RESUMO: Compreende-se a presente pesquisa no âmbito do Direito do Consumidor, com ênfase na responsabilidade civil aplicável ao profissional liberal das ciências jurídicas, qual seja, o advogado. Calcado no método dedutivo, o eixo de pesquisa foi o bibliográfico, sendo as conclusões originadas da doutrina, da legislação e da jurisprudência. Parte-se da explanação sobre os requisitos elementares do dever de indenizar e, após, parar as modalidades e espécies de responsabilidade. Analisa-se a relação jurídica de consumo a fim de tornar claros seus sujeitos e extensão. Estuda-se a atividade advocatícia e as espécies de obrigações civis que a circundam, a saber, obrigações de meio ou de resultado. Perquire-se as hipóteses nas quais o advogado figura-se como fornecedor, constatando-se a exclusão pela disciplina do código da figura do advogado empregado. Conhecidas as espécies de obrigações, define-se que em ambas as espécies de responsabilidade incide a culpa presumida. Isto porque o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, bem como a busca por instrumentos de facilitação de reparação dos danos causados conduz a que, a culpa provada, nas obrigações de meio, ceda espaço à culpa presumida. Indaga-se também sobre a possibilidade de aplicação da responsabilidade civil objetiva, chegando-se à resposta de que, somente excepcionalmente, é possível sua compatibilidade entre a legislação consumerista e a atividade advocatícia.
PALAVRAS-CHAVE: consumidor, obrigações, responsabilidade civil, advogado.
Sumário: Introdução; 1 A Responsabilidade Civil; 1.1 Histórico; 1.2 Requisitos; 1.2.1 Pressupostos (Requisitos Positivos); 1.2.2 Excludentes (Requisitos Negativos); 1.3 Espécies de Responsabilidade Civil; 1.3.1 Responsabilidade Civil Aquiliana; 1.3.2 Responsabilidade Civil Contratual; 1.3.3 A Responsabilidade Civil Subjetiva; 1.3.4 A Responsabilidade Civil Objetiva; 1.4 A Relação Jurídica de Consumo; 1.5 O Profissional Liberal; 2 A Atividade Advocatícia; 2.1 A Advocacia no Brasil; 2.2 O Advogado; 2.3 As Obrigações Civis; 2.3.1 As Obrigações de Meio; 2.3.2 As Obrigações de Resultado; 3 A Responsabilidade Civil do Advogado no CDC; 3.1 Advogado como Fornecedor; 3.2 A Responsabilidade Civil do Advogado nas Obrigações de Resultado; 3.3 A Responsabilidade Civil do Advogado nas Obrigações de Meio; 3.4 A Responsabilidade Civil Objetiva do Advogado; Conclusão; Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Sob o tema da responsabilidade civil do advogado à luz do código de defesa do consumidor, analisa-se no presente estudo a atividade advocatícia e a responsabilidade civil do profissional liberal que a exerce, tendo-se por parâmetro as relações de consumo, buscando-se as expressões da atividade advocatícia, as obrigações nas quais elas se enquadram, a caracterização do advogado fornecedor e as formas pelas quais responde pelos danos causados por seus atos no exercício da profissão.
O profissional liberal da advocacia está sujeito ao dever de reparação decorrentes de seus atos? Em existindo tal dever, como ele é disciplinado nas relações de consumo? Como harmonizar a restrição do art. 14, § 4º, do CDC com o princípio básico das relações de consumo insculpido no art. 4º, I, do mesmo diploma?
Sem dúvidas, uma vez que pesa sobre os atos do advogado poderes outorgados pelo cliente para administração e defesa de direitos em relação aos quais aquele profissional não possui livre disposição, faz-se necessário impor ao mesmo o dever de reparação do dano oriundo de sua conduta culposa. Isso é o fundamento básico de justiça. Ademais, embora a advocacia não seja atividade econômica, mas sim serviço público (EAOAB, art. 2º, § 1º), não há dúvida de que o profissional que a exerce tem sempre por fim alguma finalidade financeira. Em virtude disso, deve o referido profissional ser abrangido pela obrigação secundária em estudo.
Questão também a ser definida é a que diz respeito à responsabilidade civil nas relações de consumo. Constata-se que o sistema de proteção do código elegeu por bem responsabilizar o fornecedor mediante a teoria da responsabilidade objetiva. Tal se denota porque os serviços por ele disciplinados são na sua quase totalidade oriundos de atividades econômicas. Contudo, não é o que se passa com os serviços advocatícios, conforme mencionado acima. Excepcionando-se tal atividade, outra deve ser também a espécie de responsabilidade a se aplicar, qual seja, a responsabilidade civil subjetiva.
