Resumo: O presente trabalho busca abordar o precedente judicial enquanto fonte do direito sob uma perspectiva eminentemente teórica. Partir-se-á, para tal fim, de noções filosóficas relativas à interpretação jurídica, como a diferença entre texto e norma, círculo hermenêutico, conceitos de intepretação e compreensão. Além disso, fundamentar-se-á com base em aspectos atinentes à teoria da norma jurídica como fenômeno comunicativo, bem como em aspectos relativos à estrutura interna da norma, na perspectiva abordada por Hans Kelsen e Tércio Sampaio Ferraz Jr.; bem como sua construção pelo intérprete, pautada pelo texto, âmbito e programa normativo, conforme delineamentos de Friedrich Müller. No mais, alguns conceitos normalmente utilizados pela doutrina com base na tradição do Common Law, tais como, ratio decidendi e obiter dictum, serão reformulados a fim de adequá-los ao sistema jurídico nacional e aos modernos delineamentos esboçados quanto à interpretação jurídica. Por fim, as concepções abordadas serão utilizadas para argumentar a favor da “obrigatoriedade” de determinadas decisões judiciais proferidas no bojo do sistema decisório brasileiro.
Palavras-chaves: Precedente Judicial. Ratio decidendi. Texto Normativo. Teoria das Fontes do Direito. Teoria Geral do Direito. Filosofia do Direito. Hermenêutica Jurídica.
1. A JURISPRUDENCIA COMO FONTE DO DIREITO NA VISÃO DE KELSEN
Resumindo o caminho até então perfilhado, fora visto o pensamento de dois autores nacionais, sendo certo que ambos fazem a distinção entre norma jurídica geral e individual. Argumentou-se, sobretudo mediante ataque ao “aplicacionismo” e levando em conta a estrutura da norma jurídica, bem como por outros motivos expostos acima, contra a pertinência teórica de tal distinção, ressaltando que esta não resiste às premissas adotadas. Afirmou-se, por fim, que a ratio decidendi é a própria norma jurídica criada no momento de construção da norma.
Esta última concepção permitiria que as decisões judiciais fossem vistas como fontes do direito. Concebendo-se o direito em moldes sistemáticos tipicamente kelseniano, temos que, como dito anteriormente, somente as normas podem ser fontes de outras normas[1] e, portanto, a ratio decidendi poderia ser fonte do direito. De fato, na concepção normativista, para ser fonte do Direito é necessário, antes de tudo, que seja norma.
Todavia, não é o suficiente. As normas religiosas, morais e sociais também possuem, tal como a ratio decidendi, estrutura de norma, são normas. Nem por isso, entretanto, podem ser qualificadas como jurídicas. Como visto no capítulo anterior, a partir de Kelsen a questão das fontes do direito sofreu uma guinada, passando, então, não mais em saber “por qual meio revelar o direito”, mas, isto sim, em saber “por qual meio a norma jurídica ingressa no sistema” ou, em outros termos, o que é necessário para que uma norma seja qualificada como “jurídica”.
Pois bem. Para Kelsen, o Direito cria a si próprio. É um sistema autopoiético, em que a criação e revogação duma norma apenas ocorrem através da “aplicação” de outra norma[2]. Destarte, o Direito seria criado a partir da aplicação do próprio direito, de modo que, como já ressaltado anteriormente, apenas seria um “dado” depois de “construído” por si mesmo, e seria “construído” de acordo com o “dado” por ele mesmo fornecido.
Diante disso, as decisões judiciais possuem, conforme visto, a estrutura de norma jurídica, tornando-as, em tese, capazes de serem fontes do direito nos moldes kelsenianos, desde que outra norma as façam ingressar no sistema jurídico como que possuindo a qualidade de “jurídica”. Da mesma forma, não há qualquer óbice para que a norma costumeira seja verdadeira fonte do direito, transformando-se em jurídica, caso assim seja previsto, pasmem, em outra norma[3].
Kelsen, todavia, nega essa possibilidade as decisões judicias. Entende que a sua qualidade de “individual” é incompatível com a natureza da norma enquanto fonte, quer dizer, com a possibilidade de sua aplicação gerar outra norma jurídica. Que fique bem claro o que aqui se afirma: a decisão, enquanto aplicação de outra norma, constituiria, também, norma. Todavia, Kelsen nega a sua qualidade de fonte, pois a ver como que pertencente a uma qualidade inferior das normas que lhe servem de fundamento.
As decisões seriam individuais e concretas e, por conseguinte, impossíveis de gerarem outra norma, mas apenas execução. Diante disso, ainda que prevista na constituição como fonte do direito, as decisões judicias, por uma questão de lógica-jurídica, não seriam passíveis de serem fontes formais, mas tão somente fontes materiais, influindo sobre o conteúdo de outras normas, mas nunca a sua aplicação daria ensejo à criação duma nova norma jurídica.
Todavia, afirma Kelsen que os tribunais podem concorrer com o poder legislativo na criação de normas gerais. Essa possibilidade, intimamente ligada com a questão da competência, somente ocorre quando permitido por outra norma geral – como, por exemplo, a Constituição. Neste caso, todavia, não é a decisão em si que se torna fonte do direito, mas, no dizer de Kelsen, a norma jurídica geral criada pela decisão com caráter de precedente, sendo aquela “pressuposto para que a decisão do caso precedente possa ser vinculante para a decisão de casso “iguais”[4].
