RESUMO: A isenção fiscal é um instrumento de extrema relevância para que o Estado possa atingir alguns objetivos, tais como, o desenvolvimento econômico, redução das desiguais regionais e distribuição de rendas. No entanto, o que se tem visto é que os gestores passaram a se valer dessa modalidade de renúncia de receitas para conseguiram objetivos totalmente divorciados do interesse público, seja por razões pessoais ou por incompetência no trato da coisa pública. Em razão disso, observou-se uma verdadeira crise acerca da esgotabilidade dos recursos públicos. O presente texto aborda as características básicas do instituto as consequências do uso inadequado (efeitos negativos) ou correto (efeitos positivos) para a coletividade.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Tributário. Renúncia de Receitas. Isenção Fiscal. Requisitos. Privilégios Odiosos e Não Odiosos. Esgotabilidade dos Recursos Públicos.
1. INTRODUÇÃO
A doutrina e a jurisprudência têm travado diversos debates acerca dos limites e critérios para que a concessão de isenções fiscais respeite os ditames e objetivos do Constituinte originário. A Constituição Federal, ao distribuir as competências tributárias aos entes federativos, delegou a possibilidade de, conforme as políticas fiscais adotadas, “abrir mão” de exigir, por critérios objetivos ou subjetivos, determinados tributos.
De uma análise superficial, se poderia imaginar um reflexo puramente contábil, numérico, dessa renúncia de receita. No entanto, notadamente no atual contexto econômico, o que se tem verificado é que o uso arbitrário, indiscriminado e até mesmo irresponsável desse importante instrumento econômico tem impactado diretamente em diversos setores da sociedade.
Pode-se, inclusive, pensar em um abalo interno – no âmbito da própria estrutura estatal – e externo – afetando toda a coletividade. Internamente, essas consequências negativas podem ser observadas no despreparo técnico de servidores ligados ao Fisco, bem como na falta de estrutura logística e de pessoal para que se proceda a uma arrecadação justa e eficiente. Lado outro, as isenções que não obedecem ao ordenamento jurídico pátrio refletem na criação, manutenção e ampliação de políticas públicas fundamentais, causando transtornos principalmente às camadas menos favorecidas da sociedade.
Para que se atinjam as finalidades visadas pelo instituto da isenção, o ente concedente deve sempre se pautar pelo interesse público. Isso porque, caso sejam respeitos os preceitos constitucionais e legais, vários benefícios poderão surgir, como, por exemplo, o desenvolvimento econômico, redistribuição de rendas, garantia de efetiva justiça tributária etc.
Além disso, somando-se o uso adequado desse tipo de renúncia de receitas à gestão fiscal responsável, com aplicação correta dos recursos públicos, outra consequência daí decorrente seria, certamente, a quebra do estigma de que o pagamento de tributos é uma obrigação decorrente de imposição estatal. Se trata, de fato, de determinação do Estado, no entanto, e modernamente assim deve ser visto, corresponde a um direito dos contribuintes. Direito de pagar os tributos exigidos e de ter uma contraprestação que favoreça a todos, assegurando direitos básicos dos cidadãos para que vivam com dignidade.
2. PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E ISONOMIA TRIBUTÁRIA
Inicialmente, deve ser destacado que não há na doutrina consenso acerca dos conceitos dos princípios da igualdade e isonomia tributária, sendo, por vezes, tratados como sinônimos. Nesse sentido, para Sacha Calmon, o princípio da igualdade da tributação impõe ao legislador “não discriminar entre os iguais, que devem ser tratados igualmente”. Já Hugo de Brito Machado (2015) leciona que:
O princípio da igualdade é a projeção, na área tributária, do princípio geral da isonomia jurídica, ou princípio pelo qual todos são iguais perante a lei. Apresenta-se aqui como garantia de tratamento uniforme, pela entidade tributante, de quantos se encontrem em condições iguais. Como manifestação desse princípio temos, em nossa Constituição, a regra da uniformidade dos tributos federais em todo o território nacional.
