RESUMO: A arguição de descumprimento de preceito fundamental é um importante instrumento de controle de constitucionalidade. Inserida no ordenamento jurídico pátrio pela Constituição Federal de 88, tem sido utilizada com mais frequência atualmente. Em razão disso, muitas deficiências surgiram, revelando a necessidade de se definir de forma mais objetiva o parâmetro de controle pela via legislativa.
PALAVRAS-CHAVE: Controle de Constitucionalidade. Preceito Fundamental. Arguição de Descumprimento. Atualização Legislativa.
1 INTRODUÇÃO
O controle de constitucionalidade no direito brasileiro tem sido objeto de diversos e intensos debates doutrinários jurisprudenciais. A evolução do ordenamento constitucional trouxe alguns instrumentos e tentou aperfeiçoas os já existentes, considerando as consequências causadas pela declaração de inconstitucionalidade de um ato normativo, seja em controle difuso ou em abstrato.
Inserida no Brasil pela Constituição de 1988, originariamente, essa ação tinha previsão no parágrafo único do art. 102 da CRFB/88. Contudo, em face da Emenda Constitucional nº 3/93, que eliminou tal parágrafo único, dividindo-se em dois parágrafos, a arguição passou a ter previsão no art. 102, §1º (CUNHA JR., 2011, p. 295), que dispõe que “a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente desta Constituição será apreciada pelo Supremo tribunal Federal, na forma da lei”.
Em razão da parte final do dispositivo, o Supremo Tribunal Federal entendeu que se caracteriza como uma norma de eficácia limitada, dependendo de regulamentação legal. Nesse sentido é o AgRegAI 145.860, da relatoria do Min. Marco Aurélio, julgado em 9.2.1993: “a previsão do parágrafo único do artigo 102 da Constituição Federal tem eficácia jungida à lei regulamentadora”. A lei 9.882/99 foi elaborada para regulamentar o referido comando constitucional, devendo-se destacar, desde já, que se trata de uma forma de controle concentrado de constitucionalidade.
No que se refere à legitimidade, nos termos do art. 2º, I, Lei 9.882/99, podem propor arguição de preceito fundamental os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade, que, por sua vez, são, consoante art. 103, CRFB/88: I- o Presidente da República; II- a Mesa do Senado Federal; III- a Mesa da Câmara dos Deputados; IV- a Mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V- o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI- o Procurador-Geral da República; VII- o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII- partido político com representação no Congresso Nacional; IX- confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
2 PARÂMETRO DA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNAMENTAL
A redação do art. 1º, caput e parágrafo único, da Lei 9.882/99 traz o objeto da ação em comento, ei-la:
Art. 1º A arguição prevista no §1º do artigo 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.
Parágrafo único. Caberá também arguição de descumprimento de preceito fundamental: I- quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.
Ao interpretar o artigo supracitado, a doutrina informa a existência de duas modalidades, quais sejam, a arguição autônoma (caput) e a arguição incidental (parágrafo único). Podendo, ainda, possuir caráter preventivo, evitando o dano, ou repressivo, devendo haver nexo de causalidade entre a lesão ao preceito fundamental e o ato do Poder Público, que não se restringe aos atos normativos. Merece destaque o fato de que poderá ser objeto da arguição ato editado antes da Constituição, que será utilizada como instrumento de análise em abstrato de recepção de lei ou ato normativo (LENZA, 2015, p. 440 e 441).
Vale destacar que a arguição de descumprimento de preceito fundamental possui caráter subsidiário, quer dizer, somente poderá ser utilizada se não houver outro meio apto a sanar a controvérsia. Em relação à subsidiariedade, após muita discussão, o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento no sentido de que essa característica apenas deverá ser observada em face dos outros instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade. Isso porque, a resolução por outros meios tem que ocorrer com a mesma eficácia da arguição de descumprimento de preceito fundamental, in verbis:
O presente caso objetiva a desconstituição de decisões judiciais, dentre as quais muitas já transitadas em julgado, que aplicaram índice de reajuste coletivo de trabalho definido pelos Decretos Municipais 7.153/1985, 7.182/1985, 7.183/1985, 7.251/1985, 7.144/1985, 7.809/1988 e 7.853/1988, bem como pela Lei Municipal 6.090/86, todos do Município de Fortaleza/CE. Este instituto de controle concentrado de constitucionalidade não tem como função desconstituir coisa julgada. A arguição de descumprimento de preceito fundamental é regida pelo princípio da subsidiariedade a significar que a admissibilidade desta ação constitucional pressupõe a inexistência de qualquer outro meio juridicamente apto a sanar, com efetividade real, o estado de lesividade do ato impugnado. A ação tem como objeto normas que não se encontram mais em vigência. A ofensa à Constituição Federal, consubstanciada na vinculação da remuneração ao salário mínimo, não persiste nas normas que estão atualmente em vigência. Precedentes. A admissão da presente ação afrontaria o princípio da segurança jurídica. (ADPF 134-AgR-terceiro, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 3-6-2009, Plenário, DJE de 7-8-2009.)
