RESUMO: O presente artigo científico tem por objetivo tecer breves comentários acerca da responsabilização civil da Administração Pública Brasileira em relação aos contratos de terceirização, além de fazer uma análise sobre a aplicação do verbete sumular 331 da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, principal instrumento normativo de aplicação das regras que conduzem essa relação trilateral de trabalho.
Palavras-chave: Terceirização, Responsabilidade Civil, Administração Pública, Súmula 331 do TST
ABSTRACT: This research paper aims to comment briefly on the civil liability of the Brazilian Public Administration in relation to outsourcing contracts, in addition to an analysis of the application of sumular entry 331 of the Labor Superior Court jurisprudence, the main legal instrument application of the rules that lead this trilateral working relationship.
Keywords: Outsourcing, Liability, Public Administration, Precedent 331 of the TST.
INTRODUÇÃO
A terceirização no Brasil se proliferou tanto no âmbito privado quanto público, o que tem gerado questionamentos quanto à regulamentação dessa forma de administrar, ao tipo de responsabilidade que esta enseja e a possibilidade de criar-se um vínculo de emprego com o tomador de serviços.
Por falta de regulamentação e devido às grandes demandas no judiciário, o TST sumulou a matéria através da súmula 331. Esta traz a regra de que a terceirização no Brasil é ilegal, gerando vínculo diretamente com o tomador de serviços, tendo como primeira exceção, a execução de serviços temporários. Estabelece ainda que não é possível criar vínculo com a Administração Pública, visto que a Constituição Federal de 1988 no seu art. 37, II traz o requisito do concurso público para a investidura em cargo ou emprego público.
Esta mesma súmula, em sua redação original, trazia a responsabilidade subsidiária da Administração Pública no caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do trabalhador, ou seja, caso o empregador não honre com suas obrigações, a administração pública se tornaria responsável, desde que tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. No entanto, em maio de 2011 o TST alterou a redação da presente súmula acrescentando o item V e VI, que estabelece que a Administração só se responsabilizará subsidiariamente caso tenha agido culposamente – culpa inteligente e culpa in vigilando – em não obedecer aos requisitos da Lei 8.666, de 1.993.
No entanto, com base nos primados constitucionais e nos princípios consagrados do direito do trabalho, deve haver uma ponderação de interesses de forma a não onerar o Estado em face do inadimplemento da prestadora dos serviços, bem como não transferir ao trabalhador, parte mais fraca deste relação triangularizada, o ônus por uma opção que a Administração Pública fez.
1. A administração Pública e os Contratos de Terceirização.
A terceirização, fenômeno da modernidade, é vista como um padrão de excelência empresarial e administrativa, pois possibilita a redução de custos de mão de obra e a especialização dos serviços prestados.
Trata-se, em síntese, de uma dúplice relação jurídica, em que um sujeito contrata os serviços de outro, em um pacto de natureza civil, e este último contrata empregados, que trabalham em atividades relacionadas com o tomador de serviços.
A responsabilidade patrimonial para os créditos trabalhistas dos empregados é de quem é o sujeito da relação obrigacional, qual seja, seu empregador, no caso, o prestador de serviços.
Todavia, a jurisprudência trabalhista, de acordo com Pamplona e Gagliano[1] - consagrou uma hipótese didática de obligatio sem debitum -, construiu e acolheu a tese da responsabilidade civil subsidiária do tomador de serviços pelos débitos trabalhistas do prestador.
2. Análise da Súmula 331 do TST.
A presente matéria está ventilada na Súmula (ex-Enunciado) 331 do colendo Tribunal Superior do Trabalho.
Enunciado n. 331:
Contrato de Prestação de Serviços — Legalidade — Revisão do Enunciado n. 256:
I — A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo nos casos de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3-1-1974).
II — A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição da República).
III — Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20-6-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados a atividade meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV — O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador do serviço quanto àquelas obrigações, desde que tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial” (Res. OE n. 23, de 17-12-1993, DJU, 21-12-1993).
Vê-se que, a incidência normativa a ser emanada é a do inciso IV do Enunciado n. 331 do TST, com a sujeição à responsabilidade patrimonial subsidiária da tomadora dos serviços, caso não sejam encontrados bens da prestadora demandada para fazer frente aos créditos eventualmente reconhecidos nesta decisão.
Convém ressaltar, inclusive, que o referido inciso IV foi modificado posteriormente pela Resolução n. 96/2000, publicada no DJU de 18-9-2000 (p. 290), passando a ter a seguinte redação:
IV — O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial” (art. 71 da Lei n. 8.666/93).
Por conseguinte, ainda que atendidos os requisitos do regular procedimento licitatório, a responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelos débitos trabalhistas das empresas terceirizantes deveria permanecer.
Em 24 de janeiro de 2010, o STF, nos autos da ADC 16-9/DF, declarou a constitucionalidade do art. 71 da Lei 8.666/93 – Lei de Licitações e Contratos –, afastando a aplicação da Súmula 331, IV, do TST, que prevê a responsabilidade subsidiária dos entes públicos quando ocorre inadimplência, por parte das empresas prestadoras de serviços, no tocante aos créditos dos trabalhadores.
