RESUMO: O estudo da responsabilidade é de grande complexidade, em razão das diversas correntes defendidas pela doutrina e jurisprudência. Um dos grandes debates se refere à possibilidade de inclusão das multas pessoais no passivo a ser transferido aos sucessores tributário. O Superior Tribunal de Justiça entende pela possibilidade, enquanto o Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência em sentido oposto. Assim, o objetivo do presente trabalho é analisar a divergência existente e apontar a corrente que melhor se adequa ao ordenamento jurídico pátrio.
PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Tributária. Transferência. Multas Tributárias. Passivo. Sucessor.
1 INTRODUÇÃO
As regras da responsabilidade dos sucessores aplicam-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data, conforme o art. 129, CTN[1].
Considera-se responsabilidade do sucessor a que ocorre em virtude do desligamento posterior do devedor original da obrigação tributária. Destarte, a obrigação se transfere para outro devedor em virtude do “desaparecimento” do devedor inicial[2]
Nesse viés, são compreendidos nessa espécie os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogando-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação. Outrossim, no caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço (art. 130, CTN)[3].
Diante disso, verifica-se que esse dispositivo somente tem aplicação na aquisição de bens imóveis. Daí decorre que a sub-rogação verificada na aquisição de bens imóveis será pessoal, e considerando-se que as obrigações tributárias acompanham os imóveis, ou seja, propter rem, o adquirente do imóvel passa a ser o responsável pelos débitos tributários vinculados ao bem.
Em que pese a norma tratar expressamente da ocorrência de sub-rogação, a parte final estipula duas ressalvas. A primeira, corresponde à situação em que exista no título a prova de sua quitação; já a segunda, disposta no parágrafo único, diz respeito à hipótese de ter sido o imóvel arrematado em hasta pública, pois os débitos existentes devem ser quitados com o resultado da arrematação.
Já os incisos do art. 131 trazem os responsáveis pessoalmente pelo débito tributário. Muito embora não haja disposição expressa, é pacífico que o inciso I do artigo supracitado trata aquisição de bens móveis. Além disso, são inaplicáveis as exceções previstas no art. 130, CTN, entretanto, o STJ já decidiu pela aplicabilidade das exceções conforme as peculiaridades dos casos concretos[4].
De outro lado, os incisos II e III versam sobre a sucessão causa mortis, ou seja, em caso de falecimento do contribuinte – proprietário – ocorrerá a transmissão dos bens. De maneira simplificada, em havendo morte do titular dos bens, a sucessão será tanto do ativo quanto do passivo, daí nasce a possibilidade de responsabilidade tributária do sucessor.
2 DA INCLUSÃO DA PENALIDADES NO PASSIVO TRANSFERIDO NA SUCESSÃO
Deve-se destacar a divergência existente entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça no tocante à inclusão ou não das penalidades no passivo transferido ao sucessor. O art. 131 do CTN apenas versa sobre o repasse exclusivo da responsabilidade de tributo, incluindo-se juros e correção monetária, sendo omisso em relação às penalidades.
Por uma interpretação literal, conclui-se que as penalidades não seriam transferidas ao sucessor e, consequentemente, seriam extintas juntamente com a morte do contribuinte originário. Nesse sentido é o entendimento no STF[5]:
MULTA. TRIBUTO. RESPONSABILIDADE DO ESPÓLIO. Na responsabilidade tributária do espólio, não se compreende a multa imposta ao de cujus. Tributo não se confunde com multa, vez que estranha àquele a natureza de sanção presente nesta.
Entretanto, há entendimento em sentido contrário, informando que apesar da omissão do art. 131, no que diz respeito à multa, deverá, sim, ocorrer sua transferência ao sucessor, atingindo o espólio. Nessa linha posiciona-se o STJ[6]:
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. SUCESSÃO. MULTA. 1. Responde o espólio pelos créditos tributários, inclusive multas, até a abertura da sucessão. 2. Aplica-se a multa em razão de tributo não recolhido e regularmente inscrito na dívida ativa antes do falecimento do devedor. 3. Recurso especial provido.
