RESUMO: O presente artigo analisa o princípio da publicidade no âmbito jurisprudencial. Inicialmente, busca-se compreender no que consiste a Administração Pública e quais são os princípios que a rege. Nesse sentido, observa-se que a publicidade é de suma importância para a eficácia dos atos administrativos. Contudo, há situações em que poderá ser restringida para garantir a proteção dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente.
Palavras-chave: Administração Pública. Princípios administrativos. Publicidade. Jurisprudência.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO, 2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, 3 PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS, 4 APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE, 5 CONCLUSÃO, 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1 INTRODUÇÃO
O princípio da publicidade está consagrado expressamente na Constituição Federal e tem como escopo a transparência dos atos administrativos, permitindo que a sociedade exerça um controle sobre tais condutas, a fim de preservar o interesse público.
A Administração Pública pode ser analisada sob vários aspectos, dentre eles podemos citar o formal e o material. Este se refere à própria atividade administrativa desempenhada, aquele está relacionado ao conjunto de bens, órgãos e agentes.
Nesse sentido, o agente público, no exercício de suas funções, deve observar os princípios administrativos, os quais se encontram previstos de forma expressa ou implícita no ordenamento jurídico. Assim, a jurisprudência vem atribuindo um importante papel ao princípio da publicidade, dando legitimidade às condutas do poder público.
2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A Administração Pública é composta por órgãos que desempenham atividades visando ao bem comum. O exercício do poder público deve estar pautado em normas e princípios tidos como diretrizes essenciais para um bom funcionamento da Administração.
Conforme se encontra na doutrina pátria, a Administração Pública pode ser analisada em sentido amplo ou estrito, bem como sob o aspecto material ou formal.
As funções política e unicamente administrativa estão inseridas no conceito de Administração Pública em sentido amplo, correspondendo cada uma, respectivamente, aos órgãos de governo; aos órgãos e pessoas jurídicas.
De acordo com Alexandrino e Paulo (2008, p. 18), as funções política e administrativa podem ser conceituadas da seguinte forma:
Deve-se entender por função política, neste contexto, o estabelecimento das diretrizes e programas de ação governamental, dos planos de atuação do Governo, a fixação das denominadas políticas públicas. De outra parte, função meramente administrativa resume-se à execução das políticas públicas formuladas no exercício da referida atividade política. (grifo do autor).
Tal definição se enquadra perfeitamente no vocábulo administração, pois a junção das funções política e administrativa faz com que ações desenvolvidas pelo governo sejam colocadas em prática para se atingir as finalidades sociais.
Nota-se que a Administração Pública, apesar de ser vista sob um ângulo mais amplo, não permite que o poder público execute atos ao seu bel prazer. Admite-se a predominância da discricionariedade que, embora possibilite uma margem de escolha, não autoriza a prática de atos que não estejam previstos em lei.
Já a administração pública em sentido estrito é analisada sob outro prisma, referindo-se apenas à função administrativa, excluindo, portanto, a função política.
A Administração Pública em sentido formal, subjetivo ou orgânico engloba os órgãos, as pessoas jurídicas e agentes que atuam na Administração Pública.
Já a Administração Pública em sentido material não diz respeito ao sujeito que exerce a atividade, mas sim à própria atividade desempenhada que pode ser visualizada através do fomento, da polícia administrativa, do serviço público e da intervenção. O fomento estimula a iniciativa privada para que esta desenvolva atividades de utilidade pública. A polícia administrativa é de suma importância para regular o exercício das atividades, pois impõe limites e restrições aos direitos individuais em razão da supremacia do interesse maior, que é o bem comum. O serviço público diz respeito a toda atividade executada no âmbito da Administração Pública, até mesmo que de forma indireta, importando apenas que seja relevante e útil. Por fim, a intervenção caracteriza-se como uma atividade que possui a função de regulamentar a atuação do Estado no setor privado, seja de forma direta ou indireta.
3 PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS
A Constituição Federal de 1988 prevê princípios que auxiliam na atividade desempenhada pela Administração Pública. De acordo com Cretella Júnior (apud DI PIETRO, 2010, p. 62), “princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturações subsequentes. Princípios, neste sentido, são os alicerces da ciência”. (grifo do autor).
