RESUMO: Trata-se de uma análise jurisprudencial e interpretativa acerca dos fatores de descriminação utilizados no âmbito dos concursos público e analisa se existe legitimidade em certas diferenciações. Busca desmitificar que não podem existir descriminações e que elas sempre agridem o princípio da igualdade, na verdade mostra o presente trabalho que a depender do caso concreto, da natureza e atribuições do cargo ou emprego público é possível descriminar. O motivo dessa escolha foi aprofundar o conhecimento e entender os motivos de certas descriminações serem permitidos pelas Cortes Superiores e outros não.
Palavras-chave: Concurso público; descriminação; princípio da igualdade.
1. INTRODUÇÃO
Com a evolução das Constituições, o concurso público vem sendo uma ferramenta dentro do direito administrativo que garante de forma concreta princípios constitucionais e, além disso, respeita os valores éticos que devem ser apoiados na prestação de serviços públicos.
E com as crescentes publicações de editais, ei que algumas vezes surgem situações que descriminam pessoas, em aspectos de idade, peso, sexo, condições físicas, resta saber se tais casos se afiguram ou não legítimos. O presente trabalho vem justamente para analisar tais situações, e pontuar em quais há ofensa ao preceito constitucional da isonomia.
Inicialmente abordará a história e o conceito de concurso público no Brasil, fazendo um comparativo e analisando a evolução história do certame público, e com isso, entender quais são seus conceitos para a doutrina e suas vantagens para a Administração Pública.
Depois entrará na seara principal da controvérsia analisando a discriminação nos concursos públicos no Brasil, trazendo à baila os principais conceitos e os principais fatores de discrímen que já chegaram à análise da jurisprudência, fazendo uma comparação entre elas.
Infere-se que será uma análise importante sobre os concursos públicos e a razoabilidade trazida por seus editais.
2. A HISTÓRIA E O CONCEITO DO CONCURSO PÚBLICO NO BRASIL
O concurso público é um instituto previsto no artigo 37, inciso II, da Constituição Federal de 1988, que tem como função primordial garantir uma Administração Pública transparente, que respeita princípios como a impessoalidade, igualdade e a isonomia.
Busca a seleção dos candidatos mais capacitados a ingressar nos cargos e empregos públicos, e com isso garantir uma maior eficiência nos serviços públicos. De acordo com José dos Santos Carvalho Filho:
Concurso Público é o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas. Na aferição pessoal, o Estado verifica a capacidade intelectual, física e psíquica de interessados em ocupar funções públicas e no aspecto seletivo são escolhidos aqueles que ultrapassam as barreiras opostas no procedimento, obedecidas sempre à ordem de classificação. Cuida-se, na verdade, do mais idôneo meio de recrutamento de servidores públicos. (CARVALHO FILHO, 2001, p.472)
Já Moreira Neto, conceitua tal instituto tendo por base o princípio da igualdade e isonomia:
O concurso, formalmente, considerado, vem a ser procedimento administrativo declarativo de habilitação à investidura, que obedece a um edital ao qual se vinculam todos os atos posteriores. O edital não poderá criar outras condições que não as que se encontram em lei.(MOREIRA NETO, 1994, 202-203)
Em relação ao histórico desse instituto Luciana Costa Aglantzakis explica que:
O espírito histórico da necessidade do Concurso Público para provimento de cargos e funções públicas tem suas raízes históricas no século XIX., quando a Administração Pública , ou melhor, construção ou reconstrução da Administração Pública , constitui um outro momento fundamental do programa constitucional revolucionário. Tratava-se de uma reação contra a hereditariedade e venalidade dos cargos públicos e da afirmação do princípio de acesso aos cargos públicos segundo a capacidade dos indivíduos e sem outra distinção que não fossem as virtudes e talentos do indivíduo. Esse momento histórico é retratado pelo constitucionalista português CANOTILHO(1999:119), acrescentando, ainda, que os códigos civis Napoleônico( 1807) e o Português( 1867) “afirmavam desde já o princípio da igualdade nas relações jurídicas civis e que essa tendência seria fundamental para influenciar a legislação administrativa”. (AGLANTZAKIS, 2003)
Complementa a citada autora que o instituto do Concurso Público coincide com o surgimento do Estado de Direito, foram realizados na mesma época. Celso Bastos ensina que o primeiro período de vida da organização estatal apresentava como característica fundamental a concentração do poder nas mãos do monarca, era o chamado “Estado de Polícia ou Absoluto”. Nesse período não existia a carreira administrativa, nem garantias constituídas em favor daqueles que desempenhavam a função pública, cuja nomeação, permanência e dispensa dependia exclusivamente da vontade do monarca.
Ensina ainda Luciana Costa, que a função pública tinha características muito diversas. Era exercida por pessoas presas por laços de fidelidade muito forte ao monarca. De outra parte, os agentes exerciam suas funções de maneira ilimitada, o que acabava por fazer deles verdadeiros proprietários do cargo que ocupavam e do qual podiam usufruir livremente.
