RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo apresentar aspectos históricos e conceituais acerca do instituto do Ativismo Judicial, bem como elencar os fatores que impulsionaram sua expansão no direito comparado e no ordenamento jurídico brasileiro.
PALAVRAS CHAVES: Ativismo Judicial. Aspectos históricos. Conceitos. Autocontenção Judicial. Fatores de expansão.
1. INTRODUÇÃO
O Ativismo Judicial mostra-se como tema em alta no meio jurídico na atualidade. Muito se fala a seu respeito, sobretudo nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal. Entretanto, percebe-se que existe pouco estudo acerca de seu contexto histórico, bem como das causas que impulsionaram a expansão desse fenômeno.
O presente artigo visa justamente aprofundar questões históricas ligadas ao ativismo judicial, explicando, por diversas fontes, seu surgimento, seu conceito e as particularidades desse instituto no ordenamento jurídico brasileiro.
2. HISTÓRIA E CONCEITO DE ATIVISMO JUDICIAL
Ficha limpa, infidelidade partidária, união estável homoafetiva, pesquisa com células tronco, aborto de fetos anencéfalos. Esses foram apenas alguns julgamentos do Poder Judiciário brasileiro mais polêmicos nos últimos anos. É notório que os nossos tribunais, sobretudo o Supremo Tribunal Federal, estão desempenhando um papel ativo na vida institucional brasileira.
Esse fenômeno é chamado pela doutrina de ativismo judicial. Segundo a autora Clarissa Tassinari, o ativismo judicial, apesar de ainda não possuir esse nome, surgiu em 1803, nos Estados Unidos da América, onde iniciou as primeiras reflexões sobre o tema, no caso sobre o empossamento de William Marbury como juiz de paz.
No entanto, a primeira vez que se falou no termo ativismo judicial foi em 1947, também nos Estados Unidos da América, pelo historiador e político do partido democrata Arthur Schlesinger Jr., em um artigo direcionado a comentar as linhas de atuação da Suprema Corte dos Estados Unidos na época do New Deal.
Existiam duas linhas: A primeira linha entendia que a Suprema Corte podia desempenhar um papel de efetivação de políticas para a promoção do bem-estar social com bases nas concepções políticas dos juízes; e a segunda linha que defendia, basicamente, o oposto, pregando uma postura de autocontencão judicial, deixando as políticas públicas aos poderes eleitos pelo povo. A opção pela primeira linha foi intitulada de ativismo judicial.
Percebe-se que o termo foi utilizado pela primeira vez há mais de seis décadas. Nesse intervalo de tempo, o fenômeno ativismo judicial foi tomando acepções diferentes, mas mantendo-se sua essência, qual seja, uma maior interferência do Poder Judiciário na vida institucional.
Nesse sentido revela Luís Roberto Barroso:
Em diferentes partes do mundo, em épocas diversas, cortes constitucionais ou supremas cortes destacaram-se em determinadas quadras históricas como protagonista de decisões envolvendo questões de largo alcance político, implementação de políticas públicas ou escolhas morais em temas controvertidos na sociedade.
Atualmente, o fenômeno ativismo judicial é conceituado com enfoque, diga-se, muito mais ativista que aquela empregada pela primeira vez em 1947. Naquela época, ativismo judicial ocorria quando o Poder Judiciário se considerava na obrigação de interpretar a lei no sentido de garantir direitos. Agora, o conceito é mais abrangente.
Observa-se o que o mesmo autor revela sobre o assunto:
A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.
Para o professor Elival da Silva Ramos:
Ativismo Judicial é a ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas também da função administrativa e, até mesmo, da função de governo. Não se trata do exercício desabrido da legiferação (ou de outra função não jurisdicional), que, aliás, em circunstâncias bem delimitadas, pode vir a ser deferido pela própria Constituição aos órgãos superiores do aparelho judiciário, e sim da descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes.
O autor Alexandre Garrido da Silva também revela seu pensamento sobre o tema afirmando que “o ativismo judicial é percebido como uma atitude, decisão ou comportamento dos magistrados no sentido de revisar temas e questões – prima facie – de competência de outros poderes”.
