Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar os limites do poder fiscalizatório do empregador quanto à interceptação e monitoramento das comunicações virtuais utilizadas no ambiente laboral. É realizada uma análise ponderando-se o poder diretivo do empregador e os direitos de personalidade do empregado.
Palavras-chave: Poder diretivo do empregador. Direito constitucional à intimidade e à inviolabilidade das comunicações. Ponderação de princípios.
1 INTRODUÇÃO
A questão fundamental debatida no presente artigo gira em torno do equilíbrio entre a privacidade no ambiente de trabalho em contraponto com o direito do empregador de controle e direção da empresa.
O desenvolvimento tecnológico, especialmente com o desenvolvimento da rede mundial de computadores, não pode ser utilizado de modo a violar os direitos de personalidades dos empregados, sob o pretexto de direção da atividade econômica, devendo ser repudiada a fiscalização abusiva, desarrazoada e arbitrária.
No entanto, é inegável que tal incremento tecnológico, introduzindo a comunicação digital, é de suma importância para o aprimoramento das atividades, tendo introduzidos mudanças na forma de desenvolvimento das atividades laborais e sociais no mundo todo, sendo manifesta a sua importância.
No caso sob exame, é necessário diferenciar a disciplina dada pela doutrina e jurisprudência pátria no que tange aos e-mails pessoais e os e-mails corporativos.
Nesse passo, sob o prisma do Direito do Trabalho, o avanço tecnológico provocado pela Internet, notadamente da correspondência eletrônica, objeto específico do presente artigo, deve vir acompanhada também do avanço sociais em benefícios de todos, empregados e empregadores.
2 DIREITO À PRIVACIDADE DO EMPREGADO E PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR
De início, é importante frisar que o Direito do Trabalho surgiu em razão da necessidade de intervenção estatal no âmbito da relação contratual específica que é a relação de emprego, tendo por finalidade reequilibrar o desnível do poder econômico verificado entre o obreiro e o detentor dos poderes de produção. Por essa razão, esta seara específica do Direito se fundamenta, na origem, no princípio protetivo.
Com o mercado globalizado e potencializado com novas tecnologias, no Direito do Trabalho abriu-se a discussão sobre principiologia protetiva deste ramo e o poder diretivo do empregador diante da globalização capitalista.
Por sua vez, a Constituição Federal consagra o sigilo das comunicações telemáticas. Tendo em vista a regra constitucional, extrai-se que a violação do sigilo de dados telemáticos deve ser vista como uma medida extrema, porquanto restringe direitos consagrados no texto constitucional. Confira-se:
“Art. 5º
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;”
No entanto, de acordo com a Teoria Geral dos Direitos Fundamentais nenhum direito é absoluto, devendo ser ponderados diante do caso concreto.
Isso ocorre porque os direitos fundamentais podem entrar em conflito entre si – e, nesse caso, não se pode estabelecer, de antemão, qual direito deve preponderar. Além disso, nenhum direito fundamental pode ser invocado para encobrir ilícitos. Advirta-se, também, que não é possível limitar um direito fundamental além do necessário, devendo ser respeitados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Especificamente quanto ao sigilo das comunicações, a fim de se investigar sobre a sua limitação, deve-se diferenciar a monitoração de e-mail de cunho particular, com o monitoramento do e-mail corporativo, de uso exclusivamente profissional.
Como se sabe, no atual mundo globalizado, o uso da internet se tornou uma importante ferramenta para incrementar as atividades empresariais. Atualmente, observa-se que os empregados são simultaneamente titulares de e-mail pessoais e coorporativos.
Tratando-se de e-mail de cunho pessoal, usado em provedor próprio, mesmo que acessado no local de trabalho, é firme o entendimento de que o empregador não pode exercer o controle do conteúdo das mensagens, uma vez que a Constituição Federal assegura a todo cidadão o direito à privacidade e à intimidade, bem como o direito ao sigilo da correspondência, o que alcança a comunicação virtual via e-mail.
Quanto a esses e-mails pessoais, não se nega o direito que o empregador tem de acessar o seu conteúdo em situações de abuso do seu uso pelo funcionário, a respeito do qual haja indícios razoáveis de que práticas ilícitas estejam sendo praticas no ambiente de trabalho; como é o caso do uso de e-mail pessoais para trocar imagens de pornografia infantil ou outras fraudes cometidas, pois além de se tratar de um ato de indisciplina, também se caracteriza como um ilícito penal. Neste caso, não há falar em indevida violação de dados telemáticos.
