RESUMO: Apresenta-se neste estudo uma análise do princípio da função social e da boa fé objetiva e suas influências ao contrato de seguro, dando-se ênfase aos dispositivos do Código Civil e à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Busca-se também analisar o fenômeno da Constitucionalização do Direito Civil, que conferiu uma nova interpretação as regras civilistas referentes aos negócios jurídicos em geral, em consonância com valores superiores, previstos na Constituição Federal de 1988, tais como a dignidade da pessoa humana, acarretando uma mitigação ao postulado da autonomia da vontade privada, antes considerado de forma absoluta.
PALAVRAS-CHAVE: Contrato de seguro. Constitucionalização do Direito Civil. Princípios da Função Social e da Boa-fé objetiva.
INTRODUÇÃO
O contrato de seguro consiste em uma relação jurídica em que uma das partes, o segurador, se obriga, mediante pagamento de prêmio pelo segurado, a garantir interesse legítimo deste, relativo à pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados, conforme prescreve o art. 757 do Código Civil (CC/02).
No que tange a sua natureza jurídica, pode ser classificado como um negócio jurídico bilateral, oneroso, consensual, de adesão e aleatório, tendo em vista que a prestação do segurador, consistente no pagamento de uma indenização, depende da ocorrência do sinistro, evento futuro e incerto, ausente, portanto, o elemento da comutatividade.
Em razão da peculiar relação jurídica que envolve o seguro, faz-se imperiosa a análise de importantes princípios civilistas que se aplicam à matéria, notadamente os da função social dos contratos e da boa fé objetiva, com seus desdobramentos práticos.
O Código Civil de 2002, em diversos dispositivos, demostra a necessidade de se manter uma conduta proba e leal na referida relação negocial. Pode-se citar, por exemplo, o artigo 765, que prescreve que as partes devem manter a mais estrita boa fé e veracidade na conclusão e execução do contrato. Além disso, o artigo 766 estabelece que se o segurado fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta, perderá o direito a garantia. Por sua vez, buscando evitar o desequilíbrio contratual, a lei prevê que será nulo o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso, intencional do segurado. Por fim, tem-se que o segurado que esteja em mora no pagamento do prêmio, não terá direito à indenização decorrente do sinistro, antes de sua purgação, regra que concretiza o princípio da exceção do contrato não cumprido.
Diante do exposto, os Tribunais Superiores constantemente se deparam com casos concretos que geram relevante discussão jurídica acerca do limite da obrigação da seguradora de indenizar o segurado, em situações em que este não agiu com a devida honestidade que lhe é exigida.
Não se pode esquecer que o seguro decorre de uma relação de consumo, protegida pelas normas previstas no Código de Defesa do Consumidor (CDC), tendo em vista a presunção de hipossuficiente e vulnerabilidade do consumidor. No entanto, a Ordem Jurídica brasileira rechaça veementemente a má fé de qualquer das partes em uma relação negocial, mesmo daquela considerada mais fraca. Desta feita, mostra-se imprescindível a análise do entendimento jurisprudencial e doutrinário acerca de situações extremamente corriqueiras no mercado de seguro, como às relativas ao segurado que gera um agravamento no risco de ocorrer o sinistro.
Conforme ensinam Farias e Rosenvald (2012, p.139/140):
A teoria contratual clássica se enraizou no ensino jurídico com alicerce no dogma da autonomia da vontade. Aos privados se concede um espaço – impermeável ao Estado e a sociedade – no qual se exercita o poder de criação de normas individuais, delimitando-se a função econômica do contrato (...).
(...)
Porém os signos da modernidade nas estremas contratuais foram submetidas paulatinamente a um amplo rearranjo. A abordagem clássica à disciplina contratual sucumbiu, primeiramente por ascendência de orientações reguladoras, atentas a questão do bem estar social do welfare state e, mais recentemente, perante uma renovada visão do direito civil na ótica principiológica das Constituições. Este fenômeno conduziu a um declínio tão acentuado das características tradicionais do contrato que não foram poucos que vaticinaram a sua “morte”, uma tendência que mais recentemente tem sido desmentida.
