Letícia Lourenço Sangaleto Terron: orientadora, advogada, professora das Faculdade Integradas de Santa Fé do Sul, Mestre em Processo Penal.
RESUMO: Este artigo faz uso de uma metodologia dedutiva, tem como objetivodemonstrar a história e o procedimento do processo de impeachment, bem como falar sobre as reais motivaçõesque levam o Congresso Nacional à dar início a este ato. O processo de impedimento é aplicado em desfavor do chefe do poder executivo, sempre que o mesmo cometer um ato ilícito, denominado crime de responsabilidade, tipificado no artigo 85 da Constituição, será submetido ao julgamento, tornando-se réu. O processo de impeachment é um ato político com fundamentos jurídicos, sendo o poder legislativo competente. Neste contexto, nenhum julgamento sobre o mérito da acusação poderá ser feito pelo Poder Judiciário, este possui apenas a competência para interferir no procedimento do impeachment, caso algum direito constitucional venha a ser violado,por esse motivo, inúmeros são os questionamentose divergências entre renomados constitucionalistas brasileiros, afinal, a remoção do Presidente da República pode-se dar apenas pelo fato de ele não possuir o apoio dos Deputados Federais e Senadores. Além disso, a situação atual da política brasileira nos mostra o verdadeiro propósito por trás da remoção do Presidente da República, que é nada mais do que um jogo de interesses políticos, deixando de lado o ideal motivo que seria a luta pela democracia e contra a corrupção do nosso país.
Palavras-chave: Impeachment. Processo. Procedimento. Constituição Federal.
ABSTRACT: This article makes use of a deductive methodology, aims to demonstrate the history and the impeachment procedure, as well as talk about the real motivations that lead the Congress to initiate this act. The prevention process is applied to the detriment of the head of executive power, whenever it commit an unlawful act, known as the crime of responsibility, typified in Article 85 of the Constitution, shall be submitted to trial, becoming defendant. The impeachment process is a political act with legal, being the competent legislature. In this context, any judgment on the merits of the complaint may be made by the judiciary, it has only the power to interfere with the impeachment procedure if some constitutional rights will be violated, therefore, there are numerous questions and disagreements between renowned Brazilian constitutionalists, after all, the removal of the President can be given only by the fact that he does not have the support of the Federal and Senators Deputies. Moreover, the current situation of Brazilian politics shows us the true purpose behind the removal of the President of the Republic, which is nothing more than a game of political interests, leaving aside the ideal reason would be the struggle for democracy and against corruption of our country.
Keywords: Impeachment. Process. Procedure. Federal Constitution.
1 Introdução
O Brasil é um Estado democrático de direito, do qual se divide em três poderes, que são: legislativo, executivo e judiciário, ambos são independentes e harmônicos entre si, isso significa que nenhum poderá interferir na competência do outro, podendo apenas fiscalizar.
O país está passando por uma fase difícil, economia desestabilizada, falta de empregos, além disso, tramita no Congresso Nacional um processo de impedimento em desfavor da presidente, já afastada do seu cargo, Dilma Rousseff. O processo de impeachment, como também pode ser denominado, é previsto na Lei Ordinária 1.079 de 1959, que foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. O mesmo está sendo imposto pela segunda vez na história política do país, a primeira ocorreu no ano de 1992 e acarretou no afastamento do então Presidente Fernando Collor de Melo.
O referido procedimento é um ato de extrema importância para a democracia de um país, afinal, o mesmo indica severas sanções para aquele que atentar contra a Carta Maior deste país, mais especificamente praticando os crimes de responsabilidade previstos no artigo 85 da Constituição Federal.
Porém, é necessário analisar o impeachment como algo que trará severos impactos ao país, sendo assim, não é inteligente que se imponha algo tão importante sem uma motivação justa, até porque, por ser um procedimento constitucional, deve-se atentar aos princípios que resguardam a dignidade da pessoa humana, o direito de defesa, a presunção de inocência, entre outros princípios fundamentais.
