RESUMO: O presente trabalho visa expor o histórico jurisprudencial do Superior Tribunal do Trabalho em relação à possibilidade de percepção cumulativa dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, revelando o atual posicionamento da Corte Trabalhista. Será demonstrado as três fases que subsidiaram o entendimento do TST acerca do tema.
PALAVRAS CHAVES: Direito do Trabalho. Adicional de insalubridade. Adicional de Periculosidade. Evolução Jurisprudencial. Impossibilidade de cumulação.
1. INTRODUÇÃO
O adicional de insalubridade e de periculosidade mostram-se como direito social dos trabalhadores urbanos e rurais, de índole constitucional, que visa melhores condições de trabalho e de meio ambiente de trabalho, buscando evitar condições gravosas à saúde e à segurança do trabalhador.
O ponto de interrogação é saber se os referidos adicionais podem ser recebidos de forma cumulativa. O TST possui três fases de entendimento acerca dessa possibilidade. Vejamos cada uma delas.
2. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE E DE PERICULOSIDADE
Primeiramente, é importante destacar que o adicional de insalubridade e de periculosidade possuem previsão tanto na Constituição como na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O art. 7°, inciso XXIII, estabelece o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.
Os doutrinadores classificam esse dispositivo constitucional como sendo uma norma de eficácia limitada. De acordo com Pedro Lenza, as normas de eficácia limitada são aquelas normas que, de imediato, no momento que a Constituição é promulgada, ou entra em vigor, não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa infraconstitucional, ou até mesmo de integração por meio de emenda constitucional, possuindo aplicabilidade indireta, mediata e reduzida.
Nesse contexto, a legislação infraconstitucional disciplinou o adicional de insalubridade e de periculosidade no capítulo V, seção XIII. O art. 189 da CLT conceitua o adicional de insalubridade, vejamos:
Art. 189 - Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977).
De acordo com Henrique Correia, as atividades insalubres são aquelas que expõem o empregado a agentes nocivos à sua saúde e que ultrapassam o seu limite de tolerância. Exemplos: agente químicos; biológicos; físicos.
Ainda segundo o autor, via de regra, para a obtenção do adicional de insalubridade, há necessidade de preencher dois requisitos: a) atividade nociva deverá ser constatada via perícia por profissional habilitado, médico ou engenheiro do trabalho; b) é necessário que o agente nocivo à saúde esteja incluído na relação oficial do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE. Se a atividade desenvolvida pelo empregado não estiver prevista nesta listagem, há entendimento majoritário de que o empregado não terá direito ao adicional.
Nesse sentido, destaca-se a Orientação Jurisprudencial n° 165 da SDI-I do TST: “O art. 195 da CLT não faz qualquer distinção entre o médico e o engenheiro para efeito de caracterização e classificação da insalubridade e periculosidade, bastando para a elaboração do laudo seja o profissional devidamente qualificado”; e a súmula 448 do TST: “I - Não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho. II – A higienização de instalações sanitárias de uso público ou coletivo de grande circulação, e a respectiva coleta de lixo, por não se equiparar à limpeza em residências e escritórios, enseja o pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo, incidindo o disposto no Anexo 14 da NR-15 da Portaria do MTE nº 3.214/78 quanto à coleta e industrialização de lixo urbano”.
Por sua vez, o adicional de periculosidade está previsto no art. 193 da CLT, vejamos:
Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: (Redação dada pela Lei nº 12.740, de 2012)
I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)
II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)
Henrique Correia conceitua atividade perigosa como aquela em que há contato permanente com explosivos, inflamáveis ou energia elétrica em condições de risco acentuado. Recentemente, a CLT foi alterada duas vezes para incluir, como atividades perigosas, aquela desenvolvida por trabalhador em motocicleta (“motoboy”).
Os mesmos apontamentos que foram feitos acerca dos requisitos do adicional de insalubridade são também utilizados para a obtenção do adicional de periculosidade.
