RESUMO: A necessidade de artigos que analisem a importância da utilização da razoabilidade no âmbito laboral, justifica-se pela relevância teórica, operativa e social. Após uma série de lutas políticas, sociais e econômicas foi promulgada a Constituição de 1988. Além de destinar todo um capítulo aos direitos sociais e da cidadania, esta também inaugurou uma nova era, de valorização dos direitos da personalidade. O contrato de trabalho, mesmo na fase pré-contratual deve ter como máxima a dignidade da pessoa humana, pautando-se na razoabilidade as condutas adotadas pelos empregadores. Por isso, será objeto de estudo a interpretação do que é ou não razoável de acordo com os conceitos trazidos pela doutrina e jurisprudência.
Palavras-chave: razoabilidade; dignidade da pessoa humana; contrato de trabalho.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivos primordiais analisar se essas discriminações constantes feitas por empregadores são ou não razoáveis, e qual o parâmetro deve ser utilizado para realizar uma discriminação.
O interesse pela temática se deu em razão da necessidade em atribuir um vetor como a razoabilidade nas contratações trabalhistas e também de criar mecanismos legítimos para que os empregadores possam adotar como forma de contratação.
O interesse pela temática se deu pelos constantes julgados dos Tribunais do Trabalho, que se variam seus posicionamentos conforme o caso concreto, ou seja, não há uma “fórmula mágica” em dizer o que é ou não discriminação, por isso, se viu necessário analisar qual é o parâmetro que deve ser utilizado nos casos concretos.
A priori será feito algumas considerações acerca do contrato de trabalho, os princípios que norteiam e asseguram as relações laborais de forma legítima. Em seguida, adentrará no foco do trabalho, qual seja, a razoabilidade.
2. O CONTRATO DE TRABALHO
O contrato, de maneira geral, representa o negócio jurídico bilateral, do qual os contratantes se obrigam a adquirir, modificar ou extinguir direitos, regulando os efeitos do ajuste.
Já o contrato de trabalho é definido como:
É o pacto, expresso ou tácito, verbal ou escrito, pelo qual o empregado, pessoa física, compromete-se a prestar serviços não eventuais e subordinados e o empregador a pagar a retribuição respectiva, seja esta convencionada ou imposta pela lei. Pelo contrato de trabalho, o empregado transfere ao empregador a propriedade do produto do seu trabalho (alteridade). Durante a execução do pacto laboral, o empregador é quem dirige a prestação de serviço (subordinação jurídica) e assume os riscos da atividade econômica. (CAIRO JUNIOR, 2013, p. 202)
É necessário salientar que no direito laboral não prevalece o princípio da autonomia da vontade como nos contratos regulados pelo Direito Civil, a não ser que a vontade seja utilizada para convencionar condições mais dignas. Aqui no direito do trabalho, objeto desse artigo, o empregado é tratado de forma desigual para o alcance da isonomia material.
O fato da não aplicação do aludido princípio nas relações de trabalho se justifica pelo fato de que perceberam que dentro dos contratos o obreiro não manifestava, de forma livre, sem coações, a sua verdadeira vontade em decorrência das pressões econômicas da época em que estavam inseridos, como o desemprego e a necessidade de sustentar a própria família. Em decorrência disso, os trabalhadores se sujeitavam a jornadas de trabalho exorbitantes, salários indignos, não havia proteção no que tange ao trabalho do menor.
Diante disto, surgiu a necessidade de proteção, que de certa forma foi influenciada pelas grandes manifestações dos operários em face das indústrias que só exploravam a classe operária, e inseriu pela primeira vez no ordenamento jurídico, uma Constituição que se preocupava com os direitos trabalhistas, a Constituição Mexicana de 1917, chamada de “Constitución Politica de los Estados Unidos Mexicanos”. Foi à primeira Constituição da História a incluir os chamados direitos sociais, dois anos antes da Constituição de Weimar de 1919.
Trata-se de um documento anticlerical e liberal, incluindo medidas relativas ao trabalho e à proteção social, bastante radical para a época. Reflete também as diferentes tendências manifestadas antes e durante a Revolução Mexicana, como o anticlericalismo, sensibilidade social e nacionalismo.
Vale destacar que anunciou leis sociais como: jornada de oito horas, direito de associação sindical, direito à greve, salário mínimo, limitação do trabalho feminino e infantil, a exemplo:
Artigo 2º — Como primeiro passo para a transferências completa das fábricas, das usinas, das minas, das ferrovias e de outros meios de produção e de transporte para a propriedade da República operária e camponesa dos Sovietes, o Congresso ratifica a lei soviética sobre a administração operária e sobre o Conselho Superior da Economia Nacional, com o objetivo de assegurar p poder dos trabalhadores sobre os exploradores.
Artigo 3º — O Congresso ratifica a transferência de todos os bancos para o Estado operário e camponês como uma das condições de libertação das massas laboriosas do jugo do capital.
Outras revoluções a exemplo das Revoluções Industriais foram primordiais para alcançar condições humanas de trabalho, e para isso, perceberam a necessidade de estabelecer desigualdades jurídicas dentro do contrato, criando um direito parcial, onde o empregado deveria ser quase sempre tratado como se fosse um relativamente incapaz e por vezes até absolutamente.
No Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 442, traz um conceito de contrato de trabalho bem criticado pela doutrina, já que nada define: “Contrato individual de trabalho é acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”.
O conceito nitidamente confunde a relação de trabalho com a relação de emprego, que são situações completamente diferentes. O contrato de trabalho é gênero do qual o contrato de emprego é espécie, portanto, dentro do contrato de trabalho estão abarcadas outras relações, como a relação de trabalho autônomo e todas as outras de trabalho subordinado, tais como o avulso, portuário, eventual, aprendiz, empregado doméstico, trabalhador rural, estagiário e o trabalho voluntário.
No que tange a forma de estipulação do contrato, objeto de interesse por este trabalho, o artigo 444 da CLT, in verbis, “As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas sem tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhe sejam aplicáveis e as decisões das autoridades competentes”.