Ao Estado de Polícia, Celso Bastos diz que e sucedeu o Estado de Direito, que se caracteriza como o nome evidencia, pelo fato de submeter-se ao direito, entendido como algo acima de governantes e governados. Essa evolução, que se deu muito lentamente durante o século XIX, esboça o que hoje constitui a carreira administrativa. Nesse processo reconheceram-se certos direitos, próprios dos agentes públicos, assim como se delineou o sistema disciplinar a que deveriam submeter-se. (BASTOS, 1994)
Já relação ao histórico do concurso público nas Constituições brasileiras:
A Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, outorgada pelo imperador D. Pedro I, não tratou sobre o tema concurso público, tendo feito apenas vaga referência no seu Título VIII – que versa das disposições gerais e das garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros – art. 179, inciso 14 “que todo cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis, políticos ou militares, sem outra diferença que não seja a de seus talentos e virtudes”. A primeira Constituição Republicana, de 24 de fevereiro de 1891, também não previu em seus artigos nenhuma disposição acerca de concurso público. Citamos, entretanto, o seu artigo 73, que dispôs: “os cargos públicos civis ou militares são acessíveis a todos os brasileiros, observadas as condições de capacidade especial que a lei estatuir”. No artigo 79 havia proibição de acumulação de cargos públicos entre Poderes distintos e eram vedadas cumulações remuneradas. A Constituição de 1934 foi a primeira constituição brasileira a dispor sobre a previsão da acessibilidade dos cargos públicos por meio de concurso público. O seu artigo 168 e 170, rezavam em síntese que “sem distinção de sexo ou estado civil, observadas as condições que a lei estatuir” era prevista a acessibilidade, sendo o concurso público “a primeira investidura nos postos de carreira das repartições administrativas, e nos demais que a lei determinar(...)” .Dentre outras considerações , foi possível nessa Carta apenas Concurso aberto ao público na primeira investidura, a possibilidade de concurso interno, liberdade ao legislativo na escolha de quais cargos de carreira poderia haver concurso, estabilidade do servidor (após dois anos no serviço público, para os nomeados em virtude de concurso de provas; e , após dez anos de efetivo exercício, os demais servidores, art. 169), proibição de acumulação remunerada de cargos públicos, sejam eles ocupados na União, nos Estados ou Municípios. As Constituições de 10 de novembro de 1937 e 18 de setembro de 1946 praticamente acolheram a redação da Constituição de 1934. Inobstante, ficou vedada, na CF/46, a estabilidade aos cargos de confiança, e aos ocupantes de cargos que a lei declarasse de livre nomeação e exoneração. A Constituição de 24 de janeiro de 1967 estabelece, em seu art. 95, parágrafo primeiro, que “ a nomeação para cargo público de provas ou de provas e títulos exige aprovação prévia em concurso público”. Já o seu art. 95, prescreve que “prescinde de concurso a nomeação para cargos em comissão, declarados em lei, de livre nomeação e exoneração”. A previsão da proibição de acumulação de cargos remunerados acabou para os aposentados, quanto ao exercício de mandato eletivo, cargo em comissão ou prestação de serviços técnicos e especializados.[...] Saliente-se que até essa Constituição não se exigia concurso público para admissão nos empregos públicos e nem nas funções técnicas ou científicas, e os servidores celetistas não tinham direito à estabilidade. A Emenda Constitucional n° 1 de 17 de outubro de 1969, no seu artigo 97 voltou a exigir que somente a primeira investidura em cargo público dependerá de aprovação prévia, em concurso de provas ou de provas e títulos, salvo os casos indicados em lei. A Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, foi a que trouxe mais inovações acerca do tema, até porque foi considerada a Constituição cidadã e a mais democrática das constituições históricas brasileiras. (AGLANTZAKIS, 2003)
Dessa forma, observa-se que a Constituição Federal de 1988 trouxe tal instituto de forma sólida, exigindo para a maioria dos cargos e empregos públicos. Dirley da Cunha Júnior explica que, diferente da Constituição Federal de 1967 que exigia o concurso público apenas para a primeira investidura em cargo público, a Constituição Federal de 1988 instituiu o concurso público como forma de acesso aos cargos e empregos públicos, independentemente de ser a primeira investidura ou não, ressalvada, neste caso, a hipóteses de promoção na mesma carreira. (CUNHA JÚNIOR, 2010)
Proibiu-se com a Constituição de 1988 a chamada ascensão funcional, que era a maneira de ingressar numa carreira, mesmo sem ter passado no concurso público específico para ela. Foi uma importante evolução para o direito, justamente porque se evita com a proibição, possíveis ilegalidades e a progressão de pessoas sem a menor capacidade para as atribuições do cargo.
Ainda de acordo com Dirley da Cunha Júnior:
A exigência do concurso público para o acesso aos cargos e empregos públicos reveste-se de caráter ético e moralizador, e visa assegurar a igualdade, impessoalidade e o mérito dos candidatos. Dessa forma, tal exigência só pode ser excepcionada nas restritas hipóteses previstas pela própria Constituição Federal, uma vez que, segundo a súmula n? 685, do STF, “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.” (CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 287)
Diante do exposto, conclui-se que as evoluções do Estado de Direito foram responsáveis pela mudança do cenário constitucional do concurso público no Brasil, na verdade, com a efetivação do concurso público para cargos e empregos públicos é assegurado a cumprimento dos princípios da Administração Pública bem como uma melhor prestação dos serviços públicos.
3. ESTÉTICA E DISCRIMINAÇÃO
3.1 Conceito de estética
De acordo com o Dicionário Aurélio “estética: sf. Estudo das condições e dos efeitos da criação artística.” (FERREIRA, 1993, p.230). Já o dicionário jurídico traz que estética na linguagem filosófica, é a ciência que tem por objeto o juízo de apreciação, determinante do belo nas produções artísticas. Trata-se da ciência do belo ou da filosofia da arte.