No art. 37 da Constituição Federal estão previstos os seguintes princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O princípio da legalidade está inserido em todos os ramos do Direito devendo ser observado de maneira minuciosa. No tocante à Administração Pública, a legalidade é essencial para a execução das atividades administrativas, pois estas devem obrigatoriamente seguir o que a lei estabelece.
Tal princípio pode ser visualizado sob duas vertentes: com relação ao particular e à Administração. A legalidade atua entre os particulares baseada na autonomia da vontade, ou seja, é dado o direito a eles de fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Já a Administração não pode agir dessa forma, pois a sua atuação só será possível se houver previsão legal, caso contrário o ato não poderá ser praticado. A Constituição em seu art. 5º, II, trata do princípio da legalidade no âmbito dos particulares quando estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
O princípio da legalidade serve para impor limites aos administradores, regulamentando e fiscalizando a execução de suas funções para que não ocasione a prática de atos ímprobos, ou seja, atos que atentam contra a honradez da Administração.
No que se refere ao princípio da impessoalidade, a doutrina costuma tratá-lo sob dois ângulos. Um deles está diretamente ligado à finalidade e o outro se refere ao fato do administrador não poder fazer promoção pessoal em razão da função exercida.
Conforme a primeira acepção, a impessoalidade é um princípio que busca fazer com que as atividades executadas pela Administração sejam direcionadas à finalidade pública, sem que haja discriminações e favorecimentos. Esse mandamento visa a estabelecer uma isonomia, impedindo que ocorra desvio de finalidade. Este pode ser visualizado no seguinte exemplo trazido por Alexandrino e Paulo (2008, p. 199):
Imagine-se que um servidor, um Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil, peça licença para capacitação, prevista no art. 87 da Lei nº 8.112/1990, a fim de participar de um curso de pintura em porcelana. São os seguintes os termos do citado dispositivo legal: “Após cada quinquênio de efetivo exercício, o servidor poderá, no interesse da Administração, afastar-se do exercício do cargo efetivo, com a respectiva remuneração, por até três meses, para participar de curso de capacitação profissional.” Suponhamos que a licença seja concedida. Nesse caso, temos desvio da finalidade geral e da finalidade específica, pois o ato é contrário ao interesse público (o servidor ficará remuneradamente sem trabalhar para fazer um curso que não interessa a suas atribuições) e é contrário à finalidade específica da lei (pintura em porcelana não é, para esse servidor, “capacitação profissional”).
Com relação à proibição de promoção pessoal em razão da atividade exercida, o princípio da impessoalidade combate tal prática, pois o ato administrativo praticado deve ser entendido como ato da Administração e não como ato pessoal de determinado agente público. Essa vertente pode ser apreciada também tomando como parâmetro o previsto no § 1º do artigo 37 da Constituição que se encontra textualmente assim redigido:
A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
O princípio da moralidade exige dos agentes públicos uma conduta ilibada pautada na ética profissional. A moralidade é algo defendido por todos aqueles que lutam contra a existência de desvio de poder e de atos realizados com fins ilícitos.
A moralidade é considerada como um requisito de validade do ato administrativo, pois a sua inobservância acarreta a nulidade do ato. A apreciação dessa legitimidade pode ser feita pela própria Administração, bem como, por meio de provocação, pelo Poder Judiciário.
Vale destacar que o princípio da moralidade possui uma ligação com o princípio da legalidade, uma vez que, a prática de determinados atos contrários aos padrões de boa-fé e probidade poderá representar uma ofensa direta à lei.
A ausência de moralidade acarreta muitos prejuízos para as atividades da Administração, o que interfere no interesse coletivo. Para que haja uma supervisão dos atos administrativos, o poder judiciário pode resguardar o decoro e a ética mediante o meio processual denominado de ação popular, previsto constitucionalmente no art. 5º, LXXIII:
Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo, comprovada má-fé, isentos de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
Sendo assim, observa-se que o controle judicial é essencial para a tutela dos bens jurídicos ressaltados na referida norma. O bom administrador deve ter conhecimento não apenas do que a lei determina como também dos princípios que regem a Administração. A obediência a esses elementos impede a configuração de improbidade administrativa.
