Resumo: Por meio deste artigo, pretende-se explanar acerca dos aspectos mais relevantes da Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, analisando a função e importância que exercem em todo o ordenamento jurídico pátrio. Para isso, serão apresentados as discussões e os posicionamentos doutrinárias sobre determinados temas acerca dos direitos fundamentais, desde distinções terminológicas e características principais apresentadas, até as distintas dimensões que podem desempenhar, ora apresentando função ativa, ora passiva; noutros momentos, variando entre suas dimensões subjetiva e objetiva. Para desenvolver tal trabalho, realizou-se pesquisa bibliográfica e documental.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais x Direitos Humanos. Dimensões. Acepções. Características. Norma-regra x Norma-princípio. Bloco de constitucionalidade.
Sumário: 1 NOÇÕES SOBRE A TEORIA GERAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 1.1 Direitos Humanos versus Direitos Fundamentais: uma distinção terminológica central 1.2 As dimensões dos direitos fundamentais 1.3 As acepções (dimensões) subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais 1.4 As características dos direitos fundamentais 1.4.1 Universalidade (versus Universalização) 1.4.2 Imprescritibilidade 1.4.3 Inalienabilidade 1.4.4 Irrenunciabilidade 1.4.5 Inviolabilidade 1.4.6 Historicidade 1.4.7 Efetividade 1.4.8 Indivisibilidade 1.4.9 Interdependência 1.4.10 Complementaridade 1.5 A natureza das normas de direitos fundamentais: normas-regra versus normas-princípio 1.6 Os direitos fundamentais explícitos, implícitos e o Bloco de Constitucionalidade
Introdução
Neste artigo, faz-se uma análise acerca dos pontos mais relevantes da Teoria Geral dos Direitos Fundamentais.
Inicia-se este trabalho com a distinção terminológica entre os termos Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, que, em que pesem os embaraços de alguns autores, não se confundem, haja vista que o primeiro tem um caráter extremamente cosmopolita e universal, referindo-se à generalidade humana, enquanto o segundo representa a consagração e a legitimidade de certos direitos de determinado povo, alcançados através de um processo democrático.
Em seguida, tecem-se considerações acerca das várias dimensões em que se enquadram, conforme seu conteúdo e seus destinatários, os direitos fundamentais, esclarecendo o que significa e como se correlacionam cada uma delas, bem como fazendo uma distinção relevante entre os termos dimensões e gerações, como tradicionalmente eram denominadas.
No terceiro tópico deste artigo, analisam-se as acepções subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais, as quais se distinguem sobremaneira, tendo em vista que, enquanto uma estabelece a íntima relação desses direitos com o indivíduo, suas liberdades e competências, a outra a estabelece com a comunidade e com o ordenamento jurídico como um todo, funcionando como princípios e valores supremos a nortear a ordem constitucional.
Observam-se, com o devido aprofundamento, então, algumas das características dos direitos fundamentais mais abordadas pela doutrina majoritária, quais sejam, a universalidade, a imprescritibilidade, a inalienabilidade, a irrenunciabilidade, a inviolabilidade, a historicidade, a efetividade, a indivisibilidade, a interdependência e a complementaridade.
No quinto tópico, faz-se uma abordagem acerca da natureza das normas de direitos fundamentais, identificando em que subespécie se enquadram – se nas normas-regra ou nas normas-princípio, oportunidade em que se distingue cada uma delas.
Por fim, abordam-se, fazendo entre eles a necessária distinção, os direitos fundamentais explícitos e implícitos, finalizando o desenvolvimento deste trabalho com uma explanação acerca do Bloco de Constitucionalidade e da relevância desse instituto para o ordenamento jurídico em vigor.
1.1 Direitos Humanos versus Direitos Fundamentais: uma distinção terminológica central
Direitos fundamentais, expressão de relevo nas sociedades atuais, marcadas pela preocupação em garantir direitos mínimos aos cidadãos, a fim de assegurar-lhes uma vida digna, e pela consequente banalização em sua utilização, manifesta inconstância terminológica na doutrina e no direito positivo, os quais, na tentativa de se referir a uma definição, elaboram termos de sentidos distintos.
José Afonso da Silva (2008, p. 175) ilustra tal problemática, citando as várias nomenclaturas utilizadas, equivocadamente, em referência ao mencionado objeto, quais sejam “direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades publicas e direitos fundamentais do homem”.
André Ramos Tavares (2006, p. 418) ratifica e acrescenta:
Não se deve olvidar, ainda, que os direitos humanos possuem forte carga emotiva, o que favorece enormemente a ambigüidade e contradições na própria determinação do conteúdo que se aloja em cada um desses designativos. Assim é que são empregadas as seguintes expressões: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem.
Lamentavelmente, há um imenso embaraço doutrinário no que concerne, especialmente, à aplicação indistinta dos termos direitos fundamentais e direitos humanos, embora ambos se refiram a direitos inerentes ao ser humano ou à humanidade.
Com efeito, a primeira expressão somente pode assim ser reconhecida uma vez que esteja positivada na esfera do direito constitucional vigente de um determinado Estado, guardando relação direta com a sociedade que salvaguarda, enquanto o segundo, aplicado a todos os povos, independentemente de sua vinculação a qualquer ordem constitucional, demonstra um caráter eminentemente universal e, portanto, assume uma intrínseca relação com o direito internacional ou supranacional. Com o escopo de dirimir a referida discussão, José Joaquim Gomes Canotilho (2002, p. 393) preceitua:
Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente.
Acerca do discutido tema, importa considerar o entendimento de Antonio Enrique Pérez Luño (2005, p. 47):
Los derechos humanos aúan, a su significación descriptiva de aquellos derechos y libertades reconocidos en las declaraciones y convenios internacionales, una connotación prescriptiva o deontológica, al abarcar también aquellas exigencias más radicalmente vinculadas al sistema de necesidades humanas, y que debiendo ser objeto de positivación no lo han sido. Los derechos fundamentales poseen un sentido más preciso y estricto, ya que tan sólo describen el conjunto de derechos y libertades jurídica e institucionalmente reconocidos y garantizados por el Derecho positivo. Se trata siempre, por tanto, de derechos delimitados espacial y temporalmente, cuya denominación responde a su caráter básico o fundamentador del sistema jurídico político del Estado de Derecho.
Demonstrada sua atemporalidade e universalidade, resta cristalino que os direitos humanos revestem-se, em suma, de um caráter eminentemente internacional, porquanto direcionado a todo e qualquer ser humano, tão-somente por ostentar a condição de humanidade, transcendendo, nesse diapasão, a ordem jurídica constitucional positivada.
No que concerne à expressão direitos humanos, é necessário ressaltar que ela manifesta, em verdade, dois aspectos que se complementam, o que justifica a recorrente confusão doutrinária acerca de seu significado, tendo em vista que sua dimensão material aproxima-se, além da justa medida, do conteúdo revelado pelo termo direitos humanos.
Muitos foram os doutrinadores que desenvolveram a pertinente distinção entre os referidos aspectos, porém George Marmelstein (2011, p. 18-19) destacou-se em tal labor, razão pela qual se recorre a ele:
Em primeiro lugar, os direitos fundamentais possuem um inegável conteúdo ético (material). Eles são os valores básicos para uma vida digna em sociedade. Nesse contexto, eles estão intimamente ligados à idéia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder. Afinal, em um ambiente de opressão não há espaço para a vida digna. [...] Além do conteúdo ético (aspecto material), os direitos fundamentais também possuem um conteúdo normativo (aspecto formal). Do ponto de vista jurídico, não é qualquer valor que pode ser enquadrado nessa categoria. Juridicamente, somente são direitos fundamentais aqueles valores que o povo (leia-se: o poder constituinte) formalmente reconheceu como merecedores de uma proteção normativa especial, ainda que implicitamente.
Do exposto, depreende-se que, além da importância material dos direitos fundamentais, garantidores de uma vida social (em sentido amplo) digna, há importância de igual ou maior relevo em seu aspecto formal, uma vez que a única norma capaz de legitimá-los é a constitucional, fundamento supremo do ordenamento jurídico de um Estado, como bem assevera Hans Kelsen (1984, p. 309-313).
Destarte, todas as normas infraconstitucionais devem absoluta obediência aos preceitos da Carta Magna e, por isso mesmo, jamais terão o condão (ou força normativa) para promover o fiel respeito aos direitos fundamentais, que, como o próprio nome diz, asseguram condições básicas para que o cidadão viva (e não apenas sobreviva) com o mínimo de humanidade.
Em virtude dessa posição irrefutável de supremacia, os direitos fundamentais, como expõe Paulo Bonavides (2011, p. 561), no que pertine ao aspecto formal, são mais do que direitos preceituados e garantidos pela ordem constitucional, mas, especificamente, imutáveis (unabaenderliche) ou de difícil alteração (erschwert).
Cumpre, todavia, esclarecer que, muito embora, quando inseridos em uma Constituição vigente, apresentem caráter imutável ou extremamente rígido, os direitos fundamentais, exatamente por serem preceituados pela norma suprema, demonstram íntimo vínculo com o tempo e com o espaço – portanto, com a sociedade que salvaguardam e com certo período histórico, já que as constituições, no decorrer da História, manifestam um caráter sempre mutável, adequando-se aos anseios dos cidadãos do Estado.