Cândido de Figueiredo em seu dicionário também traz o conceito de estética vinculado ao belo “Estética, f. Filosofia das belas-artes. Ciência que determina o caráter do belo nas produções naturais e artísticas. (FIGUEIREDO, 1947, p.2378)
Juarez Moraes Avelar traz que:
A palavra estética, etimologicamente, provida do grego aisthetiké, significa ‘compreensão pelos sentidos’, capacidade de sentir. Portanto, a dimensão estética penetra em nossos sentidos, enquanto conhecimento, e, em nossos sentimentos, como forma de gerar sensações agradáveis ou não. E, no momento em que o homem adquire pelos sentidos a compreensão das suas diferenças corporais com o semelhante, surge o desconforto, o desequilíbrio emocional e uma exigência íntima de eliminá-las, porquanto processou-se subjetivamente um juízo de valor estético. A consequente perda da auto-estima gera a desesperança, a autopiedade, o ressentimento, a inversão, a timidez, o medo, a inveja e a revolta. (AVELAR, 2000, p. 172)
Faz-se importante dentro da compreensão de estética diferenciar os conceitos de beleza, belo e feio, já que, a estética está associada a essas três expressões. Ressalte-se a dificuldade de se conceituar tais institutos, são todos subjetivos e se modificam com o passar do tempo e com as tendências dentro de uma sociedade.
Para Hegel, o belo é um conceito objetivamente determinável e racionalmente reconhecido. Se hoje tal concepção nos parece inviável, no século XVIII já possuía fortes objeções. Ou melhor, nesta época, segundo Gérard Bras, já se percebia a recusa em aceitar pressupostos acadêmicos absolutos que regulariam os princípios segundo os quais as obras de arte deveriam ser edificadas. A busca por tais pressupostos tinha como base o pensamento de Aristóteles, que em sua Poética pretendia postular a elaboração das obras de arte segundo o princípio racional do belo. Contra tal objetividade racional do belo surge a “estética do sentimento”, segundo a qual, tal categoria estaria fundada no gosto e, portanto, subjetivamente. Isto é, ante a multiplicidade de coisas belas que nos tocam e nos sensibilizam, torna-se impraticável uma regulação dos princípios artísticos. (FERREIRA, 2011)
No que tange ao feio, pensar sobre ele é um exercício mental que confronta o que antes a mente humana já definiu como belo. Ou seja, definir o feio ainda está muito interligado ao que inicialmente se entende por bonito. E foi assim que surgiu a concepção de feio, de dentro da criação divina, daquele que deu as costas à Deus: o diabo. Vilém Flusser escreveu sobre o negativo da figura do diabo: “Nós, os ocidentais, somos produtos de uma tradição oficial que pinta o diabo em cores negativas, a saber, como o opositor de Deus”. (FLUSSER, 1965, p.16).
Já a beleza, é um conceito que relaciona com a atração relativa dos seres humanos influencia o que as pessoas pensam a respeito uma das outras, autor ressalta alguns benefícios de pessoas consideradas atraentes tais como: seus parceiros se sentem mais atraídos e elas são consideradas mais inteligente e sociáveis. Existe uma teoria da existência da beleza que está baseada na teoria da evolução biológica e psicológica em que a beleza tem o simples propósito de atrair o outro para a reprodução. (SONES, 2000)
Juarez Moraes Avelar expõe que, desde a vida intrauterina, o cérebro capta impressões do mundo exterior “desde a infância, o ser humano aprende a conceituar como belo tudo que é similar às imagens das pessoas do grupo familiar, impregnadas desde cedo em sua mente”. (AVELAR, 2000)
Conclui-se que a conceituação de estética varia conforme a época, a civilização, o emprego de imagens para a criação do mito de beleza. Hoje, a própria mídia e as redes sociais vêm interferindo de forma constante nestes conceitos, de forma que são extremamente subjetivos.
3.2 Conceito de Discriminação
O Ministério do Trabalho através do Programa Nacional de Direitos Humanos e da OIT editou “Brasil, gênero e raça”, trazendo o conceito de discriminação. “Discriminação é o nome que se dá para a conduta (ação ou omissão) que viola direito das pessoas com base em critérios injustificados e injustos tais como raça, o sexo, a idade, a opção religiosa e outros.” (PDH, p. 14)
Cândido de Figueiredo traz que discriminar é discernir, ou seja, discriminar as razões de uma teoria, separar, diferenciar, discriminar o bem e o mal. (FIGUEIREDO, 1947)
Ainda no que tange ao conceito:
Sem pertinência lógica ou preconceituosamente, para eliminar o indivíduo ou o objeto analisado mediante mero raciocínio subjetivo; distinção feita entre pessoas ou objetos, eliminando uns em benefício de outros, para satisfazer anseios e idéias preconcebidas; separação através de tirocínio sem balizamento objetivo; discernimento feito por alguém, que leva o indivíduo ou objeto distinguido à situação de inferioridade, embora, antes, fossem uns e outros iguais ou semelhantes entre si.(LIMA, 1997, p.33)
De acordo com Maria Helena Diniz, no que tange ao aspecto jurídico de discriminação:
Na linguagem jurídica em geral, indica: a) ato de separar uma coisa que está unida a outra; b)separação entre coisas, cargos, serviços, funções ou encargos iguais, similares ou diferentes; c) definição; d) limitação decorrente da individuação da coisa; e)classificação de algo, fazendo as devidas especificações; f)tratamento preferencial de alguém, prejudicando outrem. (DINIZ, 1998, p. 191)
É necessário ressaltar que a doutrina faz uma classificação no que tange a discriminação, que para alguns pode ser classificada em quatro categorias, quais sejam, negativa, positiva, direta e indireta.