Acrescente-se que o CDC, em seu art. 14, § 4º, disciplinou a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais, entre os quais se enquadra os advogados, mediante a aferição de culpa. Assim, faz-se mister exortar que o dever de indenizar pelo dano causado somente surge para o advogado após a constatação de culpa lato sensu. À primeira vista, entender-se ia que caberia ao consumidor lesado fazer prova da culpa do profissional contratado. Contudo, à luz do código consumerista, não é essa a interpretação adequada. Decerto, o CDC elevou à princípio básico nas relações de consumo o a vulnerabilidade do consumidor. Para tornar efetivo o fim colimado, preceituou no art. 6º, incisos VI e VIII, respectivamente, a efetiva reparação dos danos experimentados e a facilitação da defesa de seus direitos. Assim, tendo em vista a finalidade desse microssistema, entende-se pela incidência da responsabilidade civil subjetiva dos profissionais da advocacia na modalidade culpa presumida.
O tema em estudo revela sua importância em virtude da acentuada quantidade de profissionais prestadores de serviços de advocacia. Sabe-se que há muito tempo deixaram de ser raras as situações de danos causados por advogados em virtudes da negligência com prazos, institutos processuais, meios utilizados na defesa de direitos, bem como outros elementos típicos de sua atividade. Observou-se a proliferação de profissionais em tamanha proporção que fez surgir a necessidade de análise da qualidade dos serviços prestados. Com efeito, o número abastardo de opções sugere um cuidado na escolha. Nesse particular, não cabe o argumento da culpa in eligendo do consumidor em relação à seu patrono, visto que aquele está acobertado pela presunção de vulnerabilidade.
A pesquisa perfaz-se pelo método dedutivo, utilizando-se do estudo bibliográfico, calcado na doutrina, legislação e jurisprudência. Formata-se numa tripartição de capítulos. No primeiro deles, analisa-se a responsabilidade civil em seu sentido genérico, apontando-se os requisitos que a compõem, as espécies sobre as quais se expressa, a relação jurídica de consumo e o profissional liberal. O segundo capítulo traz em seu bojo a atividade advocatícia, apontando a história da advocacia no Brasil, o profissional que a exerce e as espécies de obrigações que a circundam. Por fim, no terceiro capítulo, investiga-se a responsabilidade civil do advogado no CDC, seu enquadramento como fornecedor, a responsabilidade nas obrigações que exerce e a possibilidade de aplicação, por exceção, da responsabilidade civil objetiva.
1 A RESPONSABILIDADE CIVIL
1.1 Histórico
O ser humano, desde o momento em que se percebeu como Homo Sapiens, preocupa-se com a garantia de proteção em relação aos meios pelos quais procura manter sua subsistência. Observa-se que sempre houve uma persecução por instrumentos capazes de manter afastados todos os agentes suscetíveis de por em risco a segurança humana.
Nos primórdios do desenvolvimento social do homem, vigorara como instrumento para dirimir conflitos a autotutela ou vingança privada. Em verdade, não obstante ser forçoso admitir que ela foi a primeira forma de administração da justiça, mais seguro ainda é afirmar que a autotutela tem brilho apenas histórico. Em bem dizer, consistia na superposição de uma vontade sobre outra calcada em fundamentos que não se legitimavam pelos princípios de justiça, mas tão somente nas regras embrionárias da sociedade da época.
Esta situação bem descreve o que Jean-Jacques Rousseau atribuiu a nomenclatura de “estado de natureza”. Deveras, cada um era senhor de si e, para cada qual, o Direito deveria atender os anseios surgidos. Tal sociedade vivia sob iminência constante de conflito, pois a existência de desentendimentos era frequente. Na circunstância de uma pretensão resistida, o ato de força adquiria legitimidade social e se tornava ato jurídico.
A evolução cultural, evidentemente, não permitiria que a resolução dos conflitos sociais continuasse a ocorrer dessa forma. A preocupação com a preservação do ser humano em sociedade começou a ser discutida porque se percebeu que o homem, enquanto criatura racional, tem legítimo direito ao que lhe é necessário para viver com dignidade. Assim, percebeu-se que a autotutela mostrava-se nociva à evolução dos povos, visto que seu instrumento de resolução de contendas, qual seja, a força, não era suficiente para pacificar os conflitos. Ademais, criava, isto sim, uma ambiente de instabilidade, no qual as regras de decisão eram alteradas à medida que as forças migravam.