O que se percebe é que, o princípio da igualdade, como princípio geral de Direito, tem sido materializado no art. 5º, caput, da Constituição Federal de 88, que dispõe que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Aqui, pode-se sustentar que a aplicação desse princípio especificamente na seara tributária deverá ter por objetivo, com a arrecadação de tributos, assegurar à sociedade condições dignas de vida, respeito à liberdade de pessoas, bens e serviços, tratamento igualitário entre contribuintes em semelhante posição, aparato estatal que confira segurança e respeito ao direito à propriedade que respeite a sua função social.
De outro modo, no tocante ao princípio da isonomia tributária, que atua como limitação constitucional ao poder de tributar do Estado, percebe-se que tem por base o art. 150, II, CF/88, expondo que “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.
Disso se extrai dois comandos, um dirigido ao legislador ordinário, que deve ser considerado quando da atividade legiferante, para assegurar isonomia (ou igualdade - a depender de qual distinção conceitual se adotar) na lei; e outro voltado aos intérpretes, para que materializem, nos casos concretos, a isonomia perante a lei.
Sem embargo de maiores divergências doutrinárias sobre os referidos princípios, uma conclusão pode ser claramente extraída: considerando o atual momento, o princípio da isonomia (ou igualdade) tributária, isolada e abstratamente considerado, tem se mostrado insuficiente quando aplicado às situações concretas. Isso porque, numa análise um pouco mais aprofundada, conclui-se que o ordenamento jurídico como um todo não proíbe peremptoriamente situações de desigualdade, pois é inequívoco que as pessoas são desiguais, que a sociedade possui situações que não são igualitárias e que posições ocupadas também o são.
Em verdade, o que pretendeu o Constituinte originário foi a criação de instrumentos que permitam que essas situações de desigualdade sejam corrigidas. Uma das ferramentas para que se chegue a essa finalidade é a elaboração de leis. Num primeiro momento isso poderia soar estranho, pois, sim, a lei discrimina, mas também regula as desigualdades existentes, exemplo disso são as normas que concedem isenções fiscais. Mas, frise-se, as situações discriminatórias estão presentes em todos os setores da sociedade, cumprindo às leis o papel de conferir constitucionalidade/validade às desigualdades necessárias, objetivando um fim maior, e afastá-las quando em conflito com outros princípios constitucionais.
Nesse viés, observa-se dois sentidos de aplicação do princípio da isonomia tributária: a) positivo, funcionando como incentivo ao tratamento distinto para situações de desigualdade; e b) negativo, no sentido de evitar tratamento diferente para hipóteses semelhantes. Assim, conforme Sacha Calmon (2012):
Ora, o tributo é um dever. Um dever de que natureza? Um dever obrigacional, cuja característica é ser econômico, patrimonial. O levar dinheiro aos cofres públicos. O que se postula é puramente que esse dever seja idêntico para todos, importe em sacrifício igual a todos os cidadãos. (...) Sendo assim, o lado positivo da igualdade (dever de distinguir desigualdade) impõe-se seja o tributo quantificado segundo a capacidade contributiva de cada um, que é diversificada, e o lado negativo do princípio (dever de não discriminar) constrange o legislador a tributar, de forma idêntica, cidadãos de idêntica capacidade contributiva. Os aspectos negativo e positivo do princípio da igualdade miscigenam-se continuamente, constrangendo o legislador ordinário a criar os mesmos deveres tributários para aqueles que manifestarem idêntica capacidade contributiva. Configuram, pois, os requisitos de generalidade e proporcionalidade da norma tributária.
A linha tênue entre a validade ou não do estabelecimento de situações discriminatórias tem causado muitos embates jurisprudenciais e doutrinários. Para que a atuação do legislador seja válida, todos os aspectos históricos da Constituição devem ser tomados em consideração, já que o objetivo é justamente assegurar um convívio harmonioso das discriminações, e isso, em que pese parecer contraditório, é possível e necessário!
