RESUMO: O presente artigo tem como objetivo compreender a atuação do Poder Judiciário frente ao princípio da separação dos poderes, almejando chegar a um conceito lógico e concreto sobre qual papel realmente o Judiciário desempenha no âmbito jurídico da República Federativa do Brasil. Um papel que muitas vezes se distancia do seu real dever e adentra em assuntos que competem ao Poder Legislativo, proporcionando desta forma aquilo que alguns doutrinadores chamam de “Ativismo Jurídico” (tema central desse estudo), o qual podemos conceituá-lo como a ação do Poder Judiciário que deixa de se limitar à parte interpretativa das normas e passa atender também as demandas das lacunas deixadas pelos demais Poderes do Estado, que a muito tempo insistentemente persiste em fazer parte da realidade dos Tribunais brasileiros.
PALAVRAS-CHAVE: Poder Judiciário. Ativismo Jurídico. Separação dos Poderes.
INTRODUÇÃO
Mesmo não estando explícito no tema deste estudo, o termo “ativismo jurídico” se faz presente de forma implícita e insistente no tema central deste artigo, uma vez que buscar-se-á analisar qual o papel que o Judiciário realmente exerce diante das prerrogativas constitucionais das funções típicas e atípicas que cada Poder possui, baseado no princípio da Separação dos Poderes.
O ativismo jurídico é um tema bastante discutido na Democracia moderna, pois muitas vezes ultrapassa as fronteiras entre suas funções atípicas de legislar e administrar com as funções típicas que competem principalmente ao Poder Legislativo que é o de criar Leis. Nesse sentido o presente trabalho buscará, desde a teoria da separação dos poderes juntamente com o sistema de freios e contrapesos, melhor entender a respeito dessa interferência do Judiciário no âmbito Legislativo.
Nesta perspectiva, cabem questionamentos relevantes que proporcionará a ampliação do conhecimento das atribuições que a Constituição Federal estabelece aos três Poderes do Estado. Entre elas não poderia deixar de fazer presente a indagação desta ação judiciária cada vez mais frequente, no que tange ao comprometimento do Poder Legislativo, assim como a evolução do Judiciário pautado nesta problemática.
Visando compreender a atuação do Supremo Tribunal Federal como delineador dos preceitos constitucionais e reformador da legislação, que por falha do Poder Legislativo ou por não fazer seu dever, encontra-se necessitada de interpretações a fim de preencher os vácuos deixados em seu texto.
Desta forma, cabe aqui questionar também os mecanismos utilizados pelo Poder Legislativo por intermédio do STF como principais responsáveis pelas frequentes decisões sob as competências legislativas. E por fim analisar os limites do “ativismo jurídico” cada dia mais presente na moderna e jovem democracia brasileira.
1 TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E O SISTEMA DE FREIOS E CONTRAPESOS
A democracia moderna tem como pilar fundamental para sua existência o princípio da Separação dos Poderes proferida por Aristóteles em seu livro “a política”, mas que teve maiores proporções com Montesquieu em sua obra “O Espírito das Leis” e adotada no Brasil com a promulgação da Constituição Federal de 1891 se fazendo presente até a atual Constituição de 1988.
A Carta Magna com o intuito de demonstrar a tamanha importância do modelo por ela adotada, elencou em seu artigo 2º como Princípio Fundamental do Estado Democrático de Direito a Tripartição dos Poderes, limitando o poder do Estado, evitando a centralização do poder nas mãos de uma só pessoa, pois segundo Montesquieu (1972) o poder centralizado torna-se abusivo. E por fim, garantindo a liberdade social e política dos cidadãos. Sendo indispensável como garantidora destes direitos está a CF/88, que visando evitar a abolição ou mudança de tal princípio, prevê como cláusula pétrea firmada em seu texto constitucional no artigo 60, §4º, III sua segurança jurídica frente a proposta de Emenda à Constituição que vise abolir a Separação dos Poderes. Pois como afirma Lassalle (2000, p. 06):
Não se pode, porém, decretar-se uma única lei que seja, nova, sem alterar a situação legislativa vigente no momento da sua aprovação. Se a nova lei não motivasse modificações no aparelhamento legal vigente, seria absolutamente supérflua e não teria motivos para ser a mesma aprovada.
Foi por este motivo que levou o constituinte fixar tal princípio como cláusula pétrea, a fim de preservar o ordenamento jurídico e toda estrutura do sistema constitucional.
Tal Teoria fundamenta-se na divisão de atribuições a três poderes distintos, porém que trabalham em sintonia. Estes poderes como foi conceituado por Montesquieu possuem duas funções, as típicas e as atípicas, a primeira diz respeito a competência que a norma atribui a cada poder, sendo as atividades que frequentemente exercem, e a segunda àquelas que raramente são realizadas. Estes Poderes são: o Legislativo, Executivo e Judiciário.