O contrato hoje pode ser conceituado como um instrumento de tutela à pessoa humana, um suporte para o livre desenvolvimento de sua existência, inserindo-se a pessoa em sociedade em uma diretriz de solidariedade (art. 1, III, CF), na qual o “estar para o outro” se converte em linha hermenêutica de todas as situações patrimoniais.
Tal evolução se deu principalmente em razão do fenômeno da “Constitucionalização do Direito Civil”, um movimento doutrinário e jurisprudencial que objetivou reinterpretar o Código Civil de 2002, em consonância com os valores consagrados na Carta Magna, notadamente com os princípios da dignidade da pessoa humana, da eficácia horizontal dos direitos fundamentais e da função social da propriedade, acarretando, assim, uma relativização da autonomia da vontade privada, norma basilar das relações negociais.
Desta feita, passa-se a análise detalhada da aplicação de relevantes princípios aplicáveis aos contratos de seguro, decorrentes dessa nova interpretação das regras civilistas, notadamente o da função social dos negócios jurídicos e o da boa fé objetiva.
Também conhecido como princípio do “pacta sunt servanda”, impõe às partes o dever de cumprir as prestações a que se vincularam no instrumento contratual. Significa dizer que o estipulado na avença possui força de lei, apto a constranger os contratantes ao cumprimento do conteúdo completo do negócio jurídico.
No ordenamento jurídico brasileiro, o princípio em análise encontra-se relativizado pela função social dos contratos e pela boa fé objetiva, conforme será adiante analisado.
Cabe destacar, no entanto, que tal princípio não se encontra revogado, mas tão somente mitigado, em decorrência de valores superiores previstos na Carta Magna. Desta feita, não pode mais ser utilizado indiscriminadamente. Por esse motivo, o Código Civil possui diversos instrumentos legais aptos a proteger a parte prejudicada em uma relação contratual, tais como a exceção do contrato não cumprido; a anulabilidade do negócio jurídico, em decorrência de vícios na manifestação de vontade, como no caso de lesão e estado de perigo, por exemplo; a teoria da imprevisão; a teoria do adimplemento substancial, dentre outros.
1.2 Do princípio da função social dos contratos
A função social dos contratos, prevista no artigo 421 do CC/2002, pode ser definida como a imposição jurídica às partes de uma relação contratual de somente contrair obrigações justas, equilibradas e que não violem o interesse coletivo. Fala-se, portanto, em sua eficácia interna e externa, respectivamente.
Cabe esclarecer que, conforme demonstrado anteriormente, as cláusulas contratuais continuam a obrigar os agentes de um negócio jurídico ao cumprimento de suas prestações. Farias e Rosenvald (2012, p. 205) deixam claro que:
A liberdade de contratar é plena, pois não existem restrições ao ato de se relacionar com o outro. Todavia, o ordenamento jurídico deve submeter a composição do conteúdo do contrato a um controle de merecimento, tendo em vista as finalidades eleitas pelos valores que estruturam a ordem constitucional.
Por esta razão, a liberdade de contratar não pode servir como forma de se criar obrigações desproporcionais, que destoem das finalidades econômicas e sociais dos contratos em geral.
Desta feita, o referido princípio funciona como um mitigador do brocardo ‘pact sunt servanda’, já que, uma vez desrespeitado, surge para a parte prejudicada a possibilidade de se questionar em juízo a licitude ou até mesmo a legitimidade da prestação a que ela própria se obrigou.
Os Tribunais Superiores possuem entendimento pacificado no sentido da aplicação do princípio da função social aos contratos de seguro, como se observa no seguinte julgado:
SEGURO DE SAÚDE. CARÊNCIA. ATENDIMENTO EMERGENCIAL. SITUAÇÃO-LIMITE. (...). Os contratos de seguro e assistência à saúde são pactos de cooperação e solidariedade, cativos e de longa duração, informados pelos princípios consumeristas da boa-fé objetiva e função social, tendo o objetivo precípuo de assegurar ao consumidor, no que tange aos riscos inerentes à saúde, tratamento e segurança para amparo necessário de seu parceiro contratual. Os artigos 18, § 6º, III, e 20, § 2º, do CDC preveem a necessidade da adequação dos produtos e serviços à legítima expectativa do consumidor de, em caso de pactuação de contrato oneroso de seguro de assistência à saúde, não ficar desamparado no que tange a procedimento médico premente e essencial à preservação de sua vida. Como se trata de situação limite em que há nítida possibilidade de violação de direito fundamental à vida, não é possível a seguradora invocar prazo de carência contratual para restringir o custeio dos procedimentos de emergência relativos ao tratamento de tumor cerebral que aflige o beneficiário do seguro. Precedente citado do STF: RE 201819, DJ 27/10/2006; do STJ: REsp 590.336-SC, DJ 21/2/2005, e REsp 466.667-SP, DJ 17/12/2007. REsp 962.980-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/3/2012.