O sucessivo rompimento e formação de poderes constituintes pode ser, mas não necessariamente o é, responsável pela destituição de determinados direitos fundamentais e formação de outros tantos, dependendo das modificações na ordem social, haja vista serem as constituições reflexo da evolução ou do retrocesso de uma sociedade. Isso porque a pacificação social, fim maior do Direito, somente será alcançada enquanto houver uma correlação da ordem jurídica (constitucional) e do meio social. Assim leciona George Marmelstein (2011, p. 68):
Como se sabe, toda Constituição é fruto de uma ruptura com o passado e de um compromisso com o futuro. Ela rompe com o passado, revogando a ordem jurídica anterior, e faz surgir em seu lugar outro sistema normativo, calcado nos novos valores que inspiram o processo constituinte.
Finalmente, por ser o direito à educação fundamental – e pressuposto para a formação de uma sociedade verdadeiramente democrática - e, por isso mesmo, exposto na Constituição Federal da República Federativa do Brasil, de 1988, imprescindível fez-se a distinção terminológica ora analisada, compreensão sem a qual comprometido estaria o objeto deste trabalho.
1.2 As dimensões dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais, por estarem, como já se asseverou, indissociavelmente vinculados à ordem constitucional vigente e, portanto, às constantes transformações sociais – consequência dos anseios de indivíduos de um Estado - relacionam-se diretamente com a evolução histórica de uma sociedade, sofrendo mudanças e, em virtude disso, manifestando-se em diferentes acepções.
No entanto, muito embora a evolução (ou retrocesso) histórico provoque, por vezes, rupturas no poder constituinte com a consequente formação de novos direitos fundamentais emblemáticos das necessidades dos cidadãos de uma determinada sociedade, não se pode concluir que os direitos fundamentais anteriormente aceitos são, necessariamente, excluídos do ordenamento jurídico.
Em virtude da suma importância que os mencionados direitos apresentam, seu aspecto material manifesta força normativa imensurável, razão pela qual, ainda que não expressamente positivados na Carta Magna, podem estar nela implicitamente inseridos.
Nesse diapasão, antes de desenvolver o presente tópico, cumpre realizar uma análise terminológica acerca do termo “gerações”, exatamente para demonstrar a ideia, que não se pode ter, de que os direitos fundamentais, surgidos no decorrer das transformações sociais e constitucionais, foram se substituindo uns aos outros.
Os direitos fundamentais surgem e se mantém para aprimorar e legitimar o ordenamento jurídico e, em virtude disso, não se excluem, mas se complementam, o que permite que direitos fundamentais surgidos em outro momento histórico se irmanem a outros positivados em virtude de novos anseios sociais. Nesse sentido, manifestou-se Ingo Wolfgang Sarlet (2006, p. 54):
Com efeito, não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão ‘gerações’ pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo ‘dimensões’ dos direitos fundamentais, posição esta que aqui optaremos por perfilhar, na esteira da mais moderna doutrina.
Paulo Bonavides (2011, p. 574), pronunciando-se no mesmo sentido, apresentou o que se chama de nova universalidade, que almeja harmonizar os direitos fundamentais de todas as dimensões, a fim de que se desenvolva um sistema realmente eficiente:
A nova universalidade procura, enfim, subjetivar de forma concreta e positiva os direitos da tríplice geração na titularidade de um indivíduo que antes de ser o homem deste ou daquele país, de uma sociedade desenvolvida ou subdesenvolvida, é pela sua condição de pessoa um ente qualificado por sua pertinência ao gênero humano, objeto daquela universalidade.
Após a importante análise acerca desse embaraço terminológico e a consequente conclusão de que pertinente realmente é a utilização do termo dimensões para se referir aos direitos fundamentais, e não gerações, uma vez que a última apresenta a ideia equivocada de que os mais atuais excluem ou sobrepõem-se aos mais antigos, cumpre estudar pormenorizadamente cada uma delas.
A primeira dimensão dos direitos fundamentais reflete direitos puramente individuais, porquanto, no momento histórico de seu surgimento, a grande preocupação social era o reconhecimento dos cidadãos perante o Estado, razão pela qual, nesse período, foram garantidos os direitos civis, dentro os quais pode se citar o direito à propriedade privada, bem como os direitos ao voto e à participação política.
O individualismo, marca do Estado Liberal em ascensão, foi expressão maior dos direitos inerentes a essa dimensão, que tão somente reconheceram a autonomia do indivíduo e impuseram a abstenção do Estado, razão pela qual são denominados pela doutrina como direitos negativos. Paulo Bonavides (2011, p. 163-564) esclarece:
Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.
A classificação quanto ao status dos direitos fundamentais, muito embora seja objeto de discussão e divergência doutrinária, divide os mencionados direitos em negativos ou abstencionais, assim denominados porque implicam em omissão do Estado, e positivos ou prestacionais, assim classificados porque exigem uma ação estatal, ou melhor, a implementação de políticas públicas de toda ordem e, portanto, de gastos públicos para a realização do bem comum.
George Marmelstein (2011, p. 320-321), manifestando-se de acordo com a doutrina mais recente, afirma que a mencionada classificação é deveras questionável, posto que o Estado, de qualquer forma, teria que agir a fim de garantir o exercício de todos os direitos fundamentais, seja respeitando-os apenas, seja promovendo-os.
Do exposto, depreende-se que ainda se faz corrente a discutível asserção de que os direitos fundamentais de segunda dimensão, conforme classifica a doutrina mais tradicional, assumem o status de direitos positivos, haja vista que, para serem efetivamente exercitados, exigem do Estado uma prestação material ou jurídica, almejando-se a igualdade econômica e social.
É da reivindicação da sociedade, no momento histórico do surgimento dessa dimensão, portanto, logo após a Segunda Guerra Mundial, pela redução das desigualdades sociais e por melhores condições econômicas, que se estrutura o Estado de Bem-Estar Social (Wellfare State), que deveria garantir, entre vários outros, o direito à saúde, ao trabalho e à educação (objeto desse estudo), conforme estabelecem Pablo Lucas Verdú (2007, p. 32) e Carlos Ari Sundfeld (2004, p. 54-56).
Nesse contexto, interessante é citar Agustín Gordillo (1977, p. 74), que brevemente explica em que se baseia o Wellfare State, que consagrou os direitos de segunda dimensão:
A diferença básica entre a concepção clássica do liberalismo e a do Estado de Bem-Estar Social é que, enquanto naquela se trata tão-somente de colocar barreiras ao Estado, esquecendo-se de fixar-lhe também obrigações positivas, aqui, sem deixar de manter as barreiras, se lhe agregam finalidades e tarefas às quais antes não se sentia obrigado. A identidade básica entre Estado de Direito e Estado de Bem-Estar, por sua vez, reside em que o segundo toma e mantém do primeiro o respeito aos direitos individuais e é sobre esta base que constrói seus próprios princípios.
Os direitos fundamentais de terceira dimensão, conhecidos como direitos de solidariedade ou de fraternidade, consistem nos direitos coletivos e difusos, que visam não à individualidade do homem, mas, especificamente, à coletividade. Nesse momento, o Estado preocupa-se em salvaguardar não só o direito à vida, mas o direito à qualidade de vida, bem como não só o direito de todos individualmente, mas de todos indistintamente.
Instrumentos processuais e legais como a Ação Civil Pública, instituída pela Lei 7.347/85, o Mandado de Segurança Coletivo, previsto na Lei 12.016/09 e o Código de Defesa do Consumidor são, gradativamente, inseridos no ordenamento jurídico pátrio com o escopo de garantir tais direitos.
Os direitos à paz, ao desenvolvimento, à comunicação, ao meio ambiente, ao patrimônio comum da humanidade e à autodeterminação dos povos traduzem, de certa maneira, a terceira dimensão dos direitos fundamentais e, entende a boa doutrina, refletem, como as demais dimensões, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, conforme entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet (2006, p. 59-60), que, nesse sentido, arremata:
Verifica-se, contudo, que boa parte destes direitos em franco processo de reivindicação e desenvolvimento corresponde, na verdade, a facetas novas deduzidas do princípio da dignidade da pessoa humana, encontrando-se intimamente vinculados (à exceção dos direitos de titularidade notadamente coletiva e difusa) à idéia da liberdade-autonomia e da proteção da vida e outros bens fundamentais contra ingerências por parte do Estado e dos particulares.
Paulo Bonavides (2011, p. 572) filia-se à corrente doutrinária vanguardista que se manifesta pela existência de uma quarta dimensão, muito embora só haja unanimidade acerca das três primeiras dimensões, asseverando que essa seria consequência da globalização dos direitos fundamentais, tendo em vista que nela se alcançaria a dimensão máxima das segunda e terceira dimensões, bem como o subjetivismo da primeira dimensão, que trata dos direitos individuais.
Como afirma o citado professor, os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo, na verdade, têm a função não de acrescentar ou suplementar os direitos fundamentais das dimensões anteriores, mas, direcionando seu exercício, dar-lhes real eficácia normativa.
A respeito dessa construção teórica, leciona Paulo Bonavides (2011, p. 571-572):
São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. [...] Os direitos da quarta geração não somente culminam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes como absorvem - sem, todavia, removê-la - a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos de primeira geração. Tais direitos sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão que ficam opulentados em sua dimensão principal, objetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-se com a mais subida eficácia normativa a todos os direitos da sociedade e do ordenamento jurídico (grifo original).
