RESUMO: O presente trabalho busca demonstrar a inconstitucionalidade do §2° do art. 2° da LC 24/75, norma que regula a concessão isenções, incentivos e benefícios fiscais de ICMS. A exigência de unanimidade de votos para aprovação de Convênio no âmbito do CONFAZ, para concessão de benefícios de ICMS, é de inconstitucionalidade evidente, por violação do princípio democrático, princípio federativo e princípio da proporcionalidade. O tema é de suma importância, pois muitos Estados não conseguem implantar seus projetos de desenvolvimento por não conseguirem a referida unanimidade de votos.
Palavras-chave: ICMS; CONFAZ; LC 24/75; votação unânime; inconstitucionalidade; princípio democrático; princípio federativo; princípio da proporcionalidade.
ABSTRACT: This study aims to demonstrate the unconstitutionality of §2 of art. 2º of the LC 24/75, standard governing the granting exemptions, incentives and benefits of ICMS. The requirement of a unanimous vote to approve the Agreement in the CONFAZ to grant benefits of ICMS, is evident unconstitutionality for violation of the democratic principle, federative principle and the proportionality principle. The theme is very important because many countries fail to implement their development projects for failing to said unanimous vote.
Keywords: ICMS; CONFAZ; LC 24/75; unanimous vote; unconstitutionality; democratic principle; federative principle; proportionality principle.
O art. 155, §2°, XII, “g” da CF/88 exige lei complementar para regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados do tributo ICMS.
Atualmente, a lei complementar demandada é o disposto no art. 2°, §2° da LC 24/75, que impõe a votação por unanimidade dos Estados em reunião no CONFAZ para aprovação de Convênio que conceda benefícios fiscais de ICMS desejadas por determinado Estado.
Isto posto, busca-se demonstrar que tal norma padece de inconstitucional material, uma vez que viola os princípios democrático, federativo e proporcionalidade. Ainda, demonstrar que referida norma inviabiliza programas estaduais que visam estimular a economia local.
Propõe-se, ainda, uma solução ao vácuo normativo que será deixado por eventual expurgação da LC 24/75 do ordenamento jurídico, por sua nítida inconstitucionalidade.
O Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e prestação de Serviços – ICMS encontra previsão constitucional no art. 155, II da CF/88, tendo competência para sua instituição os Estados e o Distrito Federal:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
[...]
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
Anteriormente à CF/88, o tributo denominava-se Imposto sobre a Circulação de Mercadorias – ICM, uma vez que incidia tão somente sobre a circulação de mercadorias. Com a nova Carta Magna, foram adicionados dois serviços em suas hipóteses de incidência, quais sejam: transporte interestadual e intermunicipal e o de comunicação. Daí o acréscimo da letra “S” à sigla do tributo.
O ICMS possui função predominantemente fiscal, isto é, em regra serve para arrecadação e abastecimento financeiro dos Estados-membro.
Deve respeito ao princípio da legalidade (deve ser instituído/majorado tão somente por lei em sentido estrito), ao princípio da anterioridade (sua instituição/majoração somente ocorrerá no próximo exercício financeiro após a publicação da lei) e ao princípio da noventena (sua instituição/majoração somente ocorrerá noventa dias após a publicação da lei).
Possui os seguintes fatos geradores: (i) operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares; (ii) prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de bens, pessoas, mercadorias ou valores; (iii) prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza; (iv) fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributaria dos Municípios; (v) fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual; (vi) sobre a entrada de mercadoria ou bem importado do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade; (vii) sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; e (viii) sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.[1]
A base de cálculo do ICMS é o valor da operação relativa à circulação da mercadoria, ou o preço do serviço respectivo.
Os contribuintes do ICMS podem ser qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Também é contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial: importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade; seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados; adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização.
O ICMS tem seu lançamento realizado por homologação.
Tem-se que o aludido imposto obrigatoriamente será não-cumulativo, ou seja, a cada fase da cadeia circulatória da mercadoria/serviço será abatido o montante anteriormente recolhido, numa verdadeira operação de débito/crédito de ICMS. Ainda, tem-se como opcional a característica da seletividade, isto é, a variação da alíquota de acordo com a essencialidade do bem.