Além disso, Kelsen entende que mesmo quando determinado tribunal proferir uma decisão judicial fora da “moldura” de normas gerais emitidas pelo poder legislativo, esta será fundada – constituirá “aplicação” –, duma norma jurídica geral, criada pelo tribunal no momento da decisão[5]. Deste modo, a decisão judicial será sempre norma individual aplicação de norma geral.
Consequentemente, sob esses parâmetros, uma decisão judicial somente poderia ser fonte em duas situações: a) quando uma norma geral conceder a competência para o tribunal criar norma jurídica geral, a qual deverá ser aplicada em casos idênticos; ou b) por força duma norma geral costumeira, fundada nos pressupostos da reiterada utilização e consciência da obrigatoriedade, capaz de conferir ao tribunal competência para criar normais gerais e torna-las vinculantes para casos idênticos.
Todavia, adotando-se como premissa a distinção entre texto e norma, nota-se que a norma jurídica somente é criada no momento da decisão – ou da celebração de um negócio jurídico – e, pelos fundamentos acima expostos, termina por superar a distinção entre norma jurídica geral e individual. É de se perguntar, portanto, como se coloca a questão das decisões judiciais enquanto fontes do direito em um contexto no qual se faz a separação entre texto e norma e, por conseguinte, não se distingue entre norma geral e individual.
Acontece que, como dito linhas atrás, uma vez criada, a norma é expressa em texto. Opera, pois, em loop. Saí do plano da expressão (S1), para nele ser novamente colocado (S1-S2-S3-S1). O momento em que a norma jurídica existe por si só é fugaz, efêmero, contingente. Diante disso, parece claro que as normas não podem ser fontes de outras normas, pois todas são criadas no mesmo e único momento, qual seja, o exato instante que antecede a elaboração do texto.
Isso ocorre por que a interpretação é, repita-se, inescapável. Rejeita-se, aqui, a noção de interpretação como atividade voluntária, realizada ao “bel-prazer” do intérprete, praticada por magistrados diligentes dotados de consciência profissional. Costuma-se afirmar[6] que a interpretação é uma atividade na qual o interprete escolhe o sentido do texto interpretado, ou ainda, atividade realizada pelo jurista para não compreender o texto isoladamente[7]. Essas noções desconsideram o caráter histórico do sujeito, a natureza do homem enquanto “ser-no-mundo” e própria noção de circulo hermenêutico como vivência do intérprete, a favor da noção do círculo como método.
Acontece que a própria concepção de método não se coaduna com a noção de interpretação. O próprio método necessita ser interpretado. Qual é o seu objetivo, seus pressupostos, se ele deve ou não ser utilizado naquela situação e, caso positivo, de que forma deve ser utilizado. Pressupor um método anterior à interpretação é pressupor um método final, um método que permite interpretar e avaliar todos os métodos para, então, saber qual deles deve ser utilizado. Por tais motivos, diga-se de passagem, intentos como Teoria da Argumentação Jurídica de Robert Alexy e as ideias de Lênio Streck na obra “Jurisdição Constitucional e Decisão jurídica”, jamais lograrão êxito.
Ainda que, de fato, ao ler o texto, o intérprete conceba vários significados que, dentro do jogo de linguagem no qual se insere, lhe façam sentido – seja ele lógico, moral, social ou religioso –, estes significados encontrados não foram uma escolha sua, mas o resultado dum processo “natural” de ler o texto, de ser por ele influenciado e, então, dar-lhe significado – trata-se do já mencionado círculo hermenêutico. Da mesma forma, a escolha será um novo processo de interpretação, pautado por um novo projeto de sentido.
Mas não apenas, todo esse processo possui um pano de fundo específico: as pré-compreensões. Estas possibilitam o círculo hermenêutico e influenciam toda a atividade interpretativa de construção da norma[8]. Todo o “passo a passo” de ler o texto, de ser por ele influenciado e de atribui-lhe significado é pautado pelas pré-compreensões, por aquele conjunto de “marcas cegas” que moldam a existência do intérprete e possibilitam a sua “compreensão”. Avulta, portanto, como uma condição da interpretação. Se, em momento anterior, a pré-compreensão era vista como um empecilho ao conhecimento científico, objetivo e neutro[9], agora é condição inarredável à atribuição de significado e, por conseguinte, ao próprio conhecimento enquanto expressão da linguagem.
Mas em Direito, interpreta-se para “reexprimir”, reagir[10]. A reexpressão ou a reação faz parte do próprio projeto de interpretação para o qual se voltam os operadores do direito. A autoridade policial interpreta o mandado de prisão para efetuar a captura do acusado. O oficial de justiça interpreta o mandado de penhora a fim de constranger o patrimônio do devedor. O magistrado interpreta o texto normativo para construir a norma e, então, expressá-la num texto específico, denominado decisão judicial. Neste sentido, a atividade jurisdicional não prescinde da elaboração de texto, é, pois, uma atividade estritamente textual.
