RESUMO: O presente artigo tem por finalidade analisar o monitoramento eletrônico enquanto ferramenta disponível no ordenamento jurídico para assegurar a proteção da vítima de violência doméstica, dando assim, concretude aos objetivos da Lei 11.340/2006, “Lei Maria da Penha”. Para a análise aqui empreendida se utilizou de pesquisa bibliográfica e jurisprudência. Conclui-se que o monitoramento eletrônico é uma ferramenta que pode de fato assegurar a proteção da vítima e o cumprimento da determinação judicial, uma vez que permite o monitoramento do agressor e o acompanhamento de seus movimentos, de modo que impeça de ultrapasse perímetro que coloque em perigo a vítima.
Palavras – Chaves: monitoramento; violência doméstica; medida protetiva.
INTRODUÇÃO
O monitoramento eletrônico tem sua inspiração em uma história em quadrinhos, do personagem homem aranha, de 1977, quando o “rei do crime” prende um bracelete no personagem principal com a finalidade de monitorar seus movimentos pela cidade de Nova York. O Juiz norte americano Jack Love pensou que a idéia poderia ser utilizada para o monitoramento de presos, empreendendo esforços para que produzissem os receptores para serem afixados nos pulsos. Em 1983 a National Incarceration Monitor and Control Services passou a produzir equipamento eletrônico com o fito de controle de seres humanos (ARAÚJO, 2016).
Gradativamente o uso do monitoramento eletrônico foi se disseminando, sendo na atualidade instrumento dos mais celebrados, considerado por alguns como indispensável para o sistema de justiça criminal.
No Brasil o estado da Paraíba foi o primeiro a implementar o monitoramento eletrônico, no ano de 2007, antes mesmo que fosse sancionada a lei que permitiria o mecanismo. Após uma boa repercussão do experimento, o monitoramento eletrônico foi inserido no ordenamento jurídico por meio das Leis 12.258 de 2010 e 12.403 de 2011.
Assim, num primeiro momento, analisaremos as leis que dispõe sobre o aludido instrumento e, posteriormente, sua utilização como ferramenta a favor da proteção da vítima de violência doméstica (ARAÚJO, 2016).
1 MONITORAMENTO ELETRÔNICO E A LEI MARIA DA PENHA
A Lei 11.340 de 2006 prevê como hipótese de medida protetiva de urgência a proibição de determinadas condutas ao agressor, entre as quais, pode-se citar a “aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor”, no art. 22, III, “a”. Tal hipótese tem por finalidade resguardar a incolumidade física da vítima, evitando a aproximação entre ela e seu agressor (CUNHA, PINTO, 2015).
Anteriormente à Lei 11.340 de 2006 não havia previsão de proibição do agressor de frequentar os mesmo lugares que a vítima, bem como, não era proibido de manter contato. Assim, com a publicação da lei, o juiz tem base legal para fixar um limite mínimo de distância entre o agressor e a vítima, familiares e testemunhas (GAMA, 2015).
A delimitação de um perímetro de proibição de aproximação do agressor deve ser decretada de forma clara, e tal medida se justifica diante de situações de animosidade, em que o agressor passa a perseguir a ofendida, seus familiares e testemunhas, o que se estende para além do ambiente do lar, para o local de trabalho e locais frequentados por ela, sob pena do ofensor ver decretado sua prisão preventiva (CUNHA, PINTO, 2015).
A Lei 12.258 de 2010 introduziu o monitoramento eletrônico na esfera da execução penal, ao alterar a Lei 7.210 de 1984, “Lei de Execução Penal”, com a finalidade de auxiliar o instituto da prisão domiciliar, bem como, monitorar a saída temporária do preso no período de cumprimento da pena em regime semiaberto (BRASIL, 2010).
A Lei 12.403 de 2011 alterou dispositivos no Código de Processo Penal, especialmente sobre a prisão processual, prevendo hipóteses de decretação de medidas cautelares de modo alternativo à prisão do agente, como se nota:
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IX - monitoração eletrônica (BRASIL, 2011).
Medidas protetivas foram criadas e são destinadas para os casos de violência doméstica, pois aplicável a Lei Maria da Penha, lei específica que sobressai à determinação do Código de Processual Penal. A Lei 12.403 de 2011 prevê a utilização da monitoração eletrônica na hipótese de substituição da prisão cautelar do agressor, assim, em uma primeira análise, estaria vedada a monitoração eletrônica em casos de violência doméstica, por falta de previsão legal na Lei 11.340 de 2006. No entanto, as modificações no Código de Processo Penal são de caráter geral, de modo que é possível sua aplicação a todo e qualquer delito, para serem aplicadas como alternativa a prisão preventiva, desde que contenha os requisitos que autorizam sua decretação. Assim, a determinação de proibição de contato entre vítima e agressor pode ser fiscalizada por meio de técnicas eletrônicas (CUNHA, PINTO, 2015).