Cumpre destacar, neste ponto, que uma das finalidades visadas pelo art. 150, II, CRFB/88 foi extinguir a benesse concedida aos magistrados, parlamentares e militares, que os dispensava do pagamento do imposto de renda, consoante Hugo de Brito Machado (2015):
(...) todos sabem que a regra do art. 150, II, CF, teve um objetivo específico: fazer com que os militares, magistrados e parlamentares paguem o imposto de renda sobre a totalidade da respectiva remuneração. (...) Em relação aos militares, magistrados e parlamentares, a verdadeira questão na verdade não consiste em pagar ou não pagar imposto de renda. A verdadeira questão consiste em saber se recebem, ou não, a remuneração compatível com suas atribuições, com as responsabilidades inerentes ao desempenho de suas funções.
Com efeito, no atual estado de “amadurecimento constitucional” não se poderia admitir que se conceda, arbitrariamente, tratamentos desiguais despidos de razoabilidade. Forte no art. 150, II, CRFB/88, tem-se alguns parâmetros trazidos, em rol exemplificativo, para a atuação do Estado na instituição de tratamentos desiguais, proibindo-se que se considere a ocupação profissional ou função exercida, a denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos, ressaltando, novamente, que outras hipóteses poderão sem consideradas. Assim, se se basear apenas em aspectos pessoais, o tratamento desigual deverá ser pautado em profunda e razoável finalidade, sob pena de invalidade.
A Constituição permite expressamente algumas situações em que a desigualdade poderá (a depender da situação, poder-dever) ocorrer, como, por exemplo, a norma contida no art. 151, I, CRFB/88, que veda à União instituir tributo que não seja uniforme em todo o Território Nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País.
No art. 179, CRFB/88, também se verifica outra exteriorização do princípio da isonomia validamente instituído, pois confere tratamento diferenciado às microempresas e às empresas de pequeno porte, in verbis: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei”.
Essa norma tem por objetivo assegurar condições de sobrevivência no mercado dessas pessoas jurídicas, responsáveis por grande parte dos empregos formais do País. O Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte – Lei Complementar nº 123/06 – regulamentou o art. 179, CRFB/88, passando a conferir tratamento tributário peculiar através do denominado SIMPLES Nacional.
Assim, observa-se que, para que se conceda tratamento desigual, os princípios da igualdade e isonomia tributária devem ser respeitados, sob pena de violação aos ditames constitucionais. O que motivou o Constituinte originário a permitir situações de desigualdade foi a concretização de objetivos maiores, como os fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV); os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de garantir o desenvolvimento nacional (art. 3º, II) e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III).
3. ISENÇÃO FISCAL
Entende-se por isenção fiscal como sendo o afastamento da cobrança de determinados tributos. O Fisco “abre mão” de arrecadar receitas tributárias, afetando o próprio exercício da competência constitucionalmente atribuída, ao contrário da imunidade, que opera como limite constitucional ao poder de tributar. Esse instituto tem previsão no art. 175, I, e seguintes, do Código Tributário Nacional, correspondendo a uma exclusão do crédito tributário.
A doutrina não é homogênea quando o assunto é a natureza jurídica da isenção e os seus efeitos em relação ao fato gerador. Para uns, haverá, em verdade, uma dispensa do pagamento de um crédito que já se constituiu pela ocorrência do fato gerador; já para outros, o crédito tributário sequer existiu, pois a norma exacional é suspensa com a lei isentiva. O Supremo Tribunal Federal adota a tese da ocorrência do fato gerador. Ricardo Lobo Torres (2011) assim resume a questão:
Realmente, pela leitura do CTN, tanto se pode afirmar que a isenção exclui o crédito tributário porque dispensa o pagamento daquele que já se formou pela ocorrência do fato gerador, como se pode dizer que a exclusão decorre da circunstância de que o crédito não chegou a se constituir, porque a norma impositiva estava suspensa. O Supremo Tribunal Federal, entretanto, continua até hoje a se apoiar na tese de que na isenção ocorre o fato gerador, nasce a obrigação tributária e a lei apenas dispensa o seu pagamento; como diz F. Novelli (op. cit., p. 40), nasceria uma obrigação que não obriga nem produz qualquer efeitos jurídico, o que seria uma demasia.”.
