RESUMO: O trabalho tem o objetivo de esclarecer a necessidade da adoção do garantismo jurídico-penal em vista do momento atual pelo qual passa a nossa sociedade, sendo utilizado para esse fim uma vasta pesquisa bibliográfica e uma trajetória metodológica analítica e crítica, devido às metas traçadas. Através de um método dedutivo, analisamos toda a evolução do Direito e das ideias inerentes ao garantismo, que é o tema adotado, para, finalmente, estabelecer a fundamentação teórica deste ideal jurídico e explicar o porquê de sua relevância e adoção.
Palavras-chave: Garantismo jurídico-penal, Estado Democrático de Direito, Legalidade, Intervenção Mínima, Segurança Jurídica, Dignidade da Pessoa Humana, Direito Penal Simbólico, Direito Penal do Inimigo.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho analisa o garantismo jurídico-penal na sociedade atual, discorrendo sobre os seus limites e a sua importância como corolário do Estado Democrático de Direito. Desta forma, o estudo procura determinar importantes conceitos inerentes ao tema, como a definição de garantismo e do Estado de Direito, além de relacioná-los com os princípios fundamentais do Direito Penal, e a postura garantista frente ao ramo criminal do Direito. Por fim, este artigo se empenha em demonstrar a necessidade do garantismo e a sua atualidade frente ao processo político-a superação de sua contradição, o Direito Penal do Inimigo.
1. O QUE É O GARANTISMO?
Para que possamos tratar sobre o assunto do garantismo jurídico-penal, devemos antes conceituar o que é o Garantismo e quais são os fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Sobre o Garantismo, ninguém melhor que o seu maior idealizador, Luigi Ferrajoli, para defini-lo. Segundo o doutrinador[1], a palavra Garantismo pode ser compreendida sob três acepções: pela primeira, Garantismo designa um modelo normativo de direito, quanto ao Direito Penal, de extrema legalidade, próprio do Estado de Direito. No plano epistemológico se caracteriza como um sistema cognoscitivo ou de poder mínimo, no plano político como uma técnica de tutela capaz de minimizar a violência e de maximizar a liberdade e no plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos à potestade punitiva do estado em garantia dos direitos dos cidadãos. Em conseqüência, é Garantista todo o sistema penal que se ajusta normativamente a tal modelo e satisfaz de maneira efetiva.
Na primeira concepção, sendo ela normativa, o Garantismo se confunde com o próprio princípio da legalidade, o qual discorre que não há crime sem lei anterior que o defina. Desse modo, há uma sensação de garantia, de proteção da lei e perante lei, não podendo esta ultrapassar os limites impostos pela legalidade normativa. Na segunda acepção, o Garantismo é um ideal político a ser atingido, com a menor atuação possível do poder estatal, visando a minimização da violência em contraposição com a maximização da liberdade dos cidadãos. No terceiro aspecto, Ferrajoli identifica, talvez o principal ideal Garantista, o caráter limitativo que do garantismo, que restringe a atuação do poder punitivo do Estado. Completa-se, assim, com as outras duas idéias, um sistema de garantias que, além de procurar aumentar a liberdade dos cidadãos e diminuir a violência, busca uma diminuição da atuação do poder de punir do Estado, idéia esta que, de tão importante, concretizou-se no princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade do Direito Penal.
2. O ESTADO DEMOCRÁTICO SOCIAL DE DIREITO
O Estado Democrático de Direito, tão em voga nos tempos atuais, devido à evolução dos ideais sociais, políticos, filosóficos e humanitários, é uma situação jurídico-política na qual todos são completamente iguais perante a lei, partindo dessa igualdade, a máxima proteção dos direitos humanos, sendo esta proteção aplicada a todo e qualquer cidadão. Assim, o Estado Democrático de Direito é aquele que visa garantir o respeito às liberdades fundamentais e aos direitos do cidadão, criando um sistema de proteção jurídica. Portanto, claro fica que o garantismo é o principal instrumento da concretização desta proteção juridicamente organizada para impedir que as garantias fundamentais pelas quais o Estado é obrigado não sejam prejudicadas.
Para José Joaquim Gomes Canotilho, só podemos alcançar o Estado de Direito se antes tivermos também um Estado Democrático e um Estado Social.