O processo de impeachment contém uma base jurídica, pois existem leis que regem seu procedimento, tem-se ainda o Supremo Tribunal Federal, a mais alta instancia do poder judiciário brasileiro, que tem o dever de zelar pela constitucionalidade do procedimento de impeachment, não podendo realizar nenhum julgamento de mérito sobre o caso, fora isso, apenas o poder legislativo possui competência para julgar, votar e decidir sobre o destino do chefe do poder executivo brasileiro, sendo assim, pode dizer que o processo de impeachment é híbrido, por ser jurídico e ao mesmo tempo político.
O fato de o processo de impeachment ser realizado por um poder, cuja função é criar leis e não julgar faz com que as decisões tomadas percam um pouco de sua credibilidade, pois o mesmo poder possui as funções de julgar, votar e condenar o réu, desta forma, as chances do resultado não ser democrático são maiores, abrindo brechas para que a decisão se baseie em interesses dos políticos e não da sociedade.
2 Processo de impedimento
O impeachment surgiu no Brasil com a promulgação da Constituição de 1891, seguindo como paradigma a constituição americana, mas com características distintas, pois no Brasil, diferentemente do que ocorre em outros países, uma lei ordinária, no caso a Lei 1.079 de 1950, é que tipificará os crimes de responsabilidade, informando o procedimento e o julgamento do ato.
Esse tipo de processo reformou a história da política inglesa e as antepassadas civilizações. Um fato clássico é o ostracismo, onde acontecia na época da civilização ateniense, na Grécia Antiga.
Impeachment significada “impedimento” e a primeira vez que foi utilizado esse termo foi em meados do século XVI. Em 1376, o Lorde Latimer foi alvo de um processo da Câmara dos Comuns (Parlamento Inglês), e com isso se caracterizou o primeiro processo de impeachment do mundo. Com esse primeiro processo em 1376 foram delimitados os principais mecanismos a serem essencialmente indispensáveis e isso foi se aperfeiçoando no decorrer dos séculos.
Logo após esse marco na história, os outros países, nações, passou a incluir nos seus ordenamentos jurídicos a definição de impeachment. Os Estados Unidos, foi um dos primeiros países a integrar o processo de impechment..Em 1970 essa garantia foi aplicada quando o então presidente Richard Nixon foi afastado do cargo em razão escândalo de Watergate.
O processo de impedimento do chefe do poder executivo está previsto no artigo 86 da Constituição Federal. Para que ocorra tal procedimento é necessária a constatação dos chamados crimes de responsabilidade, estes previstos no artigo 85da Constituição Federal:
Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.
Esses crimes estão elencados detalhadamente na Lei 1.079 de 10 de abril de 1950.
Basicamente, para dar início no referido processo é necessário seguir um rito obrigatório, primeiramente tem-se o recebimento da denúncia pela câmara dos deputados, esta pode ser feita por qualquer cidadão, posteriormente, caso a acusação seja admitida por dois terços dos deputados, será ela, por se trata de crimes de responsabilidade, encaminhada ao Senado Federal, nos termos do artigo 86 da Carta Maior:
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
Ainda sobre a competência para autorizar o julgamento do impeachment, devemos citar o texto do artigo 80 da Lei 1.079/50:
Art. 80. Nos crimes de responsabilidade do Presidente da República e dos Ministros de Estado, a Câmara dos Deputados é tribunal de pronuncia e o Senado Federal, tribunal de julgamento; nos crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Procurador Geral da República, o Senado Federal é, simultaneamente, tribunal de pronuncia e julgamento.
Com a admissibilidade do processo, o presidente poderá ser afastado das suas funções por até 180 dias. Assim, a comissão especial, que é formada por políticos, passará a investigar, coletando provas. Após votações, caso o parecer seja aprovado pela metade dos senadores, será concedido ao presidente o direito de defesa, e em seguida os senadores iniciarão a votação para o afastamento ou não do réu, sendo necessários dois terços dos votos para a aprovação do impeachment. Na definição de Helly Lopes Meirelles: “cassação é a decretação da perda do mandato, por ter seu titular incorrido em falta funcional, definida em lei e punida com essa sanção”.