O texto, por sua vez, a nada refere, senão ao próprio texto. Tradicionalmente, escrever é visto como um mal necessário. Trata-se duma atividade feita por aqueles incapazes de demonstrar, exibir, apontar[11]. A atividade de escrever é estéril e subsidiária quando comparada com a demonstração científica. Os filósofos platônicos-kantianos, bem como outros intelectuais ligados a contextos – ou “paradigmas” – representacionistas, procuram escrever a fim de parar de escrever, buscam oferecer uma interpretação final, tentam, em suma, “mostrar como o atemporalmente verdadeiro pode estar contido num veículo espaciotemporal […] congelando o processo histórico de reinterpretações sucessivas através da exibição da estrutura de todas as possíveis interpretações”[12].
Contra esta noção – da linguagem e do texto como que representando seu objeto – se levantam Richard Rorty e Jacques Derrida. O ato de escrever apenas “conduz a mais escrita, e mais, e mais ainda” [13]. A visão do texto como que representando seu objeto incorpora o ideal platônico da reinterpretação final, da interpretação correta. Os textos nada transmitem além de si mesmos. O texto e sua leitura não podem escapar de si, não podem ir a algo exterior do que o seu conteúdo, algo fora da linguagem, ou ainda, nas palavras do próprio Derrida:
O texto e sua leitura não podem legitimamente transgredir o texto em direção a qualquer coisa diferente dele, em direção ao referente (uma realidade que é metafísica, histórica, psicobiolográfica, etc.) ou em direção a um significante exterior ao texto cujo conteúdo pode ocorrer, ou pode ter ocorrido fora da linguagem...[14].
A filosofia da linguagem, nesta perspectiva, é concebida como o “último refúgio da tradição kantiana” [15], como que pertencente à visão segunda a qual há um objeto inefável, incondicionado, que não pode ser dito, mas apenas demonstrado – a própria linguagem. A filosofia da linguagem aceita, portanto, a visão Wittgensteiniana de que não há maneira de se interpor entre a linguagem e o seu objeto, mas ainda concebe a linguagem como um medium para representar a realidade adequadamente, tarefa esta que, desde Kant, é vista como necessária a um conhecimento estritamente científico e, portanto, rigoroso[16]. Escrever, pois, seria representar a realidade, seria traduzi-la em signos.
Na perspectiva de Rorty e Derrida, todavia, a linguagem não é mais vista como uma faculdade de representação, de demonstração da realidade, como algo que “se prende ao mundo”, mas, isto sim, é concebida tal como o polegar opositor, a postura bípede e a visão binocular[17]. Quer dizer, é entendida enquanto instrumento conferido pelo lento processo de evolução da espécie, como mais um mecanismo biopsicológico que ajudou o ser humano a lidar com as intempéries da vivência e, principalmente, a transpor a penúria do isolamento psicológico para viver em sociedade.
É, pois, no texto que subsiste e resiste toda a produção doutrinária e jurisdicional atinente ao saber jurídico. Não há ciência antes do texto, a própria ideia de signos anteriores ao texto é um contrassenso[18]. A submissão da escrita a palavra falada representa a diferença entre mostrar e argumentar, entre o “não terreno” e o “terreno”, a “pureza” e a “imundice”, entre a voz próxima da alma e a palavra devassada pelo corpo. Assim, o texto é tudo que nos resta, ou, nas palavras de Derrida, “Il n’y a pas de hors-texte” [19].
Deste modo, a distinção outrora realizada entre texto e norma acaba por enfatizar o próprio texto. Este, enquanto veículo da norma, será novamente interpretado, mas esta necessidade não retira sua preponderância, sua inexorabilidade enquanto ponto de partida. A inegabilidade dos pontos de partida, frise-se, não é mero detalhe a se conhecer, mas pressuposto de toda a operacionalidade do Direito enquanto ciência social aplicada, enquanto instrumento para regular as condutas intersubjetivas com o mínimo de perturbação social possível[20].
Esta distinção – texto e norma – termina por acarretar, na verdade, duas consequências. A primeira, já vista, é a perspectiva da norma jurídica criada no momento da decisão como una e, pois, a superação da distinção entre norma geral e individual. A segunda, a qual se passa a analisar, é que as normas não podem ser fontes de si mesmas, pois além de todas serem criadas no mesmo momento, seu momento de existência é fugaz, efêmero, contingente.
Como dito anteriormente, a norma somente “existe” após ser construída com base no texto normativo, ao qual o intérprete soma o âmbito e programa normativo. Depois de construída, a norma é logo expressa em texto, o qual será mais uma vez interpretado. Deste modo, e em consonância com o abordado no segundo capítulo, a questão das fontes do direito transmuda-se em saber qual é o ponto de partida para a construção da norma e, também, em saber como esse ponto de partida é entendido como tal.
O fato de a norma partir do texto para ser novamente expressa em texto fornece razões suficientes para conceber o texto como ponto de partida inicial e inafastável para a construção da norma. Mas há outro argumento. É inegável que, em uma sociedade de massa do século XXI, caracterizada por uma produção legislativa maior do que qualquer pessoa possa absorver, somente a linguagem escrita, qualificada como “normativa”, pode ser concebida como ponto de partida inicial e inafastável para a construção da norma.
Diferentemente seria, frise-se, nos tempos romanos, cuja escassa produção legislativa abria espaço para que o âmbito normativo – corpo de circunstâncias atinentes ao momento histórico da concretização – fosse o ponto inegável de partida, sendo as leis meramente indicativas de como agir, ao ponto, inclusive, de admitir-se o non liquet. Da mesma forma, numa sociedade hipotética e futurista “X”, é possível que o primado dos textos legislativos se torne tão exíguo, que o âmbito normativo venha a ser o ponto de egresso primeiro para a construção da norma.
