RESUMO: O trabalho infantil está inserido no contexto mundial há séculos e representa um obstáculo à democracia. Por outro lado, ao se tratar da história do Direito infantojuvenil, observa-se uma grande evolução na integridade e desenvolvimento físicos, mentais e morais .Nesse artigo, procurou-se enfatizar a perspectiva local brasileira acerca do assunto: o que é entedido por trabalho infantil; o contexto histórico e o aspecto jurídico que envolve a proteção da criança e adolescente. A legislação brasileira referente ao tema inicia-se em 1891 e ganha ênfase com a ascensão da Carta Magna de 1988.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho infantil, legislação, infanto-juvenil, marxista.
INTRODUÇÃO
Para tratar das relações de trabalho é importante contextualizar a relação deste com o pensamento marxista, visto que o trabalho infantil tomou grande destaque nas obras de Karl Marx e que ele teve uma grande influência na formação de conceitos como trabalho, capitalismo, lucro e mais-valia. Ele chegou, inclusive, a retratar em sua obra “Crítica ao Programa de Gotha” que “A “proibição geral” do trabalho infantil é incompátivel com a existência da grande indústria e, portanto, um piedoso desejo e nada mais.” (MARX, Karl, 1875). Segundo o sociólogo, a exploração de crianças e adolescentes, que foi infirmada pela evolução histórica, era de grande importância à indústria moderna, tinha um caráter definitivo e expressava uma tendência irreversível, baseado no pressuposto de que a indústria capitalista não mais poderia prescindir dessa categoria de trabalhadores, em decorrência da necessidade que tinha de braços para alimentar o processo de acumulação de capital.
“Consideramos a tendência da indústria moderna para levar as crianças e jovens de ambos os sexos a cooperarem no grande trabalho da produção social como uma tendência progressiva, são e legítima, embora sob o capital tenha sido distorcida numa abominação. Num estado racional da sociedade qualquer criança que seja, desde a idade dos 9 anos, deve tornar-se trabalhador produtivo da mesma maneira que todo o adulto saudável não deveria ser eximido da lei geral da natureza: Trabalhar para comer, e trabalhar não só com o cérebro mas também com as mãos.” (MARX, Karl; 1866)
DESENVOLVIMENTO
O autor também associou o trabalho infantil com medidas preventivas e educação. Em sua visão, uma vez regulamentada severamente a jornada de trabalho fundamentado-se nas diferentes idades/condições físicas e aplicando as demais medidas preventivas para a proteção das crianças, a combinação do trabalho produtivo com a educação seria um dos mais poderosos meios de transformação da sociedade atual.
Tendo em visto a influência do pensamento marxista, pode-se dizer que a expropriação dos direitos de crianças e adolescentes tornou-se evidente com o advento da Revolução Industrial, no século XVIII. A Ética do Trabalho implantou uma obrigatoriedade de um emprego remunerada e que os/as cidadãos/ãs desempregados estariam “à margem” da sociedade e a baixa remuneração dos trabalhos industriais exigia do trabalhador a inserção de toda a sua família, incluindo mulheres e crianças, afim de garantir a sobrevivência. Com isso, crianças de até seis anos de idade se submetiam a trabalhos extenuantes, em condições insalubres e, por serem crianças, recebiam os menores salários.
A evidente degradação física que estava ocorrendo na infância alarmava até mesmo os mais conservadores. As relações de forte hierarquia sobre os/as mais jovens era comum desde os povos mais antigos; a esses, os/as filhos/as eram tidos como objetos de direito de seus pais/mães, e não sujeitos de direito. Foi apenas com a chegada da Contemporaniedade que se observou um avanço na consolidação das políticas e práticas de proteção social.
Os primeiros avanços na erradicação desse (normas que o caracterizaram como ilegal) foram alcançados pela luta dos trabalhadores, no século XX, com o crescimento das indústrias e do capitalismo. A Convenção 138 de 1972 implementou uma idade mínima para o trabalho que em parte foi adotada pelo Brasil. Pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) (...), há uma interdição para qualquer tipo de trabalho no caso de menores de doze anos e no caso de menores de dezoito, há uma interdição sob condições arriscadas e perigosos, atividades que não envolvem riscos à saúde, à segurança e à moral do jovem são permitidas. Com a Constituição de 1988 e Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no 8069/90) a regulamentação dos direitos da criança e do adolescente ganha uma nova dimensão. No ano seguinte, o Brasil veio a adotar oficialmente o Pacto de São José da Costa Rica que também abrangia questões relativas aos menores. É no final do século XX que se percebe uma maior movimentação no âmbito do Direito infantojuvenil.
