RESUMO: O presente trabalho, resultado de pesquisas jurídicas em diversas obras, autores e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, versa sobre tema relevante no estudo do Principio da homogeneidade nas prisões cautelares. Desenvolve-se um raciocínio acerca da prisão cautelar e do crime de tráfico privilegiado. Para tanto, faz-se uma abordagem minuciosa, de modo a demonstrar a evolução da jurisprudência. Outrossim, através de uma investida doutrinária e jurisprudencial, busca-se analisar a prisão cautelar de modo geral e em especial nos casos atinentes à prática do crime de tráfico de drogas na modalidade privilegiada.
Palavras chave: Direito Penal e Processual Penal – Prisão Cautelar – Tráfico De Drogas Privilegiado.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
No presente trabalho, buscar-se-á explanar acerca do principio da homogeneidade e sua consequente visão no resultado do processo, como forma de manter ou não a custódia cautelar e analisar a proporcionalidade dessa medida com a sanção final eventualmente a ser imposta.
A observância ao princípio da homogeneidade, impõe limites que devem ser respeitados. De modo que nada autoriza que o Estado possa determinar, em sede de medida cautelar, regime mais gravoso do que aquele em que provavelmente o réu será condenado. Ao Poder judiciário cabe ser garante dos direitos e garantias fundamentais, impondo o mínimo mal-estar necessário aos réus.
Assim, o reconhecimento do princípio é imprescindível para aplicação da prisão provisória, seja ela temporária ou preventiva. Sua violação não serve a um processo penal democrático. Por força da eficácia de tal princípio, a tutela deve ser realizada de modo que não ofenda a eventual sanção projetada, o que não ocorre quando se depara com a figura de um crime privilegiado.
No que tange ao tema, figurando no caso concreto, é de se destacar pelos substratos probatórios contidos em uma instrução penal, que o réu, por muitas vezes, coopera com a operação da policia no momento de sua prisão, confessando em sede inquisitorial a prática delitiva e contribuindo para o seu desfecho.
Destarte, no momento da análise do flagrante para homologação, por um juízo superficial sobre a situação do ainda autuado, deve o Magistrado observar que a presente custódia cautelar imposta, por muitas vezes, se revela mais severa do que a eventual pena imposta ao final do processo em caso de condenação, pois, observa-se em muitos casos que o flagranteado possui a seu favor diversas circunstâncias judiciais do art. 59 do código Penal, bem como do art. 42 da lei de Drogas favoráveis.
Demais disso, deve também o Magistrado no momento da decisão de decretação da custódia cautelar, observar também as circunstâncias atenuantes em favor previstas no art. 65 do Código Penal, a eventual redução da pena e por via de consequência, o cumprimento do regime aberto ou semiaberto, tendo em vista a eventual aplicação do tráfico privilegiado previsto no art. §4º, art. 33 da lei de Drogas, já que o réu, em tese, em um juízo de cognição sumária, preenche todos os requisitos elencados em seu favor.
Portanto, eventual prisão cautelar, quando fundamentada para garantia da ordem pública ou qualquer outro motivo, será sempre desproporcional com o resultado final do processo, na verdade, será uma forma de retaliação.
Sobre o tema, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. ILEGALIDADE DE PRISÃO PROVISÓRIA QUANDO REPRESENTAR MEDIDA MAIS SEVERA DO QUE A POSSÍVEL PENA A SER APLICADA. É ilegal a manutenção da prisão provisória na hipótese em que seja plausível antever que o início do cumprimento da reprimenda, em caso de eventual condenação, dar-se-á em regime menos rigoroso que o fechado. De fato, a prisão provisória é providência excepcional no Estado Democrático de Direito, só sendo justificável quando atendidos os critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade. Dessa forma, para a imposição da medida, é necessário demonstrar concretamente a presença dos requisitos autorizadores da preventiva (art. 312 do CPP) — representados pelo fumus comissi delictie pelo periculum libertatis — e, além disso, não pode a referida medida ser mais grave que a própria sanção a ser possivelmente aplicada na hipótese de condenação do acusado. É o que se defende com a aplicação do princípio da homogeneidade, corolário do princípio da proporcionalidade, não sendo razoável manter o acusado preso em regime mais rigoroso do que aquele que eventualmente lhe será imposto quando da condenação. Precedente citado: HC 64.379-SP, Sexta Turma, DJe 3/11/2008.HC182.750-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 14/5/2013.