Ainda conforme o supracitado autor, em interessante pensamento, as isenções constituem privilégios. No entanto, os distinguem em odiosos e não-odiosos. Tem-se por odiosos os privilégios concedidos sem observância dos requisitos constitucionais, explícitos ou implícitos. Já os privilégios não-odiosos, são os justificados por questões de justiça.
Dispõe o art. 176, CTN, que a isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração. Assim, para ser válida, a isenção deverá observar o princípio da legalidade.
Neste ponto, merecem destaques algumas observações. Essa regra não pode ser analisada isoladamente, pois, como se sabe, o Código Tributário Nacional é de 1966, ou seja, anterior à Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, a CRFB/88 excepcionou a exigência de lei para a concessão de isenção, estabelecendo, em relação ao ICMS, a necessidade de deliberação dos Estados e do Distrito Federal, através de resolução, consoante art. 155, § 2º, XII, “g”: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) §2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) XII – cabe à lei complementar: (...) g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”. Destaque-se que o Superior Tribunal de Justiça já considerou ilegal a concessão de isenção de tributos municipais por resolução legislativa da Câmara de Vereadores (STJ, 2ª T., REsp 723.575/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, jun/07).
Além disso, como não há exigência de lei complementar, as isenções podem concedidas por lei ordinária. Entretanto, em se tratando de tributo instituído via lei complementar, a norma isentiva deverá ser também da mesma espécie, consoante lição de Leandro Paulsen (2011): “a revogação deve dar-se pelo veículo legislativo necessário à concessão do benefício. Normalmente, bastará lei ordinária para revogar a isenção. Mas se estivermos cuidando de tributo sob reserva de lei complementar, esta será a via tanto para a concessão como para a revogação da isenção”.
Apenas a título de curiosidade, anota-se que já houve discussão acerca da possibilidade ou não de controle abstrato de constitucionalidade de leis que instituem isenções fiscais, ao argumento de possuírem destinatários determinados, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido que a determinabilidade dos destinatários da norma não se confunde com a sua individualização, que, esta, sim, poderia convertê-lo em ato de efeitos concretos, embora plúrimos, conforme a ADI 2.137-RJ: (Transcrever ementa direito!)
AS NORMAS QUE CONCEDEM ISENÇÕES POSSUEM SUJEITOS DETERMINÁVEIS – EFEITOS CONCRETOS E INDIVIDUAIS -, NO ENTANTO, NÃO PROCEDE A ALEGAÇÃO DE SOMENTE SER PASSÍVEL DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PELA VIA DIFUSA, POIS O FATO DE OS DESTINATÁRIOS DA LEI SEREM DETERMINADOS NÃO SIGNIFICA, NECESSARIAMENTE, QUE SE OPEROU INDIVIDUALIZAÇÃO SUFICIENTE PARA TÊ-LA POR NORMA DE EFEITOS CONCRETOS. (ADI 2.137-RJ: A DETERMINABILIDADE DOS DESTINATÁRIOS DA NORMA NÃO SE CONFUNDE COM A SUA INDIVIDUALIZAÇÃO, QUE, ESTA SIM, PODERIA CONVERTÊ-LO EM ATO DE EFEITOS CONCRETOS, EMBORA PLÚRIMOS”.
Outro ponto que merece destaque diz respeito à aplicação do princípio da anterioridade nos casos de revogação de isenções. Hugo de Brito Machado (2015) sustenta que a “a revogação de uma lei que concede isenção equivale à criação de tributo. Por isto deve ser observado o princípio da anterioridade da lei, assegurado pelo art. 150, III, ‘b’, da CF”.
O parágrafo único do art. 176, CTN, traz uma permissão ao tratamento desigual, com vistas ao atendimento de condições peculiares existentes no âmbito do ente tributante, dispondo que “a isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares. Assim, verifica-se a aplicação adequada (privilégio não-odioso) do princípio da isonomia tributária na sua vertente positiva.