Pedro Paulo Texeira Manus elucida que:
Quanto à liberdade de contratação, o legislador limitou a autonomia da vontade das partes, de modo a proibir que sejam ajustadas condições contratuais menos favoráveis ao mínimo consagrado pela lei, facultando, porém, qualquer ajuste em condições favoráveis ao empregado, que é considerado a parte mais fraca dessa relação. (MANUS, 2001, P.65)
A estética e a discriminação fazem parte do comportamento humano, portanto, “não haveria como estudar o contrato de trabalho se não fosse pela liberdade de contratação e autonomia de vontade das partes” (MARQUES, 2002, p. 27)
Ao analisar os sujeitos da relação de emprego, ou seja, empregado e empregador, no que tange ao tratamento de possuem dentro do contrato, frise-se que no direito laboral nasce com a ideia de desigualdade, com o objetivo de compensar a situação de hipossuficiência do empregado dentro desse contrato.
Carmem Lúcia Antunes Rocha menciona:
Por isto, o tratamento parificado das partes processuais (...) passa a ter um novo balizamento jurídico no Direito do Trabalho. Ambas são as partes, sim, mas o relevo não é mais para o dado processual que deixa empregado e empregador serem considerados iguais, mas para a questão econômica, que os deixa desigualados inclusive como partes, pela possibilidade diferenciada de ambos. (ROCHA, 1990, p.39)
É válido esclarecer que tal situação não fere os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, já que os sujeitos da relação de emprego devem cumprir as obrigações do contrato. O contrato de emprego gera para o empregador, a obrigação principal de pagar os salários, e para o empregado a obrigação principal de dispor sua energia ao empregador.
Além disso, é válido ressaltar que o empregador possui poder de direção, que obviamente deve sempre ser pautado dentro dos limites, senão pode ser considerado abuso de direito.
Sergio Torres Teixeira esclarece a desigualdade existente entre os sujeitos do contrato de trabalho regido pela relação de emprego:
Igualdade de tratamento na seara da relação de emprego, assim, não significa tratar de forma idêntica o empregado e o empregador. Os dois agentes do contrato individual de trabalho são, manifestamente, desiguais. Formal e materialmente. O empregado recebe um tratamento especial por parte do legislador, sendo beneficiado por mecanismos visando compensar a sua inferioridade econômica diante do empregador. Com uma maior proteção jurídica ao sujeito hipossuficiente, assim, se busca equilibrar uma relação entre desiguais. (TEXEIRA, 1998, p.374)
O poder diretivo já mencionado decorre do poder de comando do empregador, que “sujeita os empregado às suas diretrizes no âmbito da relação de emprego, desde que adstrito sempre ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.” (MARQUES, 2002, p.30)
Pedro Paulo Texeira Manus aduz que o poder de comando materializa-se “pela prerrogativa do tomador de serviços de dar ordens ao empregado, de tal modo a ser atribuição sua dizer o que deve o empregado fazer, onde o mesmo deve trabalhar e de que modo deverá desenvolver suas atribuições.” (MANUS, 2001, p.67)
O poder diretivo do empregador, disposto no artigo 2º da CLT, consubstancia que compete a ele o risco da atividade econômica (princípio da alteridade) bem como a direção da prestação pessoal dos serviços, do qual são corolários, o controle, a fiscalização e a disciplina, e que esta competência possui limites.
Os limites estão presentes nos próprios princípios que regem o direito do trabalho e a CLT, como a igualdade, não discriminação, a dignidade e todas as fases do contrato de trabalho, seja na fase pré-contratual, na admissão, no curso da relação de emprego, no desligamento e no pós-contrato.
Na fase pré-contratual, “O empregador deverá de maneira clara, fornecer a todos os candidatos as informações sobre a oferta do posto de trabalho de forma explícita. E mais, o empregador exercita um dos direitos fundamentais, qual seja: a liberdade, decidindo quando, como e quem contratar.” (MARQUES, 2002, p.34) Inexiste, no sistema legal brasileiro, previsão legal sobre quais devem ser os critérios utilizados para a contratação.[1] No setor privado, é bastante comum o uso de entrevistas, questionários e testes.
Já na fase contratual, o artigo 168 da CLT, dispõe que:
Será obrigatório exame médico, por conta do empregador, nas condições estabelecidas neste artigo nas instruções complementares a serem expedidas pelo Ministério do trabalho: I - na admissão; II - na demissão; III - periodicamente;
§ 1º O ministério do Trabalho baixará instruções relativas aos casos em que serão exigidas exames: a) por ocasião da demissão; b) complementares.
§ 2º Outros exames complementares poderão ser exigidos, a critério médico, para apuração da capacidade ou aptidão física e mental do empregado para a função que deve exercer.
§ 3º O Ministério do trabalho estabelecerá, de acordo com resto da atividade e o tempo de exposição, a periodicidade dos exames médicos.
§ 4º O empregador manterá no estabelecimento o material necessário à prestação de primeiros socorros médicos, de acordo com risco da atividade.
§ 5º O resultado dos exames médicos, inclusive o exame complementar, será comunicado ao trabalhador, observados os preceitos da ética médica.
De acordo com Christiane Marques:
O fato de existir um contrato de trabalho regido nos termos da CLT, ao qual o empregado se encontra subordinado, não permite ao empregador, no exercício do seu poder diretivo, a prática do ato discriminatório no que tange ao desenvolvimento do exercício profissional. Na fase de manutenção do contrato é muito comum discriminações estéticas ligadas a “equiparação salarial, ascensão profissional, distinção de oportunidades e limitação de atuação (MARQUES, 2002, p.45)
Verifica-se, contudo, que o fato do ordenamento jurídico não trazer de forma taxativa o que é ou não discriminação, ou seja, quais são as condutas proibidas do empregador, não é por esta razão que não haverá tutela. É valido esclarecer que a análise do caso concreto vai ser fundamental para determinar se a conduta de discriminação praticada pelo empregador é abusiva ou arbitrária.