Habeas Corpus. Artigo 155, § 4º, inciso IV, 129, 329, todos do Código Penal e 244-B da Lei 8.069/9. A defesa sustenta afronta ao principio da homogeneidade das penas. Segundo o princípio da homogeneidade, corolário do princípio da proporcionalidade, não se afigura legítima a custódia cautelar quando sua imposição se revelar mais severa do que a própria pena imposta ao final do processo em caso de condenação e, ao que parece, é o que ocorrerá na hipótese do caso vertente, pois sendo o acusado primário e portador de bons antecedentes, conforme demonstra a sua FAC, ao final do processo as penas restarão no mínimo legal e, ainda que em concurso material, admitirão a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito e a fixação de regime aberto. Ademais, o STJ já firmou o entendimento de que não restando demonstrada concretamente a ocorrência de ao menos uma das hipóteses autorizadoras da prisão preventiva, à luz do art. 312 do CPP, devida a concessão da liberdade provisória. ORDEM CONCEDIDA. (TJ-RJ - HC: 00676091020148190000 RJ 0067609-10.2014.8.19.0000, Relator: DES. MONICA TOLLEDO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 14/04/2015, TERCEIRA CAMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 20/04/2015 11:20)
Demais disso, observa-se também, em recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, a incompatibilidade de regime aberto ou semiaberto com decreto de prisão preventiva, verbis:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. INCOMPATIBILIDADE ENTRE PRISÃO PREVENTIVA E REGIME ABERTO OU SEMIABERTO. Caso o réu seja condenado a pena que deva ser cumprida em regime inicial diverso do fechado, não será admissível a decretação ou manutenção de prisão preventiva na sentença condenatória. Inicialmente, insta consignar que a prisão cautelar deve ser considerada exceção, já que, por meio desta medida, priva-se o réu de seu jus libertatis antes do pronunciamento condenatório definitivo, consubstanciado na sentença transitada em julgado. Nesse passo, a prisão preventiva, enquanto medida de natureza cautelar, não pode ser utilizada como instrumento de punição antecipada do réu (STF: HC 93.498-MS, Segunda Turma, DJe de 18/10/2012; STJ: AgRg no RHC 47.220-MG, Quinta Turma, DJe de 29/8/2014; e RHC 36.642-RJ, Sexta Turma, DJe de 29/8/2014). Dessa forma, estabelecido o regime aberto ou semiaberto como o inicial para o cumprimento de pena, a decretação da prisão preventiva inviabiliza o direito de recorrer em liberdade, na medida em que impõe a segregação cautelar ao recorrente, até o trânsito em julgado, sob o fundamento de estarem presentes os requisitos ensejadores da prisão preventiva insertos no art. 312 do CPP. Ao admitir essa possibilidade, chegar-se-ia ao absurdo de ser mais benéfico ao réu renunciar ao direito de recorrer e iniciar imediatamente o cumprimento da pena no regime estipulado do que exercer seu direito de impugnar a decisão perante o segundo grau. Nessa medida, a manutenção ou a imposição da prisão cautelar consistiria flagrante vulneração do princípio da proporcionalidade. Além disso, a prevalecer o referido entendimento, dar-se-á maior efetividade e relevância à medida de natureza precária (manutenção da segregação cautelar) em detrimento da sentença condenatória (título judicial que, por sua natureza, realiza o exame exauriente da quaestio). Por conseguinte, a individualização da pena cederá espaço, indevidamente, à providência