Resumo: O presente artigo propõe uma discussão a respeito dos novos direitos constitucionais garantidos aos empregados domésticos pela Emenda Constitucional nº 72/2013 e pela Lei Complementar nº 150/2015. O trabalho realizado em âmbito doméstico encontra-se em evidência em razão das recentes alterações legislativas, que minimizaram a flagrante desigualdade jurídica em relação às demais categorias de empregados. Sob o enfoque do princípio da isonomia, investiga-se a discriminação jurídica e o novo tratamento dispensado ao empregado doméstico.
Palavras-chave: Direito Constitucional do Trabalho. Emenda Constitucional nº 72/2013. Lei Complementar nº 150/2015. Princípio da isonomia. Empregado doméstico.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo analisar os novos direitos constitucionais reconhecidos aos empregados domésticos, que foram promovidos pela Emenda Constitucional nº 72, de 2 de abril de 2013, bem como a disciplina dada pela Lei Complementar nº 150/2015 de 1º de junho de 2015. A emenda constitucional alterou a redação do parágrafo único, do art. 7º, da Constituição Federal para estender dezessete novos dos trabalhadores urbanos e rurais aos empregados domésticos sem, no entanto, igualá-los em direitos.
Pretende-se averiguar a importância das referidas alterações legislativas, com destaque ao conceito de igualdade substancial e a efetivação dos direitos sociais promovidos.
A EC nº 72/2013 e a LC nº 150/2015 são um marco na luta pelo reconhecimento dos direitos dos empregados, na busca da vida digna preconizada pela Constituição Federal de 1988, que deve ser efetivado para todos os trabalhadores, indistintamente.
É preciso superar a desigualdade que sistematicamente se reproduziu no ordenamento jurídico para romper os condicionantes desfavoráveis e criar condições de trabalho decente para essa categoria especial de empregados.
2. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA E SOCIAL DO TRABALHO DOMÉSTICO NO BRASIL
Por um longo período da história, o trabalho teve uma conotação de atividade indigna, execrável, tendo um sentido negativo. A palavra trabalho tem origem no latim tripalium, um instrumento de tortura que pesava sobre os animais.
A escravidão foi a primeira forma de trabalho, não sendo considerado o escravo um sujeito de direitos, mas uma coisa. Em seguida, com o feudalismo, já se observa outra forma de trabalho. Em razão desse novo modelo social, surge a servidão. A principal diferença entre essas formas de trabalho era que os servos tinham de entregar uma parte da produção para os senhores feudais, no entanto, não estavam sujeitos à autoridade absoluta deles, como os escravos. (MARTINS, 2009, p. 4)
Em seguida, em outra fase da história, com o final da idade média, finalmente o trabalhado ganha um sentido de atividade positiva. Foi a Revolução Industrial, no século XXIII, que transformou o trabalho em uma relação de emprego subordinado. Inicia-se, assim, o trabalho assalariado. Nasce, em consequência, uma causa jurídica, porquanto os empregados começaram a se reunir para reivindicar contra as precárias condições de trabalho, buscando estabelecer um patamar digno de trabalho. (MARTINS, 2009, p. 6)
No Brasil, o trabalho doméstico tem como início a chegada dos escravos negros da África. Desde o princípio da formação da sociedade brasileira, a ocupação nos serviços domésticos foi eminentemente uma atividade reservada às escravas negras. É na figura da ama-de-leite a primeira caracterização do trabalho doméstico. A ama-de-leite era a responsável por fornecer seu leite materno para as crianças filhas dos patrões, passando a habitualmente frequentar o âmbito familiar dessas famílias para amamentar seus filhos. Com o tempo, elas passaram a residir nesses casarões para criar as crianças até a idade adulta.
Nas raízes históricas dos estudos dessa natureza, essas mulheres que trabalhavam nos casarões dos senhores de engenho, na condição de cozinheiras e criadas, tinham uma condição social melhor do que os escravos da lavoura e pecuária, pois participavam da intimidade familiar daquelas famílias.
A abolição da escravatura representou a liberdade para muitos trabalhadores, mas não proporcionou meios de garantir a independência financeira destes fora dos limites da fazenda. Assim, muitos continuaram a residir e a prestar seus serviços no âmbito residencial dos patrões em troca de moradia e alimentação. Outrora como escravas, agora como empregadas domésticas.
Os direitos de exercício imediato são aqueles que, desde a sua entrada em vigor, já estão aptos a produzirem os efeitos previstos, uma vez que não requerem complementação legislativa subsequente.
Quanto à aplicabilidade desses novos direitos, dentre os principais de aplicação imediata, destaquem-se os seguintes: duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal; reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; e proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
Sob as consequências da incidência desses novos direitos de aplicação imediata, as principais polêmicas dizem respeito às questões relativas à fiscalização da jornada, dos intervalos, das horas extras e da compensação de jornada em contraponto ao direito constitucional da inviolabilidade do domicilio, disposto no art. 5, XI, da Carta Magna.
2.3 ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LC nº 150/2015
Dentre as principais mudanças trazidas pela Lei Complementar de 1º de junho de 2015, destaque-se: a conceituação do que vem a ser trabalho doméstico, a fixação da jornada de trabalho e previsão a respeito das horas extras.
Por primeiro, com a finalidade amenizar o intenso debate doutrinário e jurisprudencial sobre o conceito de empregado doméstico e os requisitos para sua configuração, a LC nº 150/2015 normatizou em seu art. 1º que empregado doméstico é todo indivíduo que presta serviços de forma contínua, onerosa, subordinada, pessoal e que não tenha finalidade lucrativa à família ou determinada pessoa no âmbito residencial. Além de preencher os requisitos expostos, deve exercer suas atividades por mais de dois dias por semana. Outro destaque é a vedação expressa de contratação de menor de 18 anos para o desempenho de trabalho doméstico.