Sendo assim, a distinção outrora realizada entre texto e norma, somada as peculiaridades da sociedade contemporânea, acabam por enfatizar o texto, enquanto ponto de partida e de chegada de construção da norma. Cumpre salientar que a visão do texto como ponto de partida não retira a normatividade do sistema, do ordenamento jurídico, pois se trata duma construção ad hoc, vez que o texto é criado com o específico propósito de ser transformado/reexpresso em norma/execução.
3. O PRECEDENTE JUDICIAL COMO FONTE DO DIREITO.
Pois bem. De acordo com os fundamentos teóricos e práticos acima expostos. Já fora afirmado que o texto deve ser concebido como ponto de partida inegável para a construção da norma. Agora, resta argumentar como este texto é identificado como idôneo para servir de base para esta construção. Em outras palavras, a questão é saber como identificar o texto como normativo, qual é a característica específica ou procedimento singular que o qualifica como tal.
Essa problemática já fora abordada no segundo capítulo. Na ocasião, vimos que a questão de identificação do texto como normativo se dar através do grau de institucionalização da relação social estabelecida entre a autoridade emissora da mensagem normativa e seu destinatário. A institucionalização permite afirmar que o texto, então qualificado como normativo, está no mais alto grau de presunção de consenso anônimo e global de terceiros, prevalecendo sobre qualquer outro em caso de conflito.
Enquanto mensagem, o texto opera em dois níveis, o relato e o cometimento[21]. O cometimento é responsável por estabelecer a relação social – de igualdade, de superioridade, de coordenação, de subordinação – entre a autoridade emissora e os receptores da mensagem, ao passo que o relato é o próprio conteúdo da mensagem emanada. Sendo estritamente normativa, a relação transmitida pelo cometimento será sempre de hierarquia, estabelecendo um vínculo pautado pela dicotomia autoridade/sujeição.
Diante disso, os receptores da mensagem podem agir de três formas: a) confirmando a relação, acatando o cometimento e o relato; b) negando, reconhecendo a relação de autoridade estabelecida pelo cometimento, mas rejeitando o relato; e c) desconfirmando, refutando tanto o conteúdo (= relato) da mensagem, quanto o cometimento por ela emanada. A desconfirmação elimina a autoridade, retira, pois, sua própria qualidade de superior. Todavia, a autoridade age como tal quando se mostra capaz de desconfirma a desconfirmação, quer dizer, capaz de considerar a desconfirmação do receptor como mera negação, mantendo sua posição hierárquica, já que “a desconfirmação elimina a autoridade: uma autoridade ignorada não é mais autoridade” [22].
Todavia, a autoridade somente se mostra capaz de assim o fazer – desconfirmar a desconfirmação – quando, ainda que de forma suposta, a relação de autoridade for reconhecida por terceiros. Quer dizer, a autoridade é apta a desconfirmar a desconfirmação de um ou vários receptores quando vários outros confirmem a mensagem outrora emanada, reconhecendo a relação social hierárquica estabelecida pelo seu cometimento. Tal reconhecimento, frise-se, não necessita ser expresso, podendo ser apenas suposto, aferido pela baixíssima contingência – o comportamento selecionado pelo emissor ocorre com frequência muito maior do que o comportamento não selecionado – da mensagem emanada.
Um exemplo vem a calhar. Imagine-se um exército. O comandante emite a ordem para que os soldados marchem. Essa ordem pode ser acatada pelos soldados, bem como pode ser negada. Mas há uma terceira opção. Os soldados podem reconhecer o comandante como uma não autoridade. Neste último caso, o comandante agirá como autoridade quando se mostrar capaz de tomar a desconfirmação dos soldados como mera negação da ordem, mas não de sua posição de autoridade.
Ser capaz de ver a conduta dos soldados como mera negação permite ao comandante agir como autoridade, pois a relação hierárquica estabelecida por ocasião da mensagem permanece. Para isso, todavia, é preciso que o comandante se sinta respaldado por terceiros, imunizado pela confirmação de sua ordem anteriormente proferida, quando, por exemplo, o número de soldados que acatam a ordem é sobremaneira maior do que aquelas que a negam ou desconfirmam.
Pois bem. A partir de tais considerações, observar-se que o texto é capaz de transmitir uma relação de hierárquica entre o emissor e o receptor da mensagem emanada, criando um vínculo de autoridade/sujeição entre os interlocutores. Esta relação, todavia, somente se estabelece quando a autoridade possa desconfirmar as desconfirmações, o que faz com base na confirmação de terceiros. Quando essa confirmação de terceiros é realizada de forma suposta e bem-sucedida, a relação estará institucionalizada, fazendo com que o texto emanado tenha preponderância sobre qualquer outro, haja vista o consenso geral presumido, anônimo e global, de toda a sociedade.
Destarte, o texto considerar-se-á normativo de acordo com o grau de institucionalização da relação social estabelecida entre os interlocutores. Quando esta relação estiver respaldada no consenso geral e presumido de terceiros, estaremos diante de um texto preponderante e, portanto, normativo. Resta saber, desta forma, em quais condições e em que hipóteses a ratio decidendi, enquanto norma jurídica expressa em texto, pode ser considerada texto normativo, quer dizer, pode ser vista como ponto de partida inafastável para construção da norma.