de cunho nitidamente provisório e instrumental, subvertendo a natureza e finalidade do processo e de suas medidas cautelares. É bem verdade que a jurisprudência ora dominante no âmbito do STJ tem se orientado pela compatibilidade entre o regime diverso do fechado imposto na sentença e a negativa do apelo em liberdade, desde que adequadas as condições da prisão provisória às regras do regime imposto. Entretanto, esse posicionamento implica, na prática, o restabelecimento da orientação jurisprudencial antes prevalente na jurisprudência STF, que admitia a execução provisória da pena, atualmente rechaçada, ao entendimento de que ela vulnera o princípio da presunção de não culpabilidade inserto no art. 5º, LVII, da CF. Isso porque, se a sentença condenatória ainda não transitou em julgado, só se permite a segregação em decorrência da imposição de prisão cautelar, cuja principal característica, como já ressaltado, significa segregação total do réu. Em outras palavras, a prisão cautelar não admite temperamento para ajustar-se a regime imposto na sentença diverso do fechado. Imposto regime mais brando, significa que o Estado-Juiz, ao aplicar as normas ao caso concreto, concluiu pela possibilidade de o réu poder iniciar o desconto da reprimenda em circunstâncias que não se compatibilizam com a imposição/manutenção de prisão provisória. Caso seja necessário, poderá se valer, quando muito, de medidas alternativas diversas à prisão, previstas no art. 319 do CPP, inquestionavelmente mais adequadas à hipótese. Precedentes citados do STF: HC 118.257-PI, Segunda Turma, DJe 6/3/2014; HC 115.786-MG, Segunda Turma, DJe 20/8/2013; e HC 114.288-RS, Primeira Turma, DJe 7/6/2013. RHC 52.407-RJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 10/12/2014, DJe 18/12/2014 (Informativo 554).
Assim pelo conteúdo expresso, não se afigura legítima a custódia cautelar de um réu, que, em tese, preenche todos os requisitos em cumprir pena em um regime aberto ou semiaberto, de modo que se revela mais severa a prisão do que a eventual pena imposta ao final do processo em caso de condenação e, ao que bem se percebe, é o que ocorre na prática do processo penal.
DO CRIME DE TRÁFICO PRIVILEGIADO DE DA DESPROPORCIONALIDADE NA CUSTÓDIA CAUTELAR
Destarte, conforme bem trata o Respeitável Desembargador do Estado de São Paulo e também Doutrinador, Guilherme de Souza Nucci, verbis:
“...a reforma processual instituída pela lei n. 12.403/11 teve com objetivo de impedir a ocorrência dos efeitos devastadores decorrentes de uma prisão cautelar sobre o réu, quando ao final da instrução, há ainda a possibilidade de ser condenado à pena que não impediria regime de cumprimento diverso”,
Nessa esteira, observa-se que hoje no nosso ordenamento jurídico, mais precisamente na esfera penal, a prisão cautelar é a exceção, tanto que o próprio legislador através das reformas do Código de Processo Penal instituiu as medidas cautelares diversas da prisão, deixando expresso que estas, é que devem ser a regra no processo penal.
Lado outro, especificamente ao cometimento do crime de tráfico de drogas, especialmente com pouca quantidade de entorpecentes em poder do agente, revela-se prejudicial manter a custódia cautelar do réu, se, observando no caso concreto, o agente eventualmente, em caso de condenação pelo tráfico privilegiado, vir a ter sua sanção imposta pelo Estado menos grave do que a custódia cautelar durante a instrução criminal.