Diante disso, indubitável é a relevância dos direitos fundamentais, seja qual for a dimensão à qual pertençam, visto que são esses direitos (sobremaneira, à educação) ao cidadão dirigidos e pelo Estado obrigatoriamente oferecidos que garantem a existência de uma sociedade que, visando sempre à pacificação social, seja efetivamente harmônica e, portanto, materialização de um Estado Democrático de Direito.
1.3 As acepções (dimensões) subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais
O período entre o Estado Liberal e o Estado do Bem-Estar Social, entre os séculos XIX e XX, inclusive a transição entre eles, é de suma importância para o estudo acerca dos direitos fundamentais, haja vista que as mudanças sociais nesse momento surgidas possibilitaram que a doutrina visualizasse em tais direitos duas acepções distintas, mas extremamente comunicáveis entre eles.
Com efeito, o caráter, primeiramente, liberal clássico e, posteriormente, a vertente social-democrata do Estado de Direito, marcados, respectivamente, pela proteção de direitos e liberdades individuais (abstenção estatal) e, a partir de movimentos reivindicatórios da classe trabalhadora e da própria crise do capitalismo, pela interferência do Estado nos processos econômicos a fim de garantir não apenas as mencionadas liberdades, mas seu efetivo exercício e outros tantos direitos que mais se referiam à comunidade como um todo, não apenas a indivíduos (prestação estatal) desse Estado, foram essenciais para a identificação das acepções subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais.
A partir da decisão da Corte Federal Constitucional (Bundesverfassungsgericht) da Alemanha, no caso Lüth, em 1958 (portanto, não há muito tempo), sedimentou-se a ideia de que os direitos fundamentais não consistem apenas em direitos subjetivos individuais contra atos do Poder Público, mas constituem normas constitucionais com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que, por isso, devem ser observadas objetivamente. Konrad Hesse (2009, p. 37-38) aprofunda-se:
Sobre o significado dos direitos fundamentais para a vida estatal. Sobreleva sua interpretação como princípios objetivos do ordenamento jurídico em conjunto, que a jurisprudência do Tribunal Constitucional vem desenvolvendo. Foi plasmada na transcendente sentença ditada em 15 de janeiro de 1958 ao resolver o caso Lüth. De acordo com a sentença, os direitos fundamentais destinam-se, em primeiro lugar, a assegurar a esfera de liberdade do indivíduo frente a intromissões do poder público. Ao mesmo tempo, a Lei Fundamental, que não quer ser de nenhum modo uma ordem neutra perante os valores, erigiu na seção correspondente aos direitos fundamentais uma ordem axiológico-objetiva, e nela se expressa, com valor de princípio, um robustecimento da força normativa dos direitos fundamentais. Esse sistema de valores cuja medula radica na personalidade humana, atuando livremente no seio da sociedade constituída, bem como na dignidade da pessoa, deve vigorar como decisão constitucional básica em todas as esferas de Direito: dele recebem orientação e impulso a legislação, a administração e a atividade jurisdicional.
A acepção objetiva dos direitos fundamentais, conforme Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 143), dessa maneira, revela-se na ideia de que tais direitos não se confundem com garantias negativas dos interesses, direitos e liberdades individuais, haja vista que, ao passo que consistem também num conjunto de valores objetivos e fins diretivos de atuação positiva do Estado, caracterizam-se em princípios superiores do ordenamento jurídico-constitucional e elementos estruturais da ordem jurídica.
Antonio Enrique Perez Luño (2005, p. 20-21), ratificando tal entendimento e desenvolvendo um pouco mais a explanação, aduz:
En su significación axiológica objetiva los derechos fundamentales representan el resultado del acuerdo básico de las diferentes fuerzas sociales, logrado a partir de relaciones de tensión y de los consiguientes esfuerzos de cooperación encaminados al logro de metas comunes. Por ello, corresponde a los derechos fundamentales um importante cometido legitimador de las formas constitucionales de Estado de Derecho, ya que constituyen los presupuestos del consenso sobre el que se debe edificar cualquier sociedad democrática; em otros términos, su función es la de sitematizar el contenido axiológico objetivo del ordenamiento democrático al que la mayoría de los ciudadanos prestan su consentimiento y condicionan su deber de obediência al Derecho. [...] Al propio tiempo, los derechos fundamentales han dejado de ser meros límites al ejercicio del poder político, o sea, garantías negativas de los intereses individuales, para devenir um conjunto de valores o fines directivos de la acción positiva de los poderes públicos.
Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins (2009, p. 111-113), por sua vez, afirmam que tal dimensão resume-se em critérios de controle da atuação do Poder Público, que devem ser aplicados, não obstante qualquer direito fundamental tenha sido individualmente violado ou não.
Esclarece Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 144) que, ao contrário, esse reconhecimento determina que esses direitos possuem, por vezes, uma função independente e dissociada de seus destinatários individualmente analisados:
A faceta objetiva dos direitos fundamentais, que ora é objeto de sumária análise, significa, isto sim, que às normas que prevêem direitos subjetivos é outorgada função autônoma, que transcende esta perspectiva subjetiva, e que, além disso, desemboca no reconhecimento de conteúdos normativos e, portanto, de funções distintas aos direitos fundamentais. É por isso que a doutrina costuma apontar para a perspectiva objetiva como representando também – naqueles aspectos que se agregaram às funções tradicionalmente reconhecidas aos direitos fundamentais – uma espécie de mais-valia jurídica, no sentido de um reforço da juridicidade das normas de direitos fundamentais, mais-valia esta que, por sua vez, pode ser aferida por meio das diversas categorias funcionais desenvolvidas na doutrina e na jurisprudência, que passaram a integrar a assim denominada perspectiva objetiva dos direitos fundamentais e sobre as quais ainda iremos tecer algumas considerações.
Diante de tal constatação, resta evidente que, afora a função reflexa que a acepção subjetiva dos direitos pode, sim, exercer sobre a objetiva – a concessão de um determinado direito a um indivíduo, reflexamente, retira-o do Estado -, a função objetiva não se resume nisso.
Analisando um pouco mais a competência negativa dos direitos fundamentais, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins (2009, p. 111) lecionam:
Em primeiro lugar, os direitos fundamentais apresentam, objetivamente, o caráter de normas de competência negativa. Esse caráter não afeta a natureza básica dos direitos fundamentais enquanto direitos subjetivos. Só significa que aquilo que está sendo outorgado ao indivíduo em termos de liberdade para ação e em termos de livre arbítrio, em sua esfera, está sendo objetivamente retirado do Estado, ou seja, independentemente do particular exigir em juízo o respeito de seu direito (grifo original).
Assim como o faz Konrad Hesse (2009, p. 40):
Além desses efeitos, a concepção dos direitos fundamentais como normas objetivas supremas do ordenamento jurídico tem uma importância capital, não só teórica, para as tarefas do Estado. Partindo dessa premissa da vinculação dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário aos direitos fundamentais (art. 1.3 GG), surge não só uma obrigação (negativa) do Estado abster-se de ingerências no âmbito que aqueles direitos protegem mas também uma obrigação (positiva) de levar a cabo tudo aquilo que sirva à realização dos direitos fundamentais, inclusive quando não conste uma pretensão subjetiva dos cidadãos.
Apesar da compreensão de que existe, sim, uma dimensão objetiva dos direitos fundamentais muito recente na História, alguns doutrinadores já identificam inúmeras consequências jurídicas em face dessa constatação, portanto, embora não se pretenda, com este trabalho, esgotar o tema, cumpre abordar rapidamente algumas delas.
Analisando o assunto sob um enfoque eminentemente axiológico, conforme Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 145-146), constatou-se que a acepção objetiva dos direitos fundamentais exerce sobremaneira importância no que concerne ao exercício dos direitos individuais, tendo em vista que não almeja alcançar tão somente alguns, mas toda a coletividade e, dessa forma, condiciona o exercício desses direitos ao interesse coletivo.
Nesse mesmo prisma, percebeu-se que, em sua dimensão objetiva, os direitos fundamentais funcionam como verdadeiras diretrizes à atividade do Estado, que deve, reiterada e incansavelmente, proteger e concretizar esses direitos, como também funcionam como parâmetros por excelência no controle de constitucionalidade de todos os atos normativos (SARLET, 2009, p. 147).
A despeito dessa análise valorativa sobre a dimensão objetiva dos direitos fundamentais, alguns autores também constataram que esses direitos exercem uma função autônoma (SARLET, 2009, p. 144), como já mencionado, criando conceitos e desempenhando diversos papéis, o que permite que funcionem, como afirmam Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins (2009, p. 111-112), ora como critérios de interpretação e configuração do direito infraconstitucional, exercendo o papel de cláusula-geral a ser respeitada pelo direito infraconstitucional e almejando a conformidade com a Constituição, ora como dever estatal de tutela direitos fundamentais.
Sobre o último desdobramento da acepção objetiva dos direitos fundamentais, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins (2009, p. 113) ainda esclarecem:
O dever estatal de tutela refere-se ao dever do Estado de proteger ativamente o direito fundamental contra ameaças de violação provenientes, sobretudo, de particulares. Trata-se do êxito da tese segundo a qual, além do Estado o particular também pode violar prescrições de direito fundamental.
Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 151), sintetizando a discussão acerca da dimensão objetiva dos direitos ora em estudo, leciona:
Do que até aqui foi exposto, verifica-se que a perspectiva objetiva dos direitos fundamentais constitui, na verdade, um terreno fértil para desenvolvimentos, podendo, neste sentido, ser considerada não tanto uma função nova dos direitos fundamentais, mas, sim, fundamento para outras funções, cujos contornos e importância específica dificilmente podem ser avaliados de forma precisa e apriorística. A descoberta (ou redescoberta?) da perspectiva jurídico-objetiva dos direitos fundamentais revela, acima de tudo, que estes – para além de sua condição de direitos subjetivos (e não apenas na qualidade de direitos de defesa) permitem o desenvolvimento de novos conteúdos, que, independentemente de uma eventual possibilidade de subjetivação, assumem papel de alta relevância na construção de um sistema eficaz e racional para sua (dos direitos fundamentais) efetivação.
A dimensão subjetiva (ou clássica) dos direitos fundamentais, por sua vez, pensada, como já se mencionou, no auge do Estado Liberal, não é objeto de grande celeuma doutrinária – quando analisada em seu sentido amplo, que é o que interessa neste trabalho, devendo ser estudada sob o enfoque do indivíduo, e não da sociedade.
Com efeito, tal acepção reflete a noção básica e elementar de que os direitos fundamentais, antes de funcionarem como um conjunto de princípios supremos que devem nortear a estrutura jurídica de um Estado, têm titulares e que esses titulares, individualmente analisados, podem e devem pleitear, inclusive judicialmente, o respeito, a proteção e o fiel exercício de seus interesses juridicamente tutelados. Antonio Enrique Perez Luño (2005, p. 22) explica:
En su dimensión subjetiva, los derechos fundamentales determinan el estatuto jurídico de los ciudadanos, lo mismo em sus relaciones com el Estado que em sus relaciones entre sí. Tales derechos tienden, por tanto, a tutelar la libertad, autonomia y seguridad de la persona no solo frente al poder, sino también frente a los demás miembros del cuerpo social.
Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins (2009, p. 110) sintetizam:
A dimensão subjetiva corresponde, em primeiro lugar, ao anteriormente estudado status negativus. Trata-se da dimensão ou da função clássica, uma vez que o seu conteúdo normativo refere-se ao direito de seu titular de resistir à intervenção estatal em sua esfera de liberdade individual. Essa dimensão tem um correspondente filosófico-teórico que é a teoria liberal dos direitos fundamentais, a qual concebe os direitos fundamentais do indivíduo de resistir à intervenção estatal em seus direitos (Abwehrrechte gegen staatliche Grundrechtseingriffe) (grifo original).
Cumpre ressaltar que os direitos fundamentais – seja em sua função objetiva, seja em sua função subjetiva – não se confundem com os direitos clássicos de liberdade, sendo estes apenas os que mais denotam subjetividade.
Em verdade, a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais é bem mais complexa – ainda quando analisada apenas em sentido amplo, contemplando alguns desdobramentos, conforme o que estabelece Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 153-154):
Cuida-se aqui da proposta formulada por Robert Alexy, que, partindo da distinção efetuada por Bentham entre rights to services, liberties and powers, edifica sua concepção de direitos fundamentais (o que chamou de sistema de posições jurídicas fundamentais) em sua perspectiva subjetiva, com base no seguinte tripé subjetivo: a) direitos a qualquer coisa (que englobariam os direitos a ações negativas e positivas do Estado e/ou particulares e, portanto, os clássicos direitos de defesa e os direitos a prestações); b) liberdades (no sentido de negação de exigências e proibições) e c) os poderes (competências ou autorizações). Não sendo nosso propósito adentrar o exame de cada uma destas facetas referidas por Alexy, basta-nos a referencia de que o problema da eficácia e efetividade dos direitos fundamentais como direitos subjetivos se encontra umbilicalmente vinculado às diferentes facetas que pode assumir o direito subjetivo fundamental, sobre o qual nos debruçaremos na segunda parte desta obra (grifo original).
Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins (2009, p. 111) corroboram:
A dimensão subjetiva aparece também nos direitos fundamentais que fundamentam pretensões jurídicas próprias do status positivus. Quando o indivíduo adquire um status de liberdade positiva (liberdade para alguma coisa) que pressupõe a ação estatal, tem-se como efeito a proibição de omissão por parte do Estado. Trata-se aqui de direitos sociais e políticos e de garantias processuais entre as quais a mais relevante é a garantia de acesso ao Judiciário para apreciação de toda lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV) (grifo original).
Tal compreensão acerca do tema, faz-se mister asseverar, foi resultado da contribuição doutrinária de Georg Jellinek (1912, p. 96-97), que, ainda no início do século 20, identificou nos direitos fundamentais a afirmação de quatro diferentes e sucessivos status, sendo o primeiro deles o status passivus (subjectionis), que se caracteriza pela passividade dos indivíduos diante do Estado, a qual tende a diminuir na medida do desenvolvimento de sua personalidade:
In forza della sua appartenenza allo Stato, l’individuo si trova adunque in una pluralità di rapporti de status. Per effeto della subordinazione allo Stato, che forma la base di ogni attività statale, l’individuo, entro la sfera dei suoi doveri individuali, si trova nello satus passivo (passiven Status), nello status subjectionis, nel quale è esclusa l’autodeterminazione, e quindi la personalità. [...] La relazione fra lo Stato e la persona singola è, così fatta, che l’uno e l’altra appariscono como due grandezze, le quali si integrano a vicenda. Collo sviluppo della personalità individuale diminuisce l’estensione dello status passivo, e con ciò il campo della potestà dello Stato. Non per nulla la storia politica moderna ha per contenuto il costante sviluppo della personalità individuale, e con ciò la limitazione dello Stato[1].
Outro status identificado pelo mesmo autor foi o status negativus (libertatis), que tem como característica uma atuação negativa do Estado. Nessa perspectiva, os direitos fundamentais teriam o condão de garantir liberdades ao cidadão a partir da abstenção do Estado, o qual deveria reconhecê-las:
La limitazione della libertà naturale dell’uomo si giustifica e si impone solamente in quanto lo consentono gli scopi individuali, e questa stessa limitazione è permessa soltanto perehè all’individuo sia assicurato il godimento di quel residuo di libertà naturale, che rimane, dopo dedottane la parte assorbita dalla esistenza di un potere coattivo, indispensabile per assicurare la coesistenza degli individui. [...] Lo scopo legislativo di questa enumerazione di diritti fondamentali era duplice: essa doveva servire per tutelare la libertá individuale, in quelle determinate sue manifestazioni, non solamente contro l’amministrazione dello Stato, e cioè contro la costrizione giudiziaria e specialmente contro quella della polizia, quanto anche contro la legislazione. Essa doveva costituire una barriera non soltanto per i funzionari, ma anche per quella medesima vonlontà legislativa dello Stato, dalla quale la enumerazione emanava[2] (JELLINEK, 1912, p. 106-107).
O terceiro status por George Jellinek (1912, p. 127-129) reconhecido, ainda no que diz respeito à dimensão subjetiva dos direitos fundamentais, foi o status positivo (civitatis), marcado pelo reconhecimento aos cidadãos do direito de exigir do Estado prestações, ou seja, uma atuação positiva:
Ogni azione statale è azione nel pubblico interesse. L’interesse generale non è assolutamente necessario che coincida, ma può coincidire con l’interesse individuale. In quanto tale ultima ipotesi si verifica e la coindidenza è riconosciuta dallo Stato, questo accorda all’individuo pretese giuridiche (Ansprüche) all’attivitá statale e mette a disposizione di lui rimedi giuridici per realizzarla. In questa maniera lo Stato eleva l’individuo alla condizione di membro della comunità statale dotato di facoltà aventi carattere postivo, gli conferisce lo status di cittadinanza, il quale è del tutto separato dallo status semplicemente negativo, e cioè dall’esteso campo che abbraccia le azioni giuridicamente indifferenti per lo Stato. [...] In forza della concessione di pretese giuridiche positive verso lo Stato, il fatto di essere membro dello Stato si trasforma da un rapporto di pura dipendenza, in un rapporto avente un doppio carattere, in una condizione giuridica cioè, che nello stesso tempo attribuisce facoltà ed impone doveri. Questa condizione è quella che ien designata come appartenenza allo Stato (Staatsangehörigkeit), come cittadinanza, come diritto di cittadinanza, come nationalitè.[3]
Por fim, o último status identificado pelo referido autor nos direitos fundamentais foi o status ativo (activae civitatis), o qual, mais do que reconhecer direitos políticos ao indivíduo, assegura-o participação política, ou seja, exercício material da Cidadania, e, portanto, a condição de membro efetivo e atuante do Estado:
In altri termini, all’individuo viene attribuito un nuovo status, che è lo status activae civitatis, o, più brevemente, status attivo. Esso si distingue dallo status civitatis sopratutto pel fatto, che il suo contenuto immediato non è costituito da pretese giuridiche verso lo Stato, ma dalla possibilita che líndividuo diventi obbietto di un’azione statale, con che viene ad essere compreso nell’ordinamento statale, come membro dell’ordinamento stesso. Lo status attivo costituisce l’esatto contrapposto dello status negativo. In forza dell’ultimo, l’individuo è liberato dalla soggezione verso lo Stato, in forza del primo agisce per lo Stato. Da questo punto di vista lo status attivo si avvicina allo status passivo, dal quale però si distingue nettamente, perchè il suo ultimo scopo non è la soggezione ad una superiore volontà, ma la formazione di questa stessa volontà superiore. Inoltre dallo status passivo non sorgono mai pretese verso Stato, mentre lo status attivo forma la base giuridica di una intera serie di importanti pretese individuali verso lo Stato[4] (JELLINEK, 1912, p. 154-155).
