RESUMO: O presente trabalho versa sobre o controle exercido pelo Poder Judiciário sobre as políticas públicas. Busca-se compreender a necessidade de investigar as condutas perpretadas pelos agentes públicos, em prol do bem comum, ressaltando sempre os direitos fundamentais dos indivíduos. A pesquisa é resultado do entendimento dos Tribunais Superiores, os quais defendem o mínimo existencial, não havendo qualquer violação ao princípio da separação dos poderes.
Palavras-chave: Controle. Administração Pública. Poder Judiciário. Políticas Públicas.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO, 2 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO, 2.1 CLASSIFICAÇÃO, 3 CONTROLE JUDICIAL, 3.1 CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS, 3.1.1 Jurisprudência dos Tribunais Superiores, 4 CONCLUSÃO, 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1 INTRODUÇÃO
A noção de controle não é disciplinada em uma lei específica, sua definição surge da ideia do Estado Democrático de Direito, onde todos os indivíduos devem observar as normas que regulam o Estado.
A Carta Magna estabelece o princípio da separação dos poderes, visando definir funções típicas para cada poder, para que os anseios da sociedade sejam atendidos satisfatoriamente. . Impende frisar que ambos atuam, ainda, de forma atípica, o que não afeta a independência existente entre eles.
Desse modo, é através do controle que a população, direta ou indiretamente, consegue ter ciência dos atos praticados pelos agentes públicos, permitindo uma constante fiscalização.
2 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO
O controle é um poder-dever atribuído à Administração, aos Poderes Legislativo e Judiciário, bem como ao povo. Trata-se de um instrumento por meio do qual é possível fiscalizar e revisar os atos administrativos.
Insta salientar a presença dos poderes que regem a organização política do Estado, como o poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Essa divisão, no exercício das funções estatais, impede que o poder do Estado fique concentrado em um único órgão.
A Constituição Federal de 1988 prevê esse modelo de tripartição dos poderes ao estabelecer no art. 2º “que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
As funções estatais desempenhadas são decorrentes de uma separação flexível de poderes. Em outros termos, é possível que as atividades possam ser exercidas de maneira típica e atípica. O Judiciário e o Legislativo realizam as atividades jurisdicional e legislativa, respectivamente, de forma típica, que corresponde a função própria de cada um, podendo também desempenhar funções administrativas, exercendo, portanto, uma atividade atípica. Da mesma forma acontece no Executivo, cuja atribuição precípua é de administrar a coisa pública, mas também pode realizar as funções essenciais dos demais poderes. Conforme se observa, a função administrativa, cuja finalidade é atender ao interesse público, está inserida nos três poderes.
2.1 CLASSIFICAÇÃO
No que concerne à origem, o controle pode ser interno e externo. O primeiro diz respeito a um controle efetuado no âmbito de um mesmo Poder ou mediante órgãos que o compõe. Quando um Poder realiza um controle sobre os atos pertencentes a um Poder diverso haverá um controle externo.
Conforme o momento de exercício, o controle se visualiza de forma prévia, concomitante e posterior. O controle será prévio à medida que for exercido em momento anterior a prática do ato. Diante disso, Alexandrino e Paulo (2008, p. 632) ressaltam que um “exemplo de controle prévio é a autorização do Senado Federal necessária para que a União, os Estados, o DF ou os Municípios possam contrair empréstimos externos”. O controle concomitante ocorre no decorrer da efetivação do ato. Por fim, o controle posterior como o próprio nome indica, consiste em uma fiscalização realizada após o término do ato.
O aspecto controlado vislumbra-se através de um controle de legalidade e de mérito. A legalidade é requisito essencial a ser analisado, pois permite observar se o ato foi exercido em consonância com os padrões legais. A Administração pode exercer o controle de legalidade sobre os seus atos em decorrência do poder de autotutela. Nesse sentido, as condutas poderão ser invalidadas, mas caso o vício seja sanável haverá a correção por meio do instituto de convalidação. Tal controle também poderá ser exercido pelos Poderes Judiciário e Legislativo. O controle de mérito consiste em aferir a conveniência e a oportunidade do ato administrativo, revogando-o quando constatada a ausência dos referidos elementos. A revogação dos atos administrativos deve ser procedida pela própria Administração, não sendo possível a realização por parte dos demais Poderes. Contudo, estes poderão fazer uso de tal instituto somente quando se referir aos atos instituídos por eles próprios.