O equipamento utilizado para o monitoramento eletrônico é acoplado ao corpo do acusado ou preso para monitorar sua localização, sendo que tal acompanhamento é realizado através de GPS (em português Sistema de Posicionamento Global). O sistema GPS é utilizado nas tornozeleiras eletrônicas, que indicam a movimentação espacial, de forma que quando a pessoa monitorada se aproxima do perímetro proibido é enviado um sinal sonoro. Além disso, outro recurso é o botão do pânico, recurso utilizado para realizar o monitoramento de áudio, de modo que quando acionado grava o som do ambiente. Ou ainda, o dispositivo S.O.S, oferecido pelo Justiça ou mesmo pela Delegacia da Mulher, para que a mulher possa avisar a aproximação do agressor. E por fim, o PLP 2.0, que é um sistema Android acionado no momento em que a mulher se sente ameaçada, capaz de gravar som e imagem (BANDEIRA, 2015).
Em uma análise jurisprudencial, o uso da monitoração eletrônica é permitida diante do descumprimento de medidas protetivas, pois entende-se que o descumprimento permitiriam a prisão preventiva, e nesta hipótese cabível a substituição da medida pelo uso da tornozeleira eletrônica. Como se nota da jurisprudencial abaixo:
Ementa: Habeas Corpus – LEI MARIA DA PENHA – USO DE TORNOZELEIRA – FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA – NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO – DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS – INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO DE QUALQUER OUTRA MEDIDA CAUTELAR PREVISTA NO ART. 319 DO CPP – ORDEM DENEGADA. 1. O uso de monitoração eletrônica não configura constrangimento ilegal quando determinado por decisão judicial fundamentada, tendo em vista a necessidade e adequação da medida, mormente em se tratando de agente que descumpriu medida protetiva anteriormente deferida, ao ter se aproximado de sua ex-companheira, sem permissão judicial. 2. Denegado o Habeas Corpus (TJMG – Habeas Corpus Criminal 1.000.13.096144-4/000 961444-21.2013.8.13.0000 4ª Câmara Criminal, Rel. Des. Eduardo Brun, julg. 26/2/2014).
E ainda:
EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. MONITORAMENTO ELETRÔNICO. DESNECESSIDADE NO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE NOTÍCIA DE NOVAS INVESTIDAS DO RÉU CONTRA A VÍTIMA NO LAPSO TEMPORAL DE QUASE DOIS ANOS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. RECURSO NÃO PROVIDO.
- No contexto de violência doméstica, configura-se a monitoração eletrônica como sendo o instrumento adequado e necessário para garantir a eficácia das medidas protetivas de urgência já concedidas, devendo, portanto, ser determinada sua utilização quando houver fundado receio em seu não cumprimento, não sendo o caso dos autos.
- Recurso não provido. (TJMG - Rec em Sentido Estrito 1.0024.14.008160-5/001, Relator(a): Des.(a) Doorgal Andrada , 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 25/11/2015, publicação da súmula em 01/12/2015)
Através do aprimoramento jurisprudencial e doutrinário, bem como, pela adesão dos estados à utilização do monitoramento eletrônica, há que se realizar a devida alteração legislativa, de modo a inserir o monitoramento eletrônico como instrumento de fiscalização das medidas protetivas de urgência, ampliando os mecanismos previstos no art. 22 da Lei Maria da Penha, Lei 11.340/2006. Deste modo, se encaminha para a concretude das finalidades legais, garantindo efetividades a determinação judicial e assegurando de fato a integridade da vítima de violência doméstica.
Cumpre dizer que o art. 22 da Lei Maria da Penha tem rol meramente exemplificativo de medidas protetivas , admitindo-se assim hipóteses outras que aquelas previstas, sendo que tal interpretação é o que se extrai do §1º do referido artigo: “As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público” (CUNHA, PINTO, 2015).
Importante frisar que a Lei 12.258 de 2010 prevê que “o Poder Executivo regulamentará a implementação da monitoração eletrônica”, de modo que os estados, progressivamente, implementem tal política de execução penal. A título de exemplo, o Tribunal de Minas Gerais implementou a utilização das tornozeleiras eletrônicas, com o intuito de acompanhar a movimentação dos agressores de vítimas de violência doméstica. De modo que, uma vez concedida a medida protetiva, a fiscalização, que anteriormente ficava sob responsabilidade da vítima, a partir de março de 2013, as Varas Especializadas em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Minas Gerais, em parceria com a polícia e o Ministério Público, adotaram o monitoramento como instrumento para garantir a efetividade das medidas protetivas (CUNHA, PINTO, 2015).
Em Minas Gerais o procedimento consta na fixação do dispositivo eletrônico no agressor, e conjuntamente, a entrega de um dispositivo eletrônico para a vítima, que emite uma mensagem em seu celular no caso de seu agressor se aproximar. Tal mensagem também é enviada a uma central de monitoramento que, imediatamente, aciona a polícia, que se dirige ao local com o fim de evitar qualquer aproximação.
O enunciado 27 do Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid) aduz que: “O descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas na Lei n. 11.340 de 2006 configura prática do crime de desobediência previsto no artigo 330 do Código Penal, a ser apurado independentemente da prisão preventiva decretada. (Aprovado no VI Fonavid-MS)”.