Antonio Enrique Perez Luño (2004, p. 20-21), por sua vez, a partir da identificação, especialmente, dos últimos três referidos status e, portanto, dos estudos de Georg Jellinek, reconhece, nos direitos fundamentais, o status positivus socialis, o qual compreende o reconhecimento dos direitos econômicos, sociais e culturais ao indivíduo com o desiderato de plenamente desenvolver a subjetividade humana, o que somente é possível quando se observa suas duas dimensões: a particular e a coletiva.
Diante disso, a acepção subjetiva dos direitos fundamentais consiste na possibilidade de seu titular, seja ele um indivíduo ou um ente coletivo, reclamar judicialmente o respeito às liberdades, o exercício de poderes a ele garantidos e o direito de promover ações positivas (prestações) ou, como se falou inicialmente, negativas (abstenções) pelo Estado e pelos particulares. Compendiando a distinção entre as duas dimensões estudadas, George Marmelstein (2011, p. 318), leciona:
A doutrina constitucional tem reconhecido que os direitos fundamentais possuem dupla dimensão: a subjetiva e a objetiva. De um lado, os direitos fundamentais, na sua dimensão subjetiva, funcionariam como fonte de direitos subjetivos, gerando para os seus titulares uma pretensão individual de buscar a sua realização através do Poder Judiciário. De outro lado, na sua dimensão objetiva, esses direitos funcionariam como um ‘sistema de valores’ capaz de legitimar todo o ordenamento, exigindo que toda interpretação jurídica leve em consideração a força axiológica que deles decorre (grifo original).
Vale ainda ressaltar que, embora essa discussão não tenha relevância para este trabalho, inequívoco resta entre a majoritária doutrina que há certa prevalência da dimensão subjetiva dos direitos fundamentais sobre a objetiva, visto que a finalidade primeira de tais direitos é proteger e resguardar os indivíduos, sendo portanto a acepção objetiva pouco mais que um reforço jurídico dos direitos subjetivos, conforme Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 154-155).
Corroborando tal entendimento, ainda leciona o mesmo autor que essa prevalência se dá também em face do valor outorgado à autonomia individual, na qualidade de expressão da dignidade humana (SARLET, 2009, p. 155).
Por fim, é necessário acrescentar que, em virtude da identificação das duas dimensões (objetiva e subjetiva) analisadas, das várias funções que desempenham e de papéis que exercem na ordem jurídica pátria, a doutrina defende a existência de uma mutifuncionalidade dos direitos fundamentais, conforme defende Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 155):
Consoante ficou devidamente comprovado no item anterior, a dupla perspectiva (objetiva e subjetiva) dos direitos fundamentais revela que estes exercem várias e diversificadas funções na ordem jurídica, o que deflui tanto das conseqüências atreladas à faceta jurídico-objetiva, quanto da circunstancia de existir um leque de posições jurídico-subjetivas que, em princípio, integram a assim denominada perspectiva subjetiva.
Em outras palavras, Antonio Enrique Perez Luño (2004, p. 20-21), sobre o tema, arremata:
En el horizonte del constitucionalismo actual los derechos fundamentales desempeñan, por tanto, uma doble función: en el plano subjetivo siguen actuando como garantías de la libertad individual, si bien a este papel cássico se aúna ahora la defensa de los aspectos sociales y colectivos de la subjetividad, mientras que en el objetivo han asumido una dimensión institucional a partir de la cual su contenido debe fuincionalizarse para la consecución de los fines y valores constitucionalmente proclamados.
Destarte, os direitos fundamentais possuem dimensão dúplice, tendo em vista que, como fora exposto, ora podem revelar-se direitos individuais (e, portanto, subjetivos), que têm como escopo proteger e resguardar o indivíduo membro de um Estado, ora consistem em premissas e princípios que funcionam como base de sustentação de todo o Estado, fundamentando e respaldando a ordem jurídico-constitucional e, por isso, toda a coletividade.
1.4 As características dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais, justamente pela função distinta que exercem e pela forte influência das concepções jusnaturalistas acerca do tema, mas não apenas, conforme leciona José Afonso da Silva (2008, p. 180), possuem várias características que os distinguem dos demais. Dentre elas, pode-se observar:
1.4.1 Universalidade (versus Universalização)
Os direitos fundamentais têm como característica a universalidade, justamente porque abrangem ou são direcionados a todos os indivíduos, restando indiferente qualquer distinção quanto à nacionalidade, a convicções filosóficas e políticas, a sexo, à idade, à cor ou à raça, conforme estabelece Alexandre de Moraes (2005, p. 23). André Ramos Tavares (2006, p. 437) sintetiza:
Universalidade implica qualidade ou natureza. Ao dizer, ‘universalidade dos direitos humanos’, procura-se declarar que todos são sujeitos desses direitos. Assim, universalidade refere-se à amplitude subjetiva. Todo Homem, pelo fato de o ser, possui tais direitos, que são, portanto, universais. Se há alguma divergência, tal reside na forma de aplicação dos direitos humanos.
O mesmo autor acrescenta que, dessa ideia de universalidade, surge como consequência a atemporalidade e a invariabilidade dos direitos fundamentais, pelo que se conclui que tais direitos não são alterados com o decurso do tempo ou com a mudança do espaço, sendo a criação de novos direitos apenas uma questão de percepção, assim como surge a constatação de que esses direitos vinculam o Estado, todos os Poderes desse Estado (inclusive o Legislativo) e, também, os particulares.
Cumpre ressaltar que, em que pese a simplicidade dos conceitos ora analisados, alguns autores apresentam concepção distinta e complexa acerca dessa característica e, estabelecendo uma discussão terminológica interessante acerca do tema, concluem que, em verdade, o ideal seria que se utilizasse o termo universalização dos direitos fundamentais como uma de suas características.
Com efeito, universalidade e universalização dos direitos fundamentais são conceitos que, embora similares, não se confundem, haja vista que, enquanto o primeiro transmite a ideia de algo estático, o segundo revela extremo movimento, estabelecendo a ideia de um verdadeiro processo evolutivo.
De acordo com André Ramos Tavares (2006, p. 438), essa noção de movimento “se relaciona a dois vetores: (i) quanto aos direitos e (ii) quanto ao gênero humano”, afirmando que os direitos fundamentais nem sempre - contrariando o que nos remete o termo universalidade - são compreendidos exatamente como devem ser e que, por isso, deve existir e, na realidade, existe uma busca incessante pelo seu entendimento de maneira definitiva e acabada, bem como que a diversidade cultural – que existe até mesmo em um único Estado - pode sim, conforme o tempo e o lugar, relativizar e até modificar a ideia que se tem desses direitos, não sendo, portanto, atemporais e invariáveis.
Em verdade, o termo universalização é mais democrático, tendo em vista que ele respeita as divergências culturais e, por isso, a importância dos valores enraizados por uma sociedade a depender do tempo e do lugar, dando a entender que há ainda um movimento inacabado de busca pela universalidade dos direitos fundamentais, mas que tal finalidade ainda não foi alcançada. André Ramos Tavares (2006, p. 439), autor nacional que mais se debruça sobre o estudo dessa característica, assevera:
É por esse motivo que se fala em ‘universalização’, na medida em que se admite a existência de outros povos que não ‘cultuam’ os mesmos direitos, mas que, eventualmente, o farão, assim que forem capazes de identificar e perceber o que é certo, enfim, de vislumbrar a verdade. Em outras palavras, a ‘universalização dos direitos humanos’ almeja a universalidade no sentido de validade e alcance subjetivo.
E arremata:
A universalidade, como se pôde perceber, pressupõe valor absoluto; enquanto a universalização, um certo relativismo inicial dos direitos humanos, na medida em que encampa uma idéia de formação, processo de elaboração, passível de mudança e amálgama de direitos.
Conforme leciona José Joaquim Gomes Canotilho (2002, p. 418), a universalidade dos direitos fundamentais será aumentada ou diminuída a depender da postura dos legisladores, portanto, de aspectos culturais, respeitando apenas (e sempre) o núcleo desses direitos, que jamais será objeto de qualquer discricionariedade.
Interessante é mencionar formulações de Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 210) acerca do tema:
De acordo com o princípio da universalidade, todas as pessoas, pelo fato de serem pessoas, são titulares de direitos e deveres fundamentais, o que, por sua vez, não significa que não possam haver diferenças a serem consideradas, inclusive, em alguns casos, por força do próprio princípio da igualdade, além de exceções expressamente estabelecidas pela Constituição, como dá conta a distinção entre brasileiro nato e naturalizado, algumas distinções relativas aos estrangeiros, entre outras.
Diante do exposto, muito embora a doutrina ainda não seja uníssona acerca da nomenclatura que melhor defina a característica ora em estudo, variando entre universalidade – termo que transmite a ideia de algo estanque e finalizado – e universalização – termo que demonstra a ideia de um processo ainda em andamento, conclui-se que os direitos fundamentais, tenham sido completamente alcançados ou estejam sendo alcançados por todos, são direcionados a todos os indivíduos tão somente pelo fato de o serem, portanto, sem qualquer distinção.