Ocorre que, malgrado o entendimento da Suprema Corte, aceitando à constitucionalidade do art. 71 da Lei de Licitações, e mesmo desconsiderando Súmula 331 do C. TST, ainda assim, existe fundamento para responsabilizar a tomadora dos serviços pelos créditos trabalhistas.
Primeiramente aceitemos que a mera inadimplência das verbas trabalhistas pela prestadora de serviços não transfere a responsabilidade para o tomador, ente público da administração direta ou indireta, para fazer a apologia do teor do art. 71, anteriormente referido.
Acontece que, quando o tomador dos serviços, não obstante seja um ente público, pautado pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37 da CF/88), não fiscaliza os contratos firmados, especialmente no que tange o cumprimento da legislação laboral, causa dano aos trabalhadores, incidindo, no caso, o teor do art. 186 c/c o art. 927 do Código Civil, não havendo, deste modo como isentar de responsabilidade o ente estatal contratante e beneficiário direto dos serviços prestados pelo trabalhador.
Pamplona e Gagliano[2] escrevendo sobre o tema nos fala,
Do contrário, estaríamos diante da defesa da irresponsabilidade absoluta da parte tomadora, do que não poderão os entes públicos se socorrerem. A responsabilidade do tomador de serviços se encaixa no conceito de responsabilidade por ato de terceiro, que é regulada pelo Código Civil, fonte subsidiária do direito do trabalho, e pelo art. 8.º da CLT. A Administração Pública incorre na culpa in eligendo, quando escolhe mal a prestadora de serviços referida. Incorre também em culpa in vigilando, quando negligencia a fiscalização do cumprimento do contrato, especialmente no que diz respeito ao cumprimento das normas trabalhistas dos empregados que derramaram suor nas atividades para as quais foram contratados.
Destaca-se que a própria Lei 8.666/93, nos arts. 58 e 67, dispõe sobre a obrigação legal do ente, ou entidade pública, em fiscalizar o cumprimento do contrato, o que inclui as obrigações perante terceiros, no caso os trabalhadores.
Nesse sentido, se adotássemos a teoria da irresponsabilidade absoluta da Administração Pública, violaríamos diretamente um dos fundamentos da República, o valor social do trabalho (art. 3.º, IV, da CF) e a valorização do trabalho, pilastra da ordem econômica e justiça social (arts. 170 e 193 da CF). Constituindo, nesse ínterim um absurdo, pois seria como se a própria Administração Pública voltasse as costas aos problemas sociais decorrentes da terceirização.
Decisão do C. TST, 6.ª Turma, cuja Relatoria é do Min. Maurício Godinho Delgado, invoca esta compreensão acerca da responsabilidade subsidiária dos entes, ou entidades públicas, verbis:
Agravo de instrumento. Recurso de revista. Terceirização trabalhista — Entidades estatais — Responsabilidade em caso de culpa, in vigilando, no que tange ao cumprimento da legislação trabalhista e previdenciária por parte da empresa terceirizante contratada — Compatibilidade com o art. 71 da Lei de Licitações — Incidência dos arts. 159 do CCB/1916, 186 e 927, caput, do CCB/2002. Decisão denegatória. Manutenção. A mera inadimplência da empresa terceirizante quanto às verbas trabalhistas e previdenciárias devidas ao trabalhador terceirizado não transfere a responsabilidade por tais verbas para a entidade estatal tomadora de serviços, a teor do disposto no art. 71 da Lei n. 8.666/93 (Lei de Licitações), cuja constitucionalidade foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal na ADC 16-DF. Entretanto, a inadimplência da obrigação fiscalizatória da entidade estatal tomadora de serviços no tocante ao preciso cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias da empresa prestadora de serviços gera sua responsabilidade subsidiária, em face de sua culpa in vigilando, a teor da regra responsabilizatória incidente sobre qualquer pessoa física ou jurídica que, por ato ou omissão culposos, cause prejuízos a alguém (art. 186, Código Civil). Evidenciada essa culpa in vigilando nos autos, incide a responsabilidade subjetiva prevista no art. 159 do CCB/16, arts. 186 e 927, caput, do CCB/2002, observados os respectivos períodos de vigência. Registre-se que, nos estritos limites do recurso de revista (art. 896, CLT), não é viável reexaminar-se a prova dos autos a respeito da efetiva conduta fiscalizatória do ente estatal (Súmula 126/TST). Sendo assim, não há como assegurar o processamento do recurso de revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os fundamentos da decisão denegatória, que ora subsiste por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido” (Processo: AIRR 79.640-28.2008.5.11.0006, j. 2-2-2011, Rel. Min. Maurício Godinho Delgado, 6.ª Turma, DEJT de 11-2-2011.