Quanto à amplitude, o controle poderá ser hierárquico e finalístico. O hierárquico reflete o controle exercido pelos superiores sobre os subordinados. Já o finalístico é aquele realizado em decorrência da descentralização, em que a Administração Direta fiscaliza as finalidades alcançadas pela Administração Indireta, havendo a incidência da vinculação e não da subordinação.
O controle administrativo é um meio de fiscalizar e regulamentar as atividades de acordo com os critérios de legalidade, conveniência e oportunidade. Trata-se de um controle efetuado tipicamente pelo Poder Executivo como também pelos órgãos administrativos dos poderes Legislativo e Judiciário.
Segundo Carvalho Filho (2009), o controle administrativo possui três objetivos: confirmação, correção e alteração. A confirmação vislumbra-se como um meio utilizado pela Administração para identificar o ato como legítimo ou adequado. Quanto à correção, é importante destacar que o administrador tem o poder de revogar atos inoportunos ou inconvenientes e invalidar atos manifestamente ilegais. Já a alteração consiste em uma forma da Administração modificar determinada parte do ato para melhor adequá-lo ao interesse público.
O controle administrativo pode ser exercido mediante os seguintes instrumentos: controle ministerial, hierarquia orgânica, direito de petição, revisão recursal e controle social. O controle ministerial é aquele realizado pelos Ministérios e pode ser exercido de modo interno e externo. Quando os Ministérios exercerem um controle sobre os departamentos administrativos que os integram estará havendo um controle interno. Contudo, se o controle dos Ministérios for realizado sobre pessoas da Administração Indireta incidirá o controle externo. Nesse sentido, Carvalho Filho (2009, p. 900) comenta:
Quando se exerce sobre as entidades da administração descentralizada recebe a denominação específica de supervisão ministerial, prevista no Decreto-lei nº 200/67, cujo art. 19 estampa a regra de que “todo e qualquer órgão da administração federal, direta ou indireta, está sujeito à supervisão do Ministério de Estado competente.
A hierarquia orgânica, fruto da organização da Administração Pública, é de suma importância para que os agentes públicos de grau superior possam exercer um controle de fiscalização sobre os subordinados, prezando pela legalidade e pelo bem comum. Trata-se de um controle por subordinação, que pode se dar de ofício ou mediante provocação de terceiro. Ademais, tal controle pode ser prévio, concomitante e posterior.
Quanto ao direito de petição, previsto constitucionalmente no art. 5º, XXXIV, “a”, vale registrar que todos têm o direito de pedir que determinados atos administrativos sejam fiscalizados, corrigidos, revisados, enfim, que a atividade administrativa possa ser controlada em consonância com os parâmetros legais.
Outro meio de exercer o controle administrativo é através da revisão recursal que, como o próprio nome diz, refere-se aos recursos administrativos que possibilitam o reexame das condutas praticadas no âmbito da Administração Pública. Por fim, o controle social é aquele exercido pelos cidadãos, cuja finalidade consiste em acompanhar de forma efetiva o exercício das práticas administrativas. O controle social pode ser visualizado através dos controles natural e institucional. O natural é feito pelas pessoas que compõem as comunidades bem como pelas entidades que a representam. Já o institucional é realizado através dos órgãos, como o Ministério Público, a Defensoria Pública, órgãos de ouvidoria, dentre outros. Sendo assim, o controle social é um instrumento por meio do qual a sociedade expressa a sua opinião e exerce a chamada democracia.
As condutas administrativas desenvolvidas pelos Poderes Legislativo e Executivo também estão sujeitas a um controle judicial que verifica a legitimidade dos atos, podendo determinar a anulação.
Há ainda o controle legislativo, conforme estabelecido no art. 49, X, da CF, que indica a competência do Congresso Nacional para “fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluindo os da administração indireta”. O referido poder exerce um controle financeiro sobre as pessoas responsáveis pelo gerenciamento de bens e recursos públicos. É importante destacar a presença do Tribunal de Contas que é um importante órgão de controle. Nessa linha de pensamento, a Constituição da República, em seu art. 71, I e II, institui como atribuição do Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Poder Legislativo no controle externo, apenas a apreciação das contas do Presidente da República, já que o julgamento destas cabe ao Congresso Nacional. Além disso, preceitua a função de julgar as contas daqueles que administram valores públicos.