Quanto à possibilidade de isenção do ICMS, tal tributo guarda certa peculiaridade em relação aos demais, uma vez que sua sistemática configura a única exceção à regra segundo a qual os benefícios fiscais somente podem ser concedidos por lei. Explica-se.
A isenção tributária consiste na dispensa legal do pagamento do tributo. Assim, o ente político que tem competência para instituir o tributo pode, também, optar pela dispensa do pagamento em determinadas situações[2].
Nesse sentido, ensina José Souto Maior Borges[3]:
“O poder de isentar apresenta certa simetria com o poder de tributar. Tal circunstância fornece a explicação do fato de que praticamente todos os problemas que convergem para a área do tributo podem ser estudados sob o ângulo oposto: o da isenção. Assim como existem limitações constitucionais ao poder de tributar, há limites que não podem ser ultrapassados pelo poder de isentar, porquanto ambos não passam de verso e reverso da mesma medalha”.
Em regra, tal instituto é utilizado como benefício governamental para estimular determinados empreendedores a se instalar naquele Estado, gerando dessa forma renúncia de receita tributárias de ICMS, mas, noutro lado, gera inúmeros benefícios, como geração de empregos, arrecadação de outros tributos, desenvolvimento econômico, dentre outros.
Nessa esteira, tem-se que o próprio texto constitucional traz uma restrição maior à concessão de benefícios fiscais do ICMS (art. 155, §2°, XII, g da CF[4]). O ICMS é o tributo com maior quantidade de regras constantes no texto constitucional, uma vez que o Brasil, diferentemente da maioria das demais federações, optou por atribuir aos Estados a criação do ICMS, ao invés da União.
A consequência inevitável de se atribuir a entes menores a criação e administração de um tributo que repercute em toda a economia é a denominada guerra fiscal. Com vistas a minimizar o problema, a CF elenca uma séria de regras que tenta conter a competição predatória entre os Estados-membros.
No âmbito dos Estados, a expressão guerra fiscal significa a luta predatória travada entre eles “para atraírem para seus respectivos territórios investimentos internos e externos capazes de promover o desenvolvimento industrial, comercial e social de suas regiões”[5].
Essa disputa cria desarmonia e desproporção na sistemática tributária pátria, o que exige a adoção de mecanismos para evitar a guerra fiscal. A existência de tal fenômeno no tocante ao ICMS demanda a criação de lei complementar nacional disciplinando-o, conforme se observa do texto constitucional.
Nessa linha, em obediência ao art. 155, §2°, XII, g da CF, a Lei Complementar 24/75 disciplina a matéria. Exige-se que a concessão de benefícios fiscais de ICMS seja precedida de deliberação conjunta dos Estados e do Distrito Federal. Atualmente, a deliberação conjunta possui a forma de Convênio celebrado no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, órgão inserido na estrutura do Ministério da Fazenda, com participação dos titulares das fazendas Estaduais/Distrital e um representante do Governo Federal.
De acordo com a LC 24/75, a concessão de benefícios fiscais de ICMS dependerá sempre de decisão unânime dos Estados-membros representados. In verbis:
Art. 1º - As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei.
Art. 2º - Os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo federal.
[...]
§ 2º - A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes.
Entretanto, conforme será abordado nos próximos tópicos, o objetivo de se evitar a guerra fiscal via exigência unânime dos Estados-membro quando da concessão dos benefícios de ICMS não foi atingido na prática. Ainda, referido dispositivo legal padece de vício material de constitucionalidade.
Inicialmente, esclarece-se que não se busca saber se o §2° do art. 2° da LC 24/75 foi recepcionado ou não pela CF/88. Não há dúvida que foi, uma vez que o próprio texto da Carta Magna faz referência expressa à referida lei complementar no §8° do art. 34 do ADCT[6]. O que se busca saber é se a referida norma é constitucional, à luz de preceitos elementares da nova Carta Magna.