O Poder Legislativo como parte dos três Poderes do Estado possui como função típica: o dever de legislar e fiscalizar os demais Poderes, como afirma no artigo 48 da CF. Mesmo eles sendo distintos, são harmônicos, pois para evitar o abuso de poder em face das minorias, criou-se como fundamento o “sistema de freios e contrapesos”, no qual exerce o papel de conter o Poder pelo Poder, ou seja, as funções exercidas pelo Poder Executivo, Legislativo e Judiciário devem ser controladas uns pelos outros, a fim de evitar a arbitrariedade no exercício das suas funções. Dessa forma, por meio da fiscalização tem-se a harmonia. Ainda na função atípica, sendo a função que não é de sua competência, mas sim atribuída a outros poderes tem o papel de administrar e julgar, como afirma nos artigos 52 e 86 da CF.
O Poder Executivo tem como principal representante o Presidente da República no qual administra o Estado e governa a sociedade, como uma das suas atribuições típicas, executando as leis existentes, e como atípicas: julgando e colocando em prática novas leis que atendam as necessidades da sociedade. E por fim, o Poder Judiciário que julga (como função típica) determinado caso que há conflitos de interesses e como funções atípicas administra e cria leis.
Estes são os fatores reais de poder que constituem a essência da Constituição firmada por Lassalle (2000, p. 10), no qual afirma que “Os Fatores Reais do Poder e as Instituições Jurídicas – A Folha de Papel Esta é, em síntese, em essência, a Constituição de um país: a soma dos fatores reais do poder que regem uma nação”, sendo o sistema de freios e contrapesos principal mecanismo para conter o exercício do poder dos Poderes do Estado.
2 ATIVISMO JURÍDICO
2.1 Evolução do Judiciário ou comprometimento do Legislativo?
Quando o Poder Legislativo ao exercer sua função típica de criar/elaborar as leis, deixando lacunas na legislação, acarreta como consequência conflitos entre os particulares da sociedade, cabendo ao Poder Judiciário enquanto possuidor da função típica de legislar preenchê-las e resolver os litígios e problemas advindos do exercício legislativo.
Uma Constituição para exercer o papel para que fora criada, ou seja, a finalidade de reger a vida em sociedade, garantindo direitos e deveres aos cidadãos e ao próprio Estado, necessita como afirma Lassalle (2000) da aprovação do Poder Legislativo, pois trata-se de uma lei que diferente das outras, se sobressai por ser uma norma fundamental, pois “(...) uma Constituição deve ser qualquer coisa de mais sagrado, de mais firme e de mais imóvel que uma lei comum” (Lassalle, 2000, p. 04). Desse modo, quando o Legislativo deixa vácuos na norma cabe ao judiciário preenchê-las.
Uma Constituição, para reger, necessita de aprovação legislativa, isto é, tem que ser também lei. Todavia, não são uma lei como as outras, uma simples lei: é mais do que isso. Entre os dois conceitos não existem somente afinidades; há também dessemelhanças. Estas fazem com que a Constituição seja mais do que simples lei (...). (LASSALE, 2000, p. 06).
Este é o mais fiel conceito de “ativismo jurídico”, a ação do Poder Judiciário que deixa de se limitar à parte interpretativa das normas e passa atender também as demandas das lacunas deixadas pelos demais Poderes do Estado, ou ainda segundo Elival Ramos apud Coelho (2010, p. 03):
Por ativismo judicial – segundo esse jurista – deve-se entender o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesses) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos).
Para muitos, tal conceito traz uma nova concepção na forma de agir do Judiciário diante dos conflitos de interesses e dos conflitos normativos existentes no ordenamento jurídico brasileiro. Neste sentido, o advogado Saul Tourinho Leal citado por Haidar (2009) em uma entrevista cedida ao “Consultor Jurídico” no ano de 2009, afirma que o ativismo jurídico é visto como algo que visa proporcionar o bem para o país no momento em que “o Supremo vem inovando ao deixar de lado uma jurisprudência defensiva, de autocontenção”. Segundo ele esta postura adotada mais constantemente pelo Poder Judiciário “não enfraquece a democracia ou quebra a ordem constitucional” como afirma outros.
Esta forma de agir do Supremo que muitos classificam como sendo ativismo jurídico é alvo de grandes críticas assim como de elogios por aqueles que acreditam ser este o caminho para o progresso deste terceiro Poder Estatal.
3 A SUPREMA CORTE COMO DELINEADORA DAS LACUNAS DO PODER LEGISLATIVO
O Supremo Tribunal Federal – STF, enquanto principal integrante do Poder Judiciário é o principal responsável para assegurar o cumprimento dos deveres do Poder Legislativo, e como guardião da Constituição e protetor da sociedade, está a todo o momento atento para assegurar a Supremacia Constitucional e livrá-la das constantes afrontas que vez ou outra insistem em feri-la.