O conteúdo do processo de impeachment é totalmente jurídico, no entanto, seus sujeitos, julgadores e réus, são políticos e outra, sua pena, que é gravíssima, também vem a ser política, desta forma, caso o presidente seja condenado, poderá ficar suspenso das suas funções políticas. Por este motivo, os legisladores devem ser muito bem assessorados por juristas, para que assim não venham a infringir normas constitucionais, como a presunção de inocência e a adequação social.
Ocorrendo a cassação ainda na primeira metade do mandato quem assume a presidência é o vice-presidente, caso o mesmo também venha a ser afastado, assumirá o presidente da câmara dos deputados. No entanto, caso o processo de impedimento ocorra na segunda metade do mandato, ocorrerá eleições indiretas, onde apenas os membros do congresso nacional terão direito a voto.
O Supremo Tribunal Federal tem o papel de zelar pelas condições jurídicas do processo de impeachment, não lhe cabendo decidir sobre o mérito, nem sobre os argumentos jurídicos invocados na deliberação política, sua função é decidir o rito do processo e agir como árbitro, auxiliando nas questões jurídicas. Como exemplo pode-se citar a decisão do Supremo Tribunal na ADPF nº 378, que diz (trecho da ementa):
[...] II. MÉRITO: [...] 3. RITO DO IMPEACHMENT NO SENADO (ITENS G E H DO PEDIDO CAUTELAR):[...]3.2.Diante da ausência de regras específicas acerca dessas etapas iniciais do rito no Senado, devesse seguir a mesma solução jurídica encontrada pelo STF no caso Collor, qual seja, a aplicação das regras da Lei nº 1.079/1950 relativas a denúncias por crime de responsabilidade contra Ministros do STF ou contra o PGR (também processados e julgados exclusivamente pelo Senado). 3.3. Conclui se, assim, que a instauração do processo pelo Senado se dá por deliberação da maioria simples de seus membros, a partir de parecer elaborado por Comissão Especial, sendo improcedentes as pretensões do autor da ADPF de (i) possibilitar à própria Mesa do Senado, por decisão irrecorrível, rejeitar sumariamente a denúncia; e (ii) aplicar o quórum de 2/3, exigível para o julgamento final pela Casa Legislativa, a esta etapa inicial do processamento.[...] 6. A DEFESA TEM DIREITO DE SE MANIFESTAR APÓS A ACUSAÇÃO (ITEM E DO PEDIDO CAUTELAR): No curso do procedimento de impeachment, o acusado tem a prerrogativa de se manifestar, de um modo geral, após a acusação. Concretização da garantia constitucional do devido processo legal (dueprocessoflaw). Precedente: MS 25.647 MC, Relator p/ acórdão Min. Cezar Peluso, Plenário. Procedência do pedido.
Portanto, o Supremo Tribunal Federal não possui competência para interferir em um processo de impeachment caso não haja nenhuma irregularidade, algo que vá contra normas constitucionais, seu único papel é zelar para que o procedimento flua conforme a Constituição Federal Brasileira.
3 Qual o real objetivo da instauração de um processo de impeachment?
Diferente de um processo contra crimes comuns, onde o réu é julgado pelo Poder Judiciário, no processo de impedimento quem investiga, julga e condena é o Poder Legislativo, inexistindo interferência do poder julgador brasileiro. Isso significa que o Congresso Nacional possui os papéis de acusador, juiz e de júri, tudo ao mesmo tempo. No momento em que este poder assume tantos cargos ao mesmo tempo acarreta uma dúvida sobre a eficácia deste julgamento, afinal, no caso de um presidente (chefe do poder executivo) vir a perder sua base aliada dentro do congresso, as chances de o mesmo ser denunciado aumentam drasticamente. Isso é um fato que vai contra a moral e os bons costumes, pois todo político deve zelar pela ordem, seguindo as normas ditas na carta maior, portanto, não há que se analisar clima político; erros técnicos do presidente, como na condução da economia; questões criminais envolvendo terceiros, ainda que membros do governo; ou quaisquer outros aspectos que não digam respeito aos ilícitos prescritos na lei, o procedimento de impeachment deve ser imposto apenas nos casos em que o presidente da república cometeu crime de responsabilidade previsto na Constituição Federal. O fato de a lei e a Constituição não permitirem a necessidade de expor a motivação que levou o julgador a votar sim ou não deslegitimam o julgamento do processo, permitindo que cada um escolha um posicionamento conforme quaisquer razões que tiver.
