RESUMO: Nos últimos anos, algumas medidas judiciais repercutiram em todo país, especialmente ao serem massivamente divulgadas pela mídia, o que muitos já qualificam como a midiatização das decisões judiciais. A publicidade dos fatos ocorridos tem ganhado amplo destaque nos veículos de comunicação e alcançado com maior amplitude e velocidade os cidadãos, principalmente quando eles são diretamente afetados. Publicizar as decisões judiciais tem se tornado, não só um instrumento de transparência, mas, sobretudo de controle por parte dos administrados. Tomar medidas que penalizem uma organização empresarial internacional com filial no Brasil, mas que ao mesmo tempo afete diretamente a vida de milhões de brasileiros, tem se tornado motivo de polêmica, mesmo estando amparadas por lei. Muito se tem discutido de que modo seria viável sancionar uma empresa estrangeira, penalizar os infratores e não prejudicar a todos os usuários dos serviços prestados por esta organização. Num cenário globalizado, agir estritamente conforme determina a legislação brasileira tem sido um desafio para muitos juízes quando o assunto envolve crimes relacionados à aplicativos de redes sociais, cujo proprietário está sediado fora do Brasil.
Palavras-chaves: redes sociais; Whatsapp; liberdade de expressão e comunicação, decisão judicial; Marco Civil da Internet.
ABSTRACT: Lately, some judicial actions reverberated across the country, especially by being massively disseminated by the media, which many qualify as mediatization of judicial actions. The advertising of events has gained wide prominence in the communication vehicles and achieved, with greater range and speed, the citizens, mainly because they are directly affected. To publicize judicial decisions has become not only an instrument of transparency, but especially an instrument of control by the administrated. Taking measures that penalize an international organization with a branch in Brazil, but at the same time affecting millions of citizens, has become controversial, even though it is supported by the Law. A lot has been discussed about in what way it would be viable to sanction a foreign company, to penalize the offenders without harming all users of the services that the company provides. In a global scenario, acting strictly as required by Brazilian laws has been a challenge for many judges when the matter involves crimes related to social networking apps, whose owner is headquartered outside of Brazil.
Key words: Social media; WhatsApp; Freedom of speech and comunication; Judicial decision; Marco Civil da Internet.
1- INTRODUÇÃO:
Com a descoberta de novas ferramentas tecnológicas de comunicação, a proliferação de diferentes aplicativos virtuais e o ingresso de novos usuários nas redes sociais fizeram com que a rede virtual se tornasse um campo fértil para as mais diferenciadas interações e práticas sociais. Os relacionamentos entre os membros da rede aumentaram exponencialmente e com eles vieram estratégias para se organizarem grupos com as mais variadas ideologias. O avanço tecnológico fez despertar nos poderes legislativo, executivo e judiciário a necessidade de acompanhar esta evolução que muito tem contribuído com a manifestação do pensamento.
Para isso, mais do que prioritário, tornou-se imperativo adequar a legislação brasileira ao ambiente virtual, de forma harmônica com a Constituição Federal de 1988. Em novembro de 2012, ou seja vinte e quatro anos após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, criou-se a Lei nº 12.737, que dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos, sendo esta o marco inicial da regulamentação de condutas no meio cibernético. Dois anos depois, foi editada a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, mais conhecida como Marco Civil da Internet, a qual estabelece “princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria”.
Ressalte-se que a aprovação da lei alhures citada foi permeada por calorosos debates no Congresso Nacional, existindo posicionamento no sentido de que a regulamentação seria uma forma de censura, de restringir a liberdade de expressão assegurada constitucionalmente. No entanto, logrou êxito a bancada que defendia a edição da referida lei.
2- DESENVOLVIMENTO
Nos últimos dois anos, mais de 100 milhões de brasileiros foram surpreendidos por uma decisão judicial. Trata-se do bloqueio do Whatsapp, um software para smartphones utilizado para troca de mensagens de texto instantaneamente, além de vídeos, fotos e áudios por meio de uma conexão à internet. O aplicativo foi lançado oficialmente em 2009 pela Yahoo, uma das maiores empresas americanas de serviços para a internet e em 2014, foi vendido para o Facebook, a maior rede social de relacionamentos virtuais do mundo.
No dia 17 de dezembro de 2015, a 1ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo determinou às operadoras de telefonia móvel o bloqueio do aplicativo pelo período de 48 horas. Segundo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) tal fato ocorreu porque o WhatsApp não atendeu à determinação judicial do dia 23 de julho de 2015. No dia 7 de agosto do mesmo ano, a empresa foi novamente notificada, sendo fixada multa em caso de não cumprimento. Em face do não cumprimento do pedido, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) requereu o bloqueio dos serviços pelo prazo de 48 horas, com base na lei do Marco Civil da Internet, o que foi deferido pela juíza Sandra Regina Nostre Marques, que assim autorizou e determinou o grampo oficial e ainda estabeleceu multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento. Essa foi a primeira vez que o aplicativo foi bloqueado no Brasil.