Originou-se então uma estrutura social organizada em preceitos e normas que encontravam sua razão de ser não na força, mas na busca legítima pela conservação da sociedade. É o que Rousseau (2006, pág. 30) usou denominar de “estado civil”. Este foi alcançado pela sua ideia de “pacto social”, o qual, in verbis, ocorre quando:
Cada um, enfim, dando-se a todos, a ninguém se dá; e como em todo sócio adquiro o mesmo direito que sobre mim lhe cedi, ganho o equivalente de tudo quanto perco e mais forças para conservar o que tenho. Se afastamos pois do pacto social o que não é da sua essência, achá-lo-emos reduzido aos temos seguintes: cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral, e recebemos enquanto corpo cada membro como parte indivisível do todo.
Percebe-se que a teoria do pacto social idealizada por Rousseau tem como finalidade precípua tornar o homem um ser responsável, ou seja, suscetível de ter-lhe imputado o dever de reparar um dano. Retirando do mais forte o poder de decidir um conflito e transferindo-o a um terceiro estranho a ele a sociedade estaria criando um sistema jurídico capaz de cobrir a todos com o manto da justiça.
Deste modo, a responsabilidade civil surgiria no cenário jurídico como o instituto que iria possibilitar aos homens recorrer ao Estado para ver seu bem jurídico restabelecido.
1.2 Requisitos
1.2.1 Pressupostos (Requisitos Positivos)
De início, necessário se faz observar a utilização da acepção de pressupostos de responsabilidade como os requisitos positivos da mesma, ou seja, aqueles cuja presença sempre se fará necessária para a formação da obrigação secundária, de modo que, em cada espécie, quando alguém for reconhecido como sujeito passivo da obrigação, possa perquirir a presença de todos os elementos necessários à confirmação do dever de indenizar. Assim, toma-se como elementares imprescindíveis do dever jurídico de reparação de dano os que a seguir se elenca: a) a conduta voluntária ilícita; b) o dano; c) o nexo de causalidade.
Em princípio, todos os requisitos objetivos devem ser provados pela vítima do dano, pois a regra da responsabilidade no Brasil é que ela seja subjetiva, como se pode observar no artigo 186 do Código Civil Brasileiro de 2002, regra geral da responsabilidade naquele diploma, e exceção no microssistema consumerista prevista no artigo 14.§ 4.º do Código de Defesa do Consumidor. Diferentemente, tornar-se-á inútil discutir o elemento culpa na responsabilidade civil objetiva, a qual é adotada nas atividades de risco e nas restritas hipóteses que a lei prevê (CC/02, parágrafo único), assim como louvado por regra no Código de Defesa do Consumidor, pois nela, o agressor estará obrigado a reparar o dano mesmo provando que não agiu com dolo ou culpa. Neste particular, deve-se por bem para ressaltar que responsabilidade objetiva em muito se afasta da responsabilidade civil com culpa presumida, pois esta permite que o indivíduo se escuse do dever de indenizar o dano se restar provado que não agiu com dolo ou culpa, embora inicialmente esse ônus seja seu.
A responsabilidade é um atributo próprio do ser humano. Portanto, somente pode ter atribuído o dever de restabelecer determinado patrimônio aquele que lesou animado pela ratio, ou seja, ato que não foi produzido por mera força mecânica, como um evento da natureza. Neste particular, bem ensina Venosa (2009, p. 77) que:
Se o agente, quando da prática do ato ou da omissão, não tinha condições de entender o caráter ilícito da conduta, não pode, em princípio, ser responsabilizado. Nessa premissa, importa verificar o estado mental e a maturidade do agente. Para que o agente seja imputável, exige-se-lhe capacidade e discernimento.
Assim ocorre devido ao fato de que, por lógico, ninguém pode ser obrigado ao impossível. Exigir determinada conduta de alguém que não consegue determinar nem a si próprio é algo que extrapola os limites do razoável.
Ocorre que, em regra, é imprescindível que o ato causador do dano seja realizado dentro do sentido jurídico de voluntariedade ilícita, ou seja, de forma dolosa ou culposa. Ressalte-se que a acepção jurídica de voluntariedade em nenhum momento se confunde com o sentido de intenção, posto que ato intencional caracteriza o próprio dolo, o qual é espécie da culpa lato sensu, cuja segunda espécie é a culpa stricto sensu . Ato voluntário é aquele que não decorra de caso fortuito, da força maior ou de qualquer outra situação que afaste o nexo causal. Nesse sentido, a conduta deliberada de causar dano, o animus laedendi, difere em muito do ato que produz lesão ao patrimônio jurídico em virtude de uma inobservância do dever de cuidado.