Sob essa perspectiva, não é a coatividade que torna um texto normativo. O fundamento do direito não é a força, embora dela se utilize. Com escólio nas lições de Tércio[23], pode-se afirmar que o caráter jurídico de um texto decorre do grau de institucionalização da relação de autoridade manifesta em seu cometimento, significando isso que, embora o ato de coação faça parte do direito, no sentido de que garante sua efetividade, não é responsável pela sua existência.
Diante disso, verifica-se que, nas sociedades contemporâneas, a fonte do direito positivo constitui na autoridade institucionalizada para elaborar um texto normativo. Esta perspectiva, somada a equiparação entre ratio decidendi e norma, mostra-se capaz de aproximar as tradições do Civil Law e Common Law, espancando argumentos no sentido de que o enquadramento de determinado direito positivo na tradição do Civil Law lhe torna impossível de conceber o precedente judicial como fonte do direito[24].
Noutro norte, e conforme já fora salientado, a doutrina tradicionalmente concebe os precedentes judiciais como “decisões qualificadas”, dotadas de certas características específicas, mormente no que diz respeito à potencialidade de ser utilizada como paradigma para casos futuros. Deste modo, precedente judicial seria uma espécie de decisão judicial, uma modalidade específica de provimento jurisdicional, especialmente destinado a ser utilizado em casos futuros.
Todavia, tendo em vista as considerações sobre interpretação anteriormente delineadas, não parece ser possível pensar nos precedentes como decisões qualificadas. O plus que qualifica a decisão judicial ao ponto de “transformá-la” em precedente não pode ser aferido fora do momento da interpretação-criação da norma jurídica. Sendo a decisão, texto, as características contingentes que a compõe não podem ser aferidas em momento alheio a interpretação. Podem, todavia, serem supostas, serem dotadas de institucionalização suficiente para se qualificarem como precedente.
Opta-se, portanto, por uma conceituação prospectiva de precedente judicial, qual seja, aquela decisão dotada de institucionalização suficiente ao ponto de ser suposta, de forma bem-sucedida, como normativa, com ponto de partida para a construção da norma. Corresponde, pois, aquela decisão cuja institucionalização da autoridade emissora torna possível que esta tome eventuais desconfirmações como meras negações, mantendo intacta a relação social de hierarquia estabelecida entre os interlocutores.
Adentra-se, portanto, na questão dos precedentes “vinculantes” e “não-vinculantes”. Como visto, o pressuposto do direito não é a força. Embora dela faça uso, o Direito se fundamenta num conjunto de comunicações inter-relacionadas, pautadas por suposições comuns a respeito da expectativa comum dos outros[25]. Deste modo, não é lícito falar em precedente vinculante como que bitolando o magistrado e o transformando em maquina repetitiva, bem como não se pode falar em procedente não-vinculante – ou interpretativo – como que conferindo liberdade criativa ao magistrado.
A “vinculatividade” do precedente, somente pode ser entendida como a possibilidade de serem atribuídas sanções (= efeitos jurídicos) as decisões judiciais que desconsideram a qualidade de texto normativo daquelas ratios decidendi constantes nas decisões superiores. Neste ponto, não há qualquer divergência entre o sistema do Common Law e do Civil Law. Seja em terras anglo-saxônicas ou em solos continentais, a não observância do precedente pode acarretar a mesma consequência jurídica, qual seja, a reforma da decisão prolatada.
Como visto, de qualquer forma haverá interpretação. Ocorrerá leitura, atribuição de signos, construção da norma e reação – que, no caso da decisão judicial, se dar através da reexpressão em texto. A diferença consiste, basicamente, no grau de institucionalização, no consenso anônimo e global de terceiros que o precedente vinculante traz em seu bojo, e que se encontra ausente naquele denominado interpretativo. É através deste grau de institucionalização que a Ciência do Direito pode afirmar pela força normativa de determinada decisão judicial.
Como toda ciência, o saber jurídico, enquanto gênero da escrita, visa à produção de textos, a fim de que se produzam ainda mais textos[26]. Como visto anteriormente, abandona-se a noção de que estamos a escrever para parar de escrever, mormente por tratar-se o direito dum objeto cultural. Se, por um lado, a doutrina não pode ser fonte do direito, pois ao tentar constituí-lo, acaba o desconstituindo[27], por outro, não se pode negar sua influência sobre os operadores do Direito.
Seu papel, diante disso, é descrever e redescrever seu objeto, não no sentido de captá-lo, de demonstrar, exibir, apontar, típico da ciência tradicional de fundamento platônico-kantiana – a visão da ciência como o encontro entre Deus e homem, pensamento e objeto, palavras e mundo[28]. Mas, isto sim, redescrever a fim de fornecer uma visão cada vez mais eficiente para realizar seu objetivo enquanto ciência social aplicada, seu fardo de apaziguar os conflitos com o mínimo de perturbação social possível e em consonância o projeto de sociedade para qual se voltam os ordenamentos jurídicos positivos.