Por ser Estado de Direito, deve ser regido por normas pré-fixadas, o que fornece segurança jurídica aos seus cidadãos, mas ainda deve ser democrático, de forma que suas normas emanem de um poder que conta a participação ativa da população, fazendo com que o regime democrático seja uma efetiva democracia participativa, correspondendo aos direitos de quarta dimensão, além disso, deve ser também social, pois a sua finalidade é fornecer uma forma de organização política que garanta bem-estar à população, atendendo principalmente as classes mais necessitadas, de modo a diminuir as disparidades sociais.
O Estado Social Democrático de Direito é fundado em três principais pilares: regulamentação da sociedade pelo Direito, democracia e concretização dos direitos fundamentais. Portanto, apenas com a efetiva atuação do Estado na busca de uma melhora na sociedade plasmada nesta base ideal, será garantido um Estado Social Democrático de Direito à população.
3. O GARANTISMO E OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL
O Garantismo, como instituto jurídico-penal, tem íntimas relações com os princípios fundamentais do Direito Penal. Dentre estes princípios, nos limitaremos aqui a analisar apenas os mais necessários à concretização do garantismo, não que os princípios omitidos tenham menor importância, apenas não se fazem tão necessários à abordagem que almejamos realizar.
O primeiro, o princípio da legalidade ou da reserva legal, citado anteriormente, é pautado na regra de que não há crime, pena ou medida de segurança sem uma lei penal anterior que defina o tipo penal. A importância deste princípio é clara, pois o garantismo pugna pela limitação do poder de punir do Estado e pelas liberdades fundamentais do cidadão, desta forma, nada se faz mais necessário do que a ciência do cidadão sobre como está protegido, quais são os seus direitos e pelo que e até onde ele pode ser punido. Portanto, a anterioridade da lei é uma das principais bases do garantismo e do Estado Democrático de Direito, pois não há que falar em um sem o relacionar com o outro.
Outro princípio que tem bastante relevância neste tema é o da dignidade da pessoa humana. Este princípio defende que a dignidade da pessoa humana é inerente a todo homem enquanto ser, devendo assim, ser respeitada a sua condição de pessoa. Reside, neste princípio, o limite mínimo de toda legislação, estando esculpido no artigo 1º, III, da Constituição Federal, tornando inconstitucional toda lei que viole a dignidade da pessoa humana.
A intervenção mínima do Direito Penal é também um importante fundamento a ser citado, pois dispõe que a lei penal só deve intervir quando for de absoluta necessidade para a sobrevivência da comunidade e, se possível, apenas quando for capaz de ter eficácia, constituindo assim a idéia de ultima ratio. O resultado buscado por este princípio identifica-se com a concepção do garantismo de Ferrajoli, que pugna pela busca da diminuição da violência sem a exacerbada intervenção do Direito Penal.
Por fim, identificamos com um dos mais importantes princípios fundamentais do Direito Penal para o tema abordado, o princípio da segurança jurídica, que busca uma maior estabilidade nas relações jurídicas, afastando imprevisibilidades ou incertezas ao controle normativo que submete o indivíduo, agindo em conjunto, desta forma, com o princípio da legalidade. A segurança jurídica é a principal razão de ser do Garantismo, que confere ao cidadão uma sensação de proteção de seus direitos, pois este conhece, assim, os seus deveres e as limitações do poder Estatal.
4. GARANTISMO, SIMBOLISMO E DIREITO PENAL DO INIMIGO
O Direito Penal simbólico é aquele que é demasiadamente rigoroso, baseado em um punitivismo exacerbado, que ao invés de conferir segurança jurídica, acaba impingindo medo à sociedade. Neste Simbolismo penal a segurança e a lei, em vez de tornarem-se os meios pelos quais os cidadãos buscam seus objetivos coletivos e individuais, tornam-se fins em si mesmos, além de engendrar na população certa simbologia de rigor excessivo. No entanto, diante desta força punitiva, o Direito Penal Simbólico acaba caindo no vazio, por não ser possível a sua aplicação efetiva.