Outrossim, não se pode esquecer que se aplica também o princípio da fungibilidade nos casos em que, proposta arguição de descumprimento de preceito fundamental, em sendo preenchidos os requisitos da ação direita de inconstitucionalidade e ausente o caráter subsidiário, aquela poderá ser recebida como esta (STF, ADPF 72, QO/PA, Rel. Min. Ellen Gracie, 1.6.2005).
O tema relacionado ao parâmetro de controle, qual seja, o “descumprimento de preceito fundamental” tem despertado intensos debates. Isso porque, não há consenso na doutrina e jurisprudência pátrias acerca do seu alcance nem dos seus limites, ficando a cargo do casuísmo o estabelecimento de diretrizes.
Com efeito, há muita dificuldade em indicar, de pronto, o que pode ser considerado preceito fundamental contido na Constituição passível de grave lesão que dê origem ao processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental (MENDES; BRANCO, 2012, p. 1306). Deve-se destacar, além disso, que “preceitos fundamentais” não é expressão sinônima de “princípios fundamentais”, haja vista ser mais ampla, abrangendo estes e todas as prescrições que conferem sentido ao regime constitucional, como, por exemplo, as que destacam a autonomia dos Estados, do Distrito Federal, e especialmente as designativas de direitos e garantias fundamentais (SILVA, 2005, p. 562).
Em que pese não haja divisão clara sobre o parâmetro de controle, doutrina e jurisprudência acenam para algumas disposições que se enquadram no conceito de preceito fundamental, podendo-se citar (CUNHA JR., 2011, p. 306):
a) os princípios fundamentais do título I da Constituição Federal, que fixam as estruturas básicas de configuração política do Estado (arts. 1º ao 4º); b) os direitos e garantias fundamentais, que limitam a atuação dos poderes em favor da dignidade da pessoa humana (sejam os declarados no catálogo expressado no título II ou não, ante a abertura material proporcionada pelo §2º do art. 5º e, agora, pelo §3º do mesmo artigo); c) os princípios constitucionais sensíveis, cuja inobservância pelos Estados autoriza até a intervenção federal (art. 34, VII); e d) as cláusulas pétreas, que funcionam como limitações materiais ou substanciais ao poder de reforma constitucional, compreendendo as explícitas (art. 60, §4º, incisos I a IV) e as implícitas (ou inerentes, que são aquelas limitações não previstas expressamente no texto constitucional, mas que, sem embargo, são inerentes ao sistema consagrado na Constituição, como, por exemplo, a vedação de modificar o próprio titular do Poder Constituinte Originário e do Poder Reformador, bem assim a impossibilidade de alterar o processo constitucional de emenda).
Assim, o que se observa é que, por vezes, a ausência de contornos objetivos para o que pode ser considerado “preceito fundamental” acaba por originar decisões altamente discutíveis. Dessa forma, a mudança na legislação seria o meio mais adequado para que se estabeleça, com base na experiência jurisprudencial e doutrinária, de forma menos controvertida o parâmetro de controle na arguição de descumprimento de preceito fundamental.
3 CONCLUSÃO
Com base no quanto até aqui disposto, pode-se concluir que a arguição de preceito fundamental necessita de maiores estudos legislativos, jurisprudências e doutrinários. Por se tratar de um instrumento que tem sido utilizado com mais frequência, a deficiência legislativa tem se mostrado de forma mais evidente.
Não é difícil encontrar na doutrina divergência em vários aspectos desse meio de controle abstrato de constitucionalidade, desde a sua origem. A fluidez da expressão “preceito fundamental”, ainda mais em um ordenamento jurídico tão plural como o brasileiro, acaba por deixar na mão dos julgadores uma função que seria atribuição do Legislativo. Aqui, não há falar-se em engessamento do Judiciário, mas sim em complementação de uma legislação deficitária.
Portanto, a melhor possibilidade para sanar a dificuldade encontrada quando do enfrentamento dessas questões é a que se refere à atualização legislativa para que se institua um modelo claro e objetivo do que pode ser enquadrado ou não no conceito de “preceito fundamental”, deixando apenas de forma subsidiária ao Judiciário a função de delimitar as linhas já previstas em lei.
BIBLIOGRAFIA:
CUNHA JR., Dirley da. Controle de Constitucionalidade: teoria e prática. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2011
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2016.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
Advogado com experiência em Direito Público. Graduado em Direito pela Universidade Tiradentes - UNIT
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Ticiano Marcel de Andrade. Reflexos causados pela fluidez do parâmetro de controle da arguição de descumprimento de preceito fundamental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47161/reflexos-causados-pela-fluidez-do-parametro-de-controle-da-arguicao-de-descumprimento-de-preceito-fundamental. Acesso em: 23 dez 2024.
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