Nesse sentido, é o entendimento da Câmara Regional do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Veja-se:
HABEAS CORPUS Nº 0385797-8 COMARCA DE ORIGEM: 3ª Vara Criminal da Comarca de Caruaru/PE RELATOR: Des. Waldemir Tavares de Albuquerque Filho PROCURADOR DE JUSTIÇA: Norma Mendonça Galvão de Carvalho ÓRGÃO JULGADOR: 1ª Câmara Regional de Caruaru - 2ª Turma ACÓRDÃO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS DO DECRETO PRISIONAL. PERICULOSIDADE CONCRETA NÃO DEMONSTRADA. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. IMPOSSIBILIDADE. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA ELEMENTARES AO TIPO PENAL. PRISÃO NÃO JUSTIFICADA. POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO EM REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA MAIS BENÉFICO. CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES. ORDEM CONCEDIDA. PRISÃO PREVENTIVA REVOGADA. IMPOSIÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS A PRISÃO. DECISÃO UNÂNIME. 1. Alegam os impetrantes o não cabimento da prisão preventiva, ante a ausência de razoabilidade na custódia preventiva do paciente, que tem cooperado com a justiça, possui residência fixa e trabalho lícito é réu primário e portador de bons antecedentes, tendo menos de 21 (vinte e um) anos à época do crime. 2. Consta na denúncia que foi localizado no imóvel do paciente 85g (oitenta e cinco gramas) da droga conhecida como "maconha", acondicionada em pequenas bolsas plásticas. 3. A prisão preventiva fundamentada no requisito da ordem pública apenas legitima-se quando lastreada em circunstâncias concretas. Não se verificou, na decisão hostilizada, elementos concretos que demonstrem a necessidade de garantia da ordem pública, tendo em vista que a apreensão de 85g (oitenta e cinco gramas) do entorpecente conhecida por maconha, por si só, não demonstra a periculosidade concreta do paciente, que é réu primário, possui endereço fixo, trabalho lícito e tem contribuido para a instrução do presente feito. 4. A quantidade e a natureza da droga apreendida demonstra apenas o preenchimento das elementares do tipo penal, não podendo fundamentar-se a segregação cautelar na gravidade abstrata do delito. 5. Não se justifica impor a prisão cautelar, quando, ao final da instrução, em caso de condenação, há grandes possibilidades de que o paciente venha à a cumprir pena em regime semi-aberto, em virtude da presença de circunstâncais atenuantes, como ser portador de bons antecedentes, não fazer parte de organização criminosa, ter confessado a autoria delitiva e ser menor de 21 (vinte e um) anos à época dos fatos. 6. Ordem concedida para revogar a prisão preventiva do paciente, aplicando-se as medidas cautelares alternativas à prisão previstas no art. 319, I (comparecimento períodico em Juízo), IV (proibição de ausentar-se da comarca) e V (recolhimento domiciliar no período noturno e dias de folga) do Código de Processo Penal. Decisão Unânime. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de habeas corpus nº 0385797-8, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Caruaru, em que figuram, como impetrante Vamário Soares Wanderley de Souza e Outro e, como paciente, Edilson Junior Silva Siqueira, acordam os Desembargadores componentes da 2ª Turma da Primeira Câmara Regional de Caruaru do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por unanimidade de votos, em conceder a ordem do presente habeas corpus, tudo consoante consta do relatório e voto anexos, que passam a fazer parte do presente julgado. Caruaru, 02 de julho de 2015. Des. Waldemir Tavares de Albuquerque Relator PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE PERNAMBUCO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO GABINETE DESEMBARGADOR WALDEMIR TAVARES 2
EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA POR EXIGÊNCIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. CRIME DE TRÁFICO E POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PRINCIPIO DA HOMOGENEIDADE. CUSTÓDIA CAUTELAR DESPROPORCIONAL. INVIABILIDADE DA PRISÃO. TODA MEDIDA CAUTELAR - ESPECIALMENTE A PRISÃO PREVENTIVA - TEM QUE SER PROPORCIONAL COM A PROVÁVEL SOLUÇÃO DE MÉRITO DA AÇÃO PENAL. O RÉU É PRIMÁRIO E SEM ANTECEDENTES, MENOR DE VINTE E UM ANOS À ÉPOCA DOS FATOS, CONFESSOU A PRÁTICA DO DELIDO ESPONTÂNEAMENTE E NÃO HÁ INDÍCIOS QUE INTEGRE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EVENTUAL CONDENAÇÃO SERÁ CUMPRIDA EM REGIME MENOS GRAVOSO DO QUE O ATUALMENTE IMPOSTO. APLICAÇÃO DO CHAMADO PRINCÍPIO DA HOMOGENEIDADE. SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES PREVISTAS NO ART. 319 DO CPP. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. O paciente foi denunciado pelo Ministério Público como incurso nas penas do art. 33, da Lei 11.343/2006 e art. 12 do Estatuto do Desarmamento.