Octavio Bueno e Estêvão Mallet trazem essa classificação:
A direta se verifica quando o empregador adota diretriz não admitir mulheres a seu serviço. A indireta se configura quando certos setores da economia se mostram estruturados de forma a mais favorecer o empregado dos homens. A discriminação negativa é a que resulta na recusa do trabalho de mulheres; a positiva é a que as favorece, como ocorreria com companhia de aviação que só admitisse aeromoças a seu serviço. (MAGANO; MALLET, 1993, p. 166)
Alice Monteiro de Barros classifica em direta e indireta: “A direta pressupõe um tratamento desigual fundado em razões proibidas, enquanto a discriminação indireta traduz um tratamento formalmente igual, mas que produzirá efeito diverso sobre determinados grupos.” (BARROS, p. 138, 1995)
De acordo com Christiani Marques:
A discriminação direta está relacionada com a adoção de disposições gerais que estabelecem distinções em critérios proibidos; a indireta, com situações, regulamentações aparentemente imperceptíveis, mas que criam desigualdades em relação a pessoas que têm a mesma característica. Por isso, é preciso identificar o chamado fator de discrímen, já que a legislação não impossibilita a discriminação, ‘deverá existir correlação lógica entre o fator da desequiparação e a distinção estabelecida.’ (MARQUES, 2002, p.184)
Celso Antônio Bandeira de Mello traz que:
A razão é simples, Aquilo que se há de procurar para saber se o cânone da igualdade sofrerá ou não ofensa em dada hipótese, não é o fator de desigualação[...] Em verdade, o que se tem de indagar para concluir se uma norma desatende a igualdade ou se convive bem como ela é o seguinte: se o tratamento diverso outorgado a uns for ‘justificável’ por existir uma ‘correlação lógica’ entre o ‘fator discrímen’ tomado em conta e o regramento que se lhe deu, a norma ou a conduta são incompatíveis com o princípio da igualdade; se, pelo contrário, inexistir esta relação de congruência lógica ou – o que ainda seria mais flagrante- se nem ao menos houvesse um fator de discrímen identificável, a norma ou a conduta serão incompatíveis com o princípio da igualdade. ( MELLO, 2003, p.14)
Portanto, analisado os fatores de discrímen tem se que dentro do contexto dos certames públicos, a análise se a descriminação se configura possível conforme previsão da Constituição Federal, a exemplo de porcentagem de cargos só para portadores de deficiência, negros, concursos públicos só para um determinado sexo, para determinada religião e dentre outros fatores.
O que é necessário não é apenas analisar a condição em si, mas a congruência lógica que permita que a descriminação cumpra o comando do princípio da igualdade.
3.3 Histórico
O conceito e a ideia do que seria a estética, varia conforme o tempo, o lugar e até mesmo as circunstancias. De uma maneira bem genérica, percebe-se que as transformações no mundo acontecem de maneira muito rápida. A título de exemplo, o padrão de mulher bonita no século XV a XVII era possuir formas arredondadas, com o passar do tempo esse conceito se transformou de maneira totalmente contrária e hoje as mulheres cada vez mais magras são o padrão das passarelas do mundo inteiro.
Christiani Marques (MARQUES, 2002) relata um pouco do histórico da estética. Na mitologia greco-romana, a deusa Afrodite(do grego Afros, nascida na espuma) foi a mais bela do Monte Olimpo, conhecida como Vênus, em Roma. Ela disputou o trono da mais bela do Monte Olimpo com Hera(rainha das deusas) e Atenas(deusa da justiça). O julgamento ficou a cargo de Páris, filho de Príamo de Tróia. Páris escolhe Afrodite e, como recompensa deu-lhe o coração de Helena(mortal). Em razão disso, Helena é roubada e inicia-se a Guerra de Tróia, que termina com a destruição da cidade.