Dentre as aplicações práticas do princípio ora em estudo aos contratos de seguro, pode-se citar a proteção conferida ao terceiro ofendido, que possui legitimidade para ingressar em juízo contra a seguradora, pleiteando a indenização pelos danos sofridos em decorrência de ato do segurado. No entanto, segundo entendimento recentemente sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, tratando-se de seguro facultativo, é impossível a ação direta pelo prejudicado, vítima do sinistro, em face seguradora, sem ao menos a participação do segurado como corréu, como se depreende da leitura dos Enunciados n. 529 e 537:
Súmula 529/STJ: No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano.
Súmula 537/STJ: Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice.
A boa-fé é subentendida como princípio presente não só nas relações contratuais, mas em qualquer relação jurídica, possuindo duas acepções básicas: entende-se por boa fé subjetiva o estado psicológico da parte contratante, que desconhece uma circunstância que invalidaria ou tornaria ineficaz o negócio jurídico; por sua vez, a boa fé objetiva consiste em uma regra de comportamento, que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, nos moldes do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar. Na lição de Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 110/112), esta está fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e na consideração para com os interesses do outro contraente, especialmente no sentido de não lhe sonegar informações relevantes a respeito do objeto e conteúdo do negócio, enquanto aquela diz respeito ao conhecimento ou à ignorância da pessoa relativamente a certos fatos, sendo levada em consideração pelo direito, para os fins específicos da situação regulada.
Preceitua o art. 422 do CC/02 que “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. Segundo a mais abalizada doutrina, tal preceito legal deve ser interpretado de forma a obrigar as partes a agirem de maneira correta não só durante as tratativas, como também durante a formação e o cumprimento do contrato.
No que tange aos contratos de seguro, prescreve o artigo 765 do Código Civilista que: “O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”.
Cabe destacar que se trata de uma presunção em favor dos contratantes. Por esta razão, a sua inobservância deve ser provada por quem a alega.
Dentre as diversas aplicações diretamente derivadas do princípio da boa fé objetiva, pode-se citar o instituto 'duty to mitigate the loss', estabelecido no enunciado 169 da III jornada de direito civil do CJF: "o princípio da boa fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo".
Dessa forma, tal imposição se coaduna com os deveres de probidade e de eticidade, prescrevendo que o credor intente medidas para a diminuição ou mitigação do próprio prejuízo, a fim de não onerar sobremaneira a situação do devedor.
Tal aplicação tem disposição específica para o mercado de seguros, conforme estabelece o artigo 771, caput do Código Civil: “Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as consequências”.
A não observância de tal regramento pelo segurado poderá acarretar na negativa de cobertura por parte da seguradora, como por exemplo, nas hipóteses em que o contratante insiste em continuar utilizando, mesmo após o sinistro, o veículo objeto do seguro, ao invés de acionar, de imediato, a assistência técnica, agravando o dano.
Pode-se mencionar, ainda, um segundo desdobramento da boa fé, qual seja, o instituto do 'tu quoque'. Ruy Rosado de Aguiar Júnior (2004, p. 254) esclarece que:
Aquele que descumpriu norma legal ou contratual, atingindo com isso determinada posição jurídica, não pode exigir do outro o cumprimento do preceito que ele próprio já descumprira.
Pelo referido instituto, portanto, veda-se que o agente invoque o seu direito (neste caso o direito à indenização da seguradora) antes de cumprir a sua prestação ou sem atender às suas obrigações (o dever de tomar providências para mitigar o dano).
