RESUMO: Trata-se de artigo em que se dissertou acerca da responsabilidade civil do empregador frente a acidente de trabalho sofrido por empregado. Destacou-se a previsão constitucional, inciso XXVIII do art. 7º, no sentido de que a indenização é devida pelo empregador quando este incorrer em dolo ou culpa. Frisou-se, no entanto, que o Tribunal Superior do Trabalho entende pela aplicabilidade do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, segundo o qual há a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Ou seja, como regra a responsabilidade do empregador por acidente de trabalho é subjetiva, mas há determinados casos, como aqueles em que a atividade desenvolvida é de risco, em que se aplica a responsabilidade objetiva.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Empregador. Constituição Federal. Responsabilidade Subjetiva. Código Civil. Atividade de risco. Aplicabilidade. Responsabilidade Objetiva.
INTRODUÇÃO
O presente artigo visa dissertar sobre a responsabilidade civil do empregador, se objetiva ou subjetiva, pelo acidente de trabalho sofrido pelo empregado, expondo as razões de forma fundamentada. Para tanto, se realizou uma análise prioritariamente constitucional, no entanto, sem olvidar os ditames infraconstitucionais sobre a matéria. Cumpre, desde logo, alertar que a temática não é pacífica, de modo que serão expostos os fundamentos das duas correntes, sendo explicado como se posicionam doutrina e jurisprudência.
DESENVOLVIMENTO
Inicialmente colaciono o art. 7º, caput e inciso XXVIII da carta magna, a fim de tecer alguns comentários sobre o dispositivo que trata especificamente do tema em análise. Vejamos: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.
Antes de nos aprofundarmos na análise da parte final do inciso XXVIII do artigo supracitado é interessante que façamos a distinção entre o seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, e a indenização prevista no caso de dolo ou culpa, para que se evite qualquer interpretação equivocada.
Segundo Ricardo Resende (2014, pág. 1131) “o Seguro contra Acidentes de Trabalho – SAT não é um seguro que o empregador deva contratar junto a uma seguradora, como um seguro de vida ou um seguro contra acidentes pessoais, por exemplo.” Trata-se na verdade de seguro financiado pelo empregador através de contribuição de natureza previdenciária, que servirá para o custeio do auxílio-doença acidentário a ser concedido ao empregado pelo INSS quando esse incorrer em uma das hipóteses de acidente de trabalho.
O auxílio previdenciário será utilizado para a subsistência do empregado, que a partir do 16º (décimo sexto) dia de afastamento tem o seu contrato de trabalho suspenso, deixando, então, de receber salários por parte do empregador.
Ocorre que somente o auxílio previdenciário pode não ser suficiente para recompor o status quo ante. Ricardo Resende (2014, pág. 1131) aduz que:
Tendo em vista que a proteção previdenciária não é plena, ao passo que não cobre os lucros cessantes, os danos emergentes e os danos morais, a Constituição manteve a responsabilidade do empregador, em caso de dolo ou culpa, pela indenização decorrente de eventual ação de reparação de danos materiais e/ou morais.
A indenização decorrente do acidente do trabalho, objeto central deste trabalho, tem tratamento jurídico diferente do dispensado em relação à contribuição previdenciária do SAT. A indenização a ser paga pelo empregador, em regra, não depende única e exclusivamente da ocorrência do dano gerador da incapacidade laboral e do nexo de causalidade com o trabalho. A Constituição Federal exige expressamente o elemento dolo ou, pelo menos, a culpa para que o empregador seja responsabilizado.
A indenização, se devida, terá o condão de ressarcir os danos emergentes, que correspondem ao que o empregado efetivamente perdeu; lucros cessantes, que correspondem ao que o empregado deixou de ganhar e danos morais, que são aqueles decorrentes de lesões a direitos da personalidade. No sentido da responsabilidade subjetiva, vejamos decisão do TST em recurso de revista:
RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. ACIDENTE DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO EMPREGADOR. O direito de o empregado ser indenizado pela empresa, quando sofrer acidente do trabalho ou for acometido de doença ocupacional, depende da comprovação de dano de ordem moral e/ou material, gerado por conduta omissiva ou comissiva, dolosa ou culposa do empregador. Aplicação do artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal. No presente caso, o acórdão recorrido consignou a ausência de dolo ou culpa da empregadora, em relação ao infortúnio ocorrido. Afirmou que o reclamante consignou ter recebido treinamento específico para o exercício das atividades no trânsito. Restou registrado ausência de culpa ou dolo do empregador no episódio que ocasionou a redução da capacidade laboral do reclamante. Entendimento diverso demandaria o reexame dos fatos e das provas, o que encontra óbice na Súmula 126, do TST. Recurso de revista de que não se conhece.