O artigo 68 da Lei 1.079/50 prevê o modo em que será feita a votação pelos Senadores, conforme:
Art. 68. O julgamento será feito, em votação nominal pelos senadores desimpedidos que responderão "sim" ou "não" à seguinte pergunta enunciada pelo Presidente: "Cometeu o acusado F. o crime que lhe é imputado e deve ser condenado à perda do seu cargo?"
Parágrafo único. Se a resposta afirmativa obtiver, pelo menos, dois terços dos votos dos senadores presentes, o Presidente fará nova consulta ao plenário sobre o tempo não excedente de cinco anos, durante o qual o condenado deverá ficar inabilitado para o exercício de qualquer função pública.
No dia 17 de abril de 2016, data da votação realizada na câmara dos deputados, da qual resultou na procedência da acusação contra a presidente Dilma Rousseff, ficou clara a verdadeira realidade/objetivo da instauração e votação feita pelos deputados ali presentes, neste momento não estou questionando a ocorrência ou não do crime de responsabilidade, o fato é que para a maioria dos deputados pro-impeachment, não importava a ocorrência ou não de crime, ficou evidente que o problema não era a prática ou não do ato ilícito, mas sim outros motivos.
Na mesma linha de raciocínio, discorreu o advogado criminalista Técio Lins e Silva, confira:
“Nesse momento de crise, as pessoas se aproveitam. Há um oportunismo político exacerbado para tirar um partido da situação. Então, tem um conteúdo político imenso que se baseia em um conteúdo jurídico, que seria a irregularidade fiscal do uso dos recursos, as chamadas pedaladas, que evidentemente é um fato que, por si, não justificaria uma punição tão grave de perda do mandato”
O que há de se destacar são os discursos dos julgadores no momento de darem seus votos, poucos demonstraram algum interesse democrático com relação ao país, algum desejo de melhora para a atual situação econômica, a maioria dos políticos se empenharam em prestigiar seus familiares, expor suas religiões, seus ídolos do passado, esquecendo de focar no motivo pelo qual estão ali, que é votar a favor ou contra a procedência da denúncia feita contra a presidente da república.
Com relação ao assunto, discursou a professora do Departamento de Ciência Política e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marlise Matos:
Acho estarrecedor, em um país republicano, que tem princípios de laicidade do Estado, levantar argumentos religiosos e a família. Pouquíssimos levantaram os motivos reais que são julgados no processo. É entristecedor ver a qualidade de argumentos, todos arregimentados para seu entorno, em questões de seu interesse.
A visão feita pela coordenadora é um ótimo exemplo do que foi a votação na Câmara dos deputados, a maioria dos telespectadores, aqueles que acompanharam a votação como se fosse uma apuração das escolas de samba do Rio de Janeiro, nem se quer sabiam o porquê, afinal, poucos julgadores demonstraram um real interesse democrático em afastar o chefe do poder executivo.
Para o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Jorge Almeida, em nenhum momento ficou caracterizado o crime por parte da presidenta Dilma Rousseff:
Raros foram os parlamentares pro-impeachment que argumentaram a existência de crime de responsabilidade. Falaram sobre questões econômicas, políticas, sociais, religiosas, lembraram as famílias e os próprios familiares. Isso mostra a fraqueza desse argumento e que foi realmente um julgamento político.
Tem-se ainda, o entendimento do Alexandre Moraes da Rosa, que expressa:
Nos últimos dias, a tática defensiva parece ter acordado para o fato de que o julgamento jurídico ficou para trás e que a guerra se trava em outro front, motivo pelo qual o julgamento deixou de ser da conduta, eminentemente jurídico, para se transformar em jogo de interesses. E na guerra de interesses, todos perdem. Impeachment é muito sério para ser usado como mecanismo de conveniência político-partidária.