O princípio da eficiência foi inserido na Constituição Federal de 1988 mediante a Emenda Constitucional nº 19/98. Constatava-se uma grande deficiência nos serviços públicos, o que era flagrantemente observado em razão dos inúmeros prejuízos causados aos administrados.
Surgiu a necessidade de uma atuação administrativa ligada diretamente ao que se chama de economicidade e produtividade. A junção desses elementos é essencial para a organização da Administração, pois, além de evitar desperdícios financeiros, possibilita a execução dos serviços de maneira mais rápida e com qualidade.
Alexandrino e Paulo (2008, p. 202) preceituam em sua obra que:
Eficiência tem como corolário a boa qualidade. A partir da positivação desse princípio como norte da atividade administrativa, a sociedade passa a dispor de base jurídica expressa para exigir a efetividade do exercício de direitos sociais, como a educação e a saúde, os quais têm que ser garantidos pelo Estado com qualidade ao menos satisfatória. Pelo mesmo motivo, o cidadão passa a ter o direito de questionar a qualidade das obras e atividades públicas, exercidas diretamente pelo Estado ou por seus delegatários.
Infere-se da eficiência, portanto, uma atividade desempenhada sob a égide dos preceitos legais, de forma que seja possível garantir o exercício dos direitos da coletividade atingindo, pois, os melhores resultados na prestação do serviço público.
Esses princípios estão previstos expressamente, contudo, há também os princípios implícitos. Dentre eles, encontra-se o princípio da supremacia do interesse público que, como o próprio nome já diz, possui como função principal preservar o bem comum, qual seja, o interesse público. Ele está inserido no âmbito do direito público, embora este possua normas que amparam interesses particulares.
À Administração é dada a prerrogativa, por exemplo, de intervir na propriedade privada para tutelar o interesse geral. Trata-se de um poder-dever do Estado que deve obrigatoriamente ser exercido, não podendo haver omissão quando se estiver diante de um ilícito administrativo.
Sendo assim, ocorrendo conflito entre o interesse público e o interesse privado, o primeiro prevalecerá em decorrência dessa finalidade coletiva que deve estar intrinsecamente ligada à função administrativa.
Outro princípio que regulamenta o serviço público é o da autotutela que consiste na possibilidade da Administração rever seus atos, de maneira que possa anulá-los, quando constatada ilegalidade, e revogá-los, quando se apresentarem inconvenientes ou inoportunos. Esse controle pode ser exercido pela Administração, de ofício, diferenciando-se do controle judicial que só poderá ser realizado mediante provocação. Além disso, não cabe ao Poder Judiciário apreciar a conveniência de um ato, mas sim a sua legalidade.
Encontra-se consagrado na Súmula 346 do Supremo Tribunal Federal que “a Administração Publica pode declarar a nulidade dos seus próprios atos". Nesse sentido a Súmula 473 prevê:
A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Já o princípio da continuidade dos serviços públicos como todos os outros, preza pelo interesse coletivo. A prestação de tais serviços não deve sofrer interrupções. Essa proibição se aplica também aos particulares que exercem atividades por meio de delegação. Há casos em que a atividade pode ser temporariamente paralisada. Isso se dá, por exemplo, mediante a realização de ajustes técnicos, o que possibilita a viabilidade da atividade.
Em consonância com o princípio da supremacia do interesse público está o princípio da indisponibilidade do interesse público, pois os bens e interesses coletivos não pertencem aos agentes públicos e tampouco à Administração. Em observância a esse princípio, não é possível a alienação de um bem público que esteja destinado a uma finalidade social específica.
A doutrina costuma classificar o interesse público em primário e secundário. Nesse contexto, Alexandrino e Paulo (2008, p. 191) comentam que “os interesses públicos primários são os interesses diretos do povo, os interesses gerais imediatos. Já os interesses públicos secundários são os interesses imediatos do Estado na qualidade de pessoa jurídica, titular de direitos e obrigações”.
Por fim, vale enfatizar que a indisponibilidade do interesse público está intimamente ligada à legalidade, devendo o administrador agir conforme os limites impostos pela lei.