A partir das definições de ativismo judicial exposto pelos autores é possível sintetizar o fenômeno. Ativismo judicial, em suma, consiste em uma prática do Poder Judiciário em interferir além do âmbito judicial, expandindo suas atividades também para as esferas dos outros Poderes do Estado.
O doutrinador Luís Flávio Gomes distingue duas espécies de ativismo: o inovador, que cria uma norma, sem utilizar-se de nenhum parâmetro para tanto; e o revelador, em que também há criação de norma, de uma regra ou de um direito, mas a partir de princípios constitucionais ou a partir de uma regra lacunosa.
O ativismo inovador é manifestamente uma afronta aos princípios democráticos em um Estado de Direito. Decisões que não estejam em consonância com os princípios constitucionais ou que não estejam devidamente fundamentadas carecem de legitimidade.
Ativismo revelador, a priori, é o que está se usando no Brasil. Um exemplo seria o julgamento do Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 3.999 e 4.086. As ADIs ficaram conhecidas como caso da infidelidade partidária.
Os ministros da mais alta instância do país criaram mais uma regra de perda de mandato com base no princípio democrático, utilizando-se, nesse sentido, do ativismo renovador, pois inovaram o direito com fundamento em um princípio constitucional.
Igual posicionamento verifica-se na 11ª súmula vinculante do STF, que teve como julgamento o Habeas Corpus 91.952. No referido julgamento, o Supremo Tribunal Federal consolidou a jurisprudência no sentido que o uso de algemas somente é lícito em casos excepcionais, devendo ser por escrito e prevendo a aplicação de penalidade pelo abuso nesta forma de constrangimento físico e moral do preso.
Com essa súmula, o STF também inovou o direito, pois no nosso ordenamento jurídico há apenas dois dispositivos que tratam do uso de algemas e nenhum deles exige ordem escrita. A decisão foi tomada levando em conta os princípios da presunção de inocência e dignidade da pessoa humana, utilizando-se, assim, do ativismo revelador.
Com base nesse novo modo de interpretar a lei é que o Poder Judiciário vem destinando-se a complementar e a desenvolver o cenário político pátrio. Nesse contexto, a invasão nas áreas de atribuição dos outros poderes do Estado mostra-se inevitável.
Nesse sentido de utilizar-se de princípios como ferramenta do ativismo judicial, os autores Jamile B. Mata e Gláucio Inácio Silveira expõem:
No âmbito do Poder Judiciário surgem tendências inovadoras de aplicação do direito, com parâmetros de eficácia e comandos constitucionais diferentes do tradicional. O ativismo judicial representa o rompimento com a postura positivista fortemente arreigada no Poder Judiciário, designando uma postura proativa do magistrado na interpretação da norma, em especial da Constituição, de forma a expandir o seu sentido e seu alcance, participando o juiz, portanto, no processo de criação da norma jurídica.
Nessa mesma linha de pensamento, Ronald Dworkin revela que o ativismo judicial sustentaria a necessidade do judiciário valer-se dos princípios gerais estampados no texto constitucional e, partir desse ponto, conduzir a atividade judicante, ainda que a desgosto de regras menos genéricas, previstas pelo constituinte ou pelo legislador ordinário.
O ativismo judicial teria a finalidade de ampliar a liberdade do Poder Judiciário, superando antiga ideia de o juiz ser apenas “a boca que pronuncia as sentenças da lei, sem moderar sua força ou rigor”, como afirmava Montesquieu.
Ainda sobre o modelo de aplicação de princípios como fundamento do ativismo judicial, o autor Evandro Gueiros Leite dispõe que como pressuposto de uma justiça eficiente, o juiz ativista vem assumindo uma visão progressista, evolutiva e reformadora, sabendo interpretar a realidade de sua época e conferindo suas decisões com fundamentos construtivos e modernizantes, pautando-se para a consagração dos valores essências em vigor.
O autor Winfried Hassmemer também revela seu pensamento sobre o tema expondo que “o juiz não deve somente reproduzir o eco da lei, mas aplica-la fazendo uso de sua criatividade”. Ou seja, o magistrado não deve ter uma atuação mecânica diante de um caso concreto, e sim uma atuação ativa a fim de buscar os valores constitucionais.