A partir daí, a luta pela proteção da criança e do adolescente ganhou força e hoje muitos estados brasileiros estão em processo de erradicação do trabalho infantil. No Distrito Federal, em 1996, foi criado o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infatil) com o objetivo de erradicar as chamadas “piores formas de trabalho infantil” no país, aquelas consideradas perigosas, penosos, insalubres ou degradantes; essas se enquandram no conceito de Child Laubor, práticas que são proibidas em âmbito global. O progama também visava conceder uma bolsa às famílias de jovens de 7 a 15 anos, em substituição à renda obtida com tais trabalhos, em contrapartida, as famílias teriam que matricular seus/suas filhos/as em escolas e fazê-los/las frequentá-las.
Mesmo com a maior movimentação do direito infantojuvenil, os índices de trabalho infatil ainda são muito altos nas regiões brasileiras. O Sul e o Nordeste apresentam as maiores incidências de tal exploração, o que indica também, que a relação trabalho infantil x pobreza não é sempre verdadeira; a discrepância entre as rendas de ambas regiões não condiz com a proximidade de seus índices. Além disso, um dos fatores ainda muito influentes na realidade brasileira quanto ao trabalho infantil é a relação desse com a marginalização; aos olhos de muitos, estar inserido em um ambiente produtivo pode evitar que os/as jovens sejam marginalizados.
Como já visto, foi com a chegada do século XX que o Direito Infantojuvenil ganhou maior ênfase. Todavia, no governo de Deodoro da Fonseca, em 1891, foi promulgado o primeiro Decreto-Lei sobre o trabalho infantil, o de número 1313, reguralarizando essa prática nas fábricas do Rio de Janeiro, estabelecendo idade mínima para o ingresso nessas de 12 anos e jornada de trabalho de 7 horas para menores de 14 anos e 9 horas para jovens de 14 a 18 anos. Diferentemente do Brasil Império, no Brasil República a tendência do país foi de direcionar à esfera jurídica atenção às questões relacionadas à infância considerando graves questões envolvendo tal assunto. A concepção da criança passou a ser influenciada por uma corrente científica-racional e observou-se a necessida de proteção a ela em prol do bem da sociedade. Em 1917, aprovou-se a Lei 1801 que estabelecia a idade mínima de 14 anos para admissão em fábricas, com jornada de 6 horas.
A concepção da proteção da criança em prol do bem da humanidade fez somar-se a justiça à assistência, associação que fundamenta a ação do Estado que resultou na criação do Código de Menores em 1927 que trouxe grandes mudanças ao direito, propiciando reformas na Justiça brasileira, visava-se uma humanização da justiça. Esse Código abrangia a proibição do trabalho realizado nas ruas por crianças e adolescentes, influência do entendimento do Estado em manter a ordem para garantir o progresso do País.
No governo de Vargas, as questões que envolviam o trabalho infantil passaram a ser consideradas questões nacionais, desestruturando os poderes regionais. A Constituição de 1934 obteve destaque na legislação trabalhista, ao regulamentar o trabalho feminino e dos jovens em âmbito industrial, além do direito à educação primária integral e gratuita; pode-se observar, nessa período, a expansão dos direitos sociais como garantia do Estado. O Serviço Nacional de Assitência a Menores, criado em 1941 era vinculado ao Ministério da Justiça e ao juizado de menores que merece destaque por ter influenciado no cumprimento dos preceitos do Código de Menores.
Já o regime militar trouxe um caráter autoritário ao tentar estabelecer a ordem nacional e a Política Nacional do Bem-Estar do Menor seria realizada de forma centralizada e vertical, frustrando qualquer perspectiva de mudança na área da infância.
No entanto, apenas com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal de 1988, os/as jovens brasileiros/as passaram a ter os seus direitos assegurados por leis que os/as protegessem, bem como as obrigações da família, da sociedade e do governo para com eles, o que ressaltou o dever do Estado em garantir todos os cuidados referentes à proteção e ao desenvolvimento das crianças e adolescentes.
“Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.” (artigo 7o da Constituição Federal de 1988) “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (artigo 227 da Constituição Federal de 1988) “O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho; II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola;" (parágrafo 3o do artigo 227 da Constituição Federal de 1988)
Para fazer valer o art. 227 da Constituição Federal foi criada a lei 8.069, de 13 de julho de 1990, chamada de Estatuto da Criança e do adolescente. Esta fornece à criança e ao adolescente garantia de prioridade do Estado, assegurando sua proteção e os cuidados necessários ao seu desenvolvimento.
“A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.” (artigo 4o lei 8069)
Há ainda, como já expresso anteriormente, a CLT que dispõe de um capítulo exclusivo para os direitos da criança e do adolescente, do artigo 402 a 411. Esta Consolidação considera esses/essas beneficiados/as o/ trabalhador/a de 14 a 18 anos e, de acordo com o artigo 403: “É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos.” Além disso, o documento proíbe que o ambiente de trabalho da criança e do adolescente ofereça algum risco à sua integridade física e moral.
CONCLUSÃO
Pode-se dizer que o trabalho é natural à condição humana, visto que, por meio dele, o ser humano é capaz de se modificar, refinar-se, como já dizia Marx. No entanto, quanto às condições de trabalho da criança e do adolescente, deve-se levar em consideração os cuidados necessários para que o desenvolvimento físico, mental e moral não sejam comprometidos ou distorcidos por esse, garantindo a sua integridade quanto pessoa de direito, além do tempo necessário a ser dedicado à educação. A exploração de jovens acompanha os avanços econômicos e os setores de maior destaque na produção do país e vai do campo à indústrias. A maximização do lucro e a busca por acúmulo de capital ainda são fatores muito influentes na exploração de jovens não só brasileiros/as, como ao redor do mundo. Além disso, crianças e adolescentes muitas vezes são submetidos a “trabalhos invisíveis” não regulados legalmente que fogem dos índices de pesquisa, fazendo com que parte dessa realidade permaneça obscura. Esses podem englobar trabalhos domésticos até a prostituição.
Através do desenvolvimento da legislação, observa-se a importância do papel regulador do Estado e do direito em relação às práticas infantojuvenis; com leis administrando os direitos da criança e do adolescente, estabelecendo cargas horárias e condições de trabalhos adequadas, esses podem ser respeitados como devem. A luta por tais direitos ganha força ao passar dos dias e muitas Organizações Não Governamentais exploram as regiões mais isoladas do Brasil, onde muitas vezes o sistema jurídico não é efetvo, de forma a erradicar a exploração de jovens.
É fato que esse é um problema global com perspectivas locais de difícil extermínio, por incluir áreas de díficil acesso à mídia, ao governo por e tais “trabalhos invisíveis” que fogem do controle estatal. Todavia, tendo em vista o contexto histórico e as evoluções observadas, pode-se dizer que a batalha contra tal o trabalho infantil atingiu grande dimensão na contemporaniedade.
É louvável observar a interdisplinariedade ao trabalhar tal assunto. Devido a sua grandeza, há aspectos sociais, históricos, econômicos, jurídicos, psicológicos e muitos outros que articulam-se diante tão grande causa. As várias esferas sociais que compõem a sociedade moderna são intimamente ligadas à medida que aspectos econômicos influenciam os aspectos sociais: hábitos dos/das habitantes, os costume, moralidade; o campo jurídido sofre constante adequação social e, ao mesmo tempo, aspesctos psicológicos dos/das cidadãos/ãs acompanham as evoluções históricas. Sendo assim, quando uma esfera sofre uma mudanças, as demais são influenciadas in ou diretamente e ao abordar o “trabalho infantil” é indispensável fazer tal associação, visto que essa tema está intrínseco ao capitalismo que, por sua vez, está intrínseco à sociedade industrial.
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Estudante de Direito na Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, Anna Clara Fenoll. A incidência do trabalho infantil no contexto brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 set 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47454/a-incidencia-do-trabalho-infantil-no-contexto-brasileiro. Acesso em: 26 dez 2024.
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