Analisando a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais nota-se divergência de posicionamentos sobre o assunto. Conforme se verifica na ementa abaixo:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE AMEAÇA - PALAVRA DA VÍTIMA - RELEVÂNCIA PROBATÓRIA - CONDENAÇÃO MANTIDA - ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE DESOBEDIÊNCIA À DECISÃO JUDICIAL - DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI 11.340/06 - VIABILIDADE. 1. Nas infrações praticadas no âmbito doméstico e familiar, a palavra da vítima assume especial relevo no contexto probatório, especialmente quando corroborada por outros elementos de prova. 2. Existindo outras formas de sanções de natureza administrativa, civil, ou até mesmo processual, o descumprimento de medidas protetivas não caracteriza o delito de desobediência à decisão judicial, previsto no artigo 330 do Código Penal. V.V.P.: 1. Comprovada desobediência à ordem judicial, qual seja, descumprimento de medida protetiva, impossível acolhimento do pleito absolutório, não havendo que se falar em atipicidade da conduta. 2. A expedição de mandado de prisão e de guia de execução, após a prolação de Acórdão Condenatório por este Egrégio Tribunal de Justiça, com a finalidade de iniciar a execução da pena imposta, não fere o princípio constitucional da presunção de inocência, uma vez que, neste momento processual, encerrada está a possibilidade de reexame da matéria fático-probatória, encontrando-se formada a culpa do agente. (TJMG - Apelação Criminal 1.0344.11.004919-6/001, Relator(a): Des.(a) Denise Pinho da Costa Val , 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 31/05/0016, publicação da súmula em 10/06/2016)
Nota-se que no julgado acima há aqueles que entendem que a Lei Maria da Penha já determina sanções específicas para os casos de descumprimento de medidas protetivas, o que afasta a incidência do delito do art. 359 do Código Penal.
Entretanto, há aqueles que entendem, no mesmo lastro do enunciado apontado acima, que o descumprimento de ordem legal que determinou medida protetiva de urgência configura o crime de desobediência, sendo que o fato de haver sanções do tipo administrativo ou civil não afastam a tipicidade da conduta, de modo que possível duas conseqüências para a mesma conduta, sendo uma de natureza processual penal (custódia preventiva) e outra de natureza penal (delito de desobediência), inexistindo previsão que impeça a cumulação das medidas.
CONCLUSÃO
Em que pese entendimentos contrários a utilização da monitoração eletrônica, a sua utilização não viola o princípio da dignidade humana, sendo mesmo mecanismo que permite ao mesmo tempo a proteção da vítima e a continuidade da pessoa no seio da sociedade, o que se mostra medida superior a privativa de liberdade.
A monitoração eletrônica para os casos de violência doméstica, ainda não é totalmente aplicada devido a ausência de previsão legal, no entanto, tem sido alvo de políticas públicas de implementação pelos Estados, bem como, é aceita pela jurisprudência, que vê como mecanismo necessário e adequado nos casos de medidas protetivas de urgência já concedidas e que há fundado receio em seu não cumprimento
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Maria do Socorro Pereira. O monitoramento eletrônico dos presos e os requisitos legais para o seu cumprimento durante o regime semi-aberto. 02/2016. . Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/46757/o-monitoramento-eletronico-dos-presos-e-os-requisitos-legais-para-o-seu-cumprimento-durante-o-regime-semi-aberto>. Acesso em 31/07/2016.
BANDEIRA, Regina. Tecnologias favorecem proteção a mulheres vítimas de violência. Agência CNJ de Notícias. 17/06/2015. Disponível em http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/79658-tecnologias-favorecem-protecao-a-mulheres-vitimas-de- Acesso em 31/07/2016.
BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de jul de 1984.
BRASIL. Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 15 de jun de 2010.
BRASIL. Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 4 de mai de 2011.
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 7 de agos de 2006.
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo. 6ª Ed. Rev. Atual. Ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
FONAVID. Enunciado 27 do Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid). Aprovado no VI Fonavid-MS.
GAMA, Alessandra de Saldanha da. Lei Maria da Penha esquematizada: Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, 2ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Ferreira, 2015.
TJMG – Habeas Corpus Criminal 1.000.13.096144-4/000 961444-21.2013.8.13.0000 4ª Câmara Criminal, Rel. Des. Eduardo Brun, julg. 26/2/2014
TJMG - Rec em Sentido Estrito 1.0024.14.008160-5/001, Relator(a): Des.(a) Doorgal Andrada , 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 25/11/2015, publicação da súmula em 01/12/2015
TJMG - Apelação Criminal 1.0344.11.004919-6/001, Relator(a): Des.(a) Denise Pinho da Costa Val , 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 31/05/0016, publicação da súmula em 10/06/2016
Bacharel em Direito. Analista do Ministério Público de Minas Gerais.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, Gisele Adriane. O monitoramento eletrônico enquanto mecanismo de concretização da proteção da vítima de violência doméstica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 ago 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47327/o-monitoramento-eletronico-enquanto-mecanismo-de-concretizacao-da-protecao-da-vitima-de-violencia-domestica. Acesso em: 23 dez 2024.
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