Na mesma esteira, veja-se decisão da 8.ª Turma, de relatoria da Min. Dora Maria da Costa, in verbis:
Agravo de instrumento em recurso de revista. 1. Responsabilidade subsidiária. Administração Pública. Culpa in vigilando. O Tribunal Regional decidiu a controvérsia em consonância com a Súmula 331, IV, desta Corte Superior, que tem por fundamento principalmente a responsabilidade subjetiva, decorrente da culpa in vigilando (arts. 186 e 927 do Código Civil). Isso porque os arts. 58, III, e 67 da Lei n. 8.666/93 impõem à Administração Pública o dever de fiscalizar a execução dos contratos administrativos de prestação de serviços por ela celebrados. No presente caso, o ente público tomador dos serviços não cumpriu adequadamente essa obrigação, permitindo que a empresa prestadora contratada deixasse de pagar regularmente a seus empregados as verbas trabalhistas que lhes eram devidas. Saliente-se que tal conclusão não implica afronta ao art. 97 da CF e à Súmula Vinculante 10 do STF, nem desrespeito à decisão do STF na ADC 16, porque não parte da declaração de inconstitucionalidade do art. 71, § 1.º, da Lei n. 8.666/93, mas da definição do alcance da norma inscrita no citado dispositivo com base na interpretação sistemática, em conjunto com as normas infraconstitucionais citadas acima. Óbice do art. 896, § 4.º, da CLT e da Súmula 333 do TST. 2. Limites da responsabilidade subsidiária e juros moratórios. A insurgência caracteriza-se inovação recursal da parte, tendo em vista que nem a reclamada, no seu recurso de revista, nem o despacho denegatório trataram dessas matérias. Agravo de instrumento conhecido e não provido” (Processo: AIRR — 101440-13.2009.5.03.0132, j. 16-2-2011, Rel. Min. Dora Maria da Costa, 8.ª Turma, DEJT de 18-2-2011).
Inclusive no que diz respeito ao ônus da prova, a matéria é desfavorável à atitude de Administração Pública, segundo se pode verificar também do seguinte julgado:
Agravo de instrumento desprovido — Terceirização — Dever de fiscalização — Administração Pública — Omissão — Culpa in vigilando — Responsabilidade subsidiária — Decisão do STF na ADC 16. No julgamento da ADC 16, o Supremo Tribunal Federal, ao declarar a constitucionalidade do art. 71, § 1.º, da Lei n. 8.666/93, ressalvou a possibilidade de a Justiça do Trabalho constatar, no caso concreto, a culpa in vigilando da Administração Pública e, diante disso, atribuir responsabilidade ao ente público pelas obrigações, inclusive trabalhistas, inobservadas pelo contratado. A própria Lei de Licitações impõe à Administração Pública o dever de fiscalizar a execução dos contratos administrativos, conforme se depreende dos arts. 58, 111 e 67, § 1.º, da Lei n. 8.666/93. Partindo dessas premissas, compete ao ente público, quando pleiteada em juízo sua responsabilização pelos créditos trabalhistas inadimplidos pelo contratado, apresentar as provas necessárias a demonstração de que cumpriu a obrigação prevista em lei, sob pena de restar caracterizada a culpa in vigilando da Administração Pública, decorrente da omissão quanto ao dever de fiscalização da execução do contrato administrativo. Agravo de Instrumento a que se nega provimento” (AIRR — 4527-94.2010.5.01.0000 Acórdão redigido por — GMCA DEJT — 18-3-2011).
Conforme se observou, seis meses após a decisão do STF, o pleno do TST reuniu-se, no dia 24 de maio de 2011, para definir uma nova redação para a Súmula 331.
De tal modo, o pleno do TST modificou o inciso IV e acrescentou outros dois incisos, ficando da seguinte maneira:
IV — O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V — Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI — A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
A noção dessa responsabilização é fundamentada na culpa in eligendo do tomador de serviços, ou seja, na escolha do prestador, bem como in vigilando da atividade exercida, aplicando-se analogicamente outras disposições da legislação trabalhista, como, por exemplo, o art. 455 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Art. 455. Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro.
Parágrafo único. Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para a garantia das obrigações previstas neste artigo.
Ao terceirizar uma atividade antes pertencente à tomadora, elegeu esta um determinado sujeito — seja pessoa física ou jurídica — para desempenhar a atividade em seu lugar. Porém, aos olhos da comunidade, aquela atividade-meio desempenhada realiza-se como se estivesse sendo feita pela própria tomadora.
Por exemplo, se um determinado restaurante terceiriza o serviço de manobrista de seus clientes, deve responder, juntamente com o empregador do manobrista, pelos danos causados ao consumidor, no exercício dessa função.
Tal responsabilização não se trata de uma novidade no sistema jurídico, mas sim, da consagração da ideia de que se deve propugnar sempre pela mais ampla reparabilidade dos danos causados, não permitindo, assim, que aqueles que usufruem dos benefícios da atividade terceirizada não respondam também pelos danos causados por ela.
Por fim, vale registrar, no que diz respeito aqueles danos causados diretamente pela tomadora ao empregado da prestadora de serviços, a hipótese será regulada pelas regras concernentes à responsabilidade do empregador por danos causados aos seus empregados (ou seja, a priori, responsabilidade subjetiva, sem prejuízo de se tornar objetiva, caso se enquadre a atividade na previsão do parágrafo único do art. 927, Código Civil).