Deste modo, cumpre fazer uma descrição dentro da redescrição aqui exposta. Descrever-se-á aquelas situações em que determinadas autoridades são capazes de transmitir precedentes “vinculantes”, bem como aquelas em que o precedente deve ser visto como meramente interpretativo. No primeiro caso, a decisão judicial então proferida será texto normativo, ao passo que, no segundo, consistirá em âmbito normativo. Ou seja, enquanto texto normativo, será ponto de partida inexorável à construção da norma – uma das várias pontas do iceberg – e, enquanto âmbito, fará parte daquele conjunto de circunstâncias imanentes ao contexto histórico vivenciado por ocasião da interpretação – todo o lastro submerso da massa polar flutuante.
4. ESPÉCIES DO ORDENAMENTO BRASILEIROS – SÚMULAS VINCULANTES, NÃO VINCULANTES, DECISÕES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES, RELATORES E JUÍZES DE PRIMEIRO GRAU
Desponta, neste momento, o estudo específico de cada uma das “espécies” de decisões judiciais proferidas. Embora, de fato, a análise do direito positivo não seja o escopo desse trabalho, é hialino que demonstrar a consonância da tese aqui apresentada com o direito vigente ajuda a esclarecer o tema abordado, bem como a pertinência para com os aspectos práticos do Direito que, como visto, constitui ciência social aplicada.
Pois bem. Quanto às súmulas vinculantes – ou melhor, quanto aos seus enunciados – não há qualquer dúvida, trata-se de claro texto normativo introduzido por autoridade institucionalizada que não o poder legislativo. Prevista no art. 103-A da Constituição Federal da República, como claro instrumento da denominada “jurisprudência defensiva”, mas também com o escopo de conferir segurança jurídica, sua produção pelo Supremo Tribunal Federal não visa mais do que criar um texto normativo, um ponto de partida para a construção da norma.
Propriamente, as súmulas vinculantes sequer podem ser consideradas precedentes judiciais. Não se tratam de decisões. Na verdade, consistem, com base em decisões reiteradas e sobre matéria constitucional, na edição de texto por parte da suprema corte nacional, elaborado mediante o específico procedimento previsto no dispositivo legal retromencionado. Tal texto, frise-se, entrará no ordenamento com “força de lei”, quer dizer, possuirá o mesmo grau hierárquico que as leis ordinárias.
Diametralmente oposta é a posição da sentença jurisdicional proferida pelo juiz de primeiro grau. Este, trabalhador braçal do judiciário, responsável por acalantar os clamores por justiça das partes litigantes de forma célere e massificada, profere uma decisão que não pode ser qualificada como texto normativo no sentido aqui utilizado, quer dizer, como ponto de partida para a construção da norma. De fato, a decisão judicial do magistrado possui como destinatários apenas as partes litigantes, ao passo que as decisões das turmas e do pleno dos tribunais, conforme será visto adiante, dirigem-se, não apenas as partes do processo, mas a todos aqueles vinculados ao tribunal em virtude de sua estrutura de poder. Assim, o comportamento dos outros magistrados perante a decisão judicial de primeiro grau é irrelevante, porquanto aqueles sequer foram destinatários da norma emanada.
A controvérsia, portanto, reside nas decisões judiciais proferidas pelos tribunais, pelos relatores e, por fim, em relação às súmulas caracterizadas como “não vinculantes”. Abordam-se, neste momento, três situações distintas: a) os acórdãos – decisões colegiadas – proferidos pelo pleno ou turmas dos tribunais; b) as decisões monocráticas proferidas pelos relatores; e, c) as súmulas dos tribunais. Cada uma dessas situações terá suas consequências específicas, de acordo com as premissas e delineamentos expostos ao longo deste trabalho.
Os tribunais são órgãos atinentes ao poder judiciário que se estruturam de forma hierárquica, conforme as disposições do regimento interno de cada um deles. Dentro dessa estrutura, o pleno – ou órgão especial, a depender da nomenclatura conferida –, e as turmas despontam como órgãos máximos, localizados no mais alto grau de institucionalização da hierarquia de poder do tribunal. Suas decisões, enquanto mensagens comunicativas, não se destinam unicamente as partes do processo.
De fato, sendo as decisões dos tribunais proferidas dentro duma estrutura de poder, os textos elaborados por ocasião da construção da norma jurídica não possuem como destinatários apenas as partes litigantes do processo, mas todos aqueles ligados por vinculo de subordinação nas entranhas hierárquicas dos tribunais, pois, ao emitir a mensagem, o tribunal não apenas seleciona comportamentos das partes, mas também dos órgãos hierarquicamente inferiores. Essa seleção de comportamento dos órgãos subalternos decorre da própria lógica da relação de autoridade. É inegável que uma autoridade, ao emitir uma mensagem, requer sua confirmação por parte de todos os seus subordinados, e não apenas ao destinatário direto.
Como visto no primeiro capítulo, a comunicação é pautada por três características básicas[29], quais sejam, complexidade, seletividade, contingência. Como visto, ao emitir determinada mensagem o emissor seleciona o(s) comportamento(s) do(s) receptor (es), haja vista que o relato e cometimento contém, em si, uma expectativa de reação por parte do receptor. Trata-se, portanto, da seletividade. Da escolha de um comportamento “X”, dentro dum número infindáveis de possíveis reações “Xy” que podem ser tomadas pelo receptor.