A imprescritibilidade, uma das mais citadas características dos direitos fundamentais, consiste na ideia de que tais direitos não são alcançados pela prescrição, ou seja, de que o decurso do tempo não influencia ou determina o exercício desses direitos, sendo eles exigíveis tão somente por estarem previstos na ordem jurídica. José Afonso da Silva (2008, p. 181) explica:
Vale dizer, nunca deixam de ser exigíveis. Pois prescrição é um instituto jurídico que somente atinge, coarctando, a exigibilidade dos direitos de caráter patrimonial, não a exigibilidade de direitos personalíssimos, ainda que não individualistas, como é o caso. Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição (grifo original).
Em suma, tal como lecionam Marcelo Novelino Camargo (2011, p. 386) e Alexandre de Moraes (2005, p. 23), os direitos fundamentais são imprescritíveis porque lapsos temporais não atingem a exigibilidade de tais direitos.
Os direitos fundamentais possuem também como característica a inalienabilidade, que consiste na impossibilidade de tais direitos serem, por seus titulares, alienados, transferidos ou, de qualquer outra forma, negociados.
Com efeito, como explicita José Afonso da Silva (2008, p. 181), por não apresentarem conteúdo patrimonial, esses “são direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico-patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode desfazer, porque são indisponíveis”.
Tal como assevera Alexandre de Moraes (2005, p. 23), os direitos fundamentais não podem ser de nenhuma forma transferidos ou negociados - seja a título gratuito, seja a título oneroso – exatamente porque encerram necessidades e valores essenciais para a vida do indivíduo, sem os quais a convivência em sociedade restaria comprometida.
Característica sobremaneira relevante dos direitos fundamentais é a irrenunciabilidade, que impossibilita que tais direitos sejam abdicados por seus titulares.
Embora alguns doutrinadores, como Alexandre de Moraes (2005, p. 23), discutam sua relativização em face da legalização, em determinadas situações, do aborto e do reconhecimento de institutos como a eutanásia, ainda se atribui aos direitos fundamentais tal característica.
A irrenunciabilidade, deve-se frisar, recai sobre o núcleo dos direitos fundamentais, sendo permitidas, no resto, sim, certas abstenções, conforme preceitua Marcelo Novelino Camargo (2011, p. 386):
Não se deve admitir a renúncia ao núcleo substancial de um direito fundamental, ainda que a limitação voluntária seja válida sob certas condições, sendo necessário verificar na análise da validade do ato a finalidade da renuncia, o direito fundamental concreto a ser preservado e a posição jurídica do titular (livre e autodeterminada). A autolimitação está sujeita, a qualquer tempo, à revogação.
O mesmo autor, acompanhado por José Afonso da Silva (2008, p. 181), arremata que, muito embora os titulares desses direitos não possam deles abdicar, o que demonstra, mais uma vez, a indisponibilidade dos direitos fundamentais, podem, outrossim, não exercê-los ou utilizá-los de maneira negativa, afirmando que “o não exercício ou o uso negativo de um direito (não participar de uma manifestação, não se filiar a um partido político, não interpor um recurso [...]) não significa uma renúncia por parte de seu titular”.
Como se explanou, embora a irrenunciabilidade para a doutrina tradicional e majoritária seja uma das características dos direitos fundamentais, autores respeitáveis, como George Marmelstein (2011, p. 476-478), afirmam que, em verdade, esses direitos, tendo o indivíduo capacidade de discernimento e ausência total de pressões em suas decisões, são, sim, renunciáveis em função da autonomia da vontade. Sucintamente, o citado autor estabelece:
No fundo, a discussão em torno da possibilidade de renúncia de direitos fundamentais vai desembocar, mais uma vez, no sopesamento de valores, onde, de um lado, estará a autonomia da vontade e, do outro, o direito a ser renunciado. Em alguns casos, prevalecerá a autonomia da vontade; em outros, o direito fundamental em jogo, conforme a importância de cada um desses valores no caso concreto. Geralmente, aceita-se com mais facilidade a renúncia de direitos fundamentais de cunho patrimonial. Já os direitos mais ligados à dignidade humana, como os direitos à vida e à integridade física e moral, são bem menos flexíveis, mais ainda assim podem ceder em determinadas situações. [...] Na verdade, toda pessoa que esteja em pleno gozo de suas faculdades mentais e tenha condições concretas e autênticas de tomar por si própria as decisões que lhe dizem respeito tem o direito fundamental de dispor do próprio corpo da forma como bem entender, desde que não prejudique o direito de terceiros, não podendo o Estado, ressalvadas algumas situações bem peculiares, interferir no exercício desse direito.
Destarte, embora a doutrina discuta acerca da irrenunciabilidade dos direitos fundamentais, afirmando alguns que podem, em algumas situações, ser temporariamente abdicados, percebe-se que o núcleo desses direitos não pode ser objeto de renúncia, o que não quer dizer que não possam ser negativamente utilizados ou não exercidos, inclusive como resultado do uso do princípio da proporcionalidade para a solução de conflitos entre direitos fundamentais.
Muito embora a inviolabilidade não seja característica tão mencionada e discutida pelos autores como as anteriormente explicitadas, não resta dúvida que os direitos fundamentais por ela também são marcados.
Com efeito, os direitos fundamentais devem ser respeitados, observadas, como já se frisou, as exceções constitucionais, não podendo atos normativos inferiores à Constituição ou atos de autoridades públicas os contrariarem.
Nesse sentido, Alexandre de Moraes (2005, p. 23) afirma que essa característica se trata da “impossibilidade de desrespeito por determinações infraconstitucionais ou por atos das autoridades públicas, sob pena de responsabilização civil, administrativa e criminal”.
Em suma, caso os direitos fundamentais sejam, de alguma maneira, desrespeitados, em virtude de sua supremacia constitucional, restará àquele que o fez responsabilização civil, administrativa ou até mesmo penal.
A civilização humana – deixam-se de lado, nesse momento, discussões acerca de suas inúmeras distinções culturais – passou por diversas mudanças ao longo da História, pelo que se conseguem identificar fases marcantes, que, ora revelando aspectos negativos ora positivos, acabaram por delimitá-la em todos os seus aspectos.
Com efeito, diversas evoluções (e retrocessos) tecnológicas, políticas, econômicas e sociais ocorreram durante toda a história até que se chegasse à configuração atual de sociedade.
A ordem jurídica como um todo, mas, principalmente, os direitos fundamentais foram, dessa forma, sendo delineados, reconhecidos e alterados conforme os anseios da sociedade em cada momento histórico. José Afonso da Silva (2008, p. 181), sobre os direitos fundamentais, aduz:
São históricos como qualquer direito. Nascem, modificam-se e desaparecem. Eles apareceram com a revolução burguesa e evoluem, ampliam-se, como o correr dos tempos. Sua historicidade rechaça toda a fundamentação baseada no direito natural, na essência do homem ou na natureza das coisas.
Nesse mesmo sentido, leciona Marcelo Novelino Camargo (2011, p. 386):
A historicidade também é uma das características dos direitos fundamentais, porquanto surgem e se desenvolvem conforme o momento histórico. A possibilidade de alteração de seu sentido e conteúdo com o passar do tempo afasta a fundamentação jusnaturalista.
Diante disso, não resta dúvida de que a historicidade é, sim, uma das características dos direitos fundamentais, que, como já se explicitou no momento oportuno, não são estáticos, mas dinâmicos, alterando-se e constituindo-se ao longo e em virtude do decurso do tempo, contrariando o que estabelece parcela considerável da doutrina.
Os direitos fundamentais, apesar de, em alguns momentos, parecerem abstratos, não o são. A Constituição expressamente os prevê para que os indivíduos e a sociedade tenham realmente uma vida digna – respeitada pelos particulares e pelo Estado, e não uma sobrevida.
Nesse sentido, manifesta-se Marcelo Novelino Camargo (2011, p. 389):
O reconhecimento e declaração de um direito no texto constitucional são insuficientes para assegurar sua efetividade. São necessários mecanismos capazes de protegê-lo contra potenciais violações. As garantias não são um fim em si mesmo, mas um meio a serviço de um direito substancial. São instrumentos criados para assegurar a proteção e efetividade dos direitos fundamentais (grifo original).
Com efeito, não basta que direitos façam parte do ordenamento jurídico, mas que eles efetivamente sejam observados e respeitados, a fim de que consequências gerem no meio social, alcançando sua máxima efetividade e, para isso, necessário é não apenas o estabelecimento de garantias expressamente previstas no texto constitucional, mas, complementando as palavras do referido autor, também uma atuação proativa do Poder Público.
Alexandre de Moraes (2005, p. 23) ratifica, estabelecendo que a “atuação do Poder Público deve ser no sentido de garantir a efetivação dos direitos e garantias previstos, com mecanismos coercitivos para tanto, uma vez que a Constituição Federal não se satisfaz com o simples reconhecimento abstrato”.
Destarte, necessário é que os direitos fundamentais gerem, além de simplesmente serem reconhecidos, efeitos concretos, atingindo sua finalidade. Isso é o que releva a característica em análise.
A indivisibilidade, apesar de ser uma característica ainda muito apresentada pela doutrina, deve ser observada com cautela, haja vista que consiste na ideia de que os direitos fundamentais seriam um todo indissociável, estando todos, portanto, intrinsecamente relacionados.