3. PRINCÍPIOS
3.1 Considerações iniciais
Princípio é o momento em que algo tem origem, é o elemento essencial na constituição de um corpo. De acordo com Francisco Meton, “princípio significa a base, o ponto de partida, e ao mesmo tempo, o ponto de chegada”. (LIMA, 1995, p.15)
Fugindo do significado meramente gramatical, Robert Alexy define o princípio como norma que deve ser aplicada na máxima medida possível, levando em consideração os aspectos fáticos e jurídicos. Celso Antônio Bandeira de Melo fala que o alcance do princípio não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia. (MELO, 2001, p.9)
Para o entendimento de como os princípios ganharam tanta importância no ordenamento jurídico, é necessário que se faça algumas considerações acerca do Constitucionalismo, que é uma técnica de limitação do poder com fins garantísticos, segundo Canotilho.
O Constitucionalismo surge desde Antiguidade Clássica, onde prevalecia o poder teocrático. É necessário ressaltar que na Europa, durante a idade média existia a figura do totalitarismo, o Constitucionalismo não existiu, até que veio as grandes revoluções.
Fazendo uma análise histórica do Constitucionalismo, nasce inicialmente o chamado Constitucionalismo clássico ou liberal, cujo marco foi a Revolução Francesa e a Norte-americana (1787 e 1789). O propósito era limitar o poder do Estado, e o paradigma era o estado liberal, de intervenção mínima. Neste momento trabalhavam com os direitos de liberdade (individuais, civis, políticos). Surge aqui, os direitos fundamentais de 1ª dimensão, onde prevalecia o positivismo, por isso, o poder legislativo ganhou grande ênfase nesta fase.
Nascem no Constitucionalismo Clássico as primeiras Constituições escritas, tendo um caráter negativo, já que o estado não intervia. Entretanto, com o excesso de abstenções por parte do Estado, surge a crise do Estado liberal, já que para alguns essa liberdade era meramente formal, muitos por não ter capital ficavam submissos a outras pessoas e, além disso, o excesso de liberdade deu possibilidade de criação de situações como o nazismo e o fascismo.
Depois da 1ª Guerra Mundial, a Europa precisava se reerguer, surge ai o chamado Constitucionalismo Moderno ou Social, chamado de Welfare State, que tentou assegurar o direito a igualdade. Neste momento, o Estado deixa de se abster e passa a ser prestador, intervindo na sociedade com o objetivo de sair da situação de desigualdade em que os indivíduos se encontravam.
Tal constitucionalismo teve como marco teórico a Constituição Mexicana de 1917 e da de Weimar de 1919. Surgem aqui os direitos de 2ª dimensão (direitos sociais, econômicos e culturais), são direitos positivos que exigem uma prestação positiva do Estado, por isso a ênfase nesta dimensão era do poder executivo.
Contudo, a crise do Estado Social se iniciou, já que as necessidades sociais são infinitas, mas os recursos são finitos, e a Europa então, se deparou com a escassez de recursos.
Nasce o Constitucionalismo Contemporâneo, também chamado de Constitucionalismo pós 2ª Guerra Mundial ou Neoconstitucionalismo, que introduz o Estado Democrático de Direito. O valor dado nesta fase é a fraternidade, deixa então de ser social e passa a ser democrático, colocando a Constituição no topo e a partir dela os demais ramos do direito se guiarão dentro dos seus limites, é chamada Constituição Invasora, se caracterizando como a 3ª dimensão (direitos difusos, coletivos, solidariedade, etc).
De acordo com Barroso, há 3(três) marcos do Neoconstitucionalismo no Brasil. O 1º marco seria histórico, que é a própria Constituição Federal de 1988; o 2º marco seria filosófico, que é a aproximação do direito com a ética a moral e a justiça; e o 3 marco, seria teórico, aqui seriam vários como a força normativa dada Constituição, trazida por Konrad Hesse, a Constitucionalização do Direito e a nova interpretação constitucional, que seriam métodos para interpretar a Constituição.
Nasce com o Neoconstitucionalismo o reconhecimento da força normativa dos princípios, ou seja, houve uma releitura da teoria da norma. Antigamente, poderia se utilizar da fórmula para definir normas, que normas= regras. Hoje, com as ideias trazidas por Ronald Dworkin e Robert Alexy e que norma= regra +princípios.
A partir dessa interpretação, poderia dizer que os princípios são postulados normativos fundamentais, e possuem força normativa, cogente. Passa de um estado absolutista, de polícia, para um estado de direito. Mas qual seria a diferença entre regras e princípios?
Os princípios possuem um grau de abstração maior do que as regras, enquanto que o choque entre as regras se denomina conflito e se resolve através dos critérios de Savigny (Cronológico, especialidade e hierarquia) o choque entre os princípios se denomina colisão e se resolve através da técnica da ponderação.
Além disso, para Ronald Dworkin, as regras tem previsão de condutas e vigora a ideia de subsunção, ou aplica tudo ou nada, enquanto que os princípios tem previsão de valores e há uma dimensão de peso, ou seja, a própria ponderação. Já Robert Alexy, diz que a regra é mandamento definitivo, ou é ou não é, e o princípio um mandado de otimização, que deve ser realizado na máxima medida possível, a depender das situações fáticas e jurídicas.
Ressalte-se apenas uma ideia recentemente discutida no âmbito doutrinário e jurisprudencial, que é a questão da derrotabilidade, também chamada de deseasibility, ou superabilidade. A essência da derrotabilidade encontra-se no reconhecimento de que existem normas jurídicas, condicionais-hipotéticas, que tutelam e resguardam as condutas intersubjetivas, assegurando previsibilidade e segurança jurídica aos cidadãos. Estas previsões possuem, entretanto, um caráter prima facie que pode ser derrotado, no momento em que o texto deixa de ser apenas texto e passa a ser produto da interpretação. (VASCONCELLOS, 2009)
Diante do exposto, ressalta-se a importância normativa dos princípios no ordenamento jurídico brasileiro, porém é necessário que acima de tudo se perceba que os princípios não devem ser utilizados de qualquer forma, a qualquer custo. Se existe a regra, aplica-se a regra, até mesmo porque a regra prevista no mundo jurídico deve estar de acordo com os princípios, há, portanto, uma previsão de legalidade das regras, e caso esteja em conflito com alguns princípios, ela deve ser superada, na ideia de tudo ou nada.