Alvo de polêmicas, o bloqueio de aplicativo virtual tem despertado pressões populares a pressionar o Poder Judiciário. Tal situação repercutiu em todo país gerando críticas e questionamentos. Poderia a decisão de um juiz do estado de São Paulo afetar a vida de milhões de brasileiros ou deveria restringir-se somente ao município ou ainda ao estado de São Paulo?
Mas para responder a esta pergunta, primeiro é necessário entender a motivação de tal sanção. Segundo o site de notícias G1 da Globo.com, a justiça havia autorizado a interceptação das conversas pelo Whatsapp para investigar uma facção criminosa que atuava em roubo de banco e caixas eletrônicos e também tinha envolvimento com tráfico de drogas na região metropolitana de São Paulo. Determinação esta que não foi acatada pela empresa.
A segunda vez que o Whatsapp foi bloqueado no Brasil ocorreu no dia 02 de maio de 2016. A decisão foi do juiz Marcel Maia Montalvão, nos autos do Processo nº 201655000183, que tramita em segredo de Justiça na Vara Criminal da Comarca de Lagarto, em Sergipe. O bloqueio foi pedido pela Polícia Federal em uma investigação também de tráfico de drogas porque o Facebook, dono do WhatsApp, não cumpriu uma decisão judicial anterior de compartilhar informações que subsidiariam essa investigação.
Tais medidas foram fundamentadas nos artigos 11, 12, 13 e 15 da Lei 12.965/2014. O art. 11, § 3o , ressalta que “os provedores de conexão e de aplicações de internet deverão prestar, na forma da regulamentação, informações que permitam a verificação quanto ao cumprimento da legislação brasileira referente à coleta, à guarda, ao armazenamento ou ao tratamento de dados, bem como quanto ao respeito à privacidade e ao sigilo de comunicações ”. O parágrafo único do art. 12 da referida lei menciona que “tratando-se de empresa estrangeira, responde solidariamente pelo pagamento da multa” por uma “filial, sucursal, escritório ou estabelecimento situado no país”.
Neste caso, as finalidades que levaram o usuário de internet a utilizar os serviços foram atentamente apreciadas pelo juiz, levando-se em consideração o que dispõe o artigo 6º da referida lei: “na interpretação desta lei serão levados em conta, além dos fundamentos, princípios e objetivos previstos, a natureza da internet, seus usos e costumes particulares e sua importância para a promoção do desenvolvimento humano, econômico, social e cultural.
Nas duas situações em que houve o bloqueio do wathsaap o juiz escolheu entre as medidas previstas no artigo 12 da Lei nº12.965/14 a que se apresentou como mais adequada ao objetivo proposto. Na ação que tramitou em São Bernardo do Campo, a imposição de multa não foi medida eficaz no sentido de fazer cumprir a determinação judicial. No outro caso, decidiu o magistrado pela interrupção do serviço, sem se valer inicialmente da aplicação de multa, já que tal meio coercitivo se apresentou ineficiente em situação semelhante.
Segundo J. E. Carreira Alvim (2001, p.65) , “a jurisdição, considerada em si mesma é emanação da soberania do Estado e, sendo única a soberania, una também é a jurisdição”. Desta feita, é possível afirmar que a jurisdição, assim como a soberania, não comporta divisões, de forma que a decisão de um juiz competente é válida em todo território nacional.
Para muitos especialistas, a suspensão do aplicativo colidiu com garantias constitucionais, entre elas, a prevista no artigo 5º: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, bem como a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Do mesmo modo, um documento adotado pela Conferência Hemisférica sobre liberdade de Expressão recepcionado em Chapultepec, na cidade do México, em 11 de março de 1994, reforçou a liberdade de expressão e comunicação como um direito do cidadão, e jamais uma concessão dos governos ou autoridades. “Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício dessa não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável do povo”. Com este princípio, a Declaração de Chapultepec, assinada por chefes de estado, juristas, entidades e cidadãos comuns, se impôs como um dos principais instrumentos para a liberdade de expressão na América Latina. Segundo ela “toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Ninguém pode restringir ou negar esses direitos”.
É possível afirmar que a liberdade seja um dos direitos mais sublimes do homem, talvez o maior bem depois da vida. No entanto, segundo Bernado Gonçalves Fernandes, a “liberdade de manifestação é limitada por outros direitos e garantias fundamentais como a vida, a igualdade, a integridade física, a liberdade de locomoção. Assim sendo, embora haja liberdade de manifestação, essa não pode ser usada por manifestações que venham desenvolver atividades ou práticas ilícitas”. Certamente, este foi o pensamento adotado pelos magistrados nas situações ora analisadas.