2. CUMULAÇÃO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE COM O DE PERICULOSIDADE. EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL.
2.1 PRIMEIRA FASE
O Tribunal Superior do Trabalho, até meados de 2014, possuía o entendimento de que o adicional de insalubridade e o adicional de periculosidade não podiam ser cumulados. Isso porque o artigo 193, §2°, da CLT, possui o seguinte texto: “o empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido”.
O referido parágrafo está inserido no art. 193 da CLT, que trata sobre o adicional de periculosidade. Baseado nesse dispositivo, o TST afirmava que os adicionais não podiam ser recebidos de forma cumulativa, devendo o empregado decidir qual é o mais vantajoso, acaso exerça simultaneamente atividade insalubre e perigosa.
2.2 SEGUNDA FASE
No julgamento do RR - 1072-72.2011.5.02.0384, de relatoria do Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, a Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho afastou a argumentação de que o art. 193, parágrafo 2°, da CLT prevê a opção pelo adicional mais favorável ao trabalhador e negou provimento ao recurso da empresa. Será exposto os principais fundamentos utilizados pelos ministros no referido julgamento.
De acordo com o relator do recurso, a Constituição da República, no artigo 7º, inciso XXIII, garantiu de forma plena o direito ao recebimento dos adicionais de penosidade, insalubridade e periculosidade, sem qualquer ressalva quanto à cumulação, não recepcionando assim o art. 193, §2°, da CLT. Em sua avaliação, a acumulação se justifica em virtude de os fatos geradores dos direitos serem diversos e não se confundirem.
Segundo o ministro, a cumulação dos adicionais não implica pagamento em dobro, pois a insalubridade diz respeito à saúde do empregado quanto às condições nocivas do ambiente de trabalho, enquanto a periculosidade "traduz situação de perigo iminente que, uma vez ocorrida, pode ceifar a vida do trabalhador, sendo este o bem a que se visa proteger".
Ainda segundo o eminente ministro, O direito à cumulação é de uma lógica irrespondível: se a situação de desconforto pessoal tem correspondência numa indenização, o valor desta deve abranger tantos percentuais quantas sejam as circunstâncias causadoras do desconforto, que traz um dano efetivo ao trabalhador, ou do risco a que ele é exposto. Por isso mesmo, causa profunda espécie que o artigo 193, § 2º, da CLT, herdando restrição levantada desde a Lei nº 2.573/55, que instituiu o adicional de periculosidade, tenha aberto ao empregado submetido às duas condições mais severas de serviço, simultaneamente, o dilema de 'optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido' quando comprovado pericialmente que também trabalhou em condição perigosa.
Desse modo, apesar da necessidade de regulamentação da norma constitucional, não poderia a legislação infraconstitucional ultrapassar o limite por ela imposto e instituir norma menos benéfica ao trabalhador em detrimento da garantia insculpida no artigo 7º, caput, da Constituição Federal, de estipulação de outros direitos que visem à melhoria de sua condição social e, especialmente, em desrespeito ao princípio de proteção da dignidade da pessoa humana do obreiro.
O relator explicou que a opção prevista na CLT é inaplicável também devido à introdução no sistema jurídico brasileiro das Convenções 148 e 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que têm status de norma materialmente constitucional ou, pelo menos, supralegal, como foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal. A Convenção 148 "consagra a necessidade de atualização constante da legislação sobre as condições nocivas de trabalho", e a 155 determina que sejam levados em conta os "riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes".
O Estado brasileiro se comprometeu, ao ratificar a Convenção 155 da OIT, a implementar o que recomenda o seu art. 11, b: 'deverão ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes'. Portanto, a orientação jurisprudencial que predomina, no sentido de que são inacumuláveis os adicionais de insalubridade e de periculosidade, frustra, a nosso ver, o desígnio constitucional e também o compromisso assumido pelo Brasil quando ratificou as convenções 148 e 155 da OIT; em rigor, essa orientação relativiza o direito fundamental à compensação monetária pela exposição a agentes nocivos à saúde ou à integridade física do trabalhador.