3. Argumentações favoráveis à responsabilização estatal.
Até entre os que defendem a responsabilização estatal, existe divergência quanto à natureza de tal responsabilidade. Seguindo o Enunciado 331 do TST, estão aqueles que propugnam pela responsabilidade subsidiária e de outro lado, como minoria, os que defendem a responsabilidade solidária.
Dentre os principais argumentos dos defensores da responsabilidade subsidiária, está a interpretação analógica do art. 455 da CLT, já mencionado, o qual estabelece a responsabilidade subsidiária do empreiteiro no caso de inadimplemento dos encargos trabalhistas pelo subempreiteiro.
Conforme os defensores dessa corrente, a responsabilidade prevista na norma supramencionada tem sua origem nos institutos da culpa in eligendo e in vigilando presentes na órbita da responsabilidade civil.
Liliana Maria Del Nery[3] argumenta que:
Se a Administração Pública Direta e/ou Indireta elege empresa inidônea para prestar serviços de natureza pública, e se, em decorrência da conduta culposa mencionada, tal empresa inadimple com suas obrigações trabalhistas, causando prejuízos a terceiros, quais sejam, os empregados, tem-se a culpa da Administração e sua responsabilidade é subsidiária perante empregados da prestadora dos serviços por força do mandamento constitucional.
O TST defende a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, embora hoje mitigada pela nova redação[4]:
Responsabilidade subsidiária. As empresas públicas e de economia mista são responsáveis subsidiárias pelos débitos trabalhistas, quando não honrados por empresas contratadas, com base no Decreto-lei nº 200/67. Se a empresa contratada se torna insolvente, a contratante assume o ônus trabalhista (Súmula nº 331 do TST).
O voto acima se fundamenta no sentido de que o art. 71 da Lei 8.666/93 apenas reproduz a antiga legislação que outrora regulamentava as licitações (Decreto-lei 2.300/96). A nova lei define em seu art. 1º o objeto a que se destina. O art. 6º define o que seja serviço e não inclui os contratos e serviços de locação de mão-de-obra. Novamente, o art. 7º redefine o que sejam serviços para efeitos da lei. O art. 55 insere as cláusulas obrigatórias dos contratos que são regulamentados, não abarcando os de natureza trabalhista – locação de mão-de-obra.
Assim, vê-se que os contratos ora regulamentados pela atual lei de licitações não possuem a mesma natureza daqueles de prestação de trabalho e fornecimento de mão-de-obra, de modo que inaplicável a eles. Estes são regulamentados pelo Decreto-lei 200/67, pelas Leis 6.019/74 e 7.102/83, além da Constituição e do Código Civil, que, por sua vez, responsabiliza os que por ação ou omissão causarem danos a terceiros.
Além disso, no que se refere ao art. 71 da Lei 8.666/93, que afasta a responsabilidade trabalhista do Estado em caso de inadimplência do contratado, há os que sustentam a inconstitucionalidade da referida norma, tendo em vista o art. 37, § 6º da CR/88, que determina a responsabilidade objetiva do Estado por danos causados por seus agentes a terceiros, embora tal inconstitucionalidade tenha sido afastada pela ADC 16.
Na ação, o governo do DF alegou que o dispositivo legal em questão "tem sofrido ampla retaliação por parte de órgãos do Poder Judiciário, em especial o Tribunal Superior do Trabalho (TST), que diuturnamente nega vigência ao comando normativo expresso no artigo 71, parágrafo 1º da Lei Federal nº 8.666/1993”. Observou, nesse sentido, que a Súmula 331 do TST prevê justamente o oposto da norma do artigo 71 e seu parágrafo 1º.
A ADC foi ajuizada em março de 2007 e, em maio daquele ano, o relator, ministro Cezar Peluso, negou pedido de liminar, por entender que a matéria era complexa demais para ser decidida individualmente. Posta em julgamento em setembro de 2008, o ministro Menezes Direito (falecido) pediu vista dos autos, quando o relator não havia conhecido da ação, e o ministro Marco Aurélio dela havia conhecido, para que fosse julgada no mérito.
Hoje, a matéria foi trazida de volta a Plenário pela ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, uma vez que o sucessor do ministro Direito, o ministro Dias Toffoli, estava impedido de participar de seu julgamento, pois atuou neste processo quando ainda era advogado geral da União.
Na retomada do julgamento, o presidente do STF e relator da matéria, ministro Cezar Peluso, justificou o seu voto pelo arquivamento da matéria. Segundo ele, não havia controvérsia a ser julgada, uma vez que o TST, ao editar o Enunciado 331, não declarou a inconstitucionalidade do artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666.
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia divergiu do ministro Cezar Peluso quanto à controvérsia. Sob o ponto de vista dela, esta existia, sim, porquanto o enunciado do TST ensejou uma série de decisões nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e, diante delas e de decisões do próprio TST, uma série de ações, sobretudo Reclamações (RCLs), junto ao Supremo. Assim, ela se pronunciou pelo conhecimento e pelo pronunciamento da Suprema Corte no mérito.