A análise do elemento subjetivo da responsabilidade tem grande importância no dever de indenizar, não obstante o fato de que, nos termos do art. 944, caput¸do Código Civil Brasileiro de 2002, o quantum debeatur “mede-se pela extensão do dono”. Acrescente-se que a discussão do elemento anímico poderia repercutir em outros campos do Direito, como na hipótese do ilícito penal capitulada no art. 163 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal Brasileiro, consistente no dano intencional causado a coisa alheia, que, além do dever de indenizar, poderia levar o autor a responder criminalmente por aquele delito.
Outro aspecto a ser observado é a ocorrência do dano. Desta forma, como mencionado supra, o regramento da responsabilidade civil preceitua que a indenização somente tem lugar quando existente uma diminuição patrimonial do lesado, ou seja, quando a vítima do ato ilícito experimentou redução no bem jurídico atingido. Isto porque, em termos gerais, somente pode haver o dever de responder se houver o que restabelecer. Em sendo assim, traz-se à baila os artigos 186 e 944 do Código Civil Brasileiro, bem como o artigo 14 da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor, os quais bem demonstram a imprescindibilidade do dano para o surgimento do dever de indenizar.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (CC/02).
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. (CC/02).
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
[...]
§ A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. (CDC).
Pelos dispositivos legais acima elencados pode-se observar a possibilidade de existência da responsabilidade civil sem culpa, isto é, sem que seja relevante perquirir a culpa ou dolo, circunstância que ocorre na denominada responsabilidade civil objetiva.
O terceiro requisito da responsabilidade é o nexo de causalidade.Este une a conduta do agente à lesão da vítima, formando entre os mesmos um vinculo jurídico obrigacional. No entendimento de Maria Helena Diniz (2013, p.23):
O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se “nexo causal”, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou com sua consequência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela consequência.
O nexo causal surge no exato momento em que a conduta ilícita do agente produz seu fruto. Este requisito deve inevitavelmente estar presente em todas as modalidades de responsabilidade, pois somente deve ser obrigado a indenizar aquele que colaborou para a produção do dano.
1.2.2 Excludentes (Requisitos Negativos)
Conforme observado acima, classificaram-se neste trabalho os requisitos da responsabilidade em positivos e negativos, respectivamente, os pressupostos e as excludentes. Assim o foi porque o dever de indenizar decorre da conjugação de tais requisitos, de modo que deve haver necessariamente a presença de uns e a ausência de outros. Quanto às excludentes, quaisquer delas exime o dever de indenizar.
As excludentes de responsabilidade são as que a seguir se elencam: a) a culpa exclusiva da vítima; b) o fato de terceiro; c) o caso fortuito e a força maior. Todas estas excludentes afastam o nexo causal entre a conduta do agente e o dano produzido, pois uma vez abstraído quaisquer destes elementos a ação voluntária seria incapaz de produzir qualquer lesão. Exempli gratia, se A atropela B porque este atirou-se em frente ao veículo daquele, A não produziu dano, pois sua conduta, além de não ter sido ilícita, foi utilizada como instrumento para que o próprio lesionado produzisse dano em si mesmo. Assim, a quebra do nexo causal impede que o dever de indenizar alcance aquele a quem se imputa a responsabilidade.
A doutrina aponta ainda uma quarta figura excludente de responsabilidade, qual seja, a cláusula de não indenizar. Quanto a ela, ensina Venosa (2009, p. 61):
Trata-se da cláusula pela qual uma das partes contratantes declara que não será responsável por danos emergentes do contrato, seu inadimplemento total ou parcial. Essa cláusula tem por função alterar o sistema de riscos do contrato; trata-se da exoneração convencional do dever de reparar o dano. Nessa situação, os riscos são contratualmente transferidos para a vítima.
Em relação à cláusula contratual de não indenizar, contata-se sua incompatibilidade com a legislação consumerista, posto que, nos termos do art. 51 do CDC, são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que “impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos”. Assim, conquanto haja dúvida quanto à sua legitimidade nas relações civis e comerciais, no âmbito consumerista o tema é pacífico, de modo que não há compatibilidade entre a presente excludente e o Direito do Consumidor.