O próprio núcleo da proteção do direito à intimidade no ambiente de trabalho, no que tange aos e-mails pessoais, restingue-se as informações privadas, familiares, da vida pessoal, mas jamais pode servir para encobrir ilícitos que estejam sendo praticados.
No entanto, não se pode confundir essa possibilidade de violação de e-mail pessoal na hipótese extrema de cometimento de ilícitos, com a possibilidade irrestrita de monitoração. É que a privacidade e a intimidade foram alçadas a direitos fundamentais no texto constitucional, não se admitindo a renúncia absoluta a esses direitos, tampouco a invasão dessas esferas reservadas da personalidade humana, como a imposição por meio de norma contratual de condições de monitoramento que extrapolem os limites do poder de direção, disciplina e fiscalização dos serviços prestados.
Não se trata aqui de defender que o trabalhador invoque, de forma indiscriminada seu direito à intimidade ou à inviolabilidade de correspondência, muito menos que o empregador possa acessar, de forma absoluta, o conteúdo de um instrumento de trabalho, mas sim de se harmonizar os direitos em questão.
Nesse sentido, foi firmada a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho:
"PROVA ILÍCITA. – E-MAIL CORPORATIVO. JUSTA CAUSA. DIVULGAÇÃO DE MATERIAL PORNOGRÁFICO. 1. Os sacrossantos direitos do cidadão à privacidade e ao sigilo de correspondência, constitucionalmente assegurados, concernem à comunicação estritamente pessoal, ainda que virtual (-e-mail- particular). Assim, apenas o e-mail pessoal ou particular do empregado, socorrendo-se de provedor próprio, desfruta da proteção constitucional e legal de inviolabilidade. 2. Solução diversa impõe-se em se tratando do chamado –e-mail-corporativo, instrumento de comunicação virtual mediante o qual o empregado louva-se de terminal de computador e de provedor da empresa, bem assim do próprio endereço eletrônico que lhe é disponibilizado igualmente pela empresa. Destina-se este a que nele trafeguem mensagens de cunho estritamente profissional. Em princípio, é de uso corporativo, salvo consentimento do empregador. Ostenta, pois, natureza jurídica equivalente à de uma ferramenta de trabalho proporcionada pelo empregador ao empregado para a consecução do serviço. 3. A estreita e cada vez mais intensa vinculação que passou a existir, de uns tempos a esta parte, entre Internet e/ou correspondência eletrônica e justa causa e/ou crime exige muita parcimônia dos órgãos jurisdicionais na qualificação da ilicitude da prova referente ao desvio de finalidade na utilização dessa tecnologia, tomando-se em conta, inclusive, o princípio da proporcionalidade e, pois, os diversos valores jurídicos tutelados pela lei e pela Constituição Federal. A experiência subministrada ao magistrado pela observação do que ordinariamente acontece revela que, notadamente o e-mail corporativo não raro sofre acentuado desvio de finalidade, mediante a utilização abusiva ou ilegal, de que é exemplo o envio de fotos pornográficas. Constitui, assim, em última análise, expediente pelo qual o empregado pode provocar expressivo prejuízo ao empregador. 4. Se se cuida de e-mail corporativo, declaradamente destinado somente para assuntos e matérias afetas ao serviço, o que está em jogo, antes de tudo, é o exercício do direito de propriedade do empregador sobre o computador capaz de acessar à INTERNET e sobre o próprio provedor. Insta ter presente também a responsabilidade do empregador, perante terceiros, pelos atos de seus empregados em serviço (Código Civil, art. 932, inc. III), bem como que está em xeque o direito à imagem do empregador, igualmente merecedor de tutela constitucional. Sobretudo, imperativo considerar que o empregado, ao receber uma caixa de e-mail de seu empregador para uso corporativo, mediante ciência prévia de que nele somente podem transitar mensagens profissionais, não tem razoável expectativa de privacidade quanto a esta, como se vem entendendo no Direito Comparado (EUA e Reino Unido). 5. Pode o empregador monitorar e rastrear a atividade do empregado no ambiente de trabalho, em e-mail, isto é, checar suas mensagens, tanto do ponto de vista formal quanto sob o ângulo material ou de conteúdo. Não é ilícita a prova assim obtida, visando a demonstrar justa causa para a despedida decorrente do envio de material pornográfico a colega de trabalho. Inexistência de afronta ao art. 5º, incisos X, XII e LVI, da Constituição Federal. 6. Agravo de Instrumento do Reclamante a que se nega provimento. (Processo: RR - 613/2000-013-10-00.7 Data de Julgamento: 18/05/2005, Relator Ministro: João Oreste Dalazen, 1ª Turma, Data de Publicação: DJ 10/06/2005)
Por outro lado, no que diz respeito ao e-mail corporativo, partindo-se do pressuposto de que esta modalidade de e-mail se caracteriza como uma ferramenta de trabalho, disponibilizada com a finalidade de troca de mensagens de cunho profissional e tendo em vista o risco de violação à imagem da empresa pelo seu uso inadequado, majoritariamente entende-se que é possível a sua fiscalização.