3 - CONCLUSÃO
Os juízes, ao decidirem, devem necessariamente levar em consideração o reflexo das decisões no meio social, já que o direito é um subsistema assim como a política, a economia e a cultura. Os magistrados devem estar atentos à opinião pública, como mais um elemento a contribuir na formação de suas convicções, mas jamais ceder às pressões populares, já que exerce um papel contramajoritário ao garantir o respeito à Constituição e implementar os direitos e garantias fundamentais das minorias.
Conforme Antônio Sérgio Spagnol (2012, p.57):
Na realidade, quando se alude a atuação política do magistrado, deve ela ser considerada segundo o que dispõe o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, forma a adequar-se à norma legal às circunstâncias do caso concreto e da realidade vivida pela comunidade e daquilo que por ela é esperado quanto à sua atuação, sem que, também, considere-se o juiz pressionado por uma ou outra circunstância apaixonada, neste ou naquele momento, à qual poderá até levar em conta no ato da interpretação, mas sem perder a imparcialidade
Logo, o juiz, ao utilizar-se do princípio contramajoritário, ele age conforme determina a Constituição com a finalidade de evitar excessos praticados pela maioria, já que nenhuma lesão ou ameaça à direitos serão excluídos da apreciação do Poder Judiciário. Nesse sentido, ainda que a opinião pública seja contrária ao bloqueio do aplicativo, cabe ao Poder Judiciário desempenhar adequadamente sua função valendo-se de todos os meios legais aptos a uma prestação jurisdicional de qualidade.
Afirma Vitor Frederico Kümpel (2012, p.32) que a “sanção ganha o significado de penalidade, sendo fator de eficácia da norma jurídica, prevista na norma como um dever-ser resultante da não prestação esperada. É, portanto, uma consequência, boa ou má, agradável ou desagradável, de uma atitude perante o direito. ”
Conforme Pedro Lenza (2009, p.138), como parâmetro para o princípio da proporcionalidade, é possível destacar a necessidade de preenchimento de três importantes elementos: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Segundo o autor, verifica-se a necessidade quando a medida não puder ser substituída por outra menos gravosa. A adequação significa que o meio escolhido atinge o objetivo perquirido e a proporcionalidade em estrito é alcançada quando os bens sacrificados são menos valiosos do que aqueles conquistados.
Observa-se, portanto, que o bloqueio do whatsapp foi medida proporcional, pois preencheu todos os requisitos, necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. A medida era necessária, já que as demais sanções previstas na Lei.12.965/2014, quais sejam, advertência e multa, se apresentaram como ineficazes para fazer cumprir a determinação judicial. Também era adequada, já que tinha potencialidade para alcançar os fins pretendidos. Já a proporcionalidade em sentido estrito, merece uma maior reflexão.
Argumenta parcela dos estudiosos que não houve proporcionalidade em sentido estrito na medida em que a sanção prejudicou inúmeras pessoas que se valem do whatsapp para comunicarem. No entanto, é sabido que os meios tecnológicos são utilizados em grande escala para prática de crimes, colocando em risco a segurança de toda a sociedade. A liberdade de comunicação é um valor protegido constitucionalmente, assim como o é a vida, a segurança, a prestação jurisdicional adequada, de forma que, existindo tensão entre os referidos direitos, necessário se faz um juízo de ponderação.
Destarte, ponderando os valores igualmente protegidos pela Constituição, necessário se faz o sacrifício temporário da liberdade de comunicação para fazer valer uma ordem judicial, a qual possibilitará combater de forma eficaz o crime, garantindo segurança à sociedade, o que é dever do Estado.
Por fim, a medida adotada pelos magistrados foi proporcional, sobretudo levando-se em consideração a premente necessidade de combater efetivamente o crime organizado que a cada dia mais se vale de novas estratégias tecnológicas de comunicação para fomentar a atividade criminosa, fragilizando a segurança dos cidadãos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALVIM, José Eduardo Carreira. Elementos de teoria geral do processo. 7ª.ed. revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001.
Concurso da Magistratura: Noções gerais de direito e formação humanística/coordenação Jerson Carneiro Gonçalvez Jr., José Fábio Rodrigues Maciel. – 2.ed. – São Paulo: Saraiva.2012.
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 29 jun. de 2016.
DECLARAÇÃO DE CHAPULTEPEC, 1994. Disponível em http://www.liberdadedeimprensa.org.br/?q=node/17
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 6.ed. revisada, ampliada e atualizada. Salvador: ed. Jus Podivm, 2014.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 14. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010.
Kumpel, Vitor Frederico. Noções Gerais de Direito e Formação Humanística . 1ª ed. – São Paulo: Saraiva. 2012.
Advogada. Aprovada em concurso da magistratura do Tribunal de Justiça de Roraima de 2015.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Rita de Cassia da. Como as decisões judiciais têm afetado o direito à comunicação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jul 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46967/como-as-decisoes-judiciais-tem-afetado-o-direito-a-comunicacao. Acesso em: 23 dez 2024.
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