Tais convenções, afirmou o relator, superaram a regra prevista na CLT e na Norma Regulamentadora 16 do Ministério do Trabalho e Emprego, no que se refere à percepção de apenas um adicional quando o trabalhador estiver sujeito a condições insalubres e perigosas no trabalho. "Não há mais espaço para a aplicação do artigo 193, parágrafo 2º, da CLT", assinalou.
2.3 TERCEIRA FASE
Finalmente, em 28.4.2016, chega-se a última fase, sendo essa a posição atual do TST. A terceira fase adota a conclusão da primeira fase, qual seja, a de vedar a percepção cumulativa dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, entretanto suas razões são inéditas. Será exposto os principais argumentos dos ministros no processo n° TST -E-ARR-1081-60.2012.5.03.0064, SBDI-I.
De início, o referido acórdão que a questão que se põe ao debate no presente processo consiste em definir, à luz do Direito brasileiro, a possibilidade de percepção cumulativa, pelo empregado, dos adicionais de insalubridade e de periculosidade.
Cediço que a proteção do trabalhador face ao labor executado em condições adversas à saúde e à segurança alçou patamar constitucional a partir de 1988. O art. 7º da Constituição Federal, como se recorda, ao enumerar os direitos sociais dos trabalhadores urbanos e rurais, garantiu a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" (inciso XXII) e, também, o pagamento de "adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei" (inciso XXIII).
Cediço também que a norma do art. 193, § 2º, da CLT, ao dispor sobre o direito à percepção de adicional de periculosidade, assegura ao empregado a opção pelo adicional de insalubridade porventura devido.
Antes de perquirir sobre o real alcance da norma em apreço, cumpre indagar se foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.
A opção a que alude o art. 193, § 2º, da CLT não conflita com a norma do art. 7º, XXII, da Constituição Federal. Os preceitos da CLT e da Constituição, nesse ponto, disciplinam aspectos distintos do labor prestado em condições mais gravosas: enquanto o art. 193, § 2º, da CLT regula o adicional de salário devido ao empregado em decorrência de exposição a agente nocivo, o inciso XXII do art. 7º impõe ao empregador a redução dos agentes nocivos no meio ambiente de trabalho.
O inciso XXIII do mesmo preceito constitucional, a seu turno, cinge-se a enunciar o direito a adicional "de remuneração" para as atividades penosas, insalubres e perigosas e atribui ao legislador ordinário a competência para fixar os requisitos que geram direito ao respectivo adicional.
De sorte que, não houve revogação tácita do art. 193, § 2º, da CLT pela Constituição Federal de 1988. Objetivamente, o legislador ordinário, no uso de suas atribuições, conferidas pela própria Constituição Federal, cuidou em regulamentar o direito do empregado à percepção do adicional de periculosidade, no exercício de atividades ou operações perigosas, assegurando-lhe optar pelo adicional de insalubridade acaso devido.
Igualmente não há descompasso entre a legislação brasileira e as normas internacionais de proteção ao trabalho. As Convenções nºs 148 e 155 da OIT não contêm qualquer norma explícita em que se assegure a percepção cumulativa dos adicionais de periculosidade e de insalubridade em decorrência da exposição do empregado a uma pluralidade de agentes de risco distintos.
A Convenção nº 148 da OIT trata da "proteção dos trabalhadores contra os riscos profissionais devidos à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho".
Ao versar sobre "medidas de prevenção e de proteção", o art. 8º, item 3, da Convenção nº 148 da OIT dispõe o seguinte:
"3. Os critérios e limites de exposição deverão ser fixados, completados e revisados a intervalos regulares, de conformidade com os novos conhecimentos e dados nacionais e internacionais, e tendo em conta, na medida do possível, qualquer aumento dos riscos profissionais resultante da exposição simultânea a vários fatores nocivos no local de trabalho."