Com a mídia trazendo centenas de informações sobre políticos investigados, sobre corrupção e aceitação ou não da denúncia contra a presidente afastada, a população passou a ver o impeachment como a solução para os problemas do país, isso gerou uma rachadura na sociedade brasileira, um exemplo disso foram as manifestações prós e contra o processo de impeachment.
Sobre o peso das manifestações públicas, a pressão imposta pela sociedade fez com que políticos se aproveitassem desse clamor, e se colocassem a favor da causa a qualquer custo, independente da motivação jurídica, e isso afeta muito na decisão dos Congressistas.
O ex-deputado Marcio Braga possui uma visão cirúrgica sobre os reflexos acarretados pelas manifestações públicas no julgamento do impeachment, discorreu:
"Se 5 milhões de pessoas saírem às ruas pedindo o impeachment do presidente ela cai, não importa quais sejam as razões jurídicas"
Tem-se ainda a visão do professor da Universidade de São Paulo, professor Ortellado sobre a ida da sociedade às ruas pela cassação do presidente:
Essa polarização está sendo construída com base de sentimentos. As pessoas aderem a uma visão de grupo que está pronta. Não existem visões intermediárias. Enquanto não mudarmos a nossa forma de ver a política, de maneira mais ponderada, não vamos sair dessa situação. Não há solução boa, qualquer lado que perder vai se sentir lesado.
Sobre a propositura do processo de impedimento, de acordo com o já citado, professor Ortellado:
Ele deve ser usado muito excepcionalmente, porque já é um trauma quando utilizado dentro do previsto, dentro da lei. A lei do impeachment é muito aberta, ela permite que uma coisa muito pequena, como as pedaladas fiscais, sejam utilizadas para conduzir o processo. Isso deixa uma marca muito ruim para a democracia brasileira. No processo do [ex-presidente] Collor, a gente não tinha o Congresso tão rachado, a sociedade dividida, além disso, a acusação era mais sólida.
Portanto, sempre que houver crime de responsabilidade praticado pelo chefe do poder executivo, o procedimento de impeachment será o instrumento legitimo para a apuração dos fatos e possível aplicação de sanção, no entanto, é necessário que os políticos sigam uma linha de motivação, visando o melhor para o país e sua sociedade e não baseando-se em quaisquer outros motivos, afinal, o procedimento de impeachment é um processo muito sério que pode acarretar sérios impactos para o país deixando traumas em uma sociedade democrática.
4 Lei da Ficha Limpa
No ano de 2010, com o trâmite do então projeto de lei de iniciativa popular da Lei da Ficha Limpa, a população brasileira deu início a um grande avanço jurídico de combate a corrupção no meio político, foram mais de 1,6 milhões de cidadãos que votaram para um Brasil livre de candidatos corruptos se passando por bons samaritanos.
A Lei Complementar número 135/2010, denominada Lei da Ficha Limpa, trouxe novas condições de inelegibilidade aos candidatos, tornando inelegível por 8 anos o candidato que for cassado ou condenado.
O grande questionando acerca das sanções contidas nesta lei é a de que na avaliação de fatos pretéritos, vez que a Lei não pode retroagir para atingir fatos já ocorridos. No entanto, verificam-se os fatos no ato do registro do cidadão como candidato e não no momento de seus atos.
No mesmo sentido, Dalmo de Abreu Dallari afirma que:
Outra alegação é que a aplicação da Lei da Ficha Limpa a situações estabelecidas anteriormente seria contrária à regra constitucional que proíbe a retroatividade. Também nesse caso está ocorrendo um equívoco. De fato, a Constituição proíbe a aplicação retroativa da lei penal, encontrando-se essa interdição em disposição expressa do artigo 5º, inciso XL, segundo o qual ‘a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu’. Ora, não há como confundir uma lei que estabelece condições de inelegibilidade, uma lei sobre as condições para o exercício de direitos políticos, com uma lei penal. Veja-se que a própria Constituição, no já referido artigo 14, parágrafo 9º, manda que seja considerada a vida pregressa do candidato, ou seja, o que ele fez no passado, para avaliação de suas condições de elegibilidade. Assim, pois, não ocorre a alegada inconstitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, porque ela não fixa pena, mas apenas torna explícito um dos aspectos da vida pregressa que podem gerar a inelegibilidade.