3.2 Dignidade da Pessoa Humana
Antes de tratar do conteúdo da dignidade da pessoa humana é necessário estabelecer que apesar de vários autores darem-lhe tratamento de princípio e comumente os juristas assim a classificarem, a dignidade da pessoa humana para outra corrente, não é somente um princípio. Esta corrente se baseia nos conceitos trazidos Robert Alexy e Ronald Dworkin do caráter dúplice da norma e, além disso, eles entendem que ocorrendo uma colisão não haverá ponderação, a regra da dignidade da pessoa humana sempre irá prevalecer.
Ingo Wolfgang Sarlet traz a ideia de que embora a discussão em torno da qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio ou direito fundamental não deva ser hipostasiada, já que não se trata de conceitos antitéticos e reciprocamente excludentes (notadamente pelo fato de as próprias normas de direitos fundamentais terem cunho eminentemente-embora não exclusivamente-principiológico, ideia trazida por Robert Alexy, quando trata do caráter dúplice das normas em seu livro Teoria de los Derechos Fundamentales), Ingo compartilha o entendimento de que, muito embora os direitos fundamentais encontrem seu fundamento ao menos em regra, não há como reconhecer que existe um direito fundamental à dignidade, ainda que vez por outra se encontre alguma referência neste sentido.
Mas o que é a dignidade da pessoa humana? Ao se deparar com tal pergunta, várias respostas diferentes podem surgir, porque não existe um conceito definido e concreto do que seja tal dignidade, dependeria da análise, talvez, de cada caso específico. Ingo Wolfgang Sarlet traz que:
Sobre o significado e conteúdo da dignidade da pessoa humana, não há como negar, de outra parte, que uma conceituação clara do que efetivamente seja esta dignidade, inclusive para efeitos de definição do seu âmbito de proteção como norma jurídica fundamental, se revela no mínimo difícil de ser obtida, isto sem falar na questionável (e questionada) viabilidade de se alcançar algum conceito satisfatório do que, afinal de contas, é e significa a dignidade da pessoa humana hoje. Tal dificuldade, consoante exaustiva e corretamente destacado na doutrina, decorre certamente (ao menos também) da circunstância de que se cuida de conceito de contornos vagos e imprecisos, caracterizado por sua “ambiguidade e porosidade”, assim como por sua natureza necessariamente polissêmica, muito embora tais atributos não possam ser exclusivamente atribuídos à dignidade da pessoa. (SARLET, 2004, p. 39-40)
Mesmo com a dificuldade de conceituação a dignidade da pessoa humana existe, é real e deve ser obedecida e aplicada, já que se trata de direito fundamental. Como dito, analisando os casos concretos, é fácil perceber quando há violações desta dignidade, e, além disso, a doutrina e a jurisprudência cuidaram de estabelecer alguns contornos basilares do conceito e concretizar o seu conteúdo.
Jorge Miranda leciona que:
a)A dignidade da pessoa humana reporta-se a todas e cada uma das pessoas e é a dignidade da pessoa individual e concreta; b) Cada pessoa vive em relação comunitária, mas a dignidade que possui é dela mesmo e não da situação em si; c)O primado da pessoa é do ser, não o do ter; a liberdade prevalece sobre a propriedade; d)A proteção da dignidade das pessoas está para além da cidadania portuguesa e postula uma visão universalista da atribuição de direitos; e) A dignidade da pessoa pressupõe a autonomia vital da pessoa, e a sua autodeterminação relativamente ao Estado, às demais entidades públicas e às outras pessoas.(MIRANDA, 1998, p. 169-170)
No direito do trabalho é óbvio que haverá a proteção da dignidade da pessoa humana, se é digna qualquer pessoa também é o trabalhador. O trabalho humano veio sendo protegido há séculos, existiram diversas violações de direitos e discriminação durante as duas guerras mundiais, na guerra civil espanhola e nos regimes totalitários e autoritários, e em face disso, a dignidade da pessoa humana passou a ser tutelada. Como exemplo, na Declaração da Filadélfia (1944), Carta das Nações Unidas (1945), Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), Carta da Organização dos Estados Americanos (1948).
No Brasil, a primeira Constituição a mencionar de maneira expressa a dignidade da pessoa humana foi a de 1946, de forma associada ao direito do trabalho. A Constituição de 1988 faz a mesma associação, quando no artigo 170 valoriza o trabalho humano, além de elevar tal princípio como fundamento da República Federativa no artigo 1º, inciso III.
De acordo com Chistiani Marques:
O princípio da dignidade humana busca propiciar melhores condições de vida ao empregado. Na dignidade humana se valoriza o trabalho humano; na igualdade ou não-discriminação se combatem as desigualdades ou permite-se alguma diferença, desde que legítima e justificada(...) (MARQUES, 2002, p. 147)
Diante do exposto, percebe-se que a dignidade veio para nortear as relações humanas e mesmo com sua conceituação abstrata, ela é real e deve ser garantida na prática analisando os casos concretos. No direito do trabalho já se fez tal tutela ao garantir jornada de trabalho reduzido, proteger o trabalho da mulher, do menor, de profissões perigosas e insalubre, a garantia de férias, a proteção ao salário dentre outros direitos inseridos na Constituição Federal e leis específicas.
3.3 Princípios da igualdade e isonomia
O artigo 5º da Constituição Federal estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, não se esquecendo porém do princípio da isonomia material, observado em vários preceitos constitucionais, como no art. 3º, III, 5º, I, 150, II e 226, § 5º. que faz uma distinção entre as pessoas, por vezes, para o alcance da própria igualdade.
A igualdade é vista de várias maneiras de acordo com a evolução histórica da sociedade, passa por momentos de pura desigualdade, por um liberalismo exacerbado e chegando por fim a verdadeira essência da isonomia, onde iguais são tratados igualmente e desiguais tratados desigualmente, segundo as ideias de Aristóteles.