Já na civilização egípcia, o contorno excessivo dos olhos e sobrancelhas, o desenho dos lábios e os pés expostos simbolizavam a beleza, interagindo corpo e mente. “Nas Olímpiadas gregas, os atletas competiam nus, exibindo sua beleza física, sendo vedada a presença das mulheres na arena por não terem capacidade para apreciar o belo”(DIAS, 2000. p. 24)
Já na idade média, o padrão estético exigia seios grandes e a barriga pequena Na china, o suposto ideal de beleza, fruto de uma cultura milenar que sobreviveu até o início do século XX, foi representado pelo enfaixamento dos pés (os pés eram enfaixados, dobrando todos os dedos, exceto o dedão, para dentro, sobre as solas. Quando havia arco no pé, colocava-se uma pedra para esmagá-lo). (MARQUES, 2002)
Andrea Dworkin observou que o enfaixamento dos pés na China tinha também uma explicação sexual. Acreditava-se que o enfaixamento dos pés alterasse a vagina, provocando “uma exaltação sobrenatural” durante o sexo. Portanto, como explicou o diplomata chinês, o “sistema realmente não era opressor”. Dworkin, porém, escreveu que a carne muitas vezes apodrecia durante o enfaixamento e que porções da sola descolava e às vezes um ou mais dedos caíam. Era a essência da atração sexual. Nenhuma menina chinesa podia suportar o ridículo de ser chamada de demônio de pés grandes e a vergonha de não poder casar. (DWORKIN, 1990)
Vera Golik traz que:
Os padrões de beleza são dinâmicos e mudam de acordo com a sociedade na qual se acham inseridos. Talvez não haja exemplo melhor que a diva Marilyn Monroe, o mito erótico por excelência do cinema norte-americano. Com pouco mais de 1,60 m, a estrela, que chocou a nação mais poderosa do mundo ao sussurrar um parabéns-pra-você ao então presidente Kennedy, seria considerada baixinha e gorducha se ficasse ao lado de Cindy Crawford, outra prima-dona da moderna beleza norte-americana. (GOLIK, 2000, p.56)
Mesmo com o tempo, a forma estética ligada ao corpo continua valorizada. No mundo contemporâneo é comum o aparecimento de doenças como a bulimia, a anorexia e tantas outras de aspecto psicológico. Engordar significa estar fora dos padrões de beleza nos tempos atuais.
Conforme ilustra novamente Vera Golik “Que loucura! No outro prato da balança, é triste ver meninas de 12,13,14 anos parando de comer, tornando-se anoréxicas não por terem algum dia subido muito o peso, mas simplesmente pelo pânico de engordar e ficar fora dos padrões.” (GOLIK, 2000, p.65)
É necessário destacar que o mercado de trabalho voltado para as agências de modelo tem provocado as doenças já citadas, que contribuem cada vez mais para o aparecimento de distúrbios mentais. Mas até onde existe o limite? As empresas podem discriminar e exigir padrões de magreza que ultrapassam a vida saudável?
A legislação portuguesa admite desigualar, para a atividade profissional ligada à moda, arte e espetáculo, através do Decreto n.392/1979. Já no Brasil, devemos utilizar a Constituição Federal e as leis em que trata das regras específicas dos concursos públicos, sabe-se que é vedada a discriminação se não houver um critério suspeito razoável.
Diante do exposto, conclui-se que apesar dos costumes em cada momento histórico serem completamente diferentes, ainda assim, a beleza e a forma física são supervalorizadas, o que muda apenas é o conceito do que é belo e do que é feio. E quem destoa de tais atributos, ou possua alguma deformidade ou limitação é visto como diferente, sendo objeto de discriminação.
4. FATORES DE DISCRÍMEN
Os fatores de discrímen são os mais variados, o que inclui raça, religião, sexo, idade, altura, conduta social, antecedentes criminais e capacidade física, ou seja, se refere a tudo aquilo que pode desnaturar a semelhança humana e o princípio da igualdade. Não é correto afirmar que diferenciações são sempre ilegítimas e muito menos o contrário, na verdade cumpre analisar o caso concreto ensejador da discriminação.
Analisando os casos que já chegaram à jurisprudência brasileira dentro dos concursos públicos, existem certos critérios que foram autorizados e outros que não foram considerados legítimos. Cumpre aduzir que na verdade, tudo é pautado não apenas no critério da legalidade estrita, mas também na situação que determinou aquela determinada seleção mais criteriosa.
Os casos que sempre tiveram grande espaço no Poder Judiciário são referentes à idade, muito comum envolver casos de membros de carreiras policiais. O Supremo Tribunal Federal (STF) editou o enunciado da súmula 683, que diz que o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, xxx, da constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.
A jurisprudência do STF reconheceu a repercussão geral do assunto, e tem decisões justamente consoantes o enunciado da súmula 683, ou seja, em regra não é legítima a diferenciação entre candidatos, salvo se a natureza das atribuições do cargo permitir. Citam-se casos que já foram apreciados pelo Supremo:
CONCURSO PÚBLICO - POLICIAL MILITAR - LIMITE DE IDADE - PRECEDENTES - AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE NA EXIGÊNCIA. Os pronunciamentos do Supremo são reiterados no sentido de não se poder erigir como critério de admissão não haver o candidato ultrapassado determinada idade, correndo à conta de exceção situações concretas em que o cargo a ser exercido engloba atividade a exigir a observância de certo limite - precedentes: Recursos Ordinários nos Mandados de Segurança nºs 21.033-8/DF, Plenário, relator ministro Carlos Velloso, Diário da Justiça de 11 de outubro de 1991, e 21.046-0/RJ, Plenário, relator ministro Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça de 14 de novembro de 1991, e Recursos Extraordinários nºs 209.714-4/RS, Plenário, relator ministro Ilmar Galvão, Diário da Justiça de 20 de março de 1998, e 217.226-1/RS, Segunda Turma, por mim relatado, Diário da Justiça de 27 de novembro de 1998. Mostra-se pouco razoável a fixação, contida em edital, de idade máxima - 28 anos -, a alcançar ambos os sexos, para ingresso como soldado policial militar. (RE 345598 AgRg/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma. DJ 19/08/2005)
EMENTA: CONCURSO PÚBLICO PARA O CARGO DE DELEGADO DE POLICIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. ACÓRDÃO QUE CONCLUIU PELA ILEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA DA IDADE MAXIMA DE 35 ANOS. ALEGADA VIOLAÇÃO AS NORMAS DOS ARTS. 7., INC. XXX, E 37, INC. I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A Constituição Federal, em face do princípio da igualdade, aplicavel ao sistema de pessoal civil, veda diferença de critérios de admissão em razão de idade, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas na Lei e aquelas em que a referida limitação constitua requisito necessário em face da natureza e das atribuições do cargo a preencher. Existência de disposição constitucional estadual que, a exemplo da federal, também veda o discrimen. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 140945/RJ, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma. DJ 22/09/1995).