Deve-se ressaltar que a culpa concorrente não pode ser classificada como hipótese de excludente da responsabilidade, pois mesmo provada sua existência continuará a existir para o agressor o dever de reparação, embora em menor monta. Em verdade, ela tem natureza jurídica de minorante de responsabilidade, visto que o quantum debeatur deverá ser ajustado às circunstâncias, de modo que sempre haverá verdadeira parcela de responsabilidade entre autor e vítima.
Ademais, como supra referido, dentre os requisitos positivos da responsabilidade está a conduta voluntária ilícita. Ocorre que o Código Civil prevê em seu artigo 188 algumas condutas que, embora aparentemente ilícitas no fazer, vez que a vítima experimentaria o dano, são acolhidas como lícitas nas consequências. Vejamos:
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
Como visto, o Direito reconhece a licitude da aplicação da autotutela em casos específicos, como a legítima defesa e o desforço imediato, tento em vista que a atuação do Estado, isoladamente, não tem o condão de afastar todos os atos ilícitos passíveis de produção de dano. Assim, legitima-se a autotutela para que o indivíduo possa suprir a lacuna estatal em situações fáticas, devendo contudo proceder somente com o necessário para o isolamento do evento danoso.
Observe-se que, aqui, também, o suposto autor do dano deve fazer prova da excludente pois não há presunção de sua existência.
1.3 Espécies de Responsabilidade Civil
1.3.1 Responsabilidade Civil Aquiliana
A responsabilidade civil aquiliana, também denominada de responsabilidade civil legal ou extracontratual, é aquela que deriva diretamente de disposição legislativa, de modo que a obrigação de reparar o dano surge independentemente de existir ou não um contrato anterior entre as partes.
Ela é a regra no âmbito das relações de consumo, disciplinadas pela Lei nº 8.078/1990, pois o dano deve ser reparado porque, nos termos do art. 1º daquele diploma, as normas do CDC são “de ordem pública e interesse social”. Ademais, são direitos básicos do consumidor “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” (CDC, art. 6º, VI).
Importante observar que o encaixe da responsabilidade como aquiliana diz respeito à sua origem, não possuindo relação de vinculação com a responsabilidade objetiva.
1.3.2 Responsabilidade Civil Contratual
Esta é a modalidade oposta à responsabilidade civil aquiliana, porquanto somente tem lugar na hipótese de existência de negócio jurídico bilateral entre as partes autora e vítima do dano. Neste particular, bem se posicionou a civilista Maria Helena Diniz (2013, p.308):
É imprescindível, para sua configuração, a existência de um vínculo contratual entre credor e devedor, isto é, entre a vítima e o autor do dano, pois somente se houver contrato o credor estará autorizado a exigir do devedor o cumprimento da prestação.
Acrescente-se que o dever surgido desta espécie de responsabilidade nasce da violação de cláusula contratual. Assim, tomando-se por exemplo, aquele que contrata advogado para defender-se judicialmente não tem direito à indenização por lesão contratual se for vítima de atropelamento causado por aquele profissional, pois este ato ilícito é estranho àquela espécie de contrato.
No que se refere aos advogados, no sistema do direito do consumidor, observa-se que seu vínculo de responsabilidade decorre de um contrato de prestação de serviço. Portanto, é ele que une o cliente e o causídico. No entanto, quanto aos efeitos da prestação deste serviço, deve-se observar a normatização do CDC, pois aquele negócio jurídico deve ser balizado pelos princípios do “serviço adequado”. Desta forma, viola o referido princípio a omissão do profissional que deixa de mover recurso por ter sido vencido pelo tempo, ou seja, perdido o prazo, uma vez que a outorga que lhe foi feita dos poderes colocaram-no como verdadeiro guardião do outorgante.
1.3.3 A Responsabilidade Civil Subjetiva
Nas hipóteses em que se mostra indispensável a caracterização do dolo ou da culpa stricto sensu, ou seja, de danos causados por negligência, imprudência ou imperícia, estamos diante da responsabilidade civil subjetiva. Cabe adiantar que ela é a regra no Código Civil Brasileiro, pois o sentido exarado pelos arts. 927 c/c 186 é que tem o dever de reparar o dano aquele que comete ato ilícito e este, para caracterizar-se, exige que a conduta tenha sido voluntária, negligente ou imprudente. Ressalte-se que não obstante a ausência da imperícia no texto do art. 186 do CC/02 como exemplo de culpa, ela indiscutivelmente caracteriza a inobservância de um dever de cuidado.