Celso Antônio Bandeira de Mello vai além do posicionamento de Aristóteles:
(...) É insuficiente recorrer à notória afirmação de Aristóteles, assaz de vezes repetida, segundo cujos termos a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Sem contestar a inteira procedência do que nela se contém e reconhecendo, muito ao de ministro, sua validade como ponto de partida, deve-se negar-lhe o caráter de termo de chegada, pois entre um e outro extremo serpeia um fosso de incertezas cavado sobre a intuitiva pergunta que aflora ao espírito: Quem são os iguais os iguais e quem são os desiguais? (MELO, 2001, p.10-11)
Compartilhando a crítica do citado Celso Antônio Bandeira de Mello as leis somente apontam quais são as situações que devem se submeter a regência de tais ou quais regras, é necessário questionar quais as discriminações são juridicamente toleráveis. “Dês que se atine com a razão pela qual um caso o discrímen é ilegítimo e em outro legítimo, ter-se-ão franqueadas às portas que interditam a compreensão clara do conteúdo da isonomia.” (MELO, 2001, p.12)
Hans Kelsen faz as seguintes considerações:
A igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devam ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles, como por exemplo, entre crianças e adultos, indivíduos mentalmente sadios e alienados, homens e mulheres. (KELSEN, 1962, p.190)
O constitucionalista Jorge Miranda conclui:
Ao juiz cabe a tarefa-nobre e gloriosa, embora por vezes árdua e complexa- de interpretar e aplicar normas constitucionais sobre direitos fundamentais. Não lhe pode fugir e, para tanto, tem de se munir de conhecimentos técnicos e critérios de ação que permitam descobrir quer o sentido e o fim último dessas normas, que o das normas legais com que, diariamente se defronta. Mas interpretar e aplicar a Constituição equivale a ir ao encontro dos valores mais profundos da vivência e do Direito de um povo- mais do que os valores assumidos em cada época, os valores permanentes de justiça; é saber impregnar-se desses valores; é juntar ao imprescindível domínio da técnica jurídica o conceito humanista de que a Constituição é para as pessoas, e não as pessoas para a Constituição. (MIRANDA, 1998, p. 33-34)
No direito do trabalho também se aplica as ideias pertinentes os princípio da igualdade e mais ainda o princípio da isonomia. A diferenciação no direito do trabalho é própria da sua essência, na verdade, pode-se afirmar que o direito do trabalho surgiu para fazer diferenciações no âmbito das relações laborais e atingir o alcance da tão sonhada isonomia material.
Como decorrência da isonomia tem como princípio norte e específico do direito do trabalho o princípio da proteção:
O princípio da proteção, também denominado de tuitivo, é considerado o princípio dos princípios do Direito do Trabalho. (...) havia necessidade de proteger o empregado contra os atos do empregador, enquanto estivesse sob o poder de comando e direção deste último. Esse princípio constitui a própria essência do Direito Laboral. Sua ausência implicaria não reconhecer a autonomia desse ramo do Direito. (CAIRO JUNIOR, 2013, p.97)
Ainda em relação ao princípio da proteção, ele se se manifesta através das regras do in dubio pro operario, da regra da condição mais benéfica e da aplicação da norma mais favorável.
O in dubio pro operario, “Quando da interpretação de norma jurídica surgirem interpretações divergentes em relação à mesma norma a ser aplicada a um determinado caso concreto, será dada preferência àquela interpretação que mais favoreça ao empregado.” (CAIRO JUNIOR, 2013, p.97)
Já a condição mais benéfica “importa na garantia de preservação, ao longo do contrato, da cláusula contratual mais vantajosa ao trabalhador, que se reveste do caráter de direito adquirido” (DELGADO, 2009, p.187)
E por fim, a aplicação da norma mais favorável diz que deve ser utilizada a norma que conceda direitos mais vantajosos ao obreiro, para Mauricio Godinho:
O presente princípio induz que o operador do Direito do Trabalho deve optar pela regra mais favorável ao obreiro em três situações ou dimensões distintas: no instante de elaboração da regra (princípio orientador da ação legislativa, portanto) ou no contexto de confronto entre regras concorrentes (princípio orientador do processo de hierarquização de normas trabalhistas) ou, por fim, no contexto de interpretação das regras jurídicas (princípio orientador do processo de revelação do sentido da regra trabalhista). (DELGADO, 2009, p.184)
Assim sendo, o princípio jurídico da isonomia deve ser compreendido como uma ferramenta para se materializar a justiça, norteando os legisladores e os operadores do direito com o intuito de formação e aplicação justa da norma de acordo com a ideia de justiça que possua a sociedade em seu trajeto histórico.
Revela-se então o seu papel fundamental e imprescindível para a transformação social equilíbrio das situações injustas e promovendo o bem de toda a coletividade, quer reconhecendo a hipossuficiência de alguns, quer coibindo privilégios injustificados de outros.
3.3.1 Princípio da não-discriminação
O princípio da não-discriminação surge como decorrência da isonomia. Trata-se de uma especialização do princípio da igualdade. “Porém em virtude de sua importância assume posição de princípio, embora vinculado e englobado pelo princípio mais abrangente, o da igualdade.” (MARQUES, 2002, p.167)
O princípio da não-discriminação está assegurado expressamente desde 1948, na Declaração Universal dos Direitos do Homem:
Artigo 1º Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”; Artigo 2º Todos os seres humanos podem invocar os direitos e liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, origem, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de nascimento ou de qualquer outra situação.
Além disso, no mesmo sentido trouxe o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais:
Artigo 2º Os Estados- Partes do presente Pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados se exercerão sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação.
No ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da não discriminação está presente na própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, XXX, que proíbe a diferença salarial, e em vários dispositivos legais. Vale lembrar que anterior a Constituição de 1988, outras Constituições brasileira já previam o mencionado princípio de forma expressa, a exemplo a de 1934, 1937, 1946 e 1967.
Com relação à Constituição de 1934, vale ressaltar a sua especial proteção ao direito do trabalho, em seu artigo 121, estabelecia que a legislação do trabalho devesse observar os preceitos que colimem melhorar as condições do trabalhador, como a proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil.