Destaca o Ministro Ricardo Lewandowski:
Ao aprovar a Lei da Ficha Limpa, o legislador buscou proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato e a normalidade e legitimidade das eleições. Quando estabeleceu novas hipóteses de inelegibilidade, a Lei Complementar 135/10 apenas cumpriu comando previsto na Constituição, que fixou a obrigação de considerar a vida pregressa dos candidatos para que se permita ou não a sua candidatura.
O digníssimo Ministro Lewandowski foi cirúrgico ao relatar o que esta lei representa para o cenário político brasileiro, sem dúvidas alguma esta foi uma das maiores vitorias dos cidadãos brasileiros no combate à corrupção. O fato de haver políticos imorais, com uma ficha imunda, brincando de governar um país, faz com que o Brasil não consiga se livrar da mancha negra que é a corrupção.
O problema de existir pessoas improbadas no meio político é que estas não pretendem em momento algum fazer o que é melhor para o povo, mas sim agir de forma que possa receber alguma vantagem oriunda de seus atos políticos, assim se estabelece um jogo de interesses particulares.
O procedimento de impeachment é um dos maiores exemplos deste jogo de interesses, não há, por grande parte dos congressistas, almejo algum em buscar formas de melhorar a situação do país, eles não possuem o intuito de livrar os cofres públicos de toda esta roubalheira, o único e exclusivo objetivo é o de diminuir a pressão imposta pela população e mídia sobre a corrupção na política, para que assim seus atos improbados não venham a tornar-se públicos e julgados pela justiça.
5 Competência no processo de impedimento
O problema da ilegitimidade não se exaure apenas na constatação dos aspectos formais do ato merecedor de reparos, mas também na análise de sua legalidade pela perquirição de sua materialidade objetiva, isto é, na verificação da ocorrência do motivo, em função do qual se praticara o ato.
O doutrinador José Nilo de Castro, expõe em direito municipal positivo (2006, p. 480) que:
O que, entretanto, é interdito, subtraído ao Judiciário é invadir o campo próprio dos atos interna corporis, valorando função política que a ordem jurídica conferiu ao Legislativo, com exclusividade, indo ao mérito da cassação, revisando-a por esse motivo. O Judiciário não pode substituir o julgamento político-administrativo da Câmara pelo seu. A teoria dos motivos determinantes se impõe aqui, no particular, pela qual todo ato, quando tiver sua prática motivada, fica vinculado ao motivo exposto. Daí não se busca no Judiciário, saber se foi justa, injusta, inconveniente ou severa a deliberação da Câmara, se esta deveria perdoar ou não o acusado, pois este juízo é de mérito, e a Justiça não pode substituir a deliberação da Câmara Municipal por um pronunciamento de mérito do Judiciário (CASTRO, 2006, p. 480-481).
A Constituição Federal expõe em seu artigo segundo a separação dos poderes do Estado, tornando-os independentes e harmônicos entre si, sendo esta cláusula pétrea da carta vigente. Acontece que a teoria dos freios e contrapesos criada por Montesquieu está diretamente ligada ao processo de impeachment, pois tal procedimento é de competência do poder legislativo, sendo votado pelos congressistas das duas casas, assim, não haverá julgamento de mérito nos atos praticados pelo chefe do poder executivo, afinal, os legisladores não possuem esta competência.
De acordo com o Desembargador Ciro Darlan, o processo de impeachment é um ato político e suas questões jurídicas suscitadas no debate são usadas de acordo com a conveniência política, conforme diz:
As questões jurídicas muitas vezes ficam em um segundo plano quando há o interesse político. O impeachment do Collor foi tipicamente político. Tanto que ele foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal e condenado pelo Congresso. Todo impeachment de agente político é iminentemente político e não jurídico. Como está acontecendo agora: Qual crime está sendo atribuído à presidente Dilma? O de improbidade administrativa, a possível pedalada... Mas a conveniência será política, até porque neste momento o que está em efervescência não é o Poder Judiciário, mas o político.
