Resumo: O presente trabalho busca abordar a evolução que ocorreu no conceito de família com a promulgação da Constituição Federal e também com Código Civil de 2002, destacando as principais diferenças entre a atual legislação e o Código Civil de 1916, e a inegável conclusão de que, mesmo de forma inconsciente, tal evolução veio para garantir um direito que está acima do próprio ente familiar, que é o direito fundamental da busca pela felicidade. Nesse trabalho, buscamos abordar os princípios que regem atualmente o Direito de Família, suas características e a função dessa instituição, fazendo uma abordagem sobre a ideia de uma família instrumental que serve de meio para a promoção da dignidade da pessoa humana na busca da felicidade. Por fim, as concepções abordadas serviram para concluir que a família não é um fim em si mesmo, mas apenas um meio na busca da felicidade, razão pela qual o próprio conceito de família deve ser abordado deixando de lado qualquer forma de preconceito ou prioridade cultural, religiosa ou social.
Palavras chaves: Conceito de Família. Família Instrumental. Direito a Felicidade. Principais Diferenças Entre o Conceito de Família no Código Civil de 1916 e no Código de Civil de 2002.
Direito de família é o conjunto de regras e princípios que disciplinam os direitos pessoais e patrimoniais decorrentes das relações de parentesco. Neste sentido, família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado.
O legislador brasileiro prevê, como formas básicas de família, os núcleos familiares constituídos pelo casamento, união estável e família monoparental (um dos pais e seus filhos), contudo, em razão principalmente do Princípio da Afetividade e em razão da Dignidade da Pessoa Humana, hoje encontramos famílias formadas por casais homoafetivos, realidade que já pode ser vista diariamente no ordenamento jurídico brasileiro.
A doutrina brasileira, após a promulgação da Constituição Federal e também do Código Civil de 2002, tem entendido que o Direito de Família é regido pelos Princípios da Dignidade da pessoa humana, no sentindo de tutelar a dignidade de cada um dos membros da família, em especial no que concerne o desenvolvimento dos filhos; Princípio da Igualdade Jurídica dos Cônjuges e Companheiros, no que tange aos direitos e deveres, visando aplicar as mesmas regras e princípios jurídicos aos sujeitos que se encontram na mesma situação jurídica; Principio da Igualdade Jurídica de Todos os Filhos, ou seja, os filhos havidos dentro ou fora da relação de casamento possuem os mesmos direitos; Princípio da Liberdade de Constituir Comunhão de Vida Familiar, seja pelo casamento ou união estável, o que abrange também o Princípio da Livre Decisão do Casal no Planejamento Familiar; e o Princípio da Afetividade, que estabelece um vínculo de solidariedade entre os membros de uma família em razão do afeto, sentimento, e não apenas por mera ligação biológica.
Atento aos princípios que regem o direito de Família a doutrina afirma que o próprio conceito de família possui atualmente três características básicas que a diferenciam da família existente antes da Constituição Federal de 1988, ou seja, a família atualmente é Socioafetiva, Eudemonista e Anaparental, bem diferente da ideia de família matrimonialista e discriminatória que havia na sistemática do Código de 1916.
A família é socioafetiva porque o núcleo familiar é construído com base no valor jurídico do afeto, e não apenas em decorrência do casamento e de laços biológicos. Quando falamos que a família é Eudemonista, nos referimos ao entendimento de que a família deve servir de ambiente para que os seus membros se realizem individualmente e socialmente como pessoas, isto é, a família possuiu um caráter instrumental, haja vista que deve servir de instrumento de promoção social e pessoal em atenção ao Principio da Dignidade da Pessoa Humana. Por fim, a família é Anaparental, pois não compreende apenas os parentes como vínculo de sangue, mas também pessoas que consolidam um vínculo de afeto familiar ao longo do tempo.
O que se percebe é que a evolução do próprio conceito de família busca reconhecer um direito que está acima da própria instituição familiar, que é o direito que toda pessoa tem de ser feliz. Esse direito a felicidade justificou inúmeras modificações na legislação brasileira, o que pode ser percebido pelas mudanças que ocorreram na substituição do Código Civil de 1916 pelo atual Código Civil, vejamos:
No Código Civil de 1916 toda família era casamentaria, matrimonializada, de modo que para ter família era preciso casar. Quem não casava não tinha família. Não existia no Código Civil de 1916 nenhuma família fora do casamento. No Código Civil de 2002 a família deixou de ser casamentaria e passou a ser múltipla, plural. Passou a existir mais de uma forma de constituição de família: união estável, família monoparental (comunidade de ascendentes e descendentes. Ex: mãe solteira, pai viúvo), sendo importante destacar que tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça entendem que o rol de famílias previsto na Constituição é meramente exemplificativo.
Na legislação anterior a família era patriarcal. O homem era o chefe da família, existindo uma visão verticalizada de família onde o homem se encontrava no vértice da pirâmide, sendo a esposa quase que propriedade do marido. No Código Civil atual a família deixou de ser patriarcal e passou a ser igualitária, pois homem e mulher passaram a ser iguais na forma da lei. Não há mais hierarquia, não há mais chefia da relação casamentaria, sendo correto afirmar que a atual codificação estabeleceu uma igualdade material entre o homem e a mulher, respeitando as diferenças justamente para buscar a igualdade.