A Constituição Federal de 1988 recepcionou o disposto no artigo 461 da CLT, que preconiza:
Artigo 461 Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade. Parágrafo primeiro: Trabalho de igual valor, para os fins deste capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a dois anos.
A não-discriminação no direito do trabalho implica em afirmar que o trabalhador não pode sofrer nenhum tipo de discriminação, seja em razão de raça, cor, sexo, língua, religião, idade ou opinião, tanto no momento da admissão quando a execução do contrato e até mesmo no momento da extinção.
De acordo com José Cairo Júnior:
Deriva do princípio geral do direito da igualdade, que considera todos iguais perante a lei. Registre-se, entretanto, que o tratamento igual deve ser dispensada pelas leis àqueles que estejam na mesma situação no plano fático. No caso da relação de emprego, a lei considera que o empregado encontra-se em desvantagem em relação ao empregador. Por conta disso, dispensa-lhe um tratamento mais vantajoso para equilibrar a relação. (CAIRO JÚNIOR, 2013, p.105)
Alice Monteiro de Barros trata da igualdade, juntamente com o princípio da não-discriminação, com o mais expressivo manifesto do princípio da igualdade, cujo reconhecimento, com valor constitucional inspira o ordenamento jurídico brasileiro em seu conjunto. E ainda aponta o princípio da não-discriminação como limite ao poder de comando e a autonomia do empregador, quando da obtenção de dados a respeito do candidato de emprego, e se projeta durante a execução do contrato. (BARROS, 1997)
Salienta-se que existem normas específicas que visam excluir toda e qualquer forma de discriminação do trabalho da mulher, do portador de deficiência física e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação de emprego, definidas pela Lei n 9.029/95. Além disso, a CLT foi alterada pela Lei 11.644, acrescendo-se o artigo 442-A, que veda que o empregador exija do candidato tempo de experiência prévia por período superior a seis meses no mesmo tipo de atividade.
De acordo com um julgado do TST, o princípio da não discriminação é princípio de proteção, de resistência, denegatório de conduta que se considera gravemente censurável. Portanto, labora sobre um piso de civilidade que se considera mínimo para a convivência entre as pessoas. A conquista e afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural, o que se faz, de maneira geral, considerando o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego. (RR-185900-87.2008.5.02.0004 de 3ª Turma, 03 de Outubro de 2012 TST - RR - 185900-87.2008.5.02.0004 - Data de publicação: 05/10/2012)
Nesse passo, por todo o exposto se extrai do princípio da igualdade e do princípio da não-discriminação um avanço para todas as práticas laborais, até mesmo porque não se admite no ordenamento jurídico brasileiro, com 25 anos de Constituição da República Federativa do Brasil, regras que sejam contrárias aos citados princípios.
4. RAZOABILIDADE
Antes de falar acerca da razoabilidade é necessário que se faça uma distinção entre ela e a proporcionalidade, que de maneira errônea, são utilizadas como sinônimos ou até mesmo é confundido seus conceitos.
Virgílio Afonso da Silva exemplifica cada um dos institutos:
Aquele que se propõe analisar conceitos jurídicos tem que ter presente que nem sempre os termos utilizados no discurso jurídico guardam a mesma relação que possuem na linguagem laica. Assim, se um pai proíbe a seu filho que jogue futebol durante um ano, apenas [28] porque este, acidentalmente, quebrara a vidraça do vizinho com uma bolada, é de se esperar que o castigo seja classificado pelo filho - ou até mesmo pelo vizinho ou por qualquer outra pessoa - como desproporcional. Poder-se-á dizer também que o pai não foi razoável ao prescrever o castigo. O mesmo raciocínio pode também valer no âmbito jurídico, desde que ambos os termos sejam empregados no sentido laico. Mas, quando se fala, em um discurso jurídico, em princípio da razoabilidade ou em princípio ou regra da proporcionalidade, é evidente que os termos estão revestidos de uma conotação técnico-jurídica e não são mais sinônimos, pois expressam construções jurídicas diversas. Pode-se admitir que tenham objetivos semelhantes, mas isso não autoriza o tratamento de ambos como sinônimos.17 Ainda que se queira, por intermédio de ambos, controlar as atividades legislativa ou executiva, limitando-as para que não restrinjam mais do que o necessário os direitos dos cidadãos, esse controle é levado a cabo de forma diversa, caso seja aplicado um ou outro critério. (SILVA, 2002, p. 30)
Por vezes, essa confusão é feita, até mesmo dentro do Supremo Tribunal Federal, de acordo com Virgílio Afonso da Silva, ambos os conceitos - razoabilidade e proporcionalidade - não se confundem, e não há que se falar em proporcionalidade na Magna Carta de 1215. Além disso, é de se questionar até mesmo a afirmação de que a regra da razoabilidade tenha origem nesse documento. (SILVA, 2002)
Como bem salienta Willis Santiago Guerra Filho, na Inglaterra fala-se em princípio da irrazoabilidade e não em princípio da razoabilidade. E a origem concreta do princípio da irrazoabilidade, na forma como aplicada na Inglaterra, não se encontra no longínquo ano de 1215, nem em nenhum outro documento legislativo posterior, mas em decisão judicial proferida em 1948. E esse teste da irrazoabilidade, conhecido também como teste Wednesbury, implica tão somente rejeitar atos que sejam excepcionalmente irrazoáveis. Na fórmula clássica da decisão Wednesbury: "se uma decisão [...] é de tal forma irrazoável, que nenhuma autoridade razoável a tomaria, então pode a corte intervir". Percebe-se, portanto, que o teste sobre a irrazoabilidade é muito menos intenso do que os testes que a regra da proporcionalidade exige, destinando-se meramente a afastar atos absurdamente irrazoáveis.