2. No que diz respeito à ordem pública, a gravidade abstrata do fato, por si só, não autoriza a custódia cautelar.
3. Considerando as circunstâncias judiciais favoráveis, a presença de duas circunstâncias atenuantes (art. 65, incisos I e III, alínea d do CP), assim como a aplicação da causa especial de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº11.343/06, constata-se que, em caso de eventual condenação, o paciente iniciará o cumprimento da pena em regime menos gravoso do que se encontra atualmente.
4. Segundo o princípio da homogeneidade, corolário do princípio da proporcionalidade, não se mostra razoável manter alguém preso cautelarmente em regime mais gravoso do que aquele que, ao final do processo, será eventualmente imposto
5. Ausente motivação para manter a preventiva e por se mostrar medida desproporcional em face da existência de outras cautelares adequadas a assegurar a garantia da ordem pública, deve a prisão ser substituída pelo comparecimento periódico do acusado em juízo, sobretudo para a prática de atos processuais para os quais o acusado tenha sido intimado, pela proibição de ausentar-se da comarca e recolhimento domiciliar nos termos fixados.
6. Ordem parcialmente concedida para substituir a preventiva por medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 do CPP, determinando a expedição de alvará de soltura, se por outro motivo não deva permanecer preso.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Habeas Corpus nº 0394423-2, em que figuram, como impetrantes, Valmário Soares Wanderley de Souza e Amaro Wanderley de Souza e, como paciente, Thassyo Cavalcanti da Silva, acordam os Desembargadores da 1ª Turma da Câmara Regional de Caruaru do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, por unanimidade, em conhecer da ordem e, no mérito CONCEDER PARCIALMENTE A ORDEM, para substituir a prisão preventiva pelas medidas cautelares previstas no art.319 do CPP, nos termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes nos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Nessa mesma linha de raciocínio, foi o entendimento do Excelentíssimo Senhor Ministro da Suprema Corte, ministro LUÍS ROBERTO BARROSO, o qual, em Habeas Corpus por um fato análogo ao presente caso, deferiu a ordem liminar, para assegurar ao paciente o direito de responder aos termos do processo-crime em liberdade. Facultando-se ao Juízo de origem a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, caso entenda necessário, verbis:,
DECISÃO: EMENTA : PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SÚMULA 691/STF. TRÁFICO DE REDUZIDA QUANTIDADE DE MACONHA. PRISÃO PREVENTIVA. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1.Trata-se de habeas corpus, com pedido de concessão de liminar, impetrado contra decisão monocrática do Ministro Gurgel de Faria do Superior Tribunal de Justiça que indeferiu a cautelar requerida nos autos do HC 322.061.
2.Extrai-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante, em 15.10.2014, acusado de guardar, para posterior comercialização a terceiros, 69g de maconha. Trata-se de réu primário, com bons antecedentes, com endereço fixo e emprego. O Juízo de origem, nos termos do art. 310, II, do Código de Processo Penal, converteu a prisão em flagrante em preventiva.
3.Dessa decisão, foi impetrado habeas corpus no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Denegada a ordem, sobreveio a impetração de HC no Superior Tribunal de Justiça. O Relator do HC 322.061, Ministro Gurgel de Faria, indeferiu a medida liminar, como referido.
4.Neste habeas corpus, a parte impetrante alega que não estão presentes os requisitos necessários para a decretação da prisão preventiva, nos termos do art. 312 do CPP. Argumenta que “se trata de paciente primário, sem qualquer antecedente na sua ficha criminal...” Daí o pedido de superação da Súmula 691/STF com a imediata revogação da prisão processual do acionante.
Decido.
5.Inicialmente ressalto que o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento no sentido da inadmissibilidade da impetração de habeas corpus contra decisão denegatória de provimento cautelar (Súmula 691/STF). No entanto, o rigor na aplicação do enunciado sumular vem sendo mitigado nos casos de evidente ilegalidade ou abuso de poder, de decisões de Tribunais Superiores manifestamente contrárias à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e de decisões teratológicas.