Paralelamente ao Código Civil de 2002, o Código de Defesa do Consumidor elegeu como regra nas relações de consumo a responsabilidade civil objetiva, a qual trataremos a seguir. Contudo, ante a natureza dos serviços prestados pelos profissionais liberais, fugiu à regra do microssistema e a disciplinou como responsabilidade civil subjetiva. Com isto, ao passo que em todos os outros serviços prestados surge o dever de indenizar com a prova do dano e do nexo de causalidade, independentemente de culpa lato sensu ou não, nas atividades típicas dos profissionais liberais aquele dever exige a prova de que o profissional agiu com dolo ou deixou de proceder com cuidado.
Contudo, uma vez que é direito básico do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, cujo principal instrumento é a inversão do ônus da prova, deve-se observar que a culpa do profissional da advocacia, com as devidas observações em relação às obrigações de meio, expressa-se sob a sub-espécie de culpa presumida, uma vez que, embora o advogado não tenha o dever de garantir o ganho de causa, e nem teria poder para isso, seu agir é presumidamente displicente se não se utilizou dos mecanismos ao alcance de um “profissional médio”.
Ademais, o erro grave elencado no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – Lei nº 8.906/1994 -, art. 34, IX ou reiterado (art. 34, XXIV), além de caracterizar infração disciplinar, evidencia exatamente a hipótese de conduta culposa ausente no art. 186 do CC/02, qual seja, a imperícia.
Observa-se na responsabilidade civil objetiva a completa ausência de espaço para a perquirição da culpa lato sensu. Em verdade, mesmo o autor do dano provando a ausência desta, estará obrigado a repará-lo se presentes dano e nexo de causalidade.
A culpa presumida, por sua vez, é subespécie de responsabilidade civil subjetiva. Portanto, indispensável para a obrigatoriedade de reparação do dano a existência de todos os requisitos acima referidos, ou seja, a voluntariedade ilícita, o dano e o nexo de causalidade.
Esta subespécie ocorre nas hipóteses em que se torna excessivamente oneroso, difícil ou até mesmo inviável a consecução de elementos para fazer prova de imputação de responsabilidade a alguém. Opõe-se à culpa provada, na qual cabe à vítima do dano fazer prova da culpa do agressor.
Com efeito, tendo em vista que o CDC excluiu a aplicação da responsabilidade objetiva aos profissionais liberais, deve-se aplicar aos mesmos a culpa presumida, pois que exigir-se do consumidor a prova de que o advogado deixou de observar seu dever de diligência é, em verdade, eleger caminho contrário ao que indica aquele diploma normativo.
O Código do Consumidor elege como princípio básico o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor (art. 4, I). Neste ponto, não há dúvida da superioridade técnica do causídico em relação a seu cliente. É ele (o causídico) que conhece os prazos e instrumentos processuais. Acolher a culpa presumida é ainda facilitar a defesa do consumidor (art. 6º, VIII).
A culpa presumida, portanto, é o instrumento que permite compatibilizar a proteção do consumidor no código e o exercício da atividade profissional da advocacia, pois a inviolabilidade do advogado no exercício da profissão (Lei Nº 8.906/94, art. 2º, § 3º) deve ser interpretada juntamente pela sujeição de seus atos à obrigação de reparar o dano, bem assim com a proteção ao vulnerável.
1.3.4 A Responsabilidade Civil Objetiva
Também denominada de responsabilidade sem culpa, esta é a espécie de responsabilidade que despreza o elemento anímico. Seu nascimento decorre unicamente da existência de dano e nexo de causalidade. Responder objetivamente é reparar o dano independentemente da concentração de todos os meios para evitá-lo.
É esta a espécie predominante no sistema do CDC para a quase totalidade dos fornecedores, com exceção dos profissionais liberais, pois estes, a princípio, obrigam-se pelos meios, não pelos resultados. Nesse ponto, deve-se fazer memória que os serviços advocatícios podem ser contratados tanto a um profissional liberal quanto à uma sociedade de advogados. Não obstante o presente trabalho ter por fim a investigação da responsabilidade do advogado enquanto profissional liberal, deve-se ter em mente que a responsabilidade civil objetiva acolhida pelo CDC é plenamente aplicável à sociedade de advogados, posto que ela não pode ser considerada profissional liberal, mas sim pessoa jurídica.
1.4 A Relação Jurídica de Consumo
A relação de consumo, por ser essencialmente contratual, necessita de três elementos para sua formação, quais sejam: o consumidor, o fornecedor e o produto/serviço. Ressalte-se que, pela finalidade do presente trabalho, entender-se-á como serviço aqueles ligados à atividade advocatícia.