Não se pode esquecer que, em respeito ao princípio da separação de poderes e da vedação à atuação do Judiciário como legislador positivo, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal possuem jurisprudência no sentido de que as normas que instituem isenção não podem ser estendidas para abarcar categorias por elas não abrangidas:
DIREITO TRIBUTÁRIO. EXTENSÃO DE ISENÇÃO FISCAL A CATEGORIA NÃO CONTEMPLADA. Não é possível ao Poder Judiciário estender benefício de isenção fiscal a categoria não abrangida por regra isentiva na hipótese de alegação de existência de situação discriminatória e ofensa ao princípio da isonomia. A concessão de isenção fiscal é ato discricionário, fundado em juízo de conveniência e oportunidade do Poder Público, não sendo possível ao Poder Judiciário, sob o pretexto de tornar efetivo o princípio da isonomia, reconhecer situação discriminatória de categorias não abrangidas pela regra isentiva e estender, por via transversa, benefício fiscal sem que haja previsão legal específica. Precedente citado do STF: RE 405.579-PR, DJ 3/8/2011. AgRg no AREsp 248.264-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 27/11/2012. (2ª Turma).
Ademais, as isenções podem ser classificadas, segundo o Código Tributário Nacional, em: I- quanto à forma de concessão (absolutas ou relativas); II- quanto à natureza (onerosas/condicionadas ou simples); III- quanto ao prazo (indeterminado ou por prazo certo); IV- quanto à área (amplas ou restritas/regionais); V- quanto aos tributos que alcançam (gerais ou especiais). Além dessas classificações, e aqui a que importa, a doutrina as classifica, quanto ao elemento com que se relacionam, como sendo objetivas, subjetivas ou objetivo-subjetivas.
As isenções objetivas levam em consideração o fato gerador da obrigação tributária, isto é, os atos, fatos, negócios, coisas, mercadorias, etc. Assim, analisa-se o enquadramento de determinadas situações concretas nas hipóteses legais de dispensa do pagamento do tributo, sem observância dos aspectos subjetivos do contribuinte.
De outro modo, as isenções subjetivas são as concedidas em razão de condições pessoais do contribuinte. Isso porque, como já dito, há situações em que o tratamento desigual se faz necessário, sempre em respeito ao princípio da razoabilidade, para que se possa assegurar direitos básicos das pessoas, exemplo disso é a isenção de determinados tributos em razão de ser o destinatário deficiente. No tocante às isenções objetivo-subjetivas (mistas), são reunidas tanto as características objetivas do fato gerador como as subjetivas do contribuinte.
4. (IN) JUSTIÇA DAS ISENÇÕES CONCEDIDAS POR CRITÉRIOS PESSOAIS DO CONTRIBUINTE
Como pode ser percebido, a concessão de isenção fiscal por critérios subjetivos tem gerado uma zona cinzenta, nebulosa. Isso porque, os critérios da razoabilidade e da justiça – pilares fundamentais dessas normas – para que sejam corretamente aplicados, dependerão das intenções dos legisladores e administradores e da ponderação dos magistrados. Além disso, não se pode esquecer da necessária observância do princípio da isonomia. Então, questiona-se, que tipo de isenção seria justa? E qual seria odiosa? A jurisprudência dos tribunais superiores já se manifestou em diversas oportunidades.
A Constituição Federal de 88 e o Código Tributário Nacional trouxeram algumas situações em que a isenção se mostra não-odiosa. Nesse sentido, no inciso II do art. 150, CRFB/88, verifica-se a vedação à União, ao Estados, ao Distrito federal e aos Municípios ao (i) tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente; (ii) distinção em razão de ocupação profissional ou função exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.
Com efeito, já decidiu a Suprema Corte ser constitucional o tratamento privilegiado (não-odioso, frise-se) dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte:
Não há ofensa ao princípio da isonomia tributária se a lei, por motivos extrafiscais, imprime tratamento desigual a microempresas e empresas de pequeno porte de capacidade contributiva distinta, afastando do regime do simples aquelas cujos sócios têm condição de disputar o mercado de trabalho sem assistência do Estado." (ADI 1.643, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 5-12-2002, Plenário, DJ de 14-3 2003.) No mesmo sentido: RE 627.543, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 30-10-2013, Plenário, DJE de 29-10-2014, com repercussão geral; RE 559.222-AgR,Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 17-8-2010, Segunda Turma, DJE de 3-9-2010.