Conforme a doutrina que defende a existência dessa característica, as primeira, segunda e terceira gerações ou dimensões dos direitos fundamentais aqui estudadas nem deveriam existir, ainda que para fins meramente didáticos. Para os autores que assim entendem, não haveria direitos individuais, direitos sociais, direitos econômicos e direitos políticos, mas tão somente direitos fundamentais. Assim leciona Flávia Piovesan (1998, p. 214):
Vale dizer, sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais, enquanto que, sem a realização dos direitos civis e políticos, ou seja, sem a efetividade da liberdade sentida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos e sociais carecem de verdadeira significação. Não há mais como cogitar da liberdade divorciada da justiça social, como também infrutífero pensar na justiça social divorciada da liberdade. Em suma, todos os direitos constituem um complexo integral, único e indivisível, em que os diferentes direitos estão necessariamente inter-relacionados e interdependentes. Como estabeleceu a Resolução 32/130 da Assembléia Geral das Nações Unidas: ‘todos os direitos humanos, qualquer que seja o tipo a que pertencem, se inter-relacionam necessariamente, e são indivisíveis e interdependentes’. Essa concepção foi reiterada na Declaração de Viena de 1993, quando afirma, em seu § 5, que os ‘direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase’.
Como facilmente se depreende, acerca de tal característica, deve-se reconhecer apenas o viés retórico-argumentativo, haja vista que, em verdade, quando se defende que os direitos fundamentais se interrelacionam e que, por isso, devem ser analisados em conjunto, propõe-se a interdependência e a complementaridade desses direitos, como em seguida será visto.
Com efeito, o fato de os direitos fundamentais serem estudados didaticamente separados em diferentes dimensões - a depender do período histórico em que inicialmente se destacaram – e de serem, também didaticamente, classificados em individuais, sociais, econômicos e políticos não significa dizer que estão sendo compartimentalizados de forma a romper o liame entre eles existente.
Como se verá logo em seguida, pode-se, sim, afirmar que os direitos fundamentais, para atingirem suas finalidades, concretizando-se cumulativamente, se relacionam, o que não se pode alegar é que essa influência os confira propriamente indivisibilidade.
Característica também dos direitos fundamentais é a interdependência, haja vista que os referidos direitos não podem ser analisados de maneira dissociada entre eles, bem como de todo o resto do ordenamento jurídico. Alexandre de Moraes (2005, p. 23) exemplifica tal compreensão:
As várias previsões constitucionais, apesar de autônomas, possuem diversas intersecções para atingirem suas finalidades. Assim, por exemplo, a liberdade de locomoção está intimamente ligada à garantia de habeas corpus, bem como previsão de prisão somente por flagrante delito ou por ordem da autoridade judicial competente (grifo original).
Diante disso, conclui-se que os direitos fundamentais somente alcançam fielmente suas finalidades quando irmanados entre si, bem como com as demais normas constitucionais e as infraconstitucionais, as quais lhes dão suporte para que sejam respeitados e melhor desenvolvidos no seio da sociedade. Associados, esses direitos podem ser, porque interdependentes, efetivados.
Por fim, a complementaridade estabelece que, muito embora os direitos fundamentais sejam distintos e autônomos entre si, eles não podem e não devem ser observados de maneira dissociada, haja vista que somente em conjunto conseguem alcançar plenamente seu objeto.
A última característica ora analisada, como facilmente se observa, existe em função da interdependência dos direitos em estudo, que devem ser interpretados em conjunto, sem o que não alcançariam seus fins ou, ainda que os alcançassem, não o fariam de forma plena.
É válido ressaltar ainda que, em virtude dessa complementaridade, os direitos fundamentais vão aos poucos deixando de apresentar o caráter absoluto tradicionalmente defendido pela doutrina, para, pelo complemento e pelo acréscimo que uns dão aos outros, serem relativizados, sendo justamente essa relatividade a responsável pela aplicação e compreensão fiel de tais direitos.
Nesse sentido, manifesta-se Alexandre de Moraes (2005, p. 23), afirmando que “os direitos humanos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta com a finalidade de alcance dos objetivos previstos pelo legislador constituinte”, o que ratifica a ideia de que os direitos fundamentais se complementam. Sozinhos, não têm o alcance da efetividade que devem ter.
1.5 A natureza das normas de direitos fundamentais: normas-regra versus normas-princípio
Os direitos fundamentais, conforme preceitua a doutrina, apresentam, na ordem jurídica constitucional, a natureza (ou a estrutura) de normas, gênero que se subdivide em duas espécies: os princípios e as regras.
Tais espécies de normas, muito embora façam parte de um mesmo sistema normativo e, portanto, tenham similitudes, possuem traços distintivos deveras acentuados, que se baseiam fundamentalmente na qualidade, exercendo no ordenamento jurídico funções determinadas, razão pela qual são aqui analisados cautelosamente. Robert Alexy (2002, p. 81), acerca do tema, leciona:
Aquí las reglas y los principios serán resumidos bajo el concepto de norma. Tanto las reglas como los principios son normas porque ambos dicen lo que debe ser. Ambos pueden ser formulados con la ayuda de las expresiones deónticas básicas del mandato, la permisión y la prohibición. Los principios, al igual que las reglas, son razones para juicios concretos de deber ser, aun cuando sean razones de um tipo muy diferente. La distinción entre reglas y principios es pues una distinción entre dos tipos de normas.
Inicialmente, cumpre mencionar alguns critérios pela doutrina, mas, especialmente, por José Joaquim Gomes Canotilho (2002, p. 1160-1161) apresentados, os quais iniciam a diferenciação entre as duas espécies normativas em estudo.
O primeiro desses critérios é o grau de abstração, contendo os princípios elevadíssimo grau, enquanto as regras detêm abstração mínima, sendo normas bem mais palatáveis.
O segundo critério é o grau de determinibilidade, haja vista que, ao serem aplicados no caso concreto, os princípios, por serem extremamente vagos, necessitam do auxílio e da atuação de legisladores e juízes, ao passo que as regras, por serem mais específicas a determinadas situações, são normas de imediata aplicação, sem que para isso seja necessária qualquer intermediação.
O caráter de fundamentalidade, terceiro critério, também diferencia princípios e regras, conforme o sistema das fontes do Direito, haja vista que os primeiros possuem uma natureza eminentemente estruturante, apresentando uma posição hierárquica superior às regras.
A proximidade da ideia de direito também é pelo autor mencionada como critério de distinção entre princípios e regras, oportunidade em que afirma que “[...] os princípios são standards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça (Dworkin) ou na ideia de direito (Larenz) [...]”, enquanto “[...] as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional” (CANOTILHO, 2002, p. 1161).
Por fim, o quinto critério é o da natureza normogenética, que estabelece que os princípios distinguem-se das regras exatamente por serem o fim a que as regras devem perquirir – a ratio das regras jurídicas.
Em que pese a validade dos critérios analisados e as celeumas doutrinárias em torno dessa diferenciação, muitos autores afirmam que a distinção entre essas duas espécies de normas deve se basear em um juízo de qualidade, e não numa distinção meramente de grau, conforme aduz Robert Alexy (2002, p. 86):
La tercera tesis dice que las normas pueden dividirse em reglas y principios y entre reglas y principios existe no solo uma diferencia gradual sino calitativa. Esta tesis es correcta. Existe un criterio que permite distinguir com toda precisión entre reglas y principios. Este criterio no se encuentra en la lista presentada pero explica la mayoría de los criterios en ella contenidos como típicos de los principios, aun cuando no sean los decisivos.
José Joaquim Gomes Canotilho (2002, p. 1161) estabelece que os princípios são normas impositivas de otimização, sendo por isso compatíveis com vários graus de concretização a depender da realidade fática e jurídica, enquanto as regras estabelecem determinações específicas que somente se coadunam com situações também específicas. Assim também o faz Robert Alexy (2002, p. 86):
El punto decisivo para la destinción entre reglas y principios es que los principios son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son mandatos de optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos em diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no solo depende de las posibilidades reales sino también de las jurídicas. [...] Em cambio, las reglas son normas que solo pueden ser cumplidas o no. Se uma regla es válida, entoces de hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni menos. Por lo tanto, las reglas contienen determinaciones em el âmbito de lo fáctica y jurídicamente posible. Esto significa que la diferencia entre reglas y principios es cualitativa y no de grado.
É interessante frisar que, em razão dessa distinção qualitativa, a convivência entre as normas-regra e entre as normas-princípio são também bastante diferentes, haja vista que os princípios, exatamente por estabelecerem imposições de otimização, convivem entre si de maneira conflitual, pelo que é necessário, diante de um caso concreto, determinar qual deles irá prevalecer; enquanto as regras, por serem normas imperativas, convivem de forma antinômica, sendo, portanto, inviável a subsistência de mais de uma norma-regra para cada caso concreto.
Por fim, cumpre asseverar que, justamente por deterem uma convivência conflitual, os princípios não se excluem, na verdade coexistem, sendo necessário, de acordo com a situação específica, tão somente um sopesamento de valores e prioridades, ao passo que as regras, por preestabelecerem condutas e diretrizes para determinadas situações, não coexistem, ao contrário, excluem-se mutuamente. José Joaquim Gomes Canotilho (2002, p. 1161-1162), sobre a convivência das normas-regra e das normas-princípio, arremata:
A convivência dos princípios é conflitual (Zagrebelsky), a convivência de regas é antinômica. [...] Como se verá mais adiante, em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objeto de ponderação e de harmonização, pois eles contêm apenas exigências ou standards que, em primeira linha (prima facie), devem ser realizados; as regas contêm fixações normativas definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regas contraditórias. Realça-se também que os princípios suscitam problemas de validade e peso (importância, ponderaçãa, valia); as regras colocam apenas questões de validade (se elas não são correctas devem ser alteradas). (grifo original).