Necessário, portanto, definir cada um dos institutos, a proporcionalidade possui três correntes diversas no que se refere a sua definição. Virgílio Afonso da Silva traz que:
A primeira delas, amplamente majoritária - e aqui seguida - adota a divisão em três sub-regras: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A segunda, adotada principalmente pelos críticos do sopesamento como método de aplicação do direito, representados principalmente por Böckenförde e Schlink, aceita somente a análise da adequação e da necessidade, excluindo o sopesamento que a análise da proporcionalidade em sentido estrito implica. Por fim, a terceira tendência costuma identificar um elemento adicional, que precede a análise da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito: a análise da legitimidade dos fins que a medida questionada pretende atingir. Essa tendência é perceptível principalmente nos autores que se ocupam com a aplicação da regra da proporcionalidade perante a Corte Européia de Direitos Humanos. (SILVA, 2002, p.34)
Partindo da premissa que a primeira corrente é a majoritária, o conceito da razoabilidade se traduz como:
A exigência de razoabilidade, baseada no devido processo legal substancial, traduz-se na exigência de "compatibilidade entre o meio empregado pelo legislador e os fins visados, bem como a aferição da legitimidade dos fins". Barroso chama a primeira exigência - compatibilidade entre meio e fim - de razoabilidade interna, e a segunda - legitimidade dos fins -, de razoabilidade externa. Essa configuração da regra da razoabilidade faz com que fique nítida sua não-identidade com a regra da proporcionalidade. O motivo é bastante simples: o conceito de razoabilidade, na forma como exposto, corresponde apenas à primeira das três sub-regras da proporcionalidade, isto é, apenas à exigência de adequação. A regra da proporcionalidade é, portanto, mais ampla do que a regra da razoabilidade, pois não se esgota no exame da compatibilidade entre meios e fins, conforme ficará claro mais adiante. (SILVA, 2002, p.35)
Portanto, se a razoabilidade é apenas a exigência da adequação, é necessário apenas que o poder judiciário verifique no âmbito das discriminações no ambiente laboral se a conduta foi ou não adequada. Mas como esclarecido acima, a maioria confunde os dois institutos.
Exemplo disso, em uma decisão o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Alexandre Agra Belmonte, em sua fundamentação confundiu a razoabilidade com proporcionalidade. "Observa que essa liberdade pode sofrer restrições na relação de trabalho, desde que se levem em conta três critérios: a necessidade da regra imposta, a adequação dessa regra e a proporção em que ela é imposta. O principal critério é que a liberdade de pensamento e expressão do empregado não pode atentar contra a finalidade principal da empresa, explica. Para, além disso, é livre e protegida contra qualquer regulação abusiva."
Após analisar o conceito de razoabilidade e sua distinção com a proporcionalidade, se faz uma análise da aplicação daquela nas relações de emprego, bem como se o fator de discrímen é ou não adequado. Então, qual o limite da discriminação?
Como já dito, o princípio da isonomia cuida de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, como trouxe Aristóteles. Se houver um fator de discriminação, conhecido como discrímen, deve ser razoável. A palavra “discrímen” significa discriminação, que significa “separar”, “excluir” ou “desigualar”.
O discrímen é trazido por Celso Antônio Bandeira de Mello, que estabelece exemplos de discrímen que não fere o princípio da isonomia no seu aspecto material. O primeiro, um concurso público somente para negros, para que o Estado possa estudar as práticas esportivas mais adequadas, exercícios físicos e doenças da raça negra, mediante fornecimento de material sanguíneo, testes físicos, etc por parte dos aprovados. O segundo, um concurso público para “guardas de honra”, com exigência, no edital do concurso, de altura mínima de 1,80m para inscrição, e sexo masculino. Os candidatos aprovados serão guardas do Executivo, em cerimônias militares oficiais, os “guardas de honra”. (MELLO, 2001)
Nos exemplos, o fato discriminador é razoável, já que se discrimina pela cor de pele porque as doenças a serem estudadas têm a ver com a cor de pele. De nada adiantaria ao Estado a inscrição e aprovação de um indivíduo da raça branca. No outro caso, a altura é fator discriminante (discrímen) porque é necessária à função dos guardas palacianos (dragões da independência), mormente por causa da guarda das muradas. A compleição física e a força, para este cargo, também autorizam a discriminação em face do sexo feminino. (PIRES, 2013)
No que tange a beleza na contratação, a CF/88 traz, em seu artigo 7º, XXX: “Proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.
Já a CLT em seu art. 373-A, CLT, introduzido pela Lei nº 9.799/99, proíbe a discriminação na hora da contratação trabalhista. In verbis:
Art. 373-A – Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:
I – publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir;
II – recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível;
III – considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional;
IV – exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego;
V – impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez;
VI – proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias.
Parágrafo único – O disposto neste artigo não obsta a adoção de medidas temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mulheres, em particular as que se destinam a corrigir as distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais de trabalho da mulher.
De acordo com Antônio Pires, o caso da beleza se encaixa no inciso I supra, e este mesmo inciso I prevê a exceção: “salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir”. Ora, é óbvio que a natureza da profissão de modelo, por exemplo, exige mulheres altas e bonitas. Bonitas segundo o padrão estético brasileiro, o qual certamente é diferente do africano. Mas não vamos discutir, aqui, o padrão estético nem o gosto das pessoas. No Brasil, é fato, temos um conceito mediano do que sejam mulheres bonitas, e estas mulheres são aquelas exigidas para a profissão de modelo. O fator estético, aqui, é essencial, sendo o discrímen, na hora da contratação para a profissão de modelo, razoável.
Ele ainda complementa que, o que não pode ocorrer, em absoluto, é um anúncio solicitando apenas homens para o cargo de diretor de uma empresa ou apenas advogados do sexo masculino para concorrer a uma vaga num escritório de advocacia. A beleza, aqui, nada teria a ver com o cargo. O discrímen seria ilógico. O mesmo se diga de editais de concursos públicos com limite de idade máxima de 45 anos para inscrição. O STF, apreciando esta questão, editou a Súmula nº 683, que tem a seguinte dicção: “O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.