6.No caso de que se trata, o decreto de prisão preventiva não apontou elementos individualizados que evidenciem a necessidade da custódia cautelar ou mesmo o risco efetivo de reiteração delitiva pelo ora paciente. A decisão limitou-se a invocar genericamente a gravidade abstrata do delito de tráfico de drogas supostamente cometido.
7.Aplicável, portanto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a prisão cautelar exige a demonstração, empiricamente motivada, dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal (Cf. HC 109.449, Rel. Min. Marco Aurélio; e HC 115.623, Rel. Min. Rosa Weber).
8.A explicitação de elementos concretos justificadores da constrição da liberdade é ainda mais relevante na hipótese. Verifico que o acusado é primário e foi preso pela suposta prática de tráfico de uma reduzida quantidade de maconha (69g). Em casos como esse, não há, em regra, gravidade em concreto do delito apta a ensejar a prisão cautelar.
9.Na determinação da intensidade da repressão à maconha, é preciso ter em conta, em primeiro lugar, que não se trata de droga cujo consumo torne o usuário um risco para terceiros. Diante disso, salvo circunstâncias especiais, não se justifica a intervenção extrema de cerceamento cautelar da liberdade. Notadamente nas situações em que o consumo próprio, a repartição entre parceiros usuários e o comércio de pequenas quantidades não oferecem linhas divisórias totalmente nítidas.
10.Em segundo lugar, no atual sistema prisional brasileiro, enviar jovens, geralmente primários, para o cárcere, em razão do tráfico de quantidades não significativas de maconha, não traz benefícios à ordem pública. Pelo contrário, a degradação a que os detentos são submetidos na grande maioria dos estabelecimentos e a ausência de separação dos internos entre primários e reincidentes e entre provisórios e condenados, transformam os presídios em verdadeiras “escolas do crime”. Presos que cometeram ou são acusados de ter cometido crimes de menor potencial lesivo passam a ter conexões com outros criminosos mais perigosos, são arregimentados por facções e frequentemente voltam a delinquir após saírem das prisões.
11.Portanto, à falta de concreta fundamentação e em se tratando de situação envolvendo suposto tráfico de quantidades pouco significativas de maconha, não vejo razão para a manutenção da prisão processual nesta hipótese.
12.A teratologia do caso, em que um investigado se encontra preso cautelarmente há quase sete meses sem justificativa idônea, suscita uma reflexão mais profunda sobre a atual política de drogas. A forte repressão às drogas, a criminalização do consumo da maconha e a ausência de critérios legais objetivos para diferenciar o usuário e o pequeno e o grande traficante têm produzido consequências mais negativas sobre as comunidades diretamente dominadas pelas organizações criminosas e sobre a sociedade em geral, do que aquelas produzidas pela droga sobre os usuários. Essa política tem importado em criminalização da pobreza, em aumento do poder do tráfico e em superlotação dos presídios, sem gerar benefícios reais para a redução da criminalidade e o aumento da segurança pública.
13.Em verdade, a política designada de “guerra às drogas”, inclusive à maconha, liderada pelos Estados Unidos, é hoje considerada um fracasso por diversos organismos e entidades internacionais. Relatórios emitidos pela Comissão HIV e Direito, Organização dos Estados Americanos – OEA e Comissão de Combate às Drogas na África Ocidental, apenas para citar alguns, afirmam a necessidade de mudanças no enfrentamento do problema, com foco na repressão dos verdadeiros responsáveis pela traficância, e não nos usuários, mulas e pequenos traficantes. Em linha com essas recomendações, diversos Estados norte-americanos, alguns países da Europa, como Portugal, e até países da América Latina, como o Uruguai, já trilham caminhos diversos para o tratamento da questão das drogas.