Destarte, percebe-se que os direitos fundamentais ora apresentam-se como princípios - portanto como normas de otimização, demonstrando ter um alcance elevado de concretização, haja vista que podem ser utilizados em diferentes situações – ora como regras, apresentando uma especificidade, e, dessa maneira, uma aplicabilidade restrita a determinadas situações. Diante disso, os direitos fundamentais, quando princípios, convivem perfeitamente num constante exercício de ponderação, enquanto as regras se excluem entre si de forma que, num caso concreto, sendo uma válida, mais nenhuma outra o será.
1.7 Os direitos fundamentais explícitos, implícitos e o Bloco de Constitucionalidade
O constituinte brasileiro, muito embora tenha elencado expressamente inúmeros direitos fundamentais no bojo da Constituição Federal de 1988, não o fez de forma exaustiva, razão pela qual esses direitos subdividem-se em explícitos e implícitos.
Com efeito, no ordenamento jurídico-constitucional pátrio, não obstante existam direitos fundamentais explícitos, ou seja, escritos formalmente na Constituição Federal, existem também direitos fundamentais implícitos, que são aqueles que, embora não façam parte do texto constitucional, são reconhecidos e amparados pela Carta Magna. Nessa linha, aduz Marcelo Novelino Camargo (2011, p. 25):
É preciso fazer um alerta: não se pretende com o conceito acima formulado defender uma noção meramente formal de direitos fundamentais, no sentido de que somente é fundamental o direito que esteja expressamente previsto no texto constitucional. Não se deve confundir norma positivada com norma escrita, já que existem diversos direitos fundamentais positivados de forma implícita (não escrita), que decorrem do sistema constitucional como um todo, por força do já citado art. 5º, §2º, da Constituição de 88.
De fato, o artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal expressamente estabelece que o rol dos direitos fundamentais nela escritos não é exaustivo e que outros direitos “decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte”, também têm natureza jurídica de direito fundamental positivado, sendo, por isso, denominados de direitos implícitos.
Da constatação de que o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro possui direitos fundamentais dentro e fora do texto da Carta Magna, reconhece-se que, também no Brasil – não só na França e na Espanha, onde surgiu, respectivamente, nas décadas de 1970 e 1980 -, existe aquilo que se chama de Bloco de Constitucionalidade. Ana Maria D’Ávila Lopes (2009, p. 48-49) explicita:
Deve-se, desse modo, entender que os direitos e as garantias fundamentais não são apenas os que se encontram expressos na Constituição, mas também aqueles que possam hermeneuticamente decorrer do regime democrático adotado e dos princípios constitucionais previstos, além dos que se encontrem em documentos internacionais, desde que versem sobre direitos humanos. [...] A ampliação do rol dos direitos fundamentais para além do próprio texto codificado, com base na abrangência material da Constituição de 1988, vem confirmar não apenas a existência de um bloco de constitucionalidade brasileiro, mas, e especialmente, a relevância da função interpretadora do Supremo Tribunal Federal na consolidação da democracia e na defesa dos direitos fundamentais.
Desse modo, indubitavelmente, o ordenamento jurídico pátrio é composto por um conjunto de normas, dentro do qual estão incluídos os direitos fundamentais explícitos, codificados na Constituição, e os direitos fundamentais implícitos, não textualizados, mas positivados e respaldados por todo o ordenamento jurídico, o que forma um todo indissociável, um bloco, por assim dizer, de nível constitucional.
Cumpre, por fim, ressaltar, embora não se adentre por essa questão, por não ser objeto deste trabalho, que o Bloco de Constitucionalidade revela acirradas discussões doutrinárias, já que, a partir da utilização de normas não formalmente editadas pelo Poder Legislativo, fornece-se ao intérprete do Direito maior amplitude e profundidade em sua atuação, o que confere força ao exercício da jurisdição.
Diante disso, conforme Ana Maria D’Ávila Lopes (2009, p. 56-57), a doutrina se divide entre aqueles que, nessa atuação, vislumbram uma usurpação da competência legislativa, a fim de normatizar situações pelos legisladores não analisadas, fragilizando o Poder Legislativo e, sobretudo, o Princípio da Separação de Poderes, e entre aqueles que entendem a referida atuação como mais um instrumento conferido ao Poder Judiciário para a efetivação de um Estado Democrático de Direito.
Conclusão
Apresentadas todas essas considerações acerca dos direitos fundamentais, propostas pelos doutrinadores como uma verdadeira teoria geral acerca deste tema, nota-se o papel primordial que exercem em todo o ordenamento jurídico-constitucional pátrio. Uma vez espacio-temporalmente limitados, distinguem-se dos chamados direitos humanos, e exercem papel capaz de orientar não apenas direitos inerentes aos seres humanos em relações individuais, mas, sobretudo, mas de nortear, de maneira objetiva, todos os outros direitos e as relações que deles possam suceder. Com sua dúplice dimensão, não apenas se revelam direitos individuais (e, portanto, subjetivos), que têm como escopo proteger e resguardar o indivíduo membro de um Estado, mas, notadamente, consistem em premissas e princípios que funcionam como base de sustentação de todo o Estado Democrático, fundamentando e respaldando a ordem jurídico-constitucional e, por isso, toda a coletividade.
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[1] Por força da sua pertinência ao Estado, o indivíduo se encontra vinculado a uma pluralidade de relações de status. Por efeito da subordinação ao Estado, que forma a base de toda atividade estatal, o indivíduo, na sua esfera de deveres individuais, encontra-se no status passivo (passiven Status), no status subjectionis, no qual é excluída a autodeterminação, e, portanto, a personalidade. [...] A relação entre o Estado e a pessoa singular é, assim, que um e outra apareçam como duas grandezas, as quais se integram como decorrer do tempo. Com o desenvolvimento da personalidade individual, diminui a extensão do status passivo, e, com isso, o campo de potestade do Estado. Não por acaso, a história política moderna tem por conteúdo o constante desenvolvimento da personalidade individual e, como isso, a limitação do Estado.
[2] A limitação da liberdade natural do homem se justifica e se impõe somente enquanto o consintam os escopos individuais, e esta mesma limitação permitida apenas para que ao indivíduo seja assegurado o gozo daquele resíduo de liberdade natural que remanesce, depois de subtraída a parcela absolvida da existência de um poder coativo, indispensável para assegurar a coexistência dos indivíduos. [...] O escopo legislativo desta enumeração de direitos era duplo: essa deveria servir para tutelar a liberdade individual, em suas específicas manifestações, não somente contra a administração do Estado, e bem assim contra a constrição judiciária e especialmente contra a da Polícia, tanto quando a legislativa. Essa deve constituir uma barreira não apenas para os funcionários, mas também para aquela mesma vontade legislativa do Estado, do qual referida enumeração emanava.
[3] Cada ação estatal é ação no interesse público. O interesse geral não deve, necessariamente, coincidir, mas pode coincidir, no interesse individual. Quando esse último caso se verifica e a coincidência é reconhecida pelo Estado, isso gera ao indivíduo uma pretensão jurídica (Ansprüche) à atividade estatal e coloca a sua disposição remédios jurídicos para realizá-la. Desta forma, o Estado eleva o indivíduo a condição de membro da comunidade estatal, dotado de faculdades de caráter positivo, conferindo-lhe o status de cidadania, o qual é de todo separado do status simplesmente negativo, e, assim, do próprio campo que abarca as ações juridicamente indiferentes ao Estado. [...] Por força da concessão de pretensões jurídicas positivas contra o Estado, o fato de ser membro do Estado se transforma de uma relação de pura dependência, em uma relação dotada de duplo caráter, em uma condição jurídica que, ao mesmo tempo, atribui faculdades e impõe deveres. Esta condição é aquela que vem designada como pertinência ao Estado (Staatsangehörigkeit), como cidadania, como direito de cidadania, como nationalitè.
[4] Em outros termos, ao indivíduo vem atribuído um novo status, que é o status activae civitatis, ou, mais brevemente, status ativo. Esse se distingue do status civitatis [status positivo] sobretudo pelo fato que o seu conteúdo imediato não é constituído de uma pretensão jurídica contra o Estado, mas da possibilidade que o indivíduo se torne objeto de uma ação estatal, mediante a qual venha a ser compreendido no ordenamento estatal, como membro do próprio ordenamento. O status ativo constitui o exato contraponto do status negativo. Por força do último, o indivíduo é liberado da sujeição ao Estado, por força do primeiro age pelo Estado. Desse ponto de vista, o status ativo se avizinha do status passivo [subjectionis], do qual, no entanto, se distingue claramente, porque o seu último desiderato não é a submissão a uma vontade superior, mas a formação dessa mesma vontade superior. Por outro lado, do status passivo não surgem mais pretensões contra o Estado, enquanto o status ativo forma a base jurídica de uma inteira série de importantes pretensões individuais relativas ao Estado.
Graduação em Direito. Universidade de Fortaleza, UNIFOR, Brasil. 2012.1 Especialização em Direito Constitucional e Direito Processual Constitucional. Universidade Estadual do Ceará, UECE, Brasil, em convenio com a Escola Superior do Ministério Público do Estado do Ceará, ESMP/CE. 2013 -2015<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ÉRIKA MENEZES ALBUQUERQUE CâMARA, . Noções sobre a teoria geral dos direitos fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jul 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47003/nocoes-sobre-a-teoria-geral-dos-direitos-fundamentais. Acesso em: 23 dez 2024.
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