3 CONTROLE JUDICIAL
O ordenamento jurídico brasileiro adotou o sistema de jurisdição única ou sistema inglês, que se contrapõe ao sistema do contencioso administrativo. Desse modo, predomina o entendimento de que todos os litígios podem ser submetidos ao Poder Judiciário, tendo aptidão para produzir a chamada coisa julgada material.
Vale destacar que a utilização do referido sistema não afasta a apreciação das questões pela esfera administrativa. Busca-se, na verdade, permitir que, esgotadas as instâncias administrativas, os fatos possam ser apreciados também no âmbito judiciário.
Nesse diapasão, é importante mencionar que o esgotamento na esfera administrativa não é pressuposto para que se possa ingressar no judiciário. Lado outro, a doutrina aponta uma exceção, qual seja, as ações referentes à justiça desportiva, as quais só podem ser objeto de análise do judiciário após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, na forma do art. 217, §1º, da CF.
O controle judicial das atividades administrativas só pode ser exercido através de provocação do interessado e só diz respeito aos aspectos de legalidade, uma vez que o poder judiciário não pode interferir na conveniência e oportunidade, elementos característicos da discricionariedade, inerentes à Administração Pública.
Não obstante deva ser observado rigorosamente o princípio da legalidade, faz-se mister apontar que, diante das peculiaridades do caso concreto, outros princípios também devem ser levados em consideração, havendo uma ponderação de interesses, pois, caso a retirada do ato do mundo jurídico acarrete mais prejuízos que sua manutenção, este deve ser mantido em razão da segurança jurídica.
O novo Código de Processo Civil preceitua que, nas ações judiciais, seja incentivada a mediação por todos os operadores do Direito.
O controle jurisdicional pode ser efetivado mediante vários instrumentos, dentre eles podemos citar o mandado de segurança, habeas data, mandado de injunção, ação popular e a ação civil pública.
O mandado de segurança é um remédio jurídico constitucional previsto no art.5º, LXIX e LXX, da CF, e regulamentado pela Lei 12.016/09. É utilizado quando há violação de direito líquido e certo, ou seja, direito cuja prova se encontra pré-constituída, não sendo permitida a dilação probatória. Trata-se de um instrumento muito importante para coibir atos omissivos do poder público.
O habeas data, previsto no art. 5º, LXXII, da CF, garante o direito à informação acerca da pessoa do impetrante. Impende frisar que a jurisprudência vem admitindo a propositura por sucessores, em defesa do de cujus. Nesse contexto, não é vedada a impetração do habeas data por pessoa jurídica que pretenda obter informações em relação a si.
O mandado de injunção, nos termos do art. 5º, LXXI, da CF, é uma ação proposta mediante a existência de norma de eficácia limitada, isto é, a norma só produzirá efeitos se houver uma legislação infraconstitucional que regule a sua aplicação. Assim, trata-se de um meio utilizado para garantir o exercício dos direitos e liberdades constitucionais. Nesse sentido, Carvalho, Matheus (2016, p. 394) preceitua:
Desse modo, deve-se, portanto, considerar que o Poder Judiciário, no julgamento do Mandado de Injunção, não pode substituir-se ao legislador, editando normas para regulamentação da matéria constitucional, entretanto, poder-se-á valer de analogia em relação a leis existentes, como forma de suprir a omissão legislativa, no caso concreto, com efeitos inter partes ou erga omnes, dependendo da amplitude da matéria.
A ação popular, descrita no art. 5º, LXXIII, da CF, possibilita o controle dos atos administrativos pela sociedade, haja vista ser proposta apenas pelo cidadão. Ela tem como escopo a anulação de atos lesivos ao interesse público, sendo inviável a sua impetração para proteger direitos individuais.
A ação civil pública é muito importante para a proteção de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Segundo a lei nº 7.347/85, o objeto da demanda deve buscar a defesa do meio ambiente, do direito do consumidor, da ordem econômica, dos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos, dentre outros.
É importante mencionar a existência dos atos interna corporis, que são atos exercidos na esfera interna dos poderes judiciário e legislativo. Tais atos não são objeto de análise da decisão jurisdicional, haja vista ser praticados no limite das competências dos poderes. Em contrapartida, é possível que exista um controle jurisdicional quando as normas internas violarem preceitos constitucionais, conforme se depreende do entendimento de Marinela, Fernanda (2013, p. 1065):
O STF já deixou bastante claro que a tese da incognoscibilidade da matéria não se aplica quando diz respeito à alegação de ofensa a direito ou garantia constitucional, o que, por si só, afasta o caráter interna corporis do comportamento. A hipótese é a mesma quando se está diante de matéria que ofenda direitos assegurados pela CF na iminência de serem transgredidos. Ou seja, só se pode falar de ato interna corporis, quando este se revela essencialmente insindicável, se presentes aspectos discricionários concernentes às questões políticas.