Nessa linha, tema que merece destaque é a concessão de isenção fiscal em razão da ocupação profissional ou função exercida do contribuinte. Hugo de Brito Machado (2015) informa que “a regra do art. 150, II, CF, teve um objetivo específico: fazer com que os militares, magistrados e parlamentares paguem o imposto de renda sobre a totalidade da respectiva remuneração”. Logo, pode-se afirmar que a Carta de Outubro limitou o uso do tratamento fiscal desigual para evitar arbitrariedades e privilégios injustos. Ao discutir a questão, em voto da relatoria do Min. Maurício Corrêa, decidiu o STF:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. REMUNERAÇÃO DE MAGISTRADOS. IMPOSTO DE RENDA SOBRE A VERBA DE REPRESENTAÇÃO. ISENÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ISONOMIA TRIBUTÁRIA. INSUBSISTÊNCIA DO BENEFÍCIO. 1. O artigo 150, inciso II, da Constituição Federal, consagrou o princípio da isonomia tributária, que impede a diferença de tratamento entre contribuintes em situação equivalente, vedando qualquer distinção em razão do trabalho, cargo ou função exercidos. 2. Remuneração de magistrados. Isenção do imposto de renda incidente sobre a verba de representação, autorizada pelo Decreto-lei 2.019/83. Superveniência da Carta Federal de 1988 e aplicação incontinenti dos seus artigos 95, III, 150, II, em face do que dispõe o § 1º do artigo 34 do ADCTCF/88. Consequência: Revogação tácita, com efeitos imediatos, da benesse tributária. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 236881, Relator (a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 05/02/2002, DJ 26-04-2002 PP-00090 EMENT VOL-02066-02 PP-00432).
Outrossim, outro exemplo é a declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 358/09 do Estado do Mato Grosso, que concedia isenção fiscal de ICMS para as operações de aquisição de automóveis por oficiais de justiça estaduais, que, embora tenha ocorrido por inconstitucionalidade formal diante da ausência de convênio interestadual, pontuou-se, obter dictum, “a isonomia tributária (CF, art. 150, II) torna inválidas as distinções entre contribuintes ‘em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida’, máxime nas hipóteses nas quais, sem qualquer base axiológica no postulado da razoabilidade, engendra-se tratamento discriminatório em benefício da categoria dos oficiais de justiça estaduais” (ADI 4.276/MT).
Ao prestar informações na referida ação direta, a Assembleia Legislativa sustentou a inocorrência de ofensa ao princípio da isonomia, em razão da peculiar condição dos oficiais de justiça, desprovidos de veículos “para realizar a importante missão de intercâmbio processual”, argumento, conforme o STF, insuficiente para justificar o tratamento desigual.
Portanto, o que se observa é que, para que se conceda legitimamente as isenções fiscais, deve estar configurado um nexo justificável entre a norma isentiva e a finalidade almejada. Tudo isso, em consideração ao fato de que esse tipo de renúncia de receita poderá causar muitos impactos na saúde financeira dos entes políticos, que devem adotar uma política fiscal transparente e responsável, já que, na atual situação econômica do país, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, têm sentido os efeitos da utopia da inesgotabilidade dos recursos do Estado.
6. CONCLUSÃO
O que se conclui é que, muitas vezes, o princípio da isonomia tem sido utilizado para instituir pretensões absurdas, totalmente divorciadas do interesse público, cobertas de pretensões puramente políticas. Exemplo disso é a isenção de IPTU para servidores municipais. A princípio, poderia ser argumentado que, analisando-se isoladamente o princípio da isonomia, a norma estabelece que quem for proprietário de imóvel tem o dever de pagar IPTU, independentemente de que seja o titular da propriedade. Mas o estudo vai além, o que se deve questionar é: o benefício da isenção de IPTU é baseado em critérios diversos do bem comum ou visa a uma finalidade maior?