Outra diferença importante consiste no fato de que no Código Civil de 1916 a família era necessariamente biológica e baseada no trinômio casamento, sexo e reprodução, bem como partia da premissa de que toda reprodução se desse dentro do casamento, destacando-se também que não existia a reprodução sem sexo, até porque não existiam os mecanismos de fertilização assistida.
No Código Civil de 1916 o filho adotivo não tinha os mesmos direitos do filho biológico: a morte dos pais adotivos extinguia a adoção. Com a extinção da adoção impedia-se que o filho adotivo tivesse acesso à herança. Tudo isso para deixar claro que o casamento estabelecia a proteção das relações sexuais em relação à reprodução. Essa tendência também era percebida quando o homem casado tinha filhos fora do casamento.
A falsa moralidade e os valores sociais, baseados em uma cultura preconceituosa, faziam com que a felicidade fosse colocada em um segundo plano, menos importante que a própria instituição familiar.
Até 1949 o homem casado era proibido de reconhecer filho fora do casamento. No mesmo ano veio a lei nº 883/1949, que autorizou o homem casado a reconhecer o filho fora do casamento com uma condição simples: desde que sua esposa consentisse.
O referido código queria que todo casamento trouxesse consigo a reprodução sexual e não a filiação socioafetivo (até porque não havia filiação adotiva e muito menos os mecanismos de fertilização assistida). Logo, toda reprodução vinha do elemento sexual e todo elemento sexual estava protegido dentro do casamento, restando claro que não havia reprodução sem sexo e não havia sexo protegido fora do casamento. Nesse particular, o Código Civil de 2002 trouxe uma grande inovação, pois passou a admitir a família biológica ou socioafetiva e a adoção passou a produzir os mesmos efeitos da filiação biológica, o que veio a consagrar os princípios norteadores já mencionados anteriormente.
Outra questão importante é que toda família era necessariamente heteroparental, pois o próprio conceito de família exigia uma relação entre um homem e uma mulher, diferentemente do que ocorre atualmente, onde a família pode ser heteroparental ou homoparental (ex: mãe solteira com filha; pai e filho).
Essa pequena amostra das diferenças existentes entre o código novo e o antigo demonstra que este trabalhava com uma visão institucional de família. A família era uma instituição, isto é, a família era instituição em si mesma, uma finalidade em si mesma. A finalidade do sistema era proteger a família e não a pessoa. Para ilustrar, o art. 34 da Lei de Divórcio (Lei nº 6.515/77), que permaneceu em vigor até 2010, permitia ao juiz indeferir acordo de divórcio consensual. Ou seja, o juiz mantinha as partes casadas em nome da lei, mesmo que as partes quisessem se divorciar, posto que era mais importante a manutenção da família do que a felicidade das pessoas.
A nova visão da família com a Constituição Federal e o Código Civil de 2002 não é mais de família institucional, mas sim de família instrumental. A família passou a ser meio e não fim, é o meio pelo qual as pessoas desenvolvem a sua personalidade na busca da realização pessoal. Essa realização pessoal é a felicidade, que também é um direito fundamental.
A dignidade humana justifica o direito fundamental à felicidade e, sendo a felicidade um direito fundamental, é certo que a concepção instrumental de família significa que família é meio e não fim, até porque ninguém nasceu para necessariamente formar família. A família é quem protege as pessoas e não o contrário. Em suma: a finalidade do Direito de Família é proteger a pessoa humana e propiciar a felicidade, razão pela qual não interessa o tipo de família, o que interessa é a proteção da pessoa que compõe a família, que acima de ser apenas um membro familiar é uma pessoa humana com direito a felicidade.
É importante esclarecer que o direito à felicidade foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da união homoafetiva (ADPF 132, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 5/5/2011), ao se reconhecer a constitucionalidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo. De acordo com o entendimento do STF, o princípio constitucional da busca da felicidade decorreria implicitamente do sistema constitucional vigente e, em especial, do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Como afirmado pelo destacado Ministro, o postulado da dignidade da pessoa humana constituiria relevante vetor interpretativo, capaz de conformar e inspirar todo o ordenamento constitucional vigente, traduzindo-se, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta a ordem republicana e democrática, ou seja, o princípio constitucional da busca da felicidade decorreria implicitamente do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana. Desse modo, a busca da felicidade assumiria papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência pudessem comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais.
Atualmente, tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional nº 19/2012, o qual dá nova redação ao art. 6º da Constituição Federal, que pretende colocar o direito a busca pela felicidade como um dos direitos sociais, restando evidente que o Direito de Família também deve se adequar a esse direito fundamental.
Desse modo, analisando a evolução do conceito de família no ordenamento jurídico brasileiro, e sua inegável obediência a ordem constitucional, é certo que o conceito de família tem como ingredientes o afeto, a ética, a solidariedade e a dignidade na busca da felicidade da pessoa humana e, por isso, não deve se prender a preconceitos culturais, religiosos e sociais que esquecem a própria pluralidade existencial, de consciência e de opinião.
Advogado, com atuação no Direito de Família, e ex assessor de magistrado na vara de Família na cidade de Santa Cruz do Capibaribe-PE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Geildson de Souza. A evolução no conceito de família: a família como instrumento na busca da felicidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 ago 2016, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47369/a-evolucao-no-conceito-de-familia-a-familia-como-instrumento-na-busca-da-felicidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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