Ainda tratando dos princípios implícitos, visualiza-se o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade que são diretrizes aplicáveis a todos os ramos do Direito. Na esfera do direito administrativo, o princípio da razoabilidade é identificado como o gênero e a proporcionalidade como uma de suas vertentes conforme entendimento de Alexandrino e Paulo (2008, p. 204):
Na seara do direito administrativo, pensamos ser mais usual a referência a “princípio da razoabilidade” como um gênero, constituindo a noção de proporcionalidade uma de suas vertentes, comumente relacionada a situações que envolvam atos administrativos sancionatórios.
Nessa linha de raciocínio, tanto a razoabilidade quanto a proporcionalidade servem de instrumentos de controle da Administração Pública. A razoabilidade abrange a adequação e a necessidade. Esta consiste na análise dos meios utilizados para atingir os objetivos sociais sem que haja prejuízos. Já a adequação exige que o ato seja compatível com a finalidade almejada. A proporcionalidade coíbe o excesso de poder para que não haja danos para a sociedade, impedindo, assim, restrições nos direitos.
A Administração Pública é também regida pelos princípios da segurança jurídica, da proteção à confiança e da boa-fé. A segurança jurídica garante uma estabilidade nas decisões tomadas no âmbito administrativo. Ela impede que mudanças nas normas afetem situações já consolidadas com base em dispositivos anteriores. A Lei nº 9.784/99 traz, expressamente, no art. 2º, caput, o princípio da segurança jurídica, “a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.”.
O princípio da proteção à confiança leva em consideração o princípio da boa-fé, pois parte do pressuposto que os atos praticados pelo agente público são legítimos, éticos e pautados no bem comum. Nas palavras de Di Pietro (2010), a boa-fé possui um aspecto objetivo que está ligado à conduta honesta, e um aspecto subjetivo, que se refere ao fato da pessoa acreditar que está atuando corretamente.
4 APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
O princípio da publicidade pode ser analisado tomando como base o fato do interesse público ser indisponível. Tal característica exige que o administrador atue de forma transparente, de modo que seja possível o controle de legitimidade.
Como regra, os atos administrativos devem ser publicados em órgão oficial para que possam ter eficácia. Além disso, os atos devem ser motivados, ou seja, devem vir acompanhados da exposição de motivos que os originaram.
A Constituição prevê dois instrumentos que exigem a observância do princípio da publicidade: o direito de petição e de certidões que estão presentes no art. 5º, XXXIV, “a” e “b”, respectivamente. Quando houver impedimento ao exercício desses direitos, caberá o mandado de segurança e o habeas data, conforme o caso em concreto.
Nesse contexto, surgiu a Lei nº 12.527/11 que regula o acesso à informação. Subordinam-se ao regime desta lei todos os entes da Administração Direta e Indireta, bem como as entidades particulares que recebam recursos públicos.
Segundo o art. 10 da mencionada lei, “qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos e entidades referidos no art. 1o desta Lei, por qualquer meio legítimo, devendo o pedido conter a identificação do requerente e a especificação da informação requerida”.
Impende frisar que a inobservância ao princípio da publicidade pode caracterizar um ato de improbidade, nos termos do art. 11, IV, da Lei nº 8.429/92.
Embora todos tenham direito a obter informações de cunho pessoal ou coletivo, há situações em que deverá ser resguardado o sigilo em benefício da segurança social conforme estabelecido no art. art. 5º, XXXIII, da CF. Nesse diapasão, a Lei de acesso à informação estabelece as situações nas quais a divulgação será restrita:
Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam:
I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional;
II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais;
III - pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população;
IV - oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País;
V - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas;
VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional;
VII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou
VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações.
O princípio da publicidade é bastante utilizando no âmbito jurisprudencial, uma vez que permite o controle da sociedade acerca dos atos praticados pelos agentes públicos.