(TST - RR: 9953800422006509 9953800-42.2006.5.09.0011, Relator: Pedro Paulo Manus, Data de Julgamento: 09/08/2011, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/08/2011) (grifo nosso)
Como podemos extrair do julgado, a responsabilidade do empregador por acidente do trabalho, é de fato subjetiva, nos termos da Constituição Federal de 1988. Todavia, não podemos deixar de mencionar que o colendo Tribunal Superior do Trabalho vem aplicando a responsabilidade objetiva com base na teoria do risco da atividade econômica nos casos em que a atividade exercida tem potencial ofensivo além do razoável, sendo considerada atividade de risco. Como exemplo, destaco trecho de notícia veiculada no site do TST:
A decisão foi reformada pela Sexta Turma do TST no exame de recurso de revista do trabalhador, que condenou a Sidor a indenizá-lo em R$ 5 mil. O fundamento foi a teoria do risco da atividade econômica, prevista no artigo 2º da CLT, e o mesmo artigo 927 do Código Civil, que, no parágrafo único, prevê a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (grifo nossso)
Com base no entendimento supramencionado houve decisão recente do TST, publicada em 23 de março de 2016, atribuindo responsabilidade objetiva ao empregador com fundamento no parágrafo único do art. 927 do Código Civil:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRABALHO. LIDA COM GADO. Ante a aparente violação do art. 927, parágrafo único, do CC/2002, nos termos exigidos no artigo 896 da CLT, provê-se o agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista . RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRABALHO. LIDA COM GADO . Trata-se de debate acerca da possibilidade da adoção de responsabilidade objetiva por acidente de trabalho sofrido por trabalhador, que levou coice de rês do lado esquerdo da face, causando-lhe fratura da mandíbula, corte interno do lábio inferior esquerdo, e culminando com a necessidade de uma cirurgia buco-maxilo - facial para redução cruenta da fratura com fixação interna rígida. A norma constitucional prevista no art. 7º, XXVIII, trata de garantia mínima do trabalhador e não exclui a regra do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, o qual, por sua vez, atribui responsabilidade civil mais ampla ao empregador. A regra de direito civil é perfeitamente aplicável de forma supletiva no Direito do Trabalho, haja vista a omissão das leis laborais e a sua afinidade com o fim de assegurar a dignidade e a integridade física e psíquica do empregado em seu ambiente laboral. Tratando-se de atividade de risco, o fato de terceiro capaz de rompê-lo seria apenas aquele completamente alheio ao risco inerente à atividade desenvolvida. Precedentes do TST. Recurso de revista conhecido e provido.
(TST - RR: 2863820125030134, Relator: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 16/03/2016, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 22/03/2016)
No mesmo sentido foi o julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em sede de recurso ordinário, vejamos:
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR POR ACIDENTE DO TRABALHO. CABIMENTO. Não obstante a regra geral seja a da responsabilidade subjetiva do empregador, nas atividades de risco, é plenamente aplicável o art. 927, parágrafo único do Código Civil. O dispositivo legal em questão adotou a teoria do risco criado. A expressão "por sua natureza" constante no texto legal quer dizer que o risco deve ser acima do risco genérico, vale dizer, do risco médio da coletividade em geral.
(TRT-2 - RO: 00019168220125020385 SP 00019168220125020385 A28, Relator: IVANI CONTINI BRAMANTE, Data de Julgamento: 18/03/2014, 4ª TURMA, Data de Publicação: 28/03/2014)
Como visto, os tribunais vem aplicando a teoria da responsabilidade objetiva, ou seja, da responsabilidade independente da aferição de culpa em sentido amplo, nos casos em que a atividade exercida é de risco. É um entendimento que, como visto, vem sendo seguido pelo Tribunal Superior do Trabalho e por Tribunais Regionais do Trabalho. No entanto, é passível de questionamento a coerência jurídica desse entendimento. Afinal, pode uma norma geral prevista no código civil de 2002 ser aplicada em detrimento de uma norma especial prevista na Constituição Federal de 1988?
Há quem entenda que não. Alguns estudiosos defendem que a aplicação do princípio da proteção, no viés da norma mais favorável, deve respeitar as regras basilares de hermenêutica jurídica e, portanto, não seria possível a aplicação da teoria do risco, cujo fundamento legal encontra-se na norma geral.
Todavia, apesar de este ser um argumento forte, compartilho do entendimento que admite a aplicação do parágrafo único do art. 927 do código civil, que se refere à precitada teoria do risco, que resulta na responsabilidade objetiva. Compartilho deste entendimento, pois acredito que o código civil não está sendo aplicado em detrimento de norma prevista na carta magna, mas ao contrário, está sendo aplicado em consonância com o caput do art. 7º da nossa Constituição Republicana. Este dispositivo diz que “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social” (grifo nosso). A parte em destaque autoriza expressamente que o legislador infraconstitucional amplie os direitos dos trabalhadores. Os direitos elencados no art. 7º são garantias mínimas. Não seria razoável interpretá-los de forma a impedir que novas normas fossem criadas em benefício dos trabalhadores.
Na I Jornada de Direito e Processo do Trabalho, promovida pelo TST e pela ANAMATRA, foi a provado o enunciado nº 37 que corrobora nosso entendimento:
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA NO ACIDENTE DE TRABALHO. ATIVIDADE DE RISCO. Aplica-se o art. 927, parágrafo único, do Código Civil nos acidentes do trabalho. O art. 7º, XXVIII, da Constituição da República, não constitui óbice à aplicação desse dispositivo legal, visto que seu caput garante a inclusão de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores. (grifo nosso)
Os enunciados das Jornadas de Direito e Processo do Trabalho não têm força vinculante, no entanto, assim como as obras doutrinárias, orientam a atuação dos juristas.
CONCLUSÃO
Concluímos, então, que a regra é a responsabilidade subjetiva do empregador por força do disposto no inciso XXVIII do art. 7º da Constituição Federal, mas que é possível a aplicação da responsabilidade objetiva com base na teoria do risco da atividade econômica com base no caput do art. 7º da Constituição Federal e no parágrafo único do art. 927 do novo código civil.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
______. Constituição Federal de 1988. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
FEIJÓ, Carmem. Notícias do TST. Brasília, 25 abr. 2013. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/teoria-do-risco-da-atividade-garante-indenizacao-a-torneiro-mecanico-acidentado>. Acesso em: 6 ago. 2016.
RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho. 4ª ed. Ver., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014
Advogado (OAB/CE 29324)/ Servidor Público / Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza / Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de Fortaleza.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRITO, Paulo Eduardo Feitosa. Responsabilidade do empregador por acidente de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47264/responsabilidade-do-empregador-por-acidente-de-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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