Ainda sobre o agravamento do risco pelo segurado, cabe esclarecer que, conforme prevê o artigo 768, CC/2002, este perderá o direito decorrente da apólice se aumentar (agravar) intencionalmente o risco objeto do contrato de seguro. Para tanto, é necessário que o referido agravamento tenha relação de causalidade com a ocorrência do sinistro, como se percebe nos seguinte julgados:
DIREITO CIVIL. AGRAVAMENTO DO RISCO COMO EXCLUDENTE DO DEVER DE INDENIZAR EM CONTRATO DE SEGURO. Caso a sociedade empresária segurada, de forma negligente, deixe de evitar que empregado não habilitado dirija o veículo objeto do seguro, ocorrerá a exclusão do dever de indenizar se demonstrado que a falta de habilitação importou em incremento do risco. Isso porque, à vista dos princípios da eticidade, da boa-fé e da proteção da confiança, o agravamento do risco decorrente da culpa in vigilando da sociedade empresária segurada, ao não evitar que empregado não habilitado se apossasse do veículo, tem como consequência a exclusão da cobertura (art. 768 do CC), haja vista que o apossamento proveio de culpa grave do segurado. O agravamento intencional do risco, por ser excludente do dever de indenizar do segurador, deve ser interpretado restritivamente, notadamente em face da presunção de que as partes comportam-se de boa-fé nos negócios jurídicos por elas celebrados. Por essa razão, entende-se que o agravamento do risco exige prova concreta de que o segurado contribuiu para sua consumação. Assim, é imprescindível a demonstração de que a falta de habilitação, de fato, importou em incremento do risco. Entretanto, o afastamento do direito à cobertura securitária deve derivar da conduta do próprio segurado, não podendo o direito à indenização ser ilidido por força de ação atribuída exclusivamente a terceiro. Desse modo, competia à empresa segurada velar para que o veículo fosse guiado tão somente por pessoa devidamente habilitada. REsp 1.412.816-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/5/2014.
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. INDENIZAÇÃO DA GARANTIA BÁSICA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. EMBRIAGUEZ DO SEGURADO. CONDIÇÃO DETERMINANTE DO ACIDENTE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. (...) 3. Em casos de acidente de trânsito, a embriaguez do segurado, por si só, não pode ser considerada causa de agravamento de risco, a exonerar, em qualquer hipótese, a seguradora. A seguradora somente fica exonerada de pagar a indenização quando demonstrado que o agravamento do risco pela embriaguez influiu efetivamente para a ocorrência do sinistro. 4. Alterar a conclusão do Tribunal de origem, para afirmar que a embriaguez da parte recorrente não determinou a ocorrência do acidente, demanda o reexame de fatos e provas, atividade não realizável nesta via especial. Incidência da Súmula 7/STJ. 5. Agravo interno desprovido. AgRg no AREsp 777415 / SP. Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 03/5/2016.
A doutrina reconhece como funções precípuas da boa fé: a função interpretativa ou de concretização; de complemento; de limitação e a corretora.
Trata-se de uma função integrativo-interpretativa, que tem por objetivo oferecer um critério para determinar o modo da prestação. Um exemplo de sua aplicação encontra-se previsto no artigo 113 do Código Civil: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.
Conforme Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 107);
O aplicador do direito tem, na boa-fé objetiva, um referencial hermenêutico dos mais seguros, para que possa extrair da norma, objeto de sua investigação, o sentido moralmente mais recomendável e socialmente mais útil.
A boa-fé visa ampliar obrigações por meio da criação de deveres anexos, laterais ou de proteção, que devem ser observadas pelas partes do negócio jurídico, em todas as suas fases, consistindo, portanto, em uma cláusula implícita, inerente a qualquer relação contratual.
O descumprimento de tais deveres acarreta a chamada violação positiva do contrato, reconhecida pelo Enunciado n. 24 da I Jornada de Direito Civil do CJF, que estabelece que em virtude do princípio da boa fé, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa. Desta forma, a parte faltosa deve responder objetivamente pelos prejuízos causados ao outro contratante.
Pode-se citar como exemplos, os deveres de lealdade e confiança recíprocas; de assistência e cooperação; de informação; de cuidado e proteção; de sigilo, dentre outros.