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. CONCURSO PÚBLICO. LEI 7.289/1984 DO DISTRITO FEDERAL. LIMITAÇÃO DE IDADE APENAS EM EDITAL. IMPOSSIBILIDADE. A fixação do limite de idade via edital não tem o condão de suprir a exigência constitucional de que tal requisito seja estabelecido por lei. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 559823-AgRg/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe, nº 018 de 01/02/2008)
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCURSO PÚBLICO. QUADRO DE OFICIAIS DE SAÚDE DA POLÍCIA MILITAR. LIMITAÇÃO ETÁRIA. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SÚMULA 683/STF. 1. Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o limite de idade como critério para ingresso no serviço público apenas se legitima quando estritamente relacionado à natureza e às atribuições inerentes ao cargo público a ser provido. 2. No caso, as atribuições a ser desempenhadas não são propriamente aquelas típicas do serviço militar. Cuida-se de vaga relacionada à área de saúde (cargo de médico, em diversas especialidades), reclamando formação específica para o seu desempenho. Pelo que, a meu sentir, não se revela razoável ou proporcional a discriminação etária (28 anos). 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 720259-AgRg/MA, Rel. Min. Ayres Britto, Segunda Turma, DJe, nº 078 de 28/04/2011).
Outro caso analisado pelo STF referente à idade, é o ARE 678112, em que o recorrente, que tinha 40 anos à época do certame (cujo edital dispunha que o aspirante ao cargo deveria ter entre 18 e 32 anos para efetuar a matrícula em curso oferecido pela Academia de Polícia Civil de Minas Gerais) questionava decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) que, ao julgar recurso de apelação, manteve sentença que julgou improcedente Ação Declaratória de Nulidade de Ato Administrativo, na qual ele apontava a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei Estadual 5.406/69 que fixava tais limites de idade.
Segundo o ministro Fux, a decisão do TJ-MG está em consonância com a jurisprudência da Corte, razão pela qual não merece reparos. “Insta saber se é razoável ou não limitar idade para ingressar em carreira policial, a par da aprovação em testes médicos e físicos. Com efeito, o Supremo tem entendido, em casos semelhantes, que o estabelecimento de limite de idade para inscrição em concurso público apenas é legítimo quando justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”, concluiu.
Em 2013, a 2ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão, veiculada no informativo número 533, que afirmava que “não tem direito a ingressar na carreira de policial militar o candidato à vaga em concurso público que tenha ultrapassado, no momento da matrícula no curso de formação, o limite máximo de idade previsto em lei específica e em edital”. (RMS 44.127- AC)
Refere-se, portanto, a uma discriminação no tocante a limite de idade em concurso público, a jurisprudência do STJ já está pacificada no sentido de que é possível exigir-se limite de idade para o ingresso na carreira militar, desde que haja previsão em lei específica e no edital do concurso.
Dessa forma, percebe-se que tanto o STF quanto o STJ adotam o mesmo entendimento em relação à discriminação pelo fator idade, ou seja, só é possível sua discriminação quando possa ser justificado pela natureza e atribuições do cargo, o que deve ser analisado casuisticamente.
Cumpre ressaltar que a altura também é um fator de discrímen dentro dos concursos públicos e que já chegou à apreciação dos Tribunais superiores, Celso Antônio Bandeira de Mello explica que:
Sabe-se que entre as pessoas há diferenças óbvias, perceptíveis a olhos vistos, as quais, todavia, não poderiam ser, em quaisquer casos, erigidas, validamente, em critérios distintivos justificadores de tratamentos jurídicos dispares. Assim, exempli gratia, são nitidamente diferenciáveis os homens altos dos homens de baixa estatura. Poderia a lei estabelecer – em função desta desigualdade evidente – que os indivíduas altos têm direito a realizar contratos de compra e venda, sendo defeso o uso deste instituto jurídico às pessoas de amesquinhado tamanho? Por sem dúvida, qualquer intérprete, fosse ele doutor da maior suposição ou leigo de escassas luzes, responderia pela negativa. Qual a razão empecedora do discrímen, no caso excogitado, se é certo que uns e outros diferem incontestavelmente? Seria, porventura, a circunstância de que a estatura é fator, em si mesmo, inidôneo juridicamente para servir como critério de desequiparação? Ainda aqui a resposta correta, ao parecer, deverá ser negativa. (MELLO, 2003, p.13-14.)