Quanto ao consumidor, cabe sumariamente observar a existência de uma cisão doutrinária quanto ao alcance de seu conceito. Com efeito, duas teorias são frequentemente discutidas no caso.
A primeira a surgir, a saber, a teoria finalista, posição à qual nos filiamos, fundamenta-se na vulnerabilidade econômica do consumidor, o que ocasionaria sua posição de inferioridade frente ao fornecedor, razão pela qual o microssistema viria em seu auxílio para nivelar juridicamente aquilo que é economicamente desigual. Por essa linha, adotar-se ia uma concepção restritiva de consumidor, posto que nela somente se acomodaria aquele beneficiário fático e econômico do objeto do contrato de consumo. Cláudia Lima Marques (Apud JÚLIO CÉSAR ROSSI, 2007, p.45) esclarece a extensão do art. 2º do CDC:
Destinatário final é aquele fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência, é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço seria incluído no preço final do profissional que o adquiriu, Neste caso, não haveria a exigida “destinação dinal” do produto ou do serviço.
No mesmo sentido ensina o professor Nehemias Domingos de Melo exortando que:
Os finalistas foram os primeiros na defesa dos direitos dos consumidores brasileiros, e defenderam a aplicação restritiva das normas consumeristas ao caso concreto, excluindo-se, tanto quanto possível, a pessoa jurídica e o profissional, isto porque o conceito de consumidor deve estar intimamente ligado à questão de hipossuficiência e da vulnerabilidade, situação que não se amolda às pessoas jurídicas e aos profissionais tendo em vista que elas dispõem de força suficiente para sua defesa. (MELO, 2010, p.15-16, grifo nosso).
Percebe-se que esta teoria leva em consideração a destinação do objeto da relação jurídica consumerista, pois condiciona a aplicação do microssistema à aplicação fática e econômica do bem da vida. Observa-se que, independentemente do adquirente do serviço, ou seja, colocando-se em segundo plano a eventual particularidade de tratar-se de pessoas físicas ou jurídicas (CDC, art. 2º, caput), essa teoria exige como elementos caracterizadores de tal relação a vulnerabilidade e a destinação.
Por outro lado, pela teoria maximalista, extrai-se do art. 2º do CDC a concepção segundo a qual o conceito de consumidor perfaz-se apenas com o requisito da destinação fática. Deste modo, irrelevante é a discussão a respeito da vulnerabilidade daquele que adquire o serviço, posto que, sendo o destinatário, já seria automaticamente consumidor. Neste ponto, observem-se as palavras do professor Melo (2010, p. 18):
Para os adeptos da corrente maximalista, a aquisição de todo e qualquer produto ou serviço seria o suficiente para enquadra o adquirente como “destinatário final”, logo consumidor, não havendo de perquirir sobre a finalidade da aquisição, se para uso pessoal ou profissional, se visava a lucro ou não, o que, com a devida vênia, por representar um exagero.
Depreende-se da interpretação sistemática extraída da conjugação entre os dispositivos constitucionais e o CDC que as normas desse código são de proteção e defesa do consumidor (CDC, art. 1º) e que o reconhecimento desse como tal independe de tratar-se de pessoa física ou jurídica, pois que a defesa do consumidor é direito fundamental e, bem como direito básico, estando pautado no reconhecimento de sua vulnerabilidade (art. 4º,I) e proteção antes e/ou após o dano (art. 6º,VI). Neste particular, não poderia ser considerado consumidor o advogado que substabelece poderes a outro, pois não obstante o substabelecimento ser em essência um contrato, em verdade seria um negócio jurídico para prestação de serviços a outrem, qual seja, o cliente.
Em sendo assim, entendemos que estão abraçadas pela proteção do CDC as pessoas físicas e as jurídicas de tímida expressão econômica que se utilizam dos serviços advocatícios, pois que se encontram presentes as mesmas razões que tornaram necessária a proteção ao consumidor.
1.5 O Profissional Liberal
O profissional liberal possui como elementos caracterizadores a autonomia no direcionamento de sua forma de trabalho, bem como na tomada de suas decisões, característica que permanece mesmo quando à legislação trabalhista ou estatuto jurídico-administrativo. Ademais, complementam a caracterização desse profissional a confiança como elemento instigador do vínculo com o cliente e o caráter personalíssimo da prestação de serviço. Como principais exemplos de profissionais liberais, tem-se o advogado, o médico, o dentista, o psicólogo, o engenheiro, o arquiteto. Por oportuno, lembre-se que as profissões liberais possuem um regramento ético peculiar a cada categoria, na qual encontram-se os deveres para com o cliente e a conduta moral ideal. Para a advocacia, aponta-se o Código de Ética e Disciplina da OAB, publicado no Diário da Justiça da União, edição de 1º de março de 1995.