O ministro Marco Aurélio observou que o TST sedimentou seu entendimento com base no artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que define o que é empregador, e no artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal (CF), que responsabiliza as pessoas de direito público por danos causados por seus agentes a terceiros.
Nesta ocasião, ao decidir, a maioria dos ministros se pronunciou pela constitucionalidade do artigo 71 e seu parágrafo único, e houve consenso no sentido de que o TST não poderá generalizar os casos e terá de investigar com mais rigor se a inadimplência tem como causa principal a falha ou falta de fiscalização pelo órgão público contratante.
No entanto, o ministro Ayres Britto endossou parcialmente a decisão do Plenário. Ele lembrou que só há três formas constitucionais de contratar pessoal: por concurso, por nomeação para cargo em comissão e por contratação por tempo determinado, para suprir necessidade temporária.
Assim, segundo ele, a terceirização, embora amplamente praticada, não tem previsão constitucional. Por isso, no entender dele, nessa modalidade, havendo inadimplência de obrigações trabalhistas do contratado, o poder público tem de responsabilizar-se por elas.
Por outro lado, os que levantam a bandeira da responsabilidade solidária, assim argumentam[5]:
Assim, por exemplo, se o trabalhador se acautelou já na inicial de chamar também o Poder Público para integrar o processo, juntamente com a empresa contratada para a execução do serviço público, o crédito trabalhista pode ser recebido diretamente da administração pública que responde objetivamente pela respectiva dívida como previsto pela CF no art. 37, § 6º, onde a administração pública é responsabilizada pelos danos então causados a terceiros, no caso, os trabalhadores então utilizados na execução dos serviços então contratados pelo Poder Público, União, Estados e Municípios.
4. Argumentações desfavoráveis à responsabilização estatal.
Inúmeras razões são indicadas pelos defensores da não responsabilização do Estado pelos créditos trabalhistas em face ao inadimplemento do empregador. Uma delas é a absoluta falta de vínculo empregatício entre o ente público tomador de serviços e o empregado da firma terceirizada. Outra justificativa é a obediência ao princípio da legalidade em razão da leitura literal do art. 71 da Lei 8.666/93.
Dora Maria de Oliveira Ramos[6] sustenta que a responsabilidade do Estado deve limitar-se à terceirização ilícita, ou seja, quando presente a pessoalidade, a subordinação, e demais elementos da relação de emprego, configurando-se a fraude de que trata o art. 9º da CLT. Destaca que não há previsão para a hipótese de culpa in vigilando e culpa in eligendo, uma vez que inexiste o dever de fiscalização por parte do Estado. Por fim, observa que há o dever de fiscalização das dívidas previdenciárias e não as trabalhistas.
Esta autora ainda alerta que:
A responsabilização do Estado, enquanto tomador de serviços terceirizados, em caso de inadimplemento da contratada, é um potencial de incremento ao risco aos cofres públicos gerado pela terceirização, duplamente onerados em caso de descumprimento do contrato. Essa questão deve, em consequência, ser ponderada pelo Administrador Público quando da decisão de terceirizar.
André Wilson Avellar Aquino[7], por sua vez, expõe:
Quanto à responsabilidade pelas parcelas decorrentes do trabalho realizado, tenho que, não sendo possível o reconhecimento do vínculo de emprego, não há como se reconhecer o direito de pleitear verbas trabalhistas correspondentes, isto em relação à Administração Pública. Ora, qualquer espécie de indenização deve ser alcançada junto à empresa fornecedora de mão-de-obra ou do serviço. Ao Estado não pode resultar essa responsabilidade do mau administrador, devendo-se, mais uma vez, ressaltar que o interesse público deve prevalecer sobre o interesse individual.
Nesse sentido, observam-se os seguintes julgados que negam a responsabilidade do Estado:
Terceirização. Autarquia. Inexistência de responsabilidade subsidiária. Considerando-se que a administração pública fulcra-se no princípio da legalidade, o não pagamento das obrigações trabalhistas, por empresa fornecedora de mão-de-obra, não implica na responsabilidade subsidiária do tomador de serviço, quando este é entidade pública, por força do que dispõe a Lei 8.666/93, em ser art.
71, parágrafo 1º e art. 37, inc. XXI, da atual Carta Política. Recursos providos.
ILEGITIMIDADE DE PARTE. CONTRATAÇÃO DE TRABALHADOR POR EMPRESA INTERPOSTA. TOMADORA CONTRATANTE: DERSA - DESENVOLVIMENTO RODOVIÁRIO S/A - SOCIEDADE ANÔNIMA DE CAPITAL AUTORIZADO. ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DO ESTADO DE SÃO PAULO. A Lei nº 8.666/9 3 (art. 71), dispõe que a empresa fornecedora de mão-de-obra que contrata com a administração pública indireta é a única responsável pelos encargos trabalhistas resultantes da execução desses serviços no órgão público tomador. Por outro lado, se a própria CF (art. 37, II e § 2º) determina que a investidura em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em concurso público, sob pena de nulidade do ato e punição da autoridade responsável, não pode o Poder Judiciário substituir a vontade do legislador e criar nova forma de investidura, o que ocorreria se fosse admitida a responsabilidade subsidiária por parte da entidade pública contratante. Inteligência do Enunciado nº 331, II, do C. TST, que dispõe no sentido de que a contratação irregular de trabalhador, através de empresas interpostas, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Direta, Indireta ou Fundacional. Inaplicabilidade do inciso IV, do Enunciado suprarreferido. Extinção do processo sem julgamento de mérito por ilegitimidade de parte da empresa tomadora.
ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL - TOMADOR DE SERVIÇOS - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - INEXISTÊNCIA - "É lícita a contratação de mão-de-obra para a execução de atividades intermediárias, pelo Estado de Mato Grosso do Sul, através de empresa especializada, não se formando o vínculo com a tomadora dos serviços, nem tampouco assume ele a responsabilidade subsidiária pelo solvimento das obrigações decorrentes do contrato."
Salienta-se, portanto, que para os doutrinadores que afastam a responsabilidade objetiva do Estado, a hipótese prevista no parágrafo 6º do art. 37 da Constituição de 1988, é completamente distinta da situação em tela – responsabilização por terceirização, pois na terceirização, segundo eles, está ausente o nexo causal – pressuposto indispensável para a responsabilidade objetiva do Estado.
5. Reflexões a respeito das correntes apontadas.
Em relação à corrente que defende a responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelos encargos trabalhistas inadimplidos pela empresa terceirizada, acolhe-se que a sua maior fragilidade reside no fato de a Administração Pública ter como norte o princípio da legalidade. Maria Sylvia Zanella di Pietro preleciona que, em razão do primado da legalidade, "a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite" – princípio da legalidade estrita. Nesse diapasão como se poderia, então, aplicar ao Estado analogicamente a interpretação do art. 455 da CLT e responsabilizá-lo pelas obrigações trabalhistas não pagas pela prestadora de serviços? No mesmo sentido, questiona-se: como onerar o Estado através de uma responsabilização não fundada em lei explícita, mas em mera interpretação extensiva?
Ocorre que, mesmo não existindo lei específica que regule a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços – no caso o Estado –, não se duvida que este também está sujeito às regras da responsabilidade civil, previstas nos artigos 186 e 927 do Código Civil. Deste modo, o Estado, ao negociar com a empresa terceirizada, realiza um contrato administrativo, no entanto, ocorrendo danos a terceiros, a Administração Pública não pode se eximir das suas obrigações civis, tendo o dever de indenizar os prejudicados pelos danos cometidos.
O já mencionado art. 186 do Código Civil caracteriza o ato ilícito como o dano causado a outrem, ainda que exclusivamente moral, decorrente de ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência. Já o art. 927 do mesmo código, por seu turno, estabelece que aquele que cometer ato ilícito está obrigado a indenizar o prejudicado.
Desta maneira, o ente estatal, ao se omitir em fiscalizar a empresa prestadora de serviços em relação ao pagamento das verbas trabalhistas dos empregados desta – culpa in vigilando –, ou até mesmo, quando não toma as devidas precauções no momento da licitação – culpa in elegendo –, negligencia e portanto, contrai para si a obrigação de indenizar o trabalhador.
Observa-se que, se a escolha do melhor licitante recaiu em empresa que, por exemplo, veio a falir durante a execução do contrato, significa que o inadimplemento de obrigações trabalhistas é consequência da má escolha pela Administração Pública. Assim, vê-se que o princípio da proteção ao trabalhador e a teoria do risco, como já demonstrado em sessão anterior, explicam a preocupação de não deixar desabrigado o trabalhador, constituindo, deste modo, uma responsabilidade indireta daquele que, embora não seja o empregador direto, tenha se beneficiado da atividade dos trabalhadores contratados pelo tomador de serviços.
Seria desarrazoado, entretanto, atribuir à Administração Pública uma responsabilidade solidária por tal omissão, uma vez que esta cumpriu com as suas obrigações contratuais face a prestadora de serviços. Do mesmo modo, é importante frisar que o responsável principal pelo pagamento dos encargos trabalhistas é o empregador direto, ou seja, a empresa terceirizada. Assim, para que se reconheça o prejuízo causado ao obreiro, faz-se necessário demonstrar, preliminarmente, a incapacidade financeira da empresa prestador dos serviços.
Carolina Pereira Mercante[8] citando André de Laubadére explica que no direito francês, é pacífica a ideia da responsabilidade subsidiária do ente público, no caso de prejuízos causados por particulares no exercício da função pública:
La réparation en cas de dommage causé par une personne privée chargée de la gestion d’un service public, incomberá à tritre principale à la personne privé. En cas d’insolvabilité de celleci, elle incomberá à tritre subsidiaire à la collectivité publique.
Sabe-se, que a solidariedade não se presume, pois esta advém da lei ou da vontade das partes. Em relação à Administração Pública, devido ao princípio da legalidade estrita, somente poderia ser aceita se houvesse expressa previsão legal.