O art. 5º, X e XII, da CF, assegura a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, bem como do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas. A jurisprudência entende que o sigilo bancário é uma espécie do direito à intimidade. Em contrapartida, diante de fatos que exijam a apresentação de contas públicas, a proteção a este direito não ocorrerá, prevalecendo o princípio da publicidade. É o que se extrai do julgado abaixo:
Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTROLE LEGISLATIVO FINANCEIRO. CONTROLE EXTERNO. REQUISIÇÃO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO DE INFORMAÇÕES ALUSIVAS A OPERAÇÕES FINANCEIRAS REALIZADAS PELAS IMPETRANTES. RECUSA INJUSTIFICADA. DADOS NÃO ACOBERTADOS PELO SIGILO BANCÁRIO E EMPRESARIAL. 1. O controle financeiro das verbas públicas é essencial e privativo do Parlamento como consectário do Estado de Direito (IPSEN, Jörn. Staatsorganisationsrecht. 9. Auflage. Berlin: Luchterhand, 1997, p. 221). 2. O primado do ordenamento constitucional democrático assentado no Estado de Direito pressupõe uma transparente responsabilidade do Estado e, em especial, do Governo. (BADURA, Peter. Verfassung, Staat und Gesellschaft in der Sicht des Bundesverfassungsgerichts. In: Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz. Festgabe aus Anlass des 25jähringe Bestehens des Bundesverfassungsgerichts. Weiter Band. Tübingen: Mohr, 1976, p. 17.) 3. O sigilo de informações necessárias para a preservação da intimidade é relativizado quando se está diante do interesse da sociedade de se conhecer o destino dos recursos públicos. 4. Operações financeiras que envolvam recursos públicos não estão abrangidas pelo sigilo bancário a que alude a Lei Complementar nº 105/2001, visto que as operações dessa espécie estão submetidas aos princípios da administração pública insculpidos no art. 37 da Constituição Federal. Em tais situações, é prerrogativa constitucional do Tribunal [TCU] o acesso a informações relacionadas a operações financiadas com recursos públicos. 5. O segredo como “alma do negócio” consubstancia a máxima cotidiana inaplicável em casos análogos ao sub judice, tanto mais que, quem contrata com o poder público não pode ter segredos, especialmente se a revelação for necessária para o controle da legitimidade do emprego dos recursos públicos. É que a contratação pública não pode ser feita em esconderijos envernizados por um arcabouço jurídico capaz de impedir o controle social quanto ao emprego das verbas públicas. 6. “O dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos impõe não haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 114). 7. O Tribunal de Contas da União não está autorizado a, manu militari, decretar a quebra de sigilo bancário e empresarial de terceiros, medida cautelar condicionada à prévia anuência do Poder Judiciário, ou, em situações pontuais, do Poder Legislativo. Precedente: MS 22.801, Tribunal Pleno, Rel. Min. Menezes Direito, DJe 14.3.2008. 8. In casu, contudo, o TCU deve ter livre acesso às operações financeiras realizadas pelas impetrantes, entidades de direito privado da Administração Indireta submetidas ao seu controle financeiro, mormente porquanto operacionalizadas mediante o emprego de recursos de origem pública. Inoponibilidade de sigilo bancário e empresarial ao TCU quando se está diante de operações fundadas em recursos de origem pública. Conclusão decorrente do dever de atuação transparente dos administradores públicos em um Estado Democrático de Direito. 9. A preservação, in casu, do sigilo das operações realizadas pelo BNDES e BNDESPAR com terceiros não, apenas, impediria a atuação constitucionalmente prevista para o TCU, como, também, representaria uma acanhada, insuficiente, e, por isso mesmo, desproporcional limitação ao direito fundamental de preservação da intimidade. 10. O princípio da conformidade funcional a que se refere Canotilho, também, reforça a conclusão de que os órgãos criados pela Constituição da República, tal como o TCU, devem se manter no quadro normativo de suas competências, sem que tenham autonomia para abrir mão daquilo que o constituinte lhe entregou em termos de competências.(CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª edição. Coimbra: Almedina, 2002, p. 541.) 11. A Proteção Deficiente de vedação implícita permite assentar que se a publicidade não pode ir tão longe, de forma a esvaziar, desproporcionalmente, o direito fundamental à privacidade e ao sigilo bancário e empresarial; não menos verdadeiro é que a insuficiente limitação ao direito à privacidade revelar-se-ia, por outro ângulo, desproporcional, porquanto lesiva aos interesses da sociedade de exigir do Estado brasileiro uma atuação transparente. 