Em síntese, em todos os conceitos expostos de ativismo judicial é possível perceber traços comuns. Ativismo judicial configura-se como uma postura mais ativa do Poder Judiciário, com atuações que alcançam as esferas dos outros Poderes do Estado, rompendo com o modelo tradicional que vigorava há tempos, utilizando-se como instrumento, para tanto, de uma interpretação inovadora, mas com base em princípios constitucionais.
1.2 Oposto de Ativismo Judicial (autocontenção judicial)
Em contrapartida ao ativismo judicial, há o que a doutrina chama de autocontenção judicial. Esse termo significa, segundo Ana Lúcia Pretto Pereira, “uma postura mais contida dos juízes quando estes se depararem com casos difíceis, que exija, em certa medida, o exercício criativo da jurisdição”.
A mesma autora ainda expõe que:
A principal preocupação da autocontenção judicial é baseada na falta de legitimidade democrática dos juízes para decidir sobre escolhas feitas pelos poderes constituídos, tendo em vista que estes não foram escolhidos democraticamente para representar seus interesses.
A autocontenção judicial surge como oposto ao ativismo judicial, pregando que o Poder Judiciário não detém legitimidade para interferir em questões políticas, devendo reduzir sua atuação no âmbito dos demais poderes. Nas palavras de Luís Roberto Barroso:
A autocontenção é a conduta pela qual o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes. Por essa linha, juízes e tribunais (i) evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; (ii) utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (iii) abstêm-se de interferir na definição das políticas públicas.
Pode-se inferir, então, que a autocontenção apresenta-se como uma atitude mais contida do Poder Judiciário, minimizando sua interferência nos demais poderes do Estado, especialmente em matérias socialmente ou politicamente controvertidas, deixando essa interferência da matéria para o poder Legislativo e Executivo, pois a eles cabem a regulamentação.
Os autores Dimitri Dimoulis e Soraya Gasparetto Lunardi possuem igual entendimento sobre o tema, expondo que a doutrina da autocontenção adere uma proposta modesta da função do judiciário que impede intervenções politicamente controvertidas, tentando não converter as cortes em instância que permitirá aos vencidos da luta políticas anular a vitória da maioria, em nome de pensamentos subjetivas sobre as melhores soluções.
Os doutrinadores ainda afirmaram, baseados na teoria Thayeriana, que existe uma diferença entre autocontenção e passivismo judicial. Passivismo judicial prega que o judiciário deve permanecer sem reação perante violações constitucionais, ainda quando manifestamente inválidas. Dizem que o passivismo era uma postura que faria com que o juiz abdicasse de seu papel institucional, criticando tal comportamento.
Sobre o passivismo judicial, o autor Elival da Silva Ramos revela:
O positivismo liberal e a sua atrofiada teorização hermenêutica, ao propugnarem a primazia absoluta do texto normativo sobre a atividade do intérprete-aplicador, reduzida à mera constatação e aplicação mecânica dos enunciados normativos, eliminaram qualquer possibilidade de ativismo judicial. Todavia, deram ensejo a fenômeno de gravidade equiparável, qual seja, o passivismo judicial.
Ainda para a teoria Thayeriana, o ativismo judicial, no entanto, também não era uma opção viável. Afirmam que o juiz não deveria ter comportamentos ativistas, pois o magistrado que afasta ou até reformula as leis com base em seus entendimentos pessoais em casos controvertidos, extrapola o limite de sua competência e agride o princípio da tripartição dos poderes. Expõem que o juiz deveria evitar tanto o passivismo como o ativismo judicial, devendo encontrar um tipo de equilíbrio indicado pela teoria da autocontenção.
1.4 Fatores de impulsão da expansão do Poder Judiciário
Foi dito anteriormente que em diferentes partes do mundo, em épocas diversas, o Poder Judiciário vem destacando-se em certas quadras históricas como principal autor de decisões envolvendo questões políticas e sociais, rompendo com sua antiga forma conservadora. Resta saber quais foram as causas que impulsionaram este poder a ter uma atitude mais ativista.
Levando em consideração uma concepção geral sobre o tema, sem levar em conta a situação específica de cada país, a doutrina expõe as principais causas de impulsão do Poder Judiciário.