A jurisprudência do STF analisa em relação aos casos envolvendo altura mínima de candidato, as atribuições do cargo, vejamos:
AÇÃO ANULATÓRIA – ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO – GUARDA MUNICIPAL PATRIMONIAL – TESTE DE CAPACITAÇÃO FÍSICA – ALTURA MÍNIMA – LEGALIDADE – SENTENÇA MANTIDA. A Constituição Federal permite que a lei estabeleça requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir, sendo certo que os pressupostos legais devem guardar pertinência com as funções que serão exercidas pelo servidor. Em se tratando de concurso público para o cargo de guarda municipal patrimonial, mostra-se coerente a exigência para o ingresso na carreira de altura mínima para a realização de testes de capacitação física.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. ALTURA MÍNIMA. PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA. 1. Somente lei formal pode impor condições para o preenchimento de cargos, empregos ou funções públicas. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI-AgR 627.586/BA, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe 19.12.2007)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NA CARREIRA DE DELEGADO DE POLÍCIA. ALTURA MÍNIMA. REQUISITO. RAZOABILIDADE DA EXIGÊNCIA. 1. Razoabilidade da exigência de altura mínima para ingresso na carreira de delegado de polícia, dada a natureza do cargo a ser exercido. Violação ao princípio da isonomia. Inexistência. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 140.889/MS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 15.12.2000)
Percebe-se que, da mesma forma que a altura, o comando constitucional a ser analisado é a pertinência com as funções que serão exercidas pelo servidor, ou seja, deve ser uma discriminação pautada na razoabilidade, caso contrário não se afigurará permitida constitucionalmente e ser afastada pelo Poder Judiciário.
Outro critério que já chegou a ser usado como diferenciador nos concursos públicos e que gerou muita polêmica é a raça. Celso Antônio Bandeira de Mello demonstra situações específicas que tal fator não incorreria em agressão ao princípio da igualdade:
Suponha-se hipotético concurso público para seleção de candidatos a exercícios físicos, controlados por órgão de pesquisa, que sirvam de base de cálculo e medição da especialidade esportiva mais adaptada às pessoas de raça negra. É óbvio que os indivíduos de raça branca não poderão concorrer a este certame. E nenhum agravo existirá ao princípio da isonomia na exclusão de pessoas de outras raças que não a negra. A pesquisa proposta, perfeitamente válida, justificaria a diferenciação estipulada. Para realiza-la, o Poder Público não estaria por nada obrigado a produzir equivalente estudo relativo às pessoas de raça branca, amarela, vermelha oi – se quiser transpor o exemplo a quaisquer destas últimas – a efetuá-lo com as raças não abrangidas. Pode-se, ainda, supor que grassando em certa região uma epidemia, q que se revelem resistentes os indivíduos de certa raça, a lei estabeleça que só poderão candidatar-se a cargos públicos de enfermeiro, naquela área, os indivíduos pertencentes à raça refratária à contratação da doença que se queira debelar. É obvio, do mesmo modo, que, ainda aqui, as pessoas terão sido discriminadas em razão da raça, sem, todavia, ocorrer, por tal circunstância, qualquer hostilidade ao preceito igualitário que a Lei Magna desejou prestigiar. (MELLO, 2003, p. 16)
Uma situação real ocorreu no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, que pertence ao Poder Público, foi realizado um processo seletivo para a participação somente de negros, isso porque a peça teatral que seria realizada era referente a história de Zumbi dos Palmares, ou seja, a situação justificaria a discriminação, sem que isso fosse uma afronta ao princípio da isonomia.
Outro fator que comumente chega à jurisprudência é a de pessoas que possuem inquéritos policiais ou ações penais em curso, no momento de apresentar requisitos de boa conduta social, na fase de investigação social do certame.
A maioria das decisões proferidas no âmbito dos tribunais superiores é que pela presunção de inocência e pela isonomia perante os outros candidatos, tal situação, sem trânsito em julgado, não merece ser considerada para exclusão do candidato do certame, ou seja, não seria um critério de eliminação.
Porém, como tudo depende do caso concreto, o STJ no ano de 2013 entendeu pela eliminação do candidato ao certame O fundamento foi que em caso de cargos públicos de maior envergadura, em que os ocupantes agem stricto sensu em nome do Estado, é possível a eliminação do candidato que responde a processo penal acusado de crimes graves, mesmo que ainda não tenha havido trânsito em julgado.
Segundo o Min. Ari Pargendler, o “acesso ao Cargo de Delegado de Polícia de alguém que responde ação penal pela prática dos crimes de formação de quadrilha e de corrupção ativa compromete uma das mais importantes instituições do Estado, e não pode ser tolerado.” (STJ. 1ª Turma. RMS 43.172/MT, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 12/11/2013).
O STF possui diversos acórdãos afirmando que “viola o princípio da presunção de inocência a exclusão de certame público de candidato que responda a inquérito policial ou ação penal sem trânsito em julgado da sentença condenatória.” (STF. 1ª Turma. AI 829186 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 23/04/2013). No entanto, na analise do que é ou não razoável, deve sempre analisar o caso concreto.
Outra situação muito polêmica é o sexo, com as diversas normas constitucionais afirmando a igualdade entre homens e mulheres, numa análise rápida, poderia afirmar que não é possível que um concurso público faça tal diferenciação. Entretanto, existem casos que a diferenciação é permitida e não gera violação alguma ao princípio da igualdade.
O STF já invalidou o edital da Polícia Militar do Mato Grosso Do Sul, que não permitia mulheres participarem do certame, De acordo com o RE 528684:
No presente caso, no entanto, não há qualquer fundamento plausível à exceção ao princípio da isonomia. Sem dúvida, não pode haver distinção, em face da isonomia, dos direitos de homem e mulher, embora, pela própria natureza, certas atividades sejam próprias para o homem ou mais recomendadas para a mulher. O acesso é facultado às carreiras militares. Hoje, fica à deliberação do Estado, naquele concurso, precisar de pessoas para atividades recomendadas para homem e não para mulher. Em sendo assim, não vejo que a simples distinção, em si mesma, possa afrontar o princípio da isonomia.