Afirmando sobre a necessidade de intervenção do poder judiciário no procedimento de impeachment, discorreu o advogado Tiago de Melo Cunha:
“O impeachment é um processo que tem um aspecto técnico-jurídico, mas está sendo manejado de forma política, pelos atores principais da república, no caso o presidente da Câmara. O Judiciário, então, tem que estar atento. Se provocado, tem que intervir”,
O poder judiciário, mais especificamente o Supremo Tribunal Federal, é instado a arbitrar o processo de impeachment que é um ato político, porém de conteúdo jurídico. Ao tribunal constitucional é dado o direito de intervir no procedimento sempre que houver fundada ameaça a Constituição Federal, fazendo valer os direitos fundamentais e a segurança jurídica. No entanto, este papel é apenas parcial, pois falta ao Supremo Tribunal Federal competência para interferir em assuntos eminentemente políticos. Portanto, o impeachment, previsto na Constituição é apenas interpretado pelo poder judiciário, para que possa haver um rito que respeite os direitos fundamentais do réu, e é julgado pelos congressistas que votaram no impedimento ou não, fazendo um julgamento através de seus votos, que em sua grande maioria são estudados e executados não para punir aquele que atentou contra a Constituição, mas sim por outros interesses.
5.1 Inconstitucionalidade do procedimento do impeachment
A constitucionalidade da Lei 1.079/50 é algo muito debatido no cenário jurídico, seja por professores, renomados juristas e até mesmo pelo Supremo Tribunal Federal. Antes da votação ocorrida no Senado Federal, o então presidente do STF, Ministro Ricardo Lewandowski alegou que Supremo teria competência para julgar o processo de impeachment, conforme o que disse Ministro:
Por enquanto, o Brasil está aguardando uma decisão do Senado Federal. Pode ser que o Supremo venha ou não a ser instado a se pronunciar sobre essa questão, que ai terá de decidir, inicialmente, se a decisão é exclusivamente política ou se comporta algum tipo de abordagem do ponto de vista jurídico passível de ser examinada pelo tribunal.
Em outras palavras, o então presidente do Supremo Tribunal entendeu que caso haja algum ponto jurídico, o Supremo teria sim competência para julgar.
Por outro lado, o Ministro Gilmar Mendes entende que mesmo existindo jurisprudências que garantam direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, o tribunal poderá apenas impugnar eventuais decisões de procedimento, mas não decidir sobre o mérito.
Analisando o que disse o Ministro Gilmar Mendes sobre a intervenção do Judiciário no procedimento de impeachment:
O tribunal não pode emitir juízo sobre o mérito do processo. Essa é a jurisprudência que vem de lições clássicas do nosso constitucionalismo. Então, me parece que poderemos ter, sim, eventual impugnação quanto a decisões de procedimento.
Também me parece que, diante da possibilidade de impugnação [nos procedimentos], os responsáveis pela condução dos processos na Câmara [dos Deputados] e no Senado têm tomado cuidado para que não haja uma intervenção, pelo menos em casos de violação clara do devido processo legal.
Este debate vem ocorrendo pelo fato de a Lei 1.079/50 transformar um julgamento penal em algo político, pois o chefe do poder executivo será responsabilizado em caso de cometimento dos chamados crimes de responsabilidade e não por meros atos de irresponsabilidade política.
Se analisarmos a Lei Ordinária 1.079 de 1950 e atentarmos ao artigo 52,I da Carta Maior, apenas o Senado Federal possui competência para julgar o presidente da república:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade.
Aprofundando ao assunto, tem-se um pais democrático de direito, e existem vários princípios e tratados para a proteção dos direitos individuais dos cidadãos, um deles é o Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional, por este princípio, segundo o artigo 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Sendo assim, pode-se dizer que, no Brasil, apenas o poder Judiciário tem a jurisdição de julgar, sendo o único Poder capaz de dizer o direito com força de coisa julgada.