14.Também no Brasil talvez seja o momento de se pensar em uma correção de rumos. O simples fato de o tráfico de entorpecentes representar o tipo penal responsável por colocar o maior número de pessoas atrás das grades (cerca de 26% da população carcerária total), sem qualquer perspectiva de eliminação ou redução do tráfico de drogas, já indica que a atual política não tem sido eficaz.
15.Em relação ao presente caso, é certo que o entendimento dominante é o de que a descriminalização ou não da maconha é uma decisão política, a ser tomada pelo Poder Legislativo. No entanto, a decretação da prisão preventiva sujeita-se à avaliação judicial da presença dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal e, conforme demonstrado, nenhum deles encontra-se aqui presente.
16.Diante do exposto, com base no art. 38 da Lei nº 8.038/1990 e no art. 21, § 1º, do RI/STF, não conheço do habeas corpus. Contudo, concedo a ordem de ofício para assegurar ao paciente o direito de responder aos termos do processo-crime em liberdade. Faculta-se ao Juízo de origem a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, caso entenda necessário.
CONCLUSÃO
Feitas essas considerações, inevitável reconhecermos a modificação do tratamento dado na jurisprudência sobre a custódia cautelar, principalmente levando em consideração o crime praticado pelo agente e sua sanção ao final do processo.
Neste sentido, reina no Direito Processual Penal pátrio o entendimento da aplicação do princípio da homogeneidade, corolário do princípio da proporcionalidade, não sendo razoável manter o acusado preso em regime mais rigoroso do que aquele que eventualmente lhe será imposto quando da condenação.
Assim é o entendimento da jurisprudência das cortes superiores, que é corroborada pela doutrina e pelas recentes mudanças no código de Processo Penal.
Outra crítica a ser feita diz respeito à quantidade e a natureza da droga apreendida, que por muitas vezes demonstra apenas o preenchimento das elementares do tipo penal, de modo que não pode fundamentar-se a segregação cautelar na gravidade abstrata do delito.
Em sendo assim, não se justifica impor a prisão cautelar, quando, ao final da instrução, em caso de condenação, há grandes possibilidades de que o paciente venha à cumprir pena em regime semiaberto, ou até mesmo aberto, em virtude da presença de circunstâncias atenuantes, como ser portador de bons antecedentes, não fazer parte de organização criminosa, ter confessado a autoria delitiva de outras prevista na legislação penal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Fonte:
BRASIL CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA. Brasília: Senado, 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em 06.07.2016;
CÓDIGO PENAL, Decreto Lei 2848 de 7 de Dez de 1940;
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941;
NUCCI, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COMENTADO; 12ª edição revista, atualizada e ampliada; 2013;
NUCCI, CÓDIGO PENAL COMENTADO; 12ª edição revista, atualizada e ampliada; 2013;
OLIVEIRA, Eugêneo Pacelli de. Curso de processo penal. - 16ª Ed. Atual. – São Paulo: Atlas, 2012
Informativos Jurisprudenciais – Disponível em:
http://www.tjpe.jus.br/consulta/processual/2grau#_48_INSTANCE_BjuB5EW1YK5q_=http%3A%2F%2Fwww.tjpe.jus.br%2Fprocessos%2Fconsulta2grau%2Fole_busca_processos_numero2.asp%3Fnume%3D385797800
http://s.conjur.com.br/dl/hc-127896-decisao-monocratica-barroso.pdf
http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/190201024/recurso-ordinario-em-habeas-corpus-rhc-47960-ba-2014-0118191-8/relatorio-e-voto-190201041
bacharel em direito pela Faculdade do Vale do Ipojuca-FAVIP, Advogado, especialista em Direito Constitucional, Direito Penal e Processual Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Vamario Soares Wanderley de. Da ausência da razoabilidade na custódia preventiva e da observância ao princípio da homogeneidade na prisão cautelar nos crimes de tráfico de droga privilegiado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 set 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47571/da-ausencia-da-razoabilidade-na-custodia-preventiva-e-da-observancia-ao-principio-da-homogeneidade-na-prisao-cautelar-nos-crimes-de-trafico-de-droga-privilegiado. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Precisa estar logado para fazer comentários.