Para Vanice Regine Lírio do Valle alguns dos fatores do crescimento judicial foram a (i) constitucionalização do direito após a Segunda Guerra Mundial; (ii) a legitimação dos direitos humanos e (iii) as influências dos sistemas de controle de constitucionalidade dos tribunais europeus e norte americano.
A autora Clarisse Tassinari também aponta como um dos motivos para a expansão do Poder Judiciário o período posterior à Segunda Guerra Mundial. Para a doutrinadora:
O pós Segunda Guerra Mundial foi um marco para o Direito no mundo todo. Isso porque, para que fossem superadas as atrocidades cometidas durante a existência dos regimes totalitários, era necessário que se rompesse com toda a estrutura legislativa que lhes atribuía legitimidade através do argumento de obediência a um formalismo rigoroso, de mera observação do procedimento adequado para a criação das leis. Deste modo, o fim desta Guerra impulsionou um rearranjo institucional que visava à garantia de direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, configurando-se, assim, a transição do que se conhecia por Estado Legislativo de Direito para um Estado Constitucional de Direito.
Pode-se inferir, a partir do que foi exposto, que foi no período posterior à Segunda Guerra Mundial que os direitos humanos passaram a ter mais proteção pelo Poder Judicial, pois, naquela época, em meio a guerras, os direitos fundamentais estavam sendo sobremaneira desrespeitados.
Com o pós-guerra, houve uma reorganização institucional, com objetivos de assegurar os direitos humanos, elevando a atividade do Poder Judicial no sentido de zelar pelos direitos constitucionalmente contemplados.
A mesma autora citando C. Neal Tate e Torbjorn expõe que, para os autores, a expansão judicial teve como principais condições: (a) democracia; (b) separação dos poderes; (c) implementação de políticas públicas; (d) atuação de certos grupos de interesse a fim de expandir os direitos constitucionais garantidos; (e) fortalecimento no controle de constitucionalidade; (f) inefetividade das instituições majoritárias e (g) delegação de poderes pelas próprias instituições majoritárias ao Poder Judiciário.
O professor Elival da Silva Ramos revela que um dos motivos de expansão judicial foi o neoconstitucionalismo, pois esta teoria “desponta um elemento de impulsão ao ativismo judicial de matriz eminentemente teórica”.
O Neoconstitucionalismo é conceituado por Walber de Moura Agra, da seguinte forma:
O neoconstitucionalismo tem como uma de suas marcas a concretização das prestações materiais prometidas pela sociedade, servindo como ferramenta para a implementação de um Estado Democrático Social de Direito. Ele pode ser considerado como um movimento caudatário do pós-modernismo. Dentre suas principais características podem ser mencionadas: (a) positivação e concretização de um catálogo de direitos fundamentais; (b) onipresença dos princípios e das regras; (c) inovações hermenêuticas; (d) densificação da força normativa do Estado; (e) desenvolvimento da justiça distributiva.
Constata-se que, com o neconstitucionalismo, houve o desenvolvimento da teoria dos direitos fundamentais e sua difusão, passando a constituição a ter força normativa. Então, diante disso, surgiu o dever do Poder Judiciário em garantir essa efetivação dos direitos.
Apesar de algumas diferenças nas causas de expansão do Poder Judiciário para os atores referidos, pode-se destacar que, basicamente, os fatores de impulsão foram o fim das guerras mundiais, a redemocratização, o novo modelo de constituição e a inefetividade dos Poderes eleitos pelo povo.
Todos esses fatores de impulsão judicial foram tomados em sentido amplo, como causa geral, no entanto, faz-se necessário, nesse momento, expor os motivos específicos tomando por base o cenário brasileiro.
1.4.1 Particularidades do Brasil
Todas as causas acima expostas também se aplicam ao Brasil, contudo, aqui houve algumas particularidades. Luis Roberto Barroso (2009) apontou três causas para o aumento de atividade do Poder Judiciário no Brasil: (i) a redemocratização; (ii) a constitucionalização abrangente de direitos (iii) e o sistema de controle de constitucionalidade.
A redemocratização teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988. O autor revela que, com a redemocratização, o Judiciário “deixou de ser um departamento técnico-especializado e se transformou em um verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a constituição e as leis, inclusive com os outros Poderes”.