O Direito Penal do Inimigo, teoria que tem como maior expoente Günther Jakobs, é uma política rigorosa de combate à criminalização. Fundamentando-se em Kant, Jakobs refere-se ao inimigo como alguém que não admite ingressar no Estado e assim não pode ter o tratamento destinado ao cidadão, não podendo beneficiar-se dos conceitos de pessoa.
A teoria se fundamente em três principais idéias, sendo elas: a) a antecipação da punição do inimigo; b) desproporcionalidade das penas e relativização e/ou supressão de certas garantias processuais; c) criação de leis severas direcionadas à clientela (terroristas, delinqüentes organizados, traficantes, criminosos econômicos, dentre outros) dessa específica engenharia de controle social.
A coação passa a ter, assim, como principal fim a efetiva neutralização do inimigo e não a re-socialização do cidadão delinqüente.
Estabelecidas as idéias de Direito Penal Simbólico e Direito Penal do Inimigo, falaremos do Garantismo frente a estas teorias. O garantismo vai completamente contra qualquer uma das duas, pois ambas ferem a segurança do cidadão. O Direito Penal do Inimigo é até mesmo inconstitucional, pois fere o princípio da dignidade da pessoa humana ao separar o cidadão do inimigo. Portanto, ao fixarmos o garantismo como instrumento do Estado Democrático de Direito, logo refutaremos as duas teorias, pois a situação atual é de uma maior proteção aos direitos humanos, e as idéias apresentadas pelas vertentes citadas acima violam, de diversas maneiras, estes direitos humanos.
5. O GARANTISMO FRENTE À REALIDADE ATUAL
É fato que o Garantismo, como um ideal a ser buscado, não é algo efetivo na sociedade, sendo por muitas vezes violado. No entanto, ainda que sejam difíceis as sendas a serem percorridas, deve-se buscar uma maior aplicação deste ideal de Direito, pois a proteção aos direitos humanos é algo cada vez mais buscado, e, o Garantismo é a principal ferramenta para aumentar ainda mais essa proteção, que deve ser oferecida pelo Estado Democrático de Direito aos seus cidadãos.
Portanto, o Garantismo Jurídico-Penal não é apenas adequado à realidade social atual, sendo completamente necessário ao fim do Direito Penal e do Estado Democrático de Direito, para que ocorra não um abolicionismo do Direito Penal, mas limites ao poder punitivo para que este não se torne uma constante ameaça aos direitos fundamentais do ser humano.
CONCLUSÃO
Com a conclusão do estudo, somos capazes de verificar que o garantismo é realmente uma das mais importantes teorias do Direito, principalmente pela sua relevância frente ao Estado Democrático de Direito e ao ordenamento jurídico brasileiro.
Constata-se também que os próprios ideais do Direito Penal representam uma forma de buscar, pouco a pouco, atingir o ideal garantista de diminuir a violência estatal enquanto há uma ampliação das liberdades e dos direitos fundamentais.
E, finalmente, conclui-se que, diante da instrumentalidade do garantismo para a consecução dos fins do Estado Democrático de Direito, nada é mais correto do que abrigar esta teoria como regra geral a ser buscada pelo próprio Estado.
BIBLIOGRAFIA:
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal, 6.a ed., São Paulo, Saraiva, 2000.
FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón - teoria do garantismo penal. 2.a ed., trad. de Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantanero Bandrés, Madrid, Editorial Trotta, S.A., 1997.
JAKOBS, Günther. Direito Penal do inimigo: noções e críticas / Günther Jakobs, Manuel Cancio Meliá; org. e trad. André Luís Callegari, Nereu José GIacomolli. – Porto Alegre: Livraria do Advogado ED., 2005.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, parte geral: arts. 1º a 120 / Luiz Regis Prado. – 8. ed. ver., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. – (Curso de direito penal brasileiro; v.1)
[1] FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón - teoria do garantismo penal. 2.a ed., trad. de Andrés Ibáñez, Alfonso Ruiz Miguel, Juan Carlos Bayón Mohino, Juan Terradillos Basoco e Rocío Cantanero Bandrés, Madrid, Editorial Trotta, S.A., 1997.
Advogado da União. Bacharelado em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Pós-graduado em Direito Constitucional pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Eduardo Henrique. O Garantismo Jurídico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jul 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47111/o-garantismo-juridico. Acesso em: 23 dez 2024.
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