De acordo com os autores PIEROTH e SCHLINK:
A aptidão e a necessidade de um tratamento desigual para se conseguir um fim legítimo têm de poder ser fundamentadas, sem que a diferença entre homem e mulher ou as marcas distintivas constantes do art. 3º, n. 3, tenham importância como critérios. Se uma tal fundamentação não for bem-sucedida, o tratamento desigual fracassa no art. 3º; no entanto, se for bem-sucedida, então ela subsiste em face do art. 3º, mesmo quando conduza a um tratamento jurídico diferente de, por um lado, homens e, por outro lado, mulheres, de pessoas de diferente língua ou origem, de diferente convicção religiosa ou ideológica. ‘Diferenciações que assentam em outras diferenças da pessoa ou em diferenças de circunstâncias da vida não são tocadas pela proibição da diferenciação’.” (PIEROTH;SCHLINK, 2012, p. 216).
No caso do Recurso Extraordinário 528684 que invalidou o concurso da PM-MS, o edital não apresentava justificativa nem fundamenta a motivação utilizada para o estabelecimento da diferenciação no certame com base no critério de gênero, o que demonstra, suficientemente, a sua incompatibilidade com o art. 5º, inciso I, da Constituição Federal.
De acordo com outro julgado da Suprema Corte:
CONCURSO PÚBLICO - CRITÉRIO DE ADMISSÃO - SEXO. A regra direciona no sentido da inconstitucionalidade da diferença de critério de admissão considerado o sexo - artigo 5º, inciso I, e par. 2. do artigo 39 da Carta Federal. A exceção corre a conta das hipóteses aceitáveis, tendo em vista a ordem sócio-constitucional. O concurso público para preenchimento de vagas existentes no Oficialato da Policia Militar, no Quadro de Saúde – primeiro-tenente, médico e dentista - enquadra-se na regra constitucional, no que proíbe a distinção por motivo de sexo”. (RE 120.305, rel. Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, DJ 9.6.1995).
No entanto, existem situações, como já foi mencionado, que é possível a concurso público só para mulheres ou só para homens, vejamos os casos de presídios femininos e masculino, não seria violadora a contratação de apenas agentes penitenciárias mulheres.
Isso porque a situação ensejadora é pautada de razoabilidade e extremamente necessária no caso concreto. Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que nada obsta que sejam admitidas apenas mulheres, ou seja, desequiparação em razão de sexto, em concursos para preenchimento de cargo de polícia feminina. (MELLO, 2003)
O citado autor aduz que:
Percebe-se que, o próprio ditame constitucional que embarga a desequiparação por motivo de raça, sexo, trabalho, credo religioso e convicções políticas, nada mais faz que colocar em evidências certos traços que não podem, por razões preconceituosas mais comuns em certa época ou meio, ser tomados gratuitamente como ratio fundamentadora de discrímen. O art. 5, caput, ao exemplificar com as hipóteses referidas, apenas pretendeu encarecê-las como insuscetíveis de gerarem, só por só, uma discriminação. Vale dizer: recolheu na realidade social elementos que reputou serem possíveis fontes de desequiparações odiosas e explicitou a impossibilidade de virem a ser destarte utilizados. (MELLO, 2003, p. 17-18)
Dessa forma, infere-se que o que a ordem jurídica proíbe são discriminações sem critérios legítimos, por razões injustificadas. Não há vedação ao discrímen por si só, o que existe são situações que para serem consideradas legítimas, devem ter correlação e razoabilidade.
Com isso, conclui-se que não há como afirmar que tal situação é permitida ou proibida, tudo deve se pautar no caso concreto, exemplo disso fica por conta dos julgados, que a depender da situação pode determinar comandos diferentes, mesmo se tratando do mesmo fator.
5. CONCLUSÃO
A discriminação é uma realidade vista desde os tempos remotos, e hoje, onde as diferenças e as necessidades são diversas, não poderia ser diferente. É importante deixar claro que a discriminação pode ser legítima, desde que esteja presente a razoabilidade, ou seja, exista um liame lógico e razoável entre o discrímen e o fato.
É necessário ressaltar que não existe previsão do que é ou não discriminatório pelo ordenamento jurídico, acobertando todas as hipóteses possíveis. Isso ocorre porque além das discriminações serem infinitas, o que irá dizer se a conduta é ou não discriminatória é o caso concreto, ou seja, não há como pré-estabelecer que se um fator de discrímen for violado, será uma discriminação proibida.
Como demonstrado, os julgados nos Tribunais Superiores têm posicionamentos completamente diferente em fatores parecidos e até mesmo iguais, isso ocorre porque em alguns casos a razoabilidade esteve presente e em outros não.
Em virtude dos fatos mencionados, conclui-se que esse trabalho serviu para retirar a ideia de que não pode existir discriminação no âmbito dos concursos públicos. A razoabilidade deve estar presente no momento da discriminação sempre, para que seja esta legítima.
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Advogada. Pós-graduada em Direito do Estado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Jamille Coutinho. A discriminação nos concursos públicos brasileiros Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47143/a-discriminacao-nos-concursos-publicos-brasileiros. Acesso em: 23 dez 2024.
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