Justamente em virtude de que as reações possíveis do receptor são infindavelmente maiores do que as reações selecionadas pelo emissor, diz-se que a comunicação é dotada de complexidade. Quer dizer, possuem “um número de possibilidades de ação maior que o das possibilidades atualizáveis”[30]. Disso decorre a contingência do fenômeno comunicativo, consistente na alta possibilidade de que o comportamento selecionado não se atualize.
Em termos formais, todavia, a contingência pode ser concebida mediante categorias estanques do comportamento do receptor, quais sejam, a confirmação, a negação, e a desconfirmação da reação selecionada. Estando no mais alto grau hierárquico, as turmas e os plenos podem agir como autoridade, desconfirmando eventuais desconfirmações dos destinatários, mantendo intacta a relação hierárquica estabelecida por ocasião da emissão de mensagens normativas.
A confirmação dos órgãos subalternos ocorre de forma suposta, se caracterizando na medida em que os órgãos inferiores aceitam e baseiam suas decisões de acordo com o texto normativo elaborado pela autoridade superior, fato apto a ensejar sua institucionalização e, por conseguinte, para caracterizar o tribunal – as turmas e o pleno – como fonte produtora de normas.
Tais delineamentos servem tanto para as decisões proferidas por tribunais superiores, como o Supremo Tribunal Federal e o Supremo Tribunal de Justiça, quanto para os Tribunais Estaduais, Federais e da Justiça Especial. Eventuais divergências entre as decisões proferidas pelos tribunais é uma questão de conflitos entre textos normativos e, como tal, pode ser resolvida no momento da interpretação, sendo certo que deve prevalecer a decisão elaborada pelo tribunal de maior graduação, segundo as regras de especialidade, posterioridade e hierarquia, atinentes ao “conflito entre normas”.
Assim, uma decisão proferida pelo pleno do Supremo Tribunal Federal – ou do Superior Tribunal de Justiça –, dotada de ratio decidendi, quer dizer, composta pelas razões suficientes à resolução das questões versadas nos autos, caso entre em conflito com outra decisão de qualquer tribunal inferior, deverá prevalecer. De fato, os tribunais superiores, enquanto órgãos máximos, possuem um consenso presumido anônimo e global de terceiros muito maior, fazendo sua decisão prevalecer sobre as dos tribunais inferiores.
Controvérsia maior reside no tocante a decisões proferidas por turmas de igual hierarquia. As concepções aqui expostas podem levar ao seguinte raciocínio: a primeira turma de direito civil do STJ profere uma decisão “X”, ao passo que a segunda turma, também de direito civil, profere uma decisão “-X”. Logo em seguida, a primeira turma reitera a decisão “X”, apenas para a segunda proferir novamente a decisão “-X”, fato que ensejaria na constante alteração do texto que deve ser entendido como ponto de partida, acaso utilizado o critério da posterioridade.
Todavia, na medida em que turmas de mesma hierarquia e com idêntica competência – direito civil – proferem decisões divergentes, deve-se entender que a relação estabelecida pelo cometimento de tais mensagens não se encontram institucionalizadas e, portanto, o seu texto não é apto a se caracterizar como normativo. De fato, a divergência entre as turmas, somada ao mesmo grau hierárquico que possuem na estrutura do tribunal, é suficiente para demonstrar a ausência de consenso global e anônimo, pressuposto inexorável para que a autoridade se qualifique como fonte do direito.
As decisões dos relatores, da mesma forma, não podem ser consideradas como fonte do direito. O fato de existirem tantos relatores quanto desembargadores nos tribunais, acarreta a ausência dum pressuposto inexorável da institucionalização. De fato, como já dito, a suposição “bem sucedida” necessária à institucionalização é aferida pela baixíssima contingência da mensagem comunicativa emanada.
Assim, o número de relatores em relação aos numero de questões por eles apreciadas é tão alto que suas decisões não se mostram passíveis de se caracterizarem como texto normativo, haja vista que o número de mensagens transmitidas e as respectivas reações pelos destinatários tornam a contingência da comunicação demasiadamente elevada, sendo certo que a baixíssima contingencia é pressuposto imprescindível à institucionalização da relação social transmitida pelo cometimento.
Por fim, as súmulas dos tribunais são dotadas de certas peculiaridades. Tendo em vista que objetivam ser um comando interno, tais súmulas somente podem ser consideradas texto normativo para aqueles diretamente subordinados a sua estrutura hierárquica. Assim, as súmulas dos tribunais estaduais, por exemplo, somente vinculam os magistrados a eles subordinados.
Tal como as súmulas vinculantes, as súmulas dos tribunais não podem ser consideradas precedentes judiciais no sentido aqui afirmado. De fato, não se tratam de decisões judiciais, mas de textos elaborados com base em decisões, as quais serviriam de verdadeira fonte material para o conteúdo do texto elaborado e disposto no enunciado da respectiva súmula.
Em todos esses casos, frise-se, em que não pode se firmar pela decisão como texto normativo, tais decisões farão parte, todavia, daquele conjunto de circunstâncias históricas pertinentes ao momento de interpretação da norma, compondo a sua própria estrutura normativa enquanto âmbito normativo. Integrará, portanto, o próprio processo de interpretação, fazendo parte da realidade do intérprete enquanto ser-no-mundo. Será, pois, uma fonte material, apta a influir sobre o conteúdo da norma, mas não como ponto de partida.
