Federação exercê-lo em sede de controle difuso.
Entretanto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem admitindo a realização da modulação dos efeitos da sentença, em sede de controle difuso, a despeito da ausência de preceito normativo expresso, é o caso, por exemplo, do julgamento do recurso extraordinário 197.917/SP[1]. Vale a pena a sua transposição, haja vista que foi uma decisão muito famosa do STF:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL.
1. O artigo 29, inciso IV da Constituição Federal, exige que o número de Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas a, b e c.2. Deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito (CF, artigo 29é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade.3. Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos têm mais Vereadores do que outros com um número de habitantes várias vezes maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático rígido que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia.4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a respectiva população configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema constitucional vigente.
5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos postulados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF,Art.37).6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da Republica, que admite a proporcionalidade da representação política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas (CF, artigos 27 e 45, §1). 7. Inconstitucionalidade, incidenter tantun, da lei local que fixou em 11 (onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600 habitantes somente comporta 09 representantes. 8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte provido.[2]
Como é cediço que a Lei 9.868/1999 se refere à ADI e à ADC (para a ADPF há a mesma previsão, em legislação própria). Assim, não existe uma lei que trate da modulação temporal dos efeitos da decisão em controle de constitucionalidade no controle difuso. O STF é que tem aplicado, por analogia, o art. 27 Da Lei 9.868/99 para o controle difuso.
Nesse diapasão, Dirley da Cunha Júnior ao tratar o tema, dispõe que o modelo difuso-incidental admite a mitigação da teoria da nulidade e, por conseguinte, os efeitos da sentença que declara a inconstitucionalidade podem se revestir de características prospectas, ou seja, podem ser declarados ex nunc. Ainda nesse pensar, propõe que, com vistas à segurança jurídica e relevante interesse social, poderá, o Supremo Tribunal Federal, modular os efeitos da sentença, não restando dúvidas da aplicação analógica do art. 27 da Lei 9868/99 em sede de controle difuso[3].
No mesmo sentido aduz Luís Roberto Barroso, ao dispor que o Pretório Excelso tem precedente, sendo alguns relativamente antigos, onde se deixou de aplicar a teoria da nulidade, conferindo efeitos ex nunc, realizados no controle difuso. Além disso, atesta que, nos últimos anos, os julgados, nesse sentido, se multiplicaram, com a invocação analógica do art. 27 da Lei 9868/99. Vai, inclusive, mais longe, afirmando que, a rigor técnico, não existe, se quer, a necessidade de previsão legal, para que seja realizada a ponderação de valores, conferindo efeitos prospectos à decisão de inconstitucionalidade[4].
Uadi Lamêngo Bulos, seguindo essa linha de pensar, alega que, além do STF, qualquer Tribunal de Justiça pode aplicar, por analogia, o art. 27 da Lei 9868/99, não existindo empecilho legal para tanto, citando, inclusive, um julgamento proferido pelo TJ/RS, que modulou os efeitos da sentença[5].
Pedro Lenza, também, é adepto desse posicionamento, fundamentando sua posição em uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público de São Paulo, onde o STF, ao julgar o caso concreto, conferiu efeitos prospectos a declaração de inconstitucionalidade[6].
Em sentido contrário está Emílio Peluso Meyer, salientando que essa possibilidade consiste em um grave problema, criticando então a posição do STF ao se utilizar desse expediente[7].
Com isso, percebe-se que eminentes doutrinadores e o próprio STF convergem ao aceitarem a possibilidade de se modular os efeitos da sentença em controle difuso de constitucionalidade, a despeito da respeitada posição do professor Emílio Peluso Meyer.
Ademais, podemos trazer a baila a possível a modulação nos casos de recepção/não-recepção de uma norma. Nesse caso, há dois posicionamentos, um de Gilmar Mendes, admitindo ser possível a modulação tendo por objeto normas anteriores à Constituição. E outro de Celso de Melo, por outro lado, entendeu não ser possível, a modulação temporal. Ressalta-se que o STJ tem precedente nesse sentido Edcl no Ag 1347330/SP.[8]
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS DA LEI 5.250/67. ADPF N. 130 DO STF. INCONSTITUCIONALIDADE. DANOS MORAIS. REVISÃO DO MONTANTE DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O STF, ao julgar a ADPF N. 130, declarou a não-recepção, pela Constituição Federal, da Lei de Imprensa em sua totalidade. Não sendo possível a modulação de efeitos das decisões que declaram a não-recepção, tem-se que a Lei de Imprensa é inválida desde a promulgação da Constituição Federal. 2. Portanto, inviável se configura o conhecimento de recurso especial por violação a dispositivos da Lei de Imprensa, pois ao Superior Tribunal de Justiça foi atribuído o mister constitucional de zelar pela correta aplicação e interpretação da legislação federal.3. A revisão do julgado recorrido no concernente à ocorrência do dano, bem como quanto à extensão do montante indenizatório arbitrado, ensejaria incursão à seara fático-probatória dos autos, o que encontra óbice no enunciado 7 da Súmula do STJ. 4. Embargos de declaração[9].
[1] BRASIL. Cf. RE 197.917/SP – Rel. Min. Maurício Corrêa, J.6.6.2002, Pleno; Dj, 07.05.2004, p.8.
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em:<http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/774152/recurso-extraordinario-re-197917-sp>. Acesso em: 20 jun. 2015.
[3] DA CUNHA JÚNIOR, op. cit., p. 150.
[4] BARROSO, op. cit., p. 127.
[5] BULOS, op. cit., p. 346.
[6] LENZA, op. cit., p. 155.
[7] MEYER, op. cit., p. 126.
[8] LORDELO, João. Manual prático de controle de constitucionalidade. Disponível em:<http://www.joaolordelo.com/#!Manual-Prático-de-Controle-de-Constitucionalidade-2ed/c193z/5564b8a00cf24874175cc15>. Acesso em: 20 jun. 2015.
[9] BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Disponível em:<https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201001638686&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea>. Acesso em: 20 jun. 2015.
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEAL, Frederico Augusto Monteiro. Modulação dos efeitos da sentença em sede de controle difuso-incidental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jun 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46875/modulacao-dos-efeitos-da-sentenca-em-sede-de-controle-difuso-incidental. Acesso em: 23 dez 2024.
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