12. No caso sub examine: I) O TCU determinou o fornecimento de dados pela JBS/Friboi, pessoa que celebrou contratos vultosos com o BNDES, a fim de aferir, por exemplo, os critérios utilizados para a escolha da referida sociedade empresária, quais seriam as vantagens sociais advindas das operações analisadas, se houve cumprimento das cláusulas contratuais, se as operações de troca de debêntures por posição acionária na empresa ora indicada originou prejuízo para o BNDES. II) O TCU não agiu de forma imotivada e arbitrária, e nem mesmo criou exigência irrestrita e genérica de informações sigilosas. Sobre o tema, o ato coator aponta a existência de uma operação da Polícia Federal denominada Operação Santa Tereza que apontou a existência de quadrilha intermediando empréstimos junto ao BNDES, inclusive envolvendo o financiamento obtido pelo Frigorífico Friboi. Ademais, a necessidade do controle financeiro mais detido resultou, segundo o decisum atacado, de um “protesto da Associação Brasileira da Indústria Frigorífica (Abrafigo) contra a política do BNDES que estava levanto à concentração econômica do setor”. III) A requisição feita pelo TCU na hipótese destes autos revela plena compatibilidade com as atribuições constitucionais que lhes são dispensadas e permite, de forma idônea, que a sociedade brasileira tenha conhecimento se os recursos públicos repassados pela União ao seu banco de fomento estão sendo devidamente empregados. 13. Consequentemente a recusa do fornecimento das informações restou inadmissível, porquanto imprescindíveis para o controle da sociedade quanto à destinação de vultosos recursos públicos. O que revela que o determinado pelo TCU não extrapola a medida do razoável. 14. Merece destacar que in casu: a) Os Impetrantes são bancos de fomento econômico e social, e não instituições financeiras privadas comuns, o que impõe, aos que com eles contratam, a exigência de disclosure e de transparência, valores a serem prestigiados em nossa República contemporânea, de modo a viabilizar o pleno controle de legitimidade e responsividade dos que exercem o poder. b) A utilização de recursos públicos por quem está submetido ao controle financeiro externo inibe a alegação de sigilo de dados e autoriza a divulgação das informações necessárias para o controle dos administradores, sob pena de restar inviabilizada a missão constitucional da Corte de Contas. c) À semelhança do que já ocorre com a CVM e com o BACEN, que recebem regularmente dados dos Impetrantes sobre suas operações financeiras, os Demandantes, também, não podem se negar a fornecer as informações que forem requisitadas pelo TCU. 15. A limitação ao direito fundamental à privacidade que, por se revelar proporcional, é compatível com a teoria das restrições das restrições (Schranken-Schranken). O direito ao sigilo bancário e empresarial, mercê de seu caráter fundamental, comporta uma proporcional limitação destinada a permitir o controle financeiro da Administração Publica por órgão constitucionalmente previsto e dotado de capacidade institucional para tanto. 16. É cediço na jurisprudência do E. STF que: “ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – PUBLICIDADE. A transparência decorre do princípio da publicidade. TRIBUNAL DE CONTAS – FISCALIZAÇÃO – DOCUMENTOS. Descabe negar ao Tribunal de Contas o acesso a documentos relativos à Administração Pública e ações implementadas, não prevalecendo a óptica de tratar-se de matérias relevantes cuja divulgação possa importar em danos para o Estado. Inconstitucionalidade de preceito da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Ceará que implica óbice ao acesso.” (ADI 2.361, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 23/10/2014). 17. Jusfilosoficamente as premissas metodológicas aplicáveis ao caso sub judice revelam que: I - “nuclearmente feito nas pranchetas da Constituição. Foi o legislador de primeiríssimo escalão quem estruturou e funcionalizou todos eles (os Tribunais de Contas), prescindindo das achegas da lei menor. (...) Tão elevado prestígio conferido ao controle externo e a quem dele mais se ocupa, funcionalmente, é reflexo direto do princípio republicano. Pois, numa República, impõe-se responsabilidade jurídica pessoal a todo aquele que tenha por competência (e consequente dever) cuidar de tudo que é de todos”. (BRITTO, Carlos Ayres. O regime constitucional dos Tribunais de Contas. In: Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Volume 8. 2º semestre de 2014. Rio de Janeiro: TCE-RJ, p. 18 e 20) II - “A legitimidade do Estado Democrático de Direito depende do controle da legitimidade da sua ordem financeira. Só o controle rápido, eficiente, seguro, transparente e valorativo dos gastos públicos legitima o tributo, que é o preço da liberdade. O aperfeiçoamento d controle é que pode derrotar a moral tributária cínica, que prega a sonegação e a desobediência civil a pretexto da ilegitimidade da despesa pública. (TORRES, Ricardo Lobo. Uma Avaliação das Tendências Contemporâneas do Direito Administrativo. Obra em homenagem a Eduardo García de Enterría. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 645) 18. Denegação da segurança por ausência de direito material de recusa da remessa dos documentos.