Os poderes por serem compostos por homens que tendem ao erro, devem ser rigorosamente analisados e fiscalizados. Este entre outros, é um dos principais motivos da importância do sistema de freios e contrapesos, pois quando o Legislativo deixa de cumprir sua obrigação/dever cabe ao Judiciário por meio da interpretação aplicar o direito que deixou de ser efetivado.
A sociedade moderna está cada vez mais buscando aparos no Judiciário para assegurar seus direitos frente a Carta Constitucional e por esse motivo o STF (em especial) mais e mais toma conta do cenário Legislativo.
3.1 Súmulas Vinculantes como fator ativista judicial
Com o intermédio do STF nas relações em que competem ao Poder Legislativo elaborando Leis/normas que visem preencher lacunas existentes no ordenamento jurídico, os problemas advindos do não cumprimento do Legislativo no exercício das suas funções, deixando espaços vazios na norma, força o Judiciário por meio da interpretação da legislação baseando-se nos princípios constitucionais, a legislar (no sentido mais estrito da palavra) de forma cada vez mais frequente, a fim de solucionar as necessidades advindas das relações sociais.
A judicialização da política não é fato isolado. As relações sociais, de alguma forma, têm sido levadas ao Judiciário, o que decorre da função por este exercida, de guardião da Constituição, notadamente por intermédio do Supremo Tribunal Federal (STF), a quem compete interpretar a legislação conforme os princípios norteadores da Carta Constitucional, dando efetividade aos direitos fundamentais previstos neste diploma. Ocorre que, diante da complexidade da sociedade moderna e da massificação das relações sociais, este Tribunal passou a editar Súmulas e a dar interpretações conforme a Constituição de modo cada vez mais frequente. (NETO, 2008, p. 84).
Desse modo, as Súmulas vinculantes assim como a leis elaboradas pelo STF visando atender as necessidades e reger as relações sociais são fatores relevantes para a propagação do ativismo judicial no ordenamento brasileiro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É inquestionável que a atuação do Poder Legislativo muitas vezes deixa a desejar e propicia para a atuação do Judiciário em casos que não é de sua competência. No entanto, de tanto o Judiciário questionar e legislar as normas, o que era para ser de competência atípica, hoje estar se tornando cada vez mais típicas, mais rotineiras que o próprio exercício do Poder Legislativo.
É preciso que os limites impostos pela Constituição sejam respeitados, pois mesmo sendo uma forma de desenvolvimento do Poder Judiciário visando atender as necessidades da sociedade, o mesmo se não limitado poderá atentar contra o princípio da Separação dos Poderes que tanto visa proteger.
REFERÊNCIAS
COELHO, Inocêncio Mártires. Ativismo judicial ou criação judicial do direito? Postado em maio 2010. n 12. Palestra proferida no V Congresso de Direito da FAETE, Ativismo judiciário: um diálogo com o Professor José de Albuquerque Rocha, realizado em Teresina, Piauí, nos dias 12 a 14 de maio de 2010.
HAIDAR, Rodrigo. STF inova ao deixar de lado jurisprudência defensiva. Revista: Conjur. n. 05, janeiro 2009. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?artigo_id=10678&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em abril de 2016.
LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. 5 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000.
MONTESQUIEU, Charles Louis de. Do Espírito das Leis – in Coleção Os Pensadores - Montesquieu. São Paulo, Abril Cultural, 1973.
NETO, André Perin Schmidt. A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. (Resenha dos textos de Luiz Werneck Vianna). Revista da Faculdade de Direito UniRitter, Porto Alegre, n. 10, p. 83-96, 2009. Disponível em: <http://seer.uniritter.edu.br/index.php/direito/article/view/252/168>. Acesso em abril de 2016.
PIEROBON, Flávio. (Re)leitura da separação dos Poderes: uma análise em busca da efetividade constitucional. Londrina-Paraná. Revista ETIC – Encontro de Iniciação Científica. v. 2, n. 2. 2006 Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/1233/1175>. Acesso em abril de 2016.
SANTÓRIO, Milton Tiago Elias Santos. O princípio da separação dos poderes como cláusula pétrea fundamental. Porto Alegre. Setembro de 2006. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=526>. Acesso em abril de 2016.
Acadêmico do curso de Direito pelo Centro Universitário AGES (UniAGES) da cidade de Paripiranga, Bahia. Foi Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente no município de Adustina/BA no ano de 2014 à 2015. Agente Administrativo na Prefeitura Municipal de Adustina.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: UEVENY VALINA DE ARAúJO, . Julgar ou Legislar: qual o papel do Judiciário frente ao Princípio da Separação dos Poderes? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jul 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47041/julgar-ou-legislar-qual-o-papel-do-judiciario-frente-ao-principio-da-separacao-dos-poderes. Acesso em: 23 dez 2024.
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