A razão dessa linha de pensamento é que a palavra “patrimônio” abrange um conjunto de bens, direitos e obrigações. Assim, o sucessor não pode receber os bônus (bens e direitos) sem arcar assumir os respectivos ônus (obrigações – entre elas as multas) que compõem o patrimônio transferido (ALEXANDRE, 2015, p. 324).
Como reforço argumentativo, há que fazer citação à recente Súmula 554 do STJ, editada no âmbito da Primeira Seção, julgado em 9/12/2015, que dispõe que:
Com efeito, em um dos julgados que serviram de base para o supracitado enunciado sumular, decidiu a Egrégia Corte da Cidade que:
Os arts. 132 e 133, do CTN, impõem ao sucessor a responsabilidade integral, tanto pelos eventuais tributos devidos quanto pela multa decorrente, seja ela de caráter moratório ou punitivo. A multa aplicada antes da sucessão se incorpora ao patrimônio do contribuinte, podendo ser exigida do sucessor, sendo que, em qualquer hipótese, o sucedido permanece como responsável. É devida, pois, a multa, sem se fazer distinção se é de caráter moratório ou punitivo; é ela imposição decorrente do não-pagamento do tributo na época do vencimento. (REsp n. 592.007/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ de 22/3/2004)
Assim, pode-se observar que a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça acaba por conferir tratamento especial ao crédito tributário, favorecendo a Fazenda Pública. Tudo isso porque não há distinção no Código Tributário Nacional entre as multas de caráter moratório ou punitivo para fins de transferência ao sucessor tributário.
3 CONCLUSÃO
Portanto, após todas as ideias até aqui expostas, conclui-se que a temática relacionada à possibilidade ou não de inclusão das multas tributárias no passivo a ser transferido na sucessão tributária merece muita atenção. Isso porque, há divergência entre os entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
De um lado, a Suprema Corte possui jurisprudência favorável aos contribuintes, tomando por base a interpretação de que a análise de um texto normativo, notadamente no âmbito tributário, não pode gerar cobrança não prevista expressamente em lei.
Enquanto de outro, a Corte Superior de Justiça entende que, por não haver distinção no Código Tributário Nacional sobre a matéria, incluindo a multa em seu caráter amplo, não cabe ao intérprete realizar tratamento diferente onde a lei não prevê.
De mais a mais, por se tratar de entendimento mais benéfico à Fazenda Pública, já que tutela o crédito tributário, que, consequentemente, será direcionado à consecução das políticas públicas e funcionamento da máquina estatal, a corrente que se mostra mais consentânea com o ordenamento pátrio é a adotada pelo STJ, ou seja, deverá, sim, haver a inclusão das multas tributárias no passivo a ser transferido aos sucessores, independente da sua natureza jurídica.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 9. ed. São Paulo: Método, 2015.
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
[1] Art. 129. O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data.
[2] SABBAG, Manual de direito tributário, 2013, pág. 727.
[3] Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.
Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.
[4] “O credor que arremata veículo em relação ao qual pendia débito de IPVA não responde pelo tributo em atraso. O crédito proveniente do IPVA sub-roga-se no preço pago pelo arrematante”. REsp 905.208/SP, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, 3.ª T., julgado em 18/10/2007, DJ 31/10/2007, p. 332.
[5] RE 95.213-6/SP, 2.ª T., rel. Min. Décio Miranda, j. 11-05-1984.
[6] REsp 86.149/RS, 2ª T., rel. Min. Castro Meira, j. 19-08-2004.
Advogado com experiência em Direito Público. Graduado em Direito pela Universidade Tiradentes - UNIT
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Ticiano Marcel de Andrade. Apontamentos sobre a divergência entre o STF e STJ acerca da transferência das multas pessoais na sucessão tributária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jul 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47127/apontamentos-sobre-a-divergencia-entre-o-stf-e-stj-acerca-da-transferencia-das-multas-pessoais-na-sucessao-tributaria. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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