Portanto, infere-se que, no caso das terceirizações de serviços, a empresa terceirizada assume o papel de agente público, pois a ela foi delegada a obrigação de executar determinada atividade que, a priori, competia ao Estado. Assim, ao transferir ao particular a execução de funções (ainda que acessórias), a Administração Pública está transformando-o em agente público.
A definição de agente público para Celso Antônio Bandeira de Mello[9] é tomada de forma mais ampla:
(...) sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente. Quem quer que desempenhe as funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público. Por isto, a noção abarca tanto o Chefe do Poder Executivo (em quaisquer das esferas) como os senadores, deputados e vereadores, os ocupantes de cargos ou empregos públicos da Administração direta dos três Poderes, os servidores das autarquias, das fundações governamentais, das empresas públicas e sociedades de economia mista nas distintas órbitas de governo, os concessionários, os permissionários de serviço público, os delegados de função ou ofício público, os requisitados, os contratados sob locação de serviços e os gestores de negócios públicos.
Com mesmo enfoque, Aparecida Vendramil[10] explica:
Assim sendo, a expressão "agentes" adotada no texto constitucional, por sua amplitude abarca todas as pessoas que, definitiva ou transitoriamente, exercem atividades administrativas, direta ou indiretamente. Sejam essas atividades exercidas por agentes públicos administrativos ou por particulares no desempenho de funções pública, estará o Estado vinculado para os efeitos da responsabilidade que lhe é imputada.
Deste modo, ao se considerar a empresa prestadora de serviços públicos como um agente público do Estado, pode-se concluir que aquela, ao não adimplir as verbas trabalhistas devidas ao obreiro, causa-lhe dano e portanto, deveria o Estado indenizar-lhe, nos moldes da norma constitucional supramencionada.
Dentre os administrativistas, há autores que explicam que a responsabilidade prevista no art. 37, § 6º da CR/88 refere-se apenas aos atos dos agentes público e não às suas omissões.
Celso Antônio Bandeira de Mello[11] ensina a respeito do assunto:
Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser o autor do dano. E se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que não impunha obstar o evento lesivo. Deveras, caso o poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as consequências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E sendo, não há conduta ilícita do Estado que não seja provenientemente subjetiva, pois imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente modalidades de responsabilidade subjetiva.
Maria Sylvia Zanella di Pietro[12], no mesmo sentido, defende que a responsabilidade do Estado por omissão é subjetiva, devendo para tanto ser apurado o elemento culpa:
(...) neste caso, entende-se que a responsabilidade não é objetiva, porque decorrente do mau funcionamento do serviço público; a omissão na prestação do serviço tem levado à aplicação da teoria da culpa do serviço público (faute du service); é a culpa anônima, mas não individualizada; o dano não decorreu de atuação de agente público, mas de omissão do poder público.
Tomando como fundamento as lições destes dois grandes administrativistas, não há que se falar em responsabilidade solidária, pois resta afastada a responsabilidade objetiva esculpida na norma constitucional ora discutida.
Ao contratar serviços de particulares, o Poder Público deve seguir os preceitos constantes na Lei 8.666 de 1993. Dos quais, está o dever de eleger empresa idônea e qualificada. A lei de licitações em seu art. 27 estabelece como requisitos para a habilitação dos interessados: a habilitação jurídica; qualificação técnica, qualificação econômico-financeira; regularidade fiscal; e cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.
Quanto à etapa de execução do contrato administrativo, o art. 58, inciso III, da referida lei, permite que a Administração Pública fiscalize a execução das prestações pactuadas. Por conseguinte, o art. 67 dispõe que a execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.
Logo, se o ente público não observou rigorosamente os procedimentos legais, não fiscalizando a empresa contratada, não prezando pela sua idoneidade, acaba agindo com culpa, e, consequentemente, não sendo mais possível a aplicação do art. 71 da aludida lei.
Já quanto ao argumento de que a responsabilidade subsidiária não permite à Administração Pública o direito à ampla defesa e ao contraditório, em razão de não ter condições de rebater as alegações feitas pelo trabalhador, uma vez que não tinha acesso aos dados deste, crê-se que tal indagação não merece prosperar. Ora, quando o Estado é chamado à lide, este pode questionar inúmeros aspectos da relação trabalhista como o período de prestação de serviços, feriados ou dias de recesso, cálculos das verbas trabalhistas, condições da ação, pressupostos processuais, dentre outros.
Finalmente, convém rebater a alegação de que o reconhecimento da responsabilidade subsidiária vai de encontro com a regra do art. 37, II da CR/88, a qual dispõe sobre a obrigatoriedade de prévio concurso público para o ingresso em cargo público. Observa-se que ao responsabilizar o Estado não se está reconhecendo vínculo de emprego do terceirizado com a Administração Pública. Como já mencionado anteriormente, a relação empregatícia stricto sensu se dá somente com a empresa terceirizada, pois é esta a quem o obreiro subordina-se juridicamente. Na terceirização legítima, o tomador de serviços não constitui relação personalíssima com o trabalhador. Para o usuário final da mão-de-obra, não é fundamental a pessoa do empregado, mas sim o serviço por ela desempenhado. Por a responsabilidade subsidiária possuir natureza civil, não há o que se cogitar em violação aos mandamentos constitucionais.