Não se trata de defender a irresponsabilidade do empregador pelo monitoramento dos e-mails corporativos, uma vez que este, tendo o direito de dirigir e controlar a execução dos trabalhos, não pode violar o direito de personalidade dos seus empregados.
Como mencionado, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho se firmou no sentido de que a monitoração do e-mail corporativo não corresponde à ingerência na vida privada do empregado, ao argumento de que tal conduta está inserida no poder diretivo da empresa de fiscalizar o uso escorreito das ferramentas de trabalho. No entanto há limites para o seu controle. Não basta que a empresa alegue ser proprietária dos instrumentos de trabalho, a fiscalização dever ser feita com razoabilidade, sem discriminações e perseguições, devendo ser feita de modo genérico e impessoal.
Minoritariamente, parte da doutrina, como é o caso de Emília Simeão Albino Sako entende que não é possível, mesmo que se trate de e-mail corporativo, monitorar as comunicações virtuais dos empregados, sob pena de violar a dignidade do trabalhador, implicando em vulneração de sua privacidade.
Vale mencionar que, a despeito de majoritariamente entender-se ser possível o monitoramento do e-mail corporativo, a indevida intromissão na privacidade do empregado pode acarretar consequências cíveis e penais para o empregador, pois o direito à privacidade não desaparece pelo fato de a pessoa encontrar-se em seu local de trabalho.
3 CONCLUSÃO
Diante do exposto, entende-se que a conduta de monitorar eletronicamente a exposição e a disponibilidade de informações nos e-mails pessoais de forma ostensiva e indiscriminada dos obreiros ultrapassam os poderes diretivos do empregador, uma vez que viola os direitos da personalidade esculpidos no art. 5º, X, da Constituição Federal, que garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.
No caso de e-mails pessoais, não se pode tolerar o enorme constrangimento que é a interceptação de informações pessoais, não sendo possível invocar o poder de direção para vulnerar os direitos da personalidade do obreiro.
Lado outro, considerando que o e-mail corporativo é uma ferreamente de trabalho e que se cuida de mensagens não privadas, não constitui ato ilícito a sua monitoração, ressalvando-se, contudo, os casos de extrapolação dos limites de fiscalização, não se podendo perder de vista a função social da empresa.
4 REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 10 Julho de 2016.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 10 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 Julho de 2016.
DELGADO, Maurício. Godinho Curso de Direito do Trabalho. 2011.
MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 2012.
SAKO, Emília Simeão Albino. Uso laboral e extralaboral do correio eletrônico e internet: controle patronal indevido ou abusivo. Lesão aos direitos fundamentais de segredo das comunicações e privacidade. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Curitiba, v. 35, n. 65, jul./dez. 2010.
Bacharel em Direito pela Universidade Paulista – UNIP. Bacharel em Letras-Português pela Universidade de Brasília –UnB. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Estácio de Sá. Foi escriturária do Banco do Brasil no período de 2010 a 2011. Foi técnica judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios em 2013. Foi analista processual do Ministério Público da União no período de 2013 a 2017, ocasião em que atuou como analista processual na Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região – PRT/MPT. Atualmente, é membro da Advocacia-Geral da União - AGU, instituição na qual atua como Advogada da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Erica Izabel da Rocha. E-mail do empregado pode ser violado? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 ago 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47178/e-mail-do-empregado-pode-ser-violado. Acesso em: 23 dez 2024.
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