Expõe que o ambiente democrático ressuscitou a cidadania, dando maior ciência à população dos seus direitos, fazendo que o houvesse uma maior demanda ao Poder Judiciário a fim de que este poder garantisse seus direitos.
A autora Clarissa Tassinari também esclarece que foi somente após a promulgação da Constituição de 1988 e, consequentemente, com a redemocratização, que houve uma maior garantia de direitos aos cidadãos, proporcionando uma maior atividade ao Poder Judiciário. A autora ainda revela:
Em que pese o movimento constitucionalizante engendrado na Europa com o pós-Segunda Guerra Mundial tenha tido ampla absorvição por todo o mundo, os países da América Latina vivenciaram um entrave a tudo isso. Não se pode esquecer que o contexto latino-americano, na sequência do fim desta grande guerra, é marcado por sofrer golpes ditatoriais (Brasil, em 1964) [...]. A partir da promulgação da Constituição de 1988, a chamada Constituição Cidadã, o constitucionalismo brasileiro começou a assimilar os avanços trazidos pelo pós-guerra no continente europeu.
O professor Elival da Silva Ramos expõe que o elemento de impulsão do Poder Judiciário no Brasil está relacionado com o modelo de Estado que a constituição de 1988 contemplou, qual seja, o Estado democrático-social, de perfil intervencionista. O autor expõe que “O Estado social-democrático, em contraposição ao Estado Absenteísta do liberalismo, é um Estado atuante, que a tudo provê e que em tudo intervém”.
Nas Palavras de Pedro Lenza, no Estado constitucional de Direito:
Supera-se a ideia de Estado Legislativo de Direito, passando a Constituição a ser o centro do sistema, marcada por uma intensa carga valorativa. A lei e, de um modo geral, os Poderes Públicos, então, devem não só observar a forma prescrita na Constituição, mas, acima de tudo, estar em consonância com o seu espírito, o seu caráter axiológico e os seus valores destacados. A Constituição, assim, adquire, de vez, o caráter de norma jurídica, dotada de imperatividade, superioridade e centralidade, vale dizer, tudo deve ser interpretado a partir da Constituição”.
Pode-se inferir, desse modo, que o modelo adotado pela Constituição de 1988 constitui força impulsionadora da expansão judicial, pois, como foi dotada de extensas garantias e direitos, qualquer cidadão que se sentir lesado ou ameaçado de ver lesado um direito seu poderá buscar amparo no Poder Judiciário. Verifica-se o que foi dito observando o art.5ª, incisos. XXXV, da Constituição Federal de 1988, o qual expõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
A autora Clarissa Tassinari revela que as razões para a ascensão do Poder Judiciário no Brasil, além das que foram expostas, estão fundadas em dois principais pilares.
O primeiro é na configuração de um ambiente de tensão com os demais Poderes do Estado e o segundo é uma crise de democracia. Segunda a renomada autora, isto é decorrência da insatisfação popular, causada pela ausência do cumprimento das promessas inscritas no texto constitucional.
A crise de representatividade ocorre quando os cidadãos não se sentem representados pelos seus governantes. A autora Daiana Kmiecik, afirma que há uma desconfiança da sociedade em relação aos atores políticos devido à ineficácia de suas atividades no sentido de promover os interesses dos representados.
A doutrinadora ainda expõe que a crise de representatividade reflete nos partidos políticos, pois são instituições que representam uma ideologia, uma proposta de governar o Estado, uma concepção do Estado.
Ainda segundo a autora “a razão principal deste distanciamento entre cidadania e parlamentares está na intermediação dos partidos políticos”. Igual pensamento possui o doutrinador Daniel Louis Seiler quando afirma que “os partidos políticos seriam a relação imperfeita do sistema de representação”.
A crise de representatividade também se mostra presente diante das omissões do poder público em efetivar as políticas públicas.
O autor Luís Roberto Gomes revela suas considerações acerca das omissões de políticas públicas:
Quando exerce suas funções, a Administração Pública deve atender as finalidades e interesses públicos, sempre com o objetivo de realizar uma boa administração. Este é o pressuposto para a delegação de poder à administração: o povo, titular do poder político estatal, delega seu exercício ao Poder Público, na figura da Administração, para que esta, através de sua atuação e do cumprimento de sua função, concretize os direitos previstos pelo ordenamento jurídico e consiga bem servir a sociedade.