É certo que a doutrina e a jurisprudência firmaram entendimento segundo o qual a regulação de isenção do ICMS há de ser feita nos moldes estabelecidos na LC 24/75. Ocorre que o referido diploma legal fora editado para regular concessões de isenções, incentivos e benefícios fiscais na vigência do revogado ICM, tributo este que não possuía as mesmas características do novo ICMS. Portanto, a lei complementar em análise haveria de ter vigência temporária nos moldes do §8° do art. 34 do ADCT e, tal como o Decreto-Lei n° 406/68, prestar-se-ia à regulação de concessões de isenções, incentivos e benefícios fiscais e à composição de eventuais conflitos que porventura viessem a surgir somente no período que se seguiu à promulgação da CF/88, fato que, infelizmente, não ocorreu[7].
Insta esclarecer que o período em que a referida lei complementar foi editada não se coaduna com o atual estágio democrático de direito abarcado pela CF/88, baseado no federalismo cooperativo e à luz da proporcionalidade. É que, pela lógica da unanimidade, o CONFAZ se torna o dono do ICMS e não cada Estado individualmente considerado. O CONFAZ tem um papel de harmonização fiscal em um Estado Democrático de Direito, e não de Coação Fiscal, própria do período em que foi criado (governo militar). Durante o autoritarismo a regra da unanimidade possuía uma lógica interna ao sistema; durante o período democrático esta norma não pode prosperar, pois não encontra amparo em nenhuma norma constitucional[8].
Portanto, em que pese referida lei complementar devesse ter sua vigência temporária, ela até hoje não foi revogada e continua em pleno efeito. O que se busca então é averiguar sua compatibilidade com a nova ordem constitucional, isto é, sua constitucionalidade material perante a CF/88.
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Tem-se que a norma estampada no §2° do art. 2° da LC 24/75 viola o princípio democrático. Vejamos.
A expressão “unânime” utilizada pela norma em análise é algo que não se coaduna com o princípio democrático previsto no preâmbulo[9] e no art. 1° da CF/88[10], tendo em vista que basta a discordância de um único Estado-membro para que seja inviabilizado um projeto de desenvolvimento econômico e social almejado por outro Estado e que esteja, porventura, dependendo de aprovação do Convênio autorizativo de concessão de isenção, incentivo ou beneficio fiscal.
Verifica-se que na lei complementar em comento a vontade da minoria prevalece, em outras palavras, não se homenageia a vontade da maioria. Cristalino que não se trata de medida democrática. Aí reside o motivo dos Estados corriqueiramente ignorar e desrespeitar os ditames estampados na LC 24/75 para aprovar benefícios fiscais de ICMS.
Há mais. Mesmo que haja decisão unânime no âmbito do CONFAZ aprovando o Convênio, este ainda terá de ser ratificado pelos respectivos chefes dos poderes executivos de todos os Estados-membros e do Distrito Federal mediante publicação de Decreto específico. Caso não haja manifestação no prazo conferido pela lei complementar em análise, tem-se a ratificação tácita. Acrescenta-se que mesmo aos Estados que subscreveram o Convênio é dado o direito do arrependimento, bastando, para tanto, a publicação de Decreto pelo chefe do poder executivo negando a ratificação que havia sido acordada.
Como se vê, além da alarmante unanimidade exigida no CONFAZ para celebração dos Convênios que concedem benefícios de ICMS, ditas decisões somente ganham densidade normativa quando confirmadas, também, por unanimidade, por todos os poderes executivos de todos os Estados-membros e do Distrito Federal. Mais uma vez está a LC 24/75 violentando o princípio da democracia, célula-matriz do Estado Democrático de Direito.
Ainda, observe-se que a exigência de unanimidade de votos não existe nem mesmo para alteração do texto constitucional. As propostas de emenda constitucional devem ser aprovadas por 3/5 (três quintos) dos votos dos membros de cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos. Qualquer processo legislativo possui regras de aprovação inferiores a esta proporção de 3/5, sendo a regra geral a de metade mais um dos membros das Casas Legislativas[11]. Mesmo a aprovação de Súmulas Vinculantes pelo STF exige a concordância de apenas 2/3 de seus membros[12]. Para arrematar, verifica-se a possibilidade de alterar a própria lei complementar que institui tal medida sem unanimidade de votos (para edição de lei complementar basta maioria absoluta dos parlamentares). Trata-se da única regra de aprovação unânime existente em todo o sistema político-legislativo brasileiro.