A Justiça do Trabalho uniformizou seus julgados e editou o Enunciado 331 do TST, que prevê a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços pelas obrigações trabalhistas não pagas pela prestadora de serviços.
No entanto, quando o tomador dos serviços é a Administração Pública – hipótese muito comum atualmente - a questão torna-se mais complexa, pois, a referida súmula traz alguns requisitos a serem preenchidos para que eventual responsabilização possa acontecer, na hipótese de inadimplemento das verbas trabalhistas pela empresa terceirizada.
Há os que defendem a isenção da responsabilidade estatal, outros a responsabilidade solidária e a maioria, a responsabilidade subsidiária.
A nosso ver eximir o Estado de qualquer responsabilidade seria reconhecer seu enriquecimento ilícito, uma vez que este se beneficiou da força de trabalho do empregado terceirizado e foi negligente ao não fiscalizar a empresa contratada.
Considerado constitucional pelo STF, o art. 71 da Lei 8.666/93 exclui a responsabilidade trabalhista do Estado em contratos administrativos, porém, ressalva-se que tal artigo apenas poderia ser invocado no caso de o ente público ter cumprido todas as formalidades previstas na mesma lei. Assim, uma vez tendo contratado empresa inidônea ou não tendo supervisionado a execução do contrato, a Administração ofende às regras ali estabelecidas.
Por outro lado, a responsabilidade solidária traria conseqüências jurídicas e econômicas desastrosas, tendo em vista que se estaria desviando a responsabilidade do principal devedor, qual seja, a prestadora de serviços, real empregadora do trabalhador terceirizado. Ademais, a solidariedade não se presume, deve estar expressa.
Como forma de proteger o trabalhador – em obediência aos princípios jus trabalhista, em especial o da proteção - os Entes Administrativos poderiam exigir medidas assecuratórias do repasse de verbas para os trabalhadores, como por exemplo, cauções idôneas que sejam capazes de suprir eventual inadimplência, resguardando assim os direitos trabalhistas.
Logo, entende-se que o Estado deve ser responsabilizado subsidiariamente, com fundamento em sua culpa in eligendo e in vigilando, institutos que consagram a responsabilidade civil subjetiva e que acarretam para o causador do dano o dever de indenizar o prejudicado, que é, no caso, o trabalhador terceirizado.
No entanto, é importante frizar ao final deste trabalho, mesmo que a Administração Pública tenha escolhido bem a empresa, não incorrendo em culpa in elegendo, e tenha fiscalizado os contratos, não se sujeitando a culpa in vigilando, caso a prestadora de serviços não honre com o pactuado e seja impossível obter o adimplemento das verbas trabalhistas por meio desta, a responsabilidade deverá recair sobre a tomadora dos serviços. Uma vez que esta assumiu o rico em terceirizar uma atividade se beneficiando do serviços prestados pelos trabalhadores, estes últimos, em obediência aos primados constitucionais, não podem ver seus direitos - a duras penas conquistados - serem tolhidos, em razão de uma opção que a Administração Pública fez
[1] GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume 3: responsabilidade civil. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 310.
[2] GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume 3: responsabilidade civil. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 311.
[3] NERY, Liliana Maria Del. As disposições do artigo 71 da Lei 8666/93 e a responsabilidade subsidiária da administração pública. Disponível em <http://www.trt15.gov.br/revista01/artigo 71html.
[4] TST RR n 590459/99. Rel. Ministro Gelson de Azevedo. In: Diário da Justiça da União, de 09/ 06/2000 p. 423.
[5] AVELLAR, A.W. Terceirização: responsabilidade solidária e responsabilidade subsidiária. Disponível em <http://www.trt13.gov.br (http://www.trt13.gov.br/)>. Acesso em: 19 out. 2013
[6] RAMOS, Dora Maria de Oliveira. Terceirização na administração pública. São Paulo: LTr, 2001.
[7] AVELLAR, A.W. Terceirização: responsabilidade solidária e responsabilidade subsidiária. Disponível em <http://www.trt13.gov.br (http://www.trt13.gov.br/)>. Acesso em: 19 out. 2013
[8] MERCANTE, Carolina Pereira. A responsabilidade subsidiária do Estado pelos encargos trabalhistas decorrentes da contratação de serviços terceirizados. Jus Navigandi, Teresina, ano 10. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6209>. Acesso em: 19 out. 2013.
[9] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15 ed. ref., ampl.e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 115
[10] VENDRAMIL, A. Responsabilidade extracontrual do Estado. São Paulo: Themis, 2000.
[11] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15 ed. ref., ampl.e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 226-227
[12] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 402
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Advogado da União da Advocacia-Geral da União-AGU.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUARTE, Jônitas Matos dos Santos. Responsabilidade civil da Administração Pública nos contratos de terceirização Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jul 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46950/responsabilidade-civil-da-administracao-publica-nos-contratos-de-terceirizacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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