Outra importante novidade foi a fixação de jornada de trabalho. A aludida lei complementar estabeleceu que a jornada do empregado doméstico não poderá exceder 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) semanais, respeitando-se o limite mensal de 220 (duzentas e vinte) horas. Um grande marco para a valorização e humanização desse ofício, uma vez que anteriormente a jornada era simplesmente acordada entre as partes, sem uma limitação legal. A LC nº 150/2015 também previu a possibilidade deste labor ser exercido em regime de tempo parcial, bem como em escalas de 12 horas seguidas de trabalho por 36 horas ininterruptas de descanso, devendo ser respeitados os intervalos previstos em lei.
Quanto à limitação da jornada de trabalho, outro grande avanço é a obrigatoriedade de controle desta jornada, não ficando o doméstico sujeito a arbitrariedades do empregador.
Por fim, também merece realce a previsão específica da LC nº 150/2015 quanto a ocorrência de trabalho suplementar, estabelecendo as horas extraordinárias sejam pagas com o acréscimo de um percentual mínimo de 50% sobre a hora normal.
Como se observa, com relação aos direitos que ainda aguardavam regulamentação, tem-se que a LC nº 150/2015 promoveu a valorização dessa classe de empregados, com o escopo de superar a realidade de desfavorecimento econômico e jurídico, que essa categoria profissional ainda está sujeita.
2.4 PRINCÍPIO DA ISONOMIA
Importante também é analisar a aprovação da EC n º 72/2013 e da LC nº 150/2015 como um esforço para a efetivação do princípio da igualdade, mandamento nuclear Constituição Federal de 1988.
É possível classificar principio da isonomia de duas formas: a igualdade formal e a igualdade material. A igualdade formal é a isonomia perante a lei, não permitindo que o legislador discipline tratamento diferenciado entre pessoas que se encontrem na mesma situação. Nessa perspectiva, não se considera as características próprias de cada indivíduo. Já a igualdade material prega um tratamento igual para os casos iguais e um tratamento desigual para os casos desiguais, é a igualdade na lei, tendo como percussor os ensinamentos de Aristóteles.
O tratamento isonômico só será eficaz e justo, se observar as potencialidades e limitações daquilo que pretende tutelar.
Estabelecidas essas considerações, outra se faz necessária. Para que o princípio da igualdade seja corretamente compreendido, há de se ressaltar que este princípio tem como escopo vedar as diferenciações arbitrárias, absurdas, garantindo as igualdades de condições sociais. Essa é a direção interpretativa desse princípio.
Os esforços em prol da concretização da igualdade podem ser analisados com a promulgação da Emenda Constitucional nº 72/2013 e da LC nº 150/2015. Como já exposto, o regime escravagista deixou marcas na sociedade brasileira. Suas marcas vão além da segregação racial, pois influiu no modo com a sociedade enxerga o trabalho doméstico. Essa discriminação, ainda hoje, é uma herança que marca esses empregados. Nesse sentido, a superação da subvalorização dessa classe, passa, inexoravelmente, pela proteção assegurada pelo princípio da igualdade, disposto no art. 5, caput, da Carta Magna.
A questão da não discriminação no mercado de trabalho está diretamente relacionada ao princípio da isonomia, como um instrumento de repressão de práticas que perpetuem a exclusão.
No âmbito do direito do trabalho, esses novos direitos são mecanismos legais importantes de proteção, pois as conquistas pontuais não contribuíram para afastar a discriminação como um todo.
3 CONCLUSÃO
As alterações promovidas pela EC nº 72/2013 e pela LC nº 150/2015 são de suma importância para o sistema jurídico brasileiro, pois a discriminação até então existente, não se alinha ao princípio da igualdade, valor tão importante, disposto no art. 5º, da Constituição Federal de 1988.
Melhorar a situação do empregado doméstico significa ultrapassar discriminações e preconceitos, que são frutos de heranças históricas, perpetrados desde a escravatura e existentes até os dias atuais.
Uma importante consideração a ser feita é a enorme preocupação com o aumento do custo dos encargos trabalhistas, levando em consideração a peculiar situação desse ofício, que não está destinado ao desenvolvimento de uma atividade econômica, mas é integrante do orçamento familiar. Assim, deve-se ressaltar a importância de uma regulamentação baseada na razoabilidade, a fim de evitar o aumento da informalidade e da descontinuidade dessa atividade no âmbito doméstico.
É forçoso reconhecer, por fim, que as alterações legislativas aqui analisadas, isoladamente, são insuficientes para alterar essa incomoda realidade, mas significam um grande avanço para a igualdade social e para o fortalecimento do trabalho doméstico no Brasil.
4 REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2014.
COSTA, Nelson Nery; ALVES, Geraldo Magela. Constituição Federal anotada e explicada. 3ªed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 19ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2015.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 14ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.
ANGHER, Anne Joyce. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, In: Vade Mecum Acadêmico de Direito. 22ª ed. Rideel: São Paulo, 2016.
Bacharel em Direito pela Universidade Paulista – UNIP. Bacharel em Letras-Português pela Universidade de Brasília –UnB. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá. Foi escriturária do Banco do Brasil no período de 2010 a 2011. Foi técnica judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios em 2013. Foi analista processual do Ministério Público da União no período de 2013 a 2017, ocasião em que atuou como analista processual na Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região – PRT/MPT. Atualmente, é membro da Advocacia-Geral da União - AGU, instituição na qual atua como Advogada da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Erica Izabel da Rocha. Os novos direitos dos empregados domésticos e o princípio da isonomia substancial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47145/os-novos-direitos-dos-empregados-domesticos-e-o-principio-da-isonomia-substancial. Acesso em: 23 dez 2024.
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