Além do que foi suscitado referente à Constituição Federal, temos ainda o artigo 8º, 1, do Pacto de São José da Costa Rica que diz:
Artigo 8º - Garantias judiciais
1.Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
Portanto, tem-se a inconstitucionalidade do procedimento do impeachment por ferir direitos e princípios individuais, afinal, por se tratar de um crime, o réu deverá ter atendidas todas as suas garantias existentes em um processo penal, não sendo possível o julgamento do presidente da república com base em um julgamento político.
Desta forma, é inconstitucional retirar do Poder Judiciário, no caso o Supremo Tribunal Federal o julgamento de um presidente da República, a competência de apreciar o mérito do procedimento, ocorrendo isso estaria o poder legislativo retirando do réu a sua garantia ao devido processo legal e à ampla defesa.
Nada há de se falar sobre a eficácia do processo de impeachment, titulando-o como um golpe político, na realidade, o processo é legitimo a ser usado na busca pela democracia, e luta contra a corrupção que a tempos assombra o Brasil, o problema é como os legitimados estão utilizando a Lei 1.0079/50, a falta de motivação e a amplitude que esta Lei tem, faz com que políticos com interesses adversos ao real objetivo da Lei tramem um jogo sujo para se sobressair.
Há de se entender que no Brasil as normas e leis devem estar de acordo com a Constituição Federal, esta é a carta maior, caso as leis infraconstitucionais estejam em desacordo com ela, estas deverão se adaptar ou for extintas. A retirada da apreciação e julgamento do mérito do impeachment pelo Poder Judiciário, além de atentar contra vários princípios protegidos pela Constituição Federal e presentes tratados de direitos, dá ao poder legislativo um poder muito grande e sem barreiras para decidir sobre o futuro do país.
6 Conclusão
Portanto, como já exposto nos itens acima, o processo de impeachment é uma ferramenta que deve ser utilizada apenas em “ultima ratio”, pois os reflexos de seu procedimento poderão gerar sérios impactos em uma democracia.
O Brasil está passando por uma crise política muito severa, a cada dia um novo escândalo envolvendo políticos e empresários, a sociedade não sabe mais em quem confiar, o fato é que o processo de impeachment da já afastada presidente Dilma Rousseff trouxe um alivio momentâneo para uma parte da população, uma esperança de que com esse acontecimento todos os problemas do Brasil se encerrariam, mas, a realidade é adversa, assim como um iceberg, a justiça brasileira só encontrou a ponta dos problemas políticos, há muito que se investigar e muita gente a ser punido.
Há necessidade de se atualizar a Lei que trata sobre o processo de impeachment, aliás, isso ocorre com várias outras leis vigentes no país, tem-se uma Lei ordinária de 65 anos decidindo sobre o futuro do Brasil, há de se repensar em uma maior interferência do poder judiciário no julgamento de tal procedimento, afinal, esta é a sua função, julgar, algo que não contrariaria a divisão dos poderes, pois a teoria de Montesquieu é clara ao trazer que ambos serão independentes, porém, poderão se fiscalizar.
Portanto, o procedimento de impeachment imposto no Brasil não é sinônimo de justiça, mas sim de um presidente que não possui a apreciação dos congressistas, a realidade é que um chefe do poder executivo munido de uma forte base aliada, dificilmente será denunciado por algum ato ilícito que venha a cometer. Desta forma, vê-se o impeachment como um poder muito grande dado aos congressistas, onde poderão mudar os rumos de um país sem mera motivação, ou deixar de lado quando for do interesse de sua maioria.
Referências:
ALVARES, Elcio. A Comissão que Processou o Impeachment. Brasília: Senado Federal, 1994.
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Estudante, cursando 10º semestre de barachel em Direito nas Faculdades Integradas de Santa Fé do Sul- SP (FUNEC).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Juliana Freire de. O processo de impeachment e o jogo de interesse político Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 out 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47633/o-processo-de-impeachment-e-o-jogo-de-interesse-politico. Acesso em: 27 dez 2024.
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