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Tem-se que a norma estampada no §2° do art. 2° da LC 24/75 também viola o princípio federativo. Vejamos.
A forma de estado estampado no art. 1° da CF/88 é a Federação[13], isto é, “a união de várias províncias, Estados particulares ou unidades federadas, independentes entre si, mas apenas autônomas quanto aos seus interesses privados, que formam um só corpo político ou Estado coletivo, onde reside a soberania, e a cujo poder ou governo eles se submetem, nas relações recíprocas de uns e outros”[14].
Complementando, tem-se que Federação é “um tipo de coletividade caracterizado pela associação parcial de coletividade em vista da realização de interesses comum e, reciprocamente, pela autonomia parcial dessas mesmas coletividades em vista do atendimento a seus interesses particulares” [15].
No Brasil, a CF/88 prevê o denominado federalismo de cooperação. Este modelo privilegia a repartição de competências legislativo-administrativas e das receitas públicas entre as unidades federativas, de forma que se estreite a cooperação entre as mesmas, conjugando-se e harmonizando-se suas atuações segundo peculiaridades e necessidades locais.
Dessa forma, embora no plano fático se reconheça a existência de poderes maiores de um ou outro ente da federação, é certo que à luz do ordenamento jurídico não há de se admitir tal diferenciação, tampouco a possibilidade de imposição de sua vontade em relação aos demais, ao arrepio da democracia. Assim, tendo em vista que a LC 24/75 confere a alguns Estados mais poderes que outros, na medida em que permite que um único Estado se sobreponha a vontade dos demais, é cristalina a violação do princípio federativo.
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Por fim, tem-se que a norma estampada no §2° do art. 2° da LC 24/75 também viola o princípio da proporcionalidade. Vejamos.
Inicialmente, insta esclarecer que apesar de não estar expressamente previsto no texto da Carta Magna, a proporcionalidade se trata de princípio constitucional. Este é o entendimento da doutrina e jurisprudência.
Nesse prisma é pertinente apontar a colocação de Buechele[16]:
“Ao contrário dos Estados que, como Portugal e Alemanha, prevêem expressamente em suas respectivas Constituições o princípio ora enfocado no ordenamento jurídico brasileiro essa previsão é implícita, havendo divergência doutrinária acerca da norma constitucional supedaneadora da proporcionalidade”.
Ou seja, ao contrário das constituições portuguesa e alemã, o princípio da proporcionalidade na Carta Magna brasileira encontra-se implícito. Doutrina majoritária defende que no Brasil, a proporcionalidade pode não existir como norma de direito positivada, mas existe como norma esparsa no texto Constitucional. Explica Barros[17]:
“Ainda assinalando mudança substanciais para dar especial proteção aos direitos fundamentais, a Constituição Federal de 1988, mantendo a garantia da eternidade (art. 60, § 4º, inciso IV) e o princípio da reserva legal (art. 5º, inciso II), ampliou o princípio da proteção judiciária (art. 5º, inciso XXXV) com a criação de instrumentos processuais tendentes a coibir a omissão legislativa, como o mandado de injunção (art. 5º, inciso LXXI) e a criação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º), explicitou a garantia do devido processo legal para a restrição da liberdade ou da propriedade (art. 5º, inciso LIV)”.
[...]
“O Princípio da Proporcionalidade como uma das várias idéias jurídicas fundantes da Constituição, tem assento justamente aí, neste contexto normativo no qual estão introduzidos os direitos fundamentais e os mecanismos de respectiva proteção. Sua aparição se dá a titulo de garantia especial, traduzida na exigência de que toda a intervenção estatal nessa esfera se dê por necessidade, deforma adequada e na justa medida, objetivando a máxima eficácia e otimização dos vários direitos fundamentais concorrentes”.