3.1 CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Conforme explicitado, o controle jurisdicional pode ser realizado sobre atos omissivos, situações nas quais o Poder Público fica inerte, o que resulta em obrigação de fazer para que o interesse público seja protegido.
As políticas públicas são programas e ações desempenhados pelo Estado, de forma direta ou indireta, mediante a participação de entidades públicas ou privadas, cuja finalidade precípua é a garantia dos direitos fundamentais, tais como saúde, liberdade, cidadania e educação.
Durante muitos anos, o poder judiciário não poderia rever políticas públicas. A partir da ADPF 45, isso passou a ser possível no que tange à legalidade e aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Tais princípios representam limites à liberdade do administrador. A razoabilidade visa à proibição de excessos, afastando as condutas arbitrárias. A proporcionalidade permite agir de forma equilibrada. Para a maioria dos autores, esse princípio está contido no da razoabilidade.
O STF, no julgamento da ADPF 45, decidiu que a atuação do poder público deve observar as normas legais:
Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.
Infere-se desse posicionamento que, apesar do Poder Judiciário, em regra, não poder intervir no mérito administrativo, ele deverá agir diante de uma violação evidente e arbitrária dos ditames constitucionais.
3.1.1. Jurisprudência dos Tribunais Superiores
O controle jurisprudencial sobre políticas públicas é tema recorrente na jurisprudência, devendo ser analisado de acordo com cada caso concreto.
O Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário, já se posicionou no sentido de obrigar a Administração a manter quantidade mínima de medicamento em estoque. O Estado alegou que essa decisão contraria o princípio da separação dos poderes. Todavia, esse fundamento não foi acolhido, uma vez que o Poder Judiciário não está interferindo nas competências do Estado, mas sim controlando atos que se apresentaram de forma ilegal e arbitrária, prejudicando a saúde da população. É o que se extrai do julgado abaixo:
Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO E MANUTENÇÃO EM ESTOQUE. DOENÇA DE GAUCHER. QUESTÃO DIVERSA DE TEMA COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. SOBRESTAMENTO. RECONSIDERAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. DEVER. PODER PÚBLICO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – A questão discutida no presente feito é diversa daquela que será apreciada no caso submetido à sistemática da repercussão geral no RE 566.471-RG/RN, Rel. Min. Marco Aurélio. II - No presente caso, o Estado do Rio de Janeiro, recorrente, não se opõe a fornecer o medicamento de alto custo a portadores da doença de Gaucher, buscando apenas eximir-se da obrigação, imposta por força de decisão judicial, de manter o remédio em estoque pelo prazo de dois meses. III – A jurisprudência e a doutrina são pacíficas em afirmar que não é necessário, para o prequestionamento, que o acórdão recorrido mencione expressamente a norma violada. Basta, para tanto, que o tema constitucional tenha sido objeto de debate na decisão recorrida. IV – O exame pelo Poder Judiciário de ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes. Precedentes. V – O Poder Público não pode se mostrar indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. Precedentes. VI – Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 429903, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 25/06/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-156 DIVULG 13-08-2014 PUBLIC 14-08-2014)
Outro caso importante decidido pelo STF foi o direito à acessibilidade em prédios públicos. A Constituição Federal, em seus arts. 227, §2º e 244, garante esse direito:
Art. 227 [...]
§ 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.
Art. 244. A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no art. 227, § 2º.
O mencionado direito também se encontra previsto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual possui status de emenda constitucional no ordenamento jurídico brasileiro.
No caso em apreço, uma determinada escola pública não possuía rampa de acesso para cadeirantes. O Estado justificou a ausência sob o argumento de que não havia estudantes portadores de necessidades especiais matriculados na escola, bem como não tinha disponibilidade orçamentária. Porém, o STF não considerou as justificativas e decidiu que “o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes”, nos termos da seguinte decisão:
PRÉDIO PÚBLICO – PORTADOR DE NECESSIDADE ESPECIAL – ACESSO. A Constituição de 1988, a Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e as Leis nº 7.853/89 – federal –, nº 5.500/86 e nº 9.086/95 – estas duas do Estado de São Paulo – asseguram o direito dos portadores de necessidades especiais ao acesso a prédios públicos, devendo a Administração adotar providências que o viabilizem.