A função limitadora ou restritiva, como o próprio nome sugere, visa à limitação do exercício de direitos, tendente a causar prejuízos a uma das partes de uma relação negocial, como ocorre quando o agente, ao exercê-los, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes, incorrendo na prática de ato ilícito, conforme prescreve o artigo 187 do CC/2002. A responsabilidade civil decorrente de tal abuso independe de culpa, fundamentando-se somente no critério objetivo-finalístico, segundo ensina o Enunciado 37 da I Jornada do STJ.
Outro importante instrumento de limitação de direitos é a chamada teoria do adimplemento substancial ou do inadimplemento mínimo, amplamente utilizado pela doutrina e jurisprudência pátrias, inclusive nas relações decorrentes de contrato de seguro, como se depreende do presente julgado:
PREVIDÊNCIA PRIVADA. PECÚLIO. MORA. CANCELAMENTO. (...) Nesta instância especial, entendeu-se que o contrato de previdência privada com plano de pecúlio por morte assemelha-se ao seguro de vida, podendo também as normas aplicáveis às sociedades seguradoras estender-se, no que couber, às entidades abertas de previdência privada (art. 73 da LC n. 109/2001). Ressaltou-se que, nos contratos de seguro, o simples atraso no pagamento do prêmio não é em si bastante para a suspensão da cobertura e consequente negativa da indenização, sendo necessária a interpelação do devedor para lhe propiciar, inclusive, a purgação da mora. De modo similar, descabe negar o pagamento de pecúlio por morte sem que o devedor seja previamente interpelado para a purgação da mora. Ademais, consignou-se a incidência da teoria do adimplemento substancial, que objetiva impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor quando o rompimento do pacto não se ajusta às exigências de índole social ou pautadas pela boa-fé. REsp 877.965-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/11/2011.
Percebe-se, portanto, que, pela presente teoria, em lugar de se dar ao segurador o direito de romper o negócio jurídico, causando grave prejuízo ao segurado, deve-se reduzir a duração do pacto em proporção às parcelas não adimplidas.
A função corretora objetiva corrigir anomalia contratual que surgiu no decorrer do mesmo por fator superveniente a sua formação. Assim, quando se verificam situações em que o equilíbrio contratual é quebrado, entende-se que a boa-fé restou ofendida, como ocorre nas hipóteses de resolução do negócio jurídico por onerosidade excessiva, previstas no artigo 478 a 480 do Código Civil.
CONCLUSÃO
O seguro é um instrumento essencial para a proteção do patrimônio dos indivíduos, sendo, em sua maioria, objeto de contratos de adesão. Por esta razão, a fim de que o segurado realmente tenha seu interesse protegido, o Poder Judiciário e a sociedade devem estar sempre atentos ao cumprimento dos deveres impostos às partes contratantes decorrentes da função social dos contratos e da boa fé objetiva.
Nesse ínterim, tais princípios, concretizando valores constitucionalmente superiores, como o da dignidade da pessoa humana, mitigam a autonomia da vontade privada, impondo limites a atuação de cada uma das partes envolvidas na relação jurídica, não apenas no momento da celebração do contrato, como também durante sua execução.
Dentre os diversos desdobramentos do princípio da boa-fé objetiva, o instituto do ‘duty do mitigate the loss’ e do ‘tu quoque’ possuem relevante importância aos contratos de seguro. O primeiro tem previsão no Código Civil, que prescreve que o segurado deve tomar todas as providências para minorar as consequências do sinistro, sob pena de se perder o direito a indenização. Pelo segundo, veda-se comportamentos contraditórios das partes do contrato, impedindo que se invoque o seu direito antes do cumprimento de suas obrigações. Pode-se citar, por exemplo, a conduta do segurado que intencionalmente gera um agravamento ao risco de ocorrência sinistro. Neste caso, entendem os Tribunais Superiores que, comprovado o nexo causal, a seguradora estará isenta de pagar o valor da indenização.
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Advogada. Graduada pela Universidade de Fortaleza-UNIFOR.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Natalia Quezado. Das influências da função social e da boa-fé objetiva aos contratos de seguro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jul 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47114/das-influencias-da-funcao-social-e-da-boa-fe-objetiva-aos-contratos-de-seguro. Acesso em: 23 dez 2024.
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