O STF permite que exista a discriminação por idade, contudo somente quando presente a razoabilidade. Deve haver uma ligação de essencialidade entre o discrímen e o fato. Por óbvio, não pareceria razoável a contratação de pessoas idosas, com mais de 70 anos de idade, para a profissão de lixeiro ou carteiro, as quais exigem grande esforço físico diário.
Antônio Pires ainda comenta acerca da discriminação:
E na prática? Existe discriminação? Sim. Existe. Contra mulheres, que muitas vezes recebem salários menores do que os dos homens, homossexuais, transexuais, pessoas com AIDS, negros, índios, ateus, estrangeiros, pobres, pessoas com deficiência e por aí vai. Cabe à sociedade, incentivada pela mídia, tribunais, família, ações afirmativas por parte do Estado, enfim, incentivada por todos, estimular o não preconceito, o não racismo e o não sexismo. Deve-se incitar e encorajar a busca da dignidade da pessoa humana no trabalho, até mesmo porque o trabalho, como quer o texto constitucional, deve ter uma valor social, que impacta e afeta de modo positivo e construtivo toda a sociedade. (PIRES, 2013)
Como dito por tudo o trabalho, a discriminação é possível somente quando analisado o caso concreto. Havendo liame lógico e razoável entre a discriminação (discrímen) e o fato (trabalho a ser desenvolvido), pode-se discriminar, e esta não será abusiva.
Para muitas pessoas, na verdade, feio não é o que revela a aparência exterior, pois não ligam para a beleza, mas estas pessoas se importam isto sim, com a falta de caráter, corrupção, desonestidade, desonra depravação moral, falta de princípios, maldade, malícia, preguiça, avareza, inveja, mau humor e todo tipo de perversidades e feiura que comumente atentam contra o bem e a beleza interior. (PIRES, 2013)
Na prática, entretanto, nem sempre esses critérios são respeitados, tanto por patrões quanto por empregados. E a discussão sobre os limites chega à Justiça do Trabalho, que tem de decidi-los com base em critérios objetivos. Não há análise da razoabilidade nas condutas o que acaba ocasionando dano moral ou não, a depender do caso concreto.
5. CONCLUSÃO
A razoabilidade será o instrumento hábil para estabelecer se a discriminação é ou não possível, por isso se faz necessário que os empregadores e a própria justiça do trabalho faça o uso desta no momento de discriminar ou analisar a possibilidade de um dano moral.
É necessário ressaltar que não existe previsão do que é ou não discriminatório pelo ordenamento jurídico, acobertando todas as hipóteses possíveis. Isso ocorre porque além das discriminações serem infinitas, o que irá dizer se a conduta é ou não discriminatória, é o caso concreto, ou seja, não há como pré-estabelecer que se um fator estético for violado, será uma discriminação proibida.
Valem lembrar que na prática existem diversas discriminações que não se pautam em razoabilidade alguma, contra mulheres, pessoas portadoras de doenças, pretos, índios, obesos e etc. A sociedade, a própria família e o estado com ações afirmativas e políticas públicas, devem orientar pelo fim da discriminação sem razão. É necessário incitar cada vez mais a busca pela dignidade da pessoa humana dentro do ambiente laboral, já que o trabalho deve ter um valor social, sendo até mesmo um fundamento da República Federativa do Brasil.
Em virtude dos fatos mencionados, conclui-se que esse trabalho serviu para retirar a ideia que tem construído nos últimos anos com a banalização do dano moral. A razoabilidade deve estar presente no momento da discriminação sempre, para que seja esta legítima.
REFERÊNCIAS
BARROS, Alice Monteiro de. Discriminação no emprego por motivo de sexo. In: Discriminação. Coorrs. Márcio Túlio Viana e Luiz Otávio Linhares Renault. São Paulo: Ltr, 2000.
CAIRO JÚNIOR, José. Curso de Direito do Trabalho. 8.ed. Salvador: Jus Podivm, 2013.
JUSBRASIL. Jusbrasil notícia e jurisprudência. Disponível em <http: www.jusbrasil.com.br>
LIMA, Francisco Gérson Marque de. Igualdade de tratamento nas relações de trabalho. São Paulo: Malheiros, 1997.
MARQUES, Christiani. O contrato de trabalho e a discriminação estética. São Paulo: Ltr, 2002.
MELLO, Celso Antônio Bandeira Mello. Princípio da isonomia: desequiparação proibidas e desequiparações permitidas. In Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiro.
____________. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 2. ed. São Paulo: Revista do Tribunais, 1984.
MIRANDA, Jorge. Direitos fundamentais e interpretação constitucional. In: Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Porto Alegre: a.9, n.30: 21-34, 1998.
PIRES, Antonio. Gente feia, gente bonita. Disponível em: < atualidadesdodireito.com.br/antoniopires/2013/03/30/gente-feia-gente-bonita/> Acesso em: 14 de outubro de 2015.
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Sobre o estado brasileiro e as reformas propostas. In: Constituição e trabalho. Coord. Manoel Jorge e Silva neto. São Paulo: Ltr, 1998.
______________. Ação afirmativa – o conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. In Revista de Informação Legislativa. Brasília : a. 33: 283-295, n.131, julho/setembro de 1996.
SCHILDER, Paul. A imagem do corpo: as energias man, 3. ed. Construtivas da psique. Radução Rosane Wertman. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
SONES, MICHAEL. Human Beauty. Outubro de 2000. Disponível em: <http://www.beautyworlds,com/. Acesso em: outubro de 2015.
TEIXEIRA, Sergio Torres. Proteção à relação de emprego. São Paulo: Ltr, 1998.
WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Tradução de Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
[1] É válido ressaltar que a lei 11.644 de 10 de março 2008, acrescentou a CLT, o artigo 442-A que estabelece que “para fins de contratação, o empregador não exigirá do candidato a emprego comprovação de experiência prévia por tempo superior a 6 (seis) meses no mesmo tipo de atividade.”
Advogada. Pós-graduada em Direito do Estado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Jamille Coutinho. A razoabilidade nas relações de emprego e suas implicações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jul 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47125/a-razoabilidade-nas-relacoes-de-emprego-e-suas-implicacoes. Acesso em: 23 dez 2024.
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