(RE 440028, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 29/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-232 DIVULG 25-11-2013 PUBLIC 26-11-2013)
Superior Tribunal de Justiça comunga do mesmo entendimento do STF. Diante de irregularidades existentes em uma cadeia pública, tais como superlotação, celas sem ventilação e iluminação, desrespeito à integridade física e moral dos detentos, o STJ impôs obrigação de fazer ao Estado para que fosse feita uma reforma no estabelecimento, independentemente de haver previsão orçamentária. Nesse caso, não houve aplicação da teoria da reserva do possível, uma vez que se deve garantir, primeiramente, o mínimo existencial:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS RELACIONADO A INÚMERAS IRREGULARIDADES ESTRUTURAIS E SANITÁRIAS EM CADEIA PÚBLICA. Constatando-se inúmeras irregularidades em cadeia pública - superlotação, celas sem condições mínimas de salubridade para a permanência de presos, notadamente em razão de defeitos estruturais, de ausência de ventilação, de iluminação e de instalações sanitárias adequadas, desrespeito à integridade física e moral dos detentos, havendo, inclusive, relato de que as visitas íntimas seriam realizadas dentro das próprias celas e em grupos, e que existiriam detentas acomodadas improvisadamente -, a alegação de ausência de previsão orçamentária não impede que seja julgada procedente ação civil publica que, entre outras medidas, objetive obrigar o Estado a adotar providências administrativas e respectiva previsão orçamentária para reformar a referida cadeia pública ou construir nova unidade, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. De fato, evidencia-se, na hipótese em análise, clara situação de violação à garantia constitucional de respeito da integridade física e moral do preso (art. 5º, XLIX, da CF) e aos princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial. Nessas circunstâncias - em que o exercício da discricionariedade administrativa pelo não desenvolvimento de determinadas políticas públicas acarreta grave vulneração a direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição -, a intervenção do Poder Judiciário se justifica como forma de implementar, concreta e eficientemente, os valores que o constituinte elegeu como "supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos fundada na harmonia social", como apregoa o preâmbulo da CF. Há, inclusive, precedentes do STF (RE-AgR 795.749, Segunda Turma, DJe 20/5/2014; e ARE-AgR 639.337, Segunda Turma, DJe 15/9/2011) e do STJ (AgRg no REsp 1.107.511-RS, Segunda Turma, DJe 6/12/2013) endossando a possibilidade de excepcional controle judicial de políticas públicas. Além disso, não há, na intervenção em análise, ofensa ao princípio da separação dos poderes. Isso porque a concretização dos direitos sociais não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente importantes. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. Ademais, também não há como falar em ofensa aos arts. 4º, 6º e 60 da Lei 4.320/1964 (que preveem a necessidade de previsão orçamentária para a realização das obras em apreço), na medida em que a ação civil pública analisada objetiva obrigar o Estado a realizar previsão orçamentária das obras solicitadas, não desconsiderando, portanto, a necessidade de previsão orçamentária das obras. Além do mais, tem-se visto, recorrentemente, a invocação da teoria da reserva do possível, importada do Direito alemão, como escudo para o Estado se escusar do cumprimento de suas obrigações prioritárias. Não se pode deixar de reconhecer que as limitações orçamentárias são um entrave para a efetivação dos direitos sociais. No entanto, é preciso ter em mente que o princípio da reserva do possível não pode ser utilizado de forma indiscriminada. Na verdade, o direito alemão construiu essa teoria no sentido de que o indivíduo só pode requerer do Estado uma prestação que se dê nos limites do razoável, ou seja, na qual o peticionante atenda aos requisitos objetivos para sua fruição. Informa a doutrina especializada que, de acordo com a jurisprudência da Corte Constitucional alemã, os direitos sociais prestacionais estão sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade. Ocorre que não se podem importar preceitos do direito comparado sem atentar para Estado brasileiro. Na Alemanha, os cidadãos já dispõem de um mínimo de prestações materiais capazes de assegurar existência digna. Por esse motivo, o indivíduo não pode exigir do Estado prestações supérfluas, pois isso escaparia do limite do razoável, não sendo exigível que a sociedade arque com esse ônus. Eis a correta compreensão do princípio da reserva do possível, tal como foi formulado pela jurisprudência germânica. Todavia, situação completamente diversa é a que se observa nos países periféricos, como é o caso do Brasil, país no qual ainda não foram asseguradas, para a maioria dos cidadãos, condições mínimas para uma vida digna. Nesse caso, qualquer pleito que vise a fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem razão, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado brasileiro. É por isso que o princípio da reserva do possível não pode ser oposto a um outro princípio, conhecido como princípio do mínimo existencial. Desse modo, somente depois de atingido esse mínimo existencial é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em quais outros projetos se deve investir. Ou seja, não se nega que haja ausência de recursos suficientes para atender a todas as atribuições que a Constituição e a Lei impuseram ao estado. Todavia, se não se pode cumprir tudo, deve-se, ao menos, garantir aos cidadãos um mínimo de direitos que são essenciais a uma vida digna, entre os quais, sem a menor dúvida, podemos incluir um padrão mínimo de dignidade às pessoas encarceradas em estabelecimentos prisionais. Por esse motivo, não havendo comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário determine a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político. (REsp 1.389.952-MT, Relator (a): Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3/6/2014).