Vê-se que o art. 8º, item 3, da Convenção nº 148 da OIT dispõe tão somente que os critérios e limites de exposição dos trabalhadores à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho devem considerar, na medida do possível, o aumento dos riscos decorrentes da exposição simultânea a mais de um fator nocivo.
Em nenhum momento a Convenção nº 148 da OIT preconiza ou recomenda ao Estado-membro a adoção de conduta que imponha aos empregadores a obrigação de pagamento cumulativo de adicionais decorrentes de condições de trabalho mais gravosas.
A Convenção da OIT nº 155, por sua vez, versa sobre "segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho". Reza o art. 11, alínea "b", da referida Convenção da OIT:
"Artigo 11
Com a finalidade de tornar efetiva a política referida no artigo 4 da presente Convenção, a autoridade ou as autoridades competentes deverão garantir a realização progressiva das seguintes tarefas:
(...)
b) a determinação das operações e processos que serão proibidos, limitados ou sujeitos à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes, assim como a determinação das substâncias e agentes aos quais estará proibida a exposição no trabalho, ou bem limitada ou sujeita à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes; deverão ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes; (...)."
A Convenção da OIT nº 155 busca, antes de mais nada, desestimular, no meio ambiente de trabalho, o exercício de atividades profissionais que exijam o contato dos empregados com vários agentes nocivos a sua saúde ou segurança. Daí não deflui, no entanto, que referida Convenção imponha a adoção, pelo Estado-membro, de medidas que visem à remuneração cumulativa de adicionais em decorrência da exposição do empregado a uma pluralidade de agentes de risco.
Por todo o exposto, pode-se concluir que é vedada a percepção cumulativa dos adicionais de insalubridade e de periculosidade ante a expressa dicção do art. 193, § 2º, da CLT. Ademais, não obstante as Convenções nºs 148 e 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) tenham sido incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro, elas não se sobrepõem à norma interna que consagra entendimento diametralmente oposto e elas também não disciplinam a possibilidade de tal cumulação.
3. CONCLUSÃO
Foi exposta a evolução jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho acerca do tema “cumulação de adicional de insalubridade com o de periculosidade”.
Como visto, a jurisprudência do TST passou por três momentos distintos: o primeiro de negar a possibilidade de cumulação dos referidos adicionais; o segundo de permitir; e o terceiro de negar tal possibilidade de cumulação, sendo este o atual posicionamento do TST.
REFERÊNCIAS
CORREIA, Henrique. Direito do Trabalho. 6.ª ed. Bahia: editora Juspodivm, 2014.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 19ª ed. São Paulo: editora saraiva, 2015.
RECURSO DE REVISTA 776-12.2011.5.04.0411, disponível em: http://jurisprudencia.s3.amazonaws.com/TST/attachments/TST_RR_7761220115040411_bd08c.pdf?Signature=e4f5Y7vCrbqCGOYWTswcB2FNFrQ%3D&Expires=1469573688&AWSAccessKeyId=AKIAIPM2XEMZACAXCMBA&response-content-type=application/pdf&x-amz-meta-md5-hash=bfb53a3fa9c606941bbee72c5007e7b6. Acesso em: 20 de julho de 2016.
RECURSO DE REVISTA 1081-60.2012.5.03.0064, SBDI-I, disponível em: http://aplicacao4.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=1081&digitoTst=60&anoTst=2012&orgaoTst=5&tribunalTst=03&varaTst=0064. Acesso em: 20 de julho de 2016.
Advogado. Formado pela ASCES - Faculdade Associação Caruaruense de Ensino Superior.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Lucas Albuquerque. Percepção cumulativa dos adicionais de insalubridade e de periculosidade à luz da jurisprudência do TST Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47198/percepcao-cumulativa-dos-adicionais-de-insalubridade-e-de-periculosidade-a-luz-da-jurisprudencia-do-tst. Acesso em: 23 dez 2024.
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