4. CONCLUSÃO
Ao longo do trabalho, fora salientado, no primeiro e segundo capítulo, a estrutura do comando normativo de acordo com conceitos analíticos esboçados por Hans Kelsen e Tércio Sampaio Ferraz, bem como a concepção material-hermenêutica da norma jurídica, conforme delineamentos de Friedrich Müller. Em seguida, foram analisados os conceitos de ratio decidendi e obiter dictum, salientado as peculiaridades atinentes ao sistema jurídico brasileiro, e, por fim realizada algumas pinceladas sobre a teoria das fontes do direito.
Com bases em aspectos abordados nesses dois primeiros capítulos, foram utilizados os conceitos de círculo hermenêutico, ratio decidendi, obiter dictum, a estrutura da norma jurídica, a diferença entre texto e norma, bem como outros fundamentos para pugnar pela unidade da(s) norma(s) jurídicas criadas no momento da decisão judicial, em detrimento das posturas “aplicacionistas” que defendem a construção de duas normas no momento da decisão jurídica.
A esta concepção duma norma jurídica una, somaram-se noções atinentes à contemporânea hermenêutica, tais como, a total diferenciação entre texto e norma, a inexorabilidade da interpretação, a ênfase no texto, através das quais fora possível equiparar os conceitos de ratio decidendi e norma jurídica, aproximando a tradição do Civil Law e do Common Law, e pugnando pelo aspecto teórico do trabalho.
A distinção entre texto e norma, como dito, ocasiona a ênfase no texto, haja vista que a norma jurídica, uma vez criada, é novamente expressa em texto, a fim de ser novamente interpretada. Diante disso, passou-se a indagar como restaria a questão do precedente judicial enquanto fonte do direito diante dum contexto em que se faz a total separação entre texto e norma.
Neste toar, e tendo em vista a aproximação do Common Law e Civil Law anteriormente realizadas, fora observado que a fonte do direito, seja qual for a tradição jurídica, sempre será uma autoridade institucionalizada, capaz de desconfirmar desconfirmações, e garantir sua posição de autoridade ao emitir mensagens com conteúdo normativo.
Demonstrou-se, portanto, que o precedente como fonte do direito irá depender da institucionalização da relação social estabelecida por ocasião da transmissão da mensagem – decisão – aos destinatários. Se a autoridade puder emitir tais mensagens de forma suposta e bem sucedida, a relação está institucionalizada e a decisão logrará a qualidade de texto normativo, podendo ser utilizada como fonte do direito. Do contrário, a decisão restará como âmbito normativo, e apenas influenciará no conteúdo de normas a serem posteriormente produzidas.
Por fim, fora feita uma breve análise de como as concepções expostas se aplicam no direito brasileiro, abordando as diversas espécies de provimentos jurisdicionais decisórios que poderiam qualificar-se como texto normativo e, por conseguinte, se entendido como fonte do direito, como ponto de partida inafastável à aplicação da norma.
REFERENCIAS
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[1] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 260.
[2] Idem, ibidem.
[3] Idem, ibidem, p. 251.
[4] Idem, ibidem, p. 278.
[5] Idem, ibidem, p. 282.
[6] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 95.
[7] GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). São Paulo: Malheiros, 2013, p. 74.
[8] REALE, Giovanni. História da filosofia: Do Romantismo até nossos dias. São Paulo: Paulus, 1991, p. 630.
[9] CATÃO, Adrualdo de Lima. Op. Cit., p. 53 et seq.
[10] GRAU, Eros Roberto. Op. Cit., p. 35.
[11] RORTY, Richard. Consequências do pragmatismo. Lisboa: Piaget, 1999, p. 155.
[12] Idem, ibidem.
[13] Idem, ibidem, p. 156.
[14] DERRIDA, Jacques. Gramatologia. Trad. Miriam Chnaiderman e Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Perspectiva, 2011, p. 17 et seq.
[15] RORTY, Richard. Op Cit., p. 154.
[16] Idem, ibidem, p. 162.
[17] RORTY, Richard. Contingência, ironia e solidariedade. São Paulo: Martins, 2007, p. 36 et seq.
[18] DERRIDA, Jacques. Op. Cit., p. 38.
[19] DERRIDA apud RORTY. Op. Cit., p. 159.
[20] FERRAZ, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2008, p. 68.
[21] FERRAZ, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2008, p. 76.
[22] Idem, ibidem, p. 83.
[23] Idem, ibidem, p. 80 et seq.
[24] Cf. FERRAZ, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2008, p. 211.
[25] LUHMAN apud TÉRCIO, idem, ibidem, p. 83.
[26] RORTY, Richard. Consequências do pragmatismo. Lisboa: Piaget, 1999, p. 166.
[27] IVO, Gabriel. Norma Jurídica: produção e controle. São Paulo: Noeses, 2006, p. “XXXI”.
[28] RORTY, Richard. Op. Cit., p. 167.
[29] FERRAZ, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2008, p. 77.
[30] LUHMAN apud TÉRCIO. Idem, ibidem, p. 77.
Advogado na cidade de Maceió - AL.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MELO, Rafael Esperidião de. Ratio decidendi como norma: precedente judicial como fonte do Direito - Parte II Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47317/ratio-decidendi-como-norma-precedente-judicial-como-fonte-do-direito-parte-ii. Acesso em: 23 dez 2024.
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