Nesse diapasão, insta frisar a grave situação do sistema carcerário brasileiro, o qual resultou no chamado Estado de Coisas Inconstitucional que consiste na violação de direitos fundamentais dos detentos. Outrossim, o Supremo Tribunal Federal, em defesa da dignidade da pessoa humana, considerou como lícita a atuação do Poder Judiciário que determinou a promoção de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais, na forma deste julgado:
Ementa: REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO DO MPE CONTRA ACÓRDÃO DO TJRS. REFORMA DE SENTENÇA QUE DETERMINAVA A EXECUÇÃO DE OBRAS NA CASA DO ALBERGADO DE URUGUAIANA. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DESBORDAMENTO DOS LIMITES DA RESERVA DO POSSÍVEL. INOCORRÊNCIA. DECISÃO QUE CONSIDEROU DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE PRESOS MERAS NORMAS PROGRAMÁTICAS. INADMISSIBILIDADE. PRECEITOS QUE TÊM EFICÁCIA PLENA E APLICABIILIDADE IMEDIATA. INTERVENÇÃO JUDICIAL QUE SE MOSTRA NECESSÁRIA E ADEQUADA PARA PRESERVAR O VALOR FUNDAMENTAL DA PESSOA HUMANA. OBSERVÂNCIA, ADEMAIS, DO POSTULADO DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA MANTER A SENTENÇA CASSADA PELO TRIBUNAL. I - É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais. II - Supremacia da dignidade da pessoa humana que legitima a intervenção judicial. III - Sentença reformada que, de forma correta, buscava assegurar o respeito à integridade física e moral dos detentos, em observância ao art. 5º, XLIX, da Constituição Federal. IV - Impossibilidade de opor-se à sentença de primeiro grau o argumento da reserva do possível ou princípio da separação dos poderes. V - Recurso conhecido e provido. (RE 592581, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 13/08/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-018 DIVULG 29-01-2016 PUBLIC 01-02-2016)
Assim, é evidente a importância da intervenção do Poder Judiciário sobre os serviços prestados pela Administração Pública, porquanto permite uma efetiva garantia dos direitos pertencentes à coletividade.
4 CONCLUSÃO
Ante o exposto, nota-se que o controle é um instrumento de grande valia para a fiscalização dos atos praticados pelo poder público. A sociedade deve estar atenta às condutas praticadas por seus representantes, podendo fazer uso das ações judiciais quando verificarem abusos ou ilegalidades nos serviços prestados.
O controle está presente em todos os poderes políticos, o que não afeta o princípio da separação existente entre eles. Assim, o controle jurisdicional é amplamente aceito no que diz respeito às políticas públicas, uma vez que o poder judiciário não pode se omitir diante de atos ilegais e arbitrários. A intervenção é vedada apenas quando se tratar de elementos ligados à conveniência e oportunidade.
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______. Superior Tribunal de Justiça. Resp. 1.389.952/MT. Relator (a): Min. Herman Benjamin, Segunda Turma. DJ 03/06/2014. Disponível em: <www.stj.gov.br/> Acesso em: 20 jun. 2016.
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MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 7. ed. Niterói: Impetus, 2013.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
Advogada. Graduada pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ. Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Anhaguera - Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Marcella Gomes do. Controle jurisdicional de políticas públicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jul 2016, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/46978/controle-jurisdicional-de-politicas-publicas. Acesso em: 23 dez 2024.
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