Nessa linha, não se olvida que pagar não é apenas um dever do contribuinte, mas sim um direito, já que, como se infere do exposto, o objetivo da arrecadação é muito maior do que a pura e simples obrigação de pagar quantia. Visa, em verdade, a obtenção de receitas para a efetiva consecução do bem comum, devendo esse direito ser igual para todos na medida em que se igualam.
Tudo isso deve ser observado sob a ótica da solidariedade, tanto na ideia de fundamento da tributação como no momento de realização do gasto público. A razão de ser da solidariedade é o controle dos gestores, ou pelo menos a tentativa de controlá-los, bem como de assegurar aos contribuintes a crença da legitimidade da exigência dos tributos. Nesse viés, o prof.º Hugo de Brito Machado (2015) faz uma crítica acerca do irresponsabilidade e do mau uso da expressão “solidariedade”:
A ideia de solidariedade como fundamento da tributação tem levado ao equívoco de se considerar que o sujeito ativo da relação tributária é a sociedade, e não o Estado. Equívoco evidente, pois, se admitirmos que a sociedade é o sujeito ativo da relação tributária, ficaríamos diante de dificuldade insuperável na definição de quem seria o sujeito passivo dessa mesma relação jurídica. Na verdade, a relação jurídica tributária tem como sujeito ativo o Estado e como sujeito passivo os indivíduos que integram a sociedade. Não diremos que o sujeito passivo da relação tributária é a sociedade porque na relação jurídica de tributação os sujeitos passivos são individualizados.
É certo que a ideia de solidariedade social deve estar presente como fundamento da tributação, mas a relação jurídica tributária é sempre uma relação individualizada entre o Estado e o contribuinte, e nesta deve prevalecer o princípio da legalidade. A ideia de solidariedade deve ser, portanto, deslocada para o plano do gasto público. O Estado é que, dispondo do dinheiro que arrecada com os tributos, deve realizar o gasto público tendo em vista a solidariedade social.
Infelizmente, na prática, o gasto público geralmente é objeto de péssima gestão, quase sempre desatenta à solidariedade social, verificando-se com enorme frequência o desperdício e a corrupção, de tal sorte que, por maior que seja a arrecadação, os recursos públicos são sempre insuficientes. E isto enfraquece a ideia de solidariedade como fundamento da cobrança do tributo, pois os contribuintes se sentem enganados pelos governantes ao perceberem que a solidariedade não passa de um pretexto para a cobrança do tributo. A rigor, portanto, até para que a solidariedade social possa funcionar como fundamento para a instituição e a cobrança do tributo, é importante que ela esteja presente no gasto público, que há de ser realizado com seriedade e tendo em vista sobretudo as necessidades dos mais pobres.”
Dessa forma, para que as renúncias de receitas, mediante concessão de isenções fiscais, atinjam o seu objetivo maior, qual seja, o interesse público, deve haver uma gestão fazendária responsável. Com vistas a controlar a atuação dos administradores públicos, órgãos como o Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil e entidades civis da sociedade devem estar atentas e, através dos instrumentos legais, prevenir e reprimir o uso abusivo e indiscriminado dos instrumentos tributários que causam impactos negativos na arrecadação, sob pena, e é o que se tem visto, de esgotabilidade das receitas públicas, prejudicando toda a sociedade, principalmente as camadas mais carentes.
BIBLIOGRAFIA:
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Baleeiro. Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 2ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2014.
Coêlho, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 12. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2012.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros. Ed. 36. Revista e ampliada, 2015.
Mendes, Gilmar Ferreira e Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.
PAULSEN, LEANDRO. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 13. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. ESMAFE, 2011.
Torres, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 18. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.
Advogado com experiência em Direito Público. Graduado em Direito pela Universidade Tiradentes - UNIT
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Ticiano Marcel de Andrade. A importância da concessão responsável de isenção fiscal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jul 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47064/a-importancia-da-concessao-responsavel-de-isencao-fiscal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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