(MS 33340, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 26/05/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-151 DIVULG 31-07-2015 PUBLIC 03-08-2015). (grifo nosso).
Faz-se mister ressaltar que o princípio da publicidade deve ser analisado em conjunto com outras diretrizes do ordenamento jurídico. O Superior Tribunal de Justiça entendeu que a convocação para determinada fase de um concurso público exclusivamente por diário oficial e pela internet, quando já houver transcorrido considerável lapso temporal entre a homologação e a publicação da nomeação, viola a razoabilidade, sendo necessária a intimação pessoal:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CONVOCAÇÃO DO CANDIDATO PARA NOVA ETAPA DO CERTAME, POR MEIO DE PUBLICAÇÃO EM DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO, CONFORME PREVISÃO EDITALÍCIA. LONGO LAPSO TEMPORAL ENTRE AS FASES DO CERTAME. NECESSIDADE DE NOTIFICAÇÃO PESSOAL. PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E RAZOABILIDADE.
1. O STJ firmou o entendimento de que "caracteriza violação ao princípio da razoabilidade a convocação para determinada fase de concurso público, mediante publicação do chamamento em diário oficial e pela Internet, quando passado considerável lapso temporal entre a homologação final do certame e a publicação da nomeação, uma vez que é inviável exigir que o candidato acompanhe, diariamente, durante longo lapso temporal, as publicações no Diário Oficial e na Internet" (MS 15.450/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeiro Seção, julgado em 24/10/2012, DJe 12/11/2012).
2. Destaca-se que os documentos que o ora recorrente instruiu a impetração demonstram a sua alegação de que, desde a homologação do resultado final do certame, em 11 de abril de 2013, as convocações dos candidatos em cadastro reserva se deram somente mediante publicação no Diário Oficial do estado em 12 de junho de 2015, cerca de dois anos após a homologação.
3. Recurso Ordinário provido.
(RMS 50.924/BA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/2016, DJe 01/06/2016)
Destarte, observa-se que a publicidade é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, sendo considerada, inclusive, como condição de eficácia. Contudo, sua aplicação deverá se dar através da interpretação dos demais princípios administrativos, podendo ser preterida diante das circunstâncias do caso concreto.
5 CONCLUSÃO
A Carta Magna menciona expressamente os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A observância aos referidos mandamentos é primordial para um bom gerenciamento da Administração Pública.
Para que o Estado consiga alcançar o bem comum, o administrador deve possuir funções impostas como deveres que a doutrina enumera da seguinte forma: dever de probidade, de eficiência, de prestar contas e o poder-dever de agir.
Nesse contexto, destaca-se o princípio da publicidade, o qual permite a fiscalização e a revisão dos atos administrativos. Esse controle combate o chamado abuso de poder, evitando que o interesse público seja prejudicado em detrimento dos interesses particulares.
No entanto, vale ressaltar que há situações que possibilitam a restrição da publicidade. Isso se deve ao fato da Constituição Federal garantir a inviolabilidade de direitos fundamentais, como a vida privada, a honra e a imagem. Assim, a jurisprudência aplica tal entendimento de acordo com o caso concreto, levando-se em consideração todos os princípios que norteiam o ordenamento jurídico.
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 16. ed. São Paulo: Método, 2008.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> Acesso em: 27 jul. 2016.
______. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/> Acesso em: 27 jul. 2016.
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Advogada. Graduada pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ. Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Anhaguera - Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Marcella Gomes do. Análise jurisprudencial acerca do princípio da publicidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 ago 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47239/analise-jurisprudencial-acerca-do-principio-da-publicidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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