Dessa forma, tem-se que o princípio da proporcionalidade encontra fulcro primordialmente no art. 5° da CF. Contempla o princípio da reserva legal, compreendendo este como submissão de uma determinada matéria, exclusivamente formal. Em si, o princípio da proporcionalidade é a forma como pode servir de parâmetro para o controle de inconstitucionalidade de atos de natureza administrativa ou legislativa[18].
Afinal, o que vem a ser o princípio da proporcionalidade? Sinteticamente, foi a solução desenvolvida pelo jurista alemão Robert Alexy para ponderar bens e valores tutelados por princípios constitucionais que se confrontam. Divide o referido princípio em três testes: (i) adequação; (ii) necessidade; e (iii) proporcionalidade em sentido estrito.
O teste de adequação consiste no meio que consegue promover o fim almejado, não infringindo tanto o outro princípio como outros meios poderiam vir a infringir[19]. Sucintamente, a norma é adequada quando é apta a atingir o fim a qual foi proposta. Assim, uma vez que a norma em comento não atingiu seu objetivo (evitar a guerra fiscal, que continua ocorrendo na prática), tem-se que a referida norma não é adequada.
O teste da necessidade consiste na intervenção mínima, isto é, é a adequação de eficácia das medidas, conforme a qual a intervenção somente deve ocorrer quando extremamente necessária à proteção do interesse público e, dentre as demais possíveis, deve ser escolhida a menos lesiva. Assim, uma vez que a norma em comento não é a medida menos drástica dentro as possíveis (estudos demonstram que os estados e a nação como um todo vêm perdendo com a guerra fiscal, sendo, portanto, uma medida ineficaz ante demais alternativas possíveis) e que a deliberação da maioria dos Estados seria suficiente para controlar eventuais abusos na concessão de incentivos de ICMS, tem-se que a referida norma não é necessária.
O teste da proporcionalidade em sentido estrito ou razoabilidade consiste na “justa medida”, a justa razoabilidade da intervenção provocada ante os resultados obtidos. Assim, uma vez que não é razoável exigir que todos os entes coadunem com medidas que muitas das vezes venham para atender peculiaridades de determinado ente (o Brasil é um país com elevadas desigualdades, reconhecidas pela própria Carta Magna) e, ainda, não é razoável exigir unanimidade de votos no atual estágio democrático atingido pela CF/88, tem-se que a referida norma não é razoável.
Ante tais premissas, tem-se que a norma em análise viola o princípio da proporcionalidade, em seus três testes: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
***
Diante de todo o exposto, nota-se que o §2° do art. 2° da LC 24/75 é eivado de inconstitucionalidade material, por violar o princípio democrático, principio federativo e princípio da proporcionalidade. Clama-se urgentemente por mudanças para que se atinja o fim proposto por outro instrumento que se harmonize com os preceitos constitucionais.
A LC 24/75 (norma que regula a concessão isenções, incentivos e benefícios fiscais de ICMS) era para ter vigência temporária apenas por breve período que se seguiu a promulgação da CF/88, entretanto, vige até os dias atuais (art. 155, §2°, XII, “g” da CF e art. 34, §8° do ADCT).
Entretanto, referida lei complementar ao impor votação por unanimidade dos Estados em reunião no CONFAZ para aprovação de Convênio que conceda benefícios fiscais de ICMS postuladas por determinado Estado, inviabiliza programas estaduais que visam estimular a economia local e é impregnada de inconstitucionalidade material, por violar os princípios democrático, federativo e da proporcionalidade.
A referida norma inviabiliza que Estados consigam implantar projetos locais, a guisa de equalizar desigualdades sociais-econômicas existentes entre as diversas regiões brasileiras, reconhecidas pela própria CF/88.
A norma analisada é inconstitucional por violar o princípio democrático, princípio federativo e princípio da proporcionalidade.
Viola o princípio democrático, estampado no preâmbulo e no art. 1° da CF/88, tendo em vista que a vontade da minoria prevalece, em outras palavras, não se homenageia a vontade da maioria. Cristalino que não se trata de medida democrática.