Dispõe o art. 14, § 4º do CDC que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”. Quis aqui o legislador excluir esse profissional da regra geral de responsabilidade objetiva, sujeitando-o ao dever de indenizar através da responsabilidade civil subjetiva. Assim, tratando-se de profissionais liberais, deve-se auferir sua responsabilidade através da comprovação de culpa latu senso, com a particularidade de que, nas relações de consumo, independentemente da espécie de obrigação à qual se sujeitou, o ônus probandi esteja com eles, em virtude dos princípios do CDC.
2 A ATIVIDADE ADVOCATÍCIA.
2.1 A Advocacia no Brasil
Não há que se falar em responsabilidade civil do causídico nas relações de consumo sem antes conhecer o ramo profissional em que se enquadra sua atividade.
A advocacia brasileira nasceu com a Lei Imperial de 11 de agosto de 1827, proclamada pelo Imperador D. Pedro I. Não obstante o curso oferecido ser de Ciências Jurídicas, por óbvio sua principal finalidade era a formação de um corpo de advogados que, juntamente com outras profissionais, pudesse alavancar o conhecimento no neo Estado, criando condições para permitir a administração do país.
A citada Lei criou o Curso de Ciências jurídicas e Sociais da Academia de São Paulo, instalado em 1º de março de 1828, funcionando no Convento de São Francisco. O outro Curso Jurídico criado pela mesma Lei foi o de Olinda, inaugurado em 15 de maio de 1828, no Convento de São Bento, sendo transferido para Recife em 10 de agosto de 1854.
O que poderia causar alguma curiosidade é o fato de ambos os cursos funcionarem inicialmente em Conventos Católicos. Mas isso não deve ser motivo de perplexidade, posto que, como é notoriamente sabido, até aquele momento o Estado Brasileiro era religioso, com vinculação à Igreja Católica, nos termos do art. 5º da Constituição do Império do Brasil, o qual dizia in verbis que:
“A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo. (sic).
2.2 O Advogado
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 206, II, elencou como princípio da educação brasileira, entre outros, a liberdade de aprender pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Sendo assim, é lícito a qualquer indivíduo eleger a forma que melhor lhe aprouver para formar sua intelectualidade, bem como a profissão para exteriorizá-lo. Não obstante este direito de escolha, a própria Carta Magna reduz essa liberdade no art. 5º, XIII, dispondo que a liberdade de exercício de qualquer profissão deve atender as qualificações que a lei estabelecer. Esse é o típico exemplo de Norma Constitucional de Eficácia Contida da Disciplina de Direito Constitucional. Sendo assim, a priori, a superveniência de Lei prescrevendo requisitos para o exercício profissional não afronta as liberdades individuais.
Em virtude do citado dispositivo legal de eficácia contida, foi editada no ano de 1994 a Lei nº 8.906, de 04 de julho, publicada no Diário Oficial da União em 05 de julho de 1994. Este diploma legislativo tem como objeto a disciplina da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil.
O art. 2º da referida Lei reproduz fac símile o art. 133 da CF/1988, ambos dispondo que “o advogado é indispensável à administração da justiça.” Ademais, nos termos do art. 3º do EAOAB, a advocacia e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, cujos requisitos são os elencados no art. 8º dessa Lei, o qual, in literis:
Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:
I – capacidade civil;
II - diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;
III – título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;
IV – aprovação em Exame de Ordem;
V – não exercer atividade incompatível com a a advocacia;
VI – idoneidade moral;
VII – prestar compromisso perante o conselho.
Então, levando-se em conta os requisitos legais, advogado é o bacharel em direito com capacidade civil de fato e em situação regular com a Justiça Eleitoral e com o serviço militar, se homem, que, possuindo idoneidade moral e não se enquadrando em uma das atividades incompatíveis com a advocacia, foi aprovado em Exame de Ordem e prestou compromisso perante o Conselho Seccional ao qual se encontra vinculado. Observa-se que o requisito do inciso I, por lógico, só pode ser a capacidade civil de fato ou de exercício, posto que todos são capazes de direito. Ademais é condição sine qua non o compromisso perante o Conselho Seccional, pois sendo ato solene, encontra-se na própria essência da formalidade.
Retornando ao art. 1º