Através do que foi dito pelos autores é possível compreender que as políticas públicas caracterizam-se como um conjunto de ações desempenhadas pelo Estado, cabendo à Administração Pública prestar esse serviço. Contudo, o que vem ocorrendo é a omissão desse Poder (Executivo) em efetivar as políticas públicas.
Desse modo, devido ao modelo de constituição adota por nosso país, conforme já foi exposto, cabe ao Poder Judiciário efetivar os direitos que deveriam ter sido aplicados nas políticas públicas, fazendo com que, consequentemente, este Poder seja mais acionado, havendo, assim, uma maior expansão judicial.
O autor Marcelo Figueiredo aponta o destacado papel de nossa constituição e seus moldes programáticos na possibilidade de controle judicial das políticas públicas:
Evidentemente, a Constituição brasileira é indubitavelmente programática (ou dirigente) – traça planos, diretrizes e metas – a seus destinatários. Em larga medida, o fundamento da própria política pública está desenhada no texto constitucional o que gera, em muitos casos, a justicialidade desses direitos e toda a polêmica o tema contém. É dizer, a Constituição é em importante elemento de referência e validade para o desenvolvimento de inúmeras políticas públicas nos diversos segmentos e atividades por ela regulados, trançando em maior ou menor grau, os próprios elementos da política pública que devem ser desenvolvidos e concretizados.
Infere-se que, diante da crise de representatividade onde os Poderes Legislativo e Executivo gozam de um imenso desprestígio e desconfiança, surge para o Poder Judiciário a função de garantidor das normas constitucionais, assumindo, dessa forma, uma posição protagonista no cenário institucional brasileiro.
O autor Antonie Garapon também tece sua opinião sobre o assunto, afirmando que “a grande popularidade dos juízes está diretamente ligada ao fato de que foram confrontados com uma nova expectativa política, da qual se sagraram como heróis, e que encarnaram uma nova maneira de conceber a democracia”.
Pode-se perceber, através do voto do Ministro Celso de Mello no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 45, o mesmo posicionamento que foi exposto.
Veja-se o voto do referido Ministro:
Implementar políticas públicas não está entre as atribuições do Supremo Tribunal Federal nem do Poder Judiciário como um todo. Mas é possível atribuir essa incumbência aos ministros, desembargadores e juízes quando o Legislativo e o Executivo deixam de cumprir seus papéis, colocando em risco os direitos individuais e coletivos previsto na Constituição Federal. (ADPF 45)
Assim, constata-se que, dentre os fatores de expansão do Poder Judiciário no Brasil, destaca-se a crise de representatividade e o modelo constitucional. Essa crise está relacionada com a insatisfação dos brasileiros em relação aos representantes, diante dos inúmeros casos de corrupção e inefetividade de políticas públicas.
Dessa forma, como decorrência do enfraquecimento dos Poderes eleitos pelo povo, surge o outro tripé do Estado, agindo como garantidor dos direitos contemplados na Constituição de 1988. Como consequência disso, há, inevitavelmente, uma maior participação do Poder Judiciário no cenário institucional brasileiro, ampliando, assim, sua atuação.
3. CONCLUSÃO
A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Poder Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes.
É cediço que a área de atuação do poder Judiciário está inserida no âmbito jurídico, no entanto, diante de uma atual crise democrática que está enraizada na vida institucional do país devido à ineficiência do Poder Legislativo e Executivo, os doutrinadores passaram a enxergar o ativismo como a solução.
Entretanto, há entendimento contrário ao ativismo judicial, que é o fenômeno da autocontenção judicial. É nesse sentido que o presente trabalho foi elaborado, sendo meio de exposições de diversos posicionamentos acerca da temática “ativismo judicial”.
REFERÊNCIAS
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Advogado. Formado pela ASCES - Faculdade Associação Caruaruense de Ensino Superior.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Lucas Albuquerque. Ativismo judicial: aspectos históricos e conceituais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47213/ativismo-judicial-aspectos-historicos-e-conceituais. Acesso em: 23 dez 2024.
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