Viola o princípio federativo, estampado no art. 1° da CF/88, pois confere a alguns Estados mais poderes que outros, na medida em que permite que um único Estado se sobreponha a vontade dos demais, é cristalina a violação do princípio federativo.
Viola o princípio da proporcionalidade, em seus três testes: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Assim, uma vez que a norma em comento não atingiu seu objetivo (evitar a guerra fiscal, que continua ocorrendo na prática), tem-se que a referida norma não é adequada. Uma vez que a norma em comento não é a medida menos drástica dentro as possíveis (estudos demonstram que os estados e a nação como um todo vem perdendo com a guerra fiscal, sendo, portanto, uma medida ineficaz ante demais alternativas possíveis) e que a deliberação da maioria dos Estados seria suficiente para controlar eventuais abusos na concessão de incentivos de ICMS, tem-se que a referida norma não é necessária. Por fim, uma vez que não é razoável exigir que todos os entes coadunem com medidas que muitas das vezes venham para atender peculiaridades de determinado ente (o Brasil é um país com elevadas desigualdades, reconhecidas pela própria Carta Magna) e, ainda, não é razoável exigir unanimidade de votos no atual estágio democrático atingido pela CF/88, tem-se que a referida norma não é razoável.
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[1] Art. 2° da LC 87/96
[2] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário esquematizado / Ricardo Alexandre – 8. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014. P. 149.
[3] BORGES, José Souto Maior. Isenções Tributárias. 2ª ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1980, p. 2.
[4] CF. Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; [...] §2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: [...] XII - cabe à lei complementar: [...] g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
[5] SILVA, Evaldo de Souza da. O conflito entre a Lei Complementar nº. 24/1975 e o princípio da democracia. Revista IOB de Direito Público, São Paulo, n. 29, p. 16-33, set./out. 2009. P. 25.
[6] Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores. [...] §8º Se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for editada a lei complementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, "b", os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria.
[7] ADPF 198
[8] OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Exigência da unanimidade na concessão e estímulos fiscais e a constitucionalidade da LC 24/75, (Sanções para quem descumpre a glosa de créditos). In: Congresso Nacional de Estudos Tributários – Sistema Tributário Nacional e a Estabilidade da Federação brasileira, Alcides Jorge Costa et all. SP: Noeses, 2012, págs. 848/849
[9] Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
[10] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[11] CF, Art. 47
[12] CF, art. 103-A
[13] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[14] NUNES, Pedro. Dicionário de Tecnologia Jurídica. 12ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993, p. 432.
[15] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990, p.141.
[16] BUECHELE, Paulo Armínio Tavares. O Princípio da Proporcionalidade e a Interpretação da Constituição. Apresentação Marçal Justen Filho, Prefácio Luis Roberto Barroso, RJ. Ed. Renovar, 1999, p. 144.
[17] BARROS, Suzana de Toledo. O Princípio da Proporcionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica. 1996, p. 395.
[18] PACHECO, Eliana Descovi. A proporcionalidade enquanto princípio. Disponível em <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=artigos_leitura_pdf&artigo_id=4351>. Acessado em 27/07/2016.
[19] ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001, p.115, ver nota de rodapé nº 88, que relata que a essa dedução da máxima da proporcionalidade apresentada se aproxima E. Grabitz, “Der Grundsatz der Verrhaltnismassigkeit in der Rechtsprechung dês Bundesverfassungsgericht”, p. 586: “Si se concibe positivamente al principio subyacente a los derechos de libertad como la mayor oportunidad posible de despliegue de la personalidad otorgada al individuo por la Constitución, entonces toda regulación exagerada anula la posibilidad de maximización de oporunidades y es por ello constitucionalmente ilegítima”.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FAGUNDES, Guilherme Assunção. A inconstitucionalidade da exigência de unanimidade de votos no âmbito do CONFAZ para concessão de benefício de ICMS Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47318/a-inconstitucionalidade-da-exigencia-de-unanimidade-de-votos-no-ambito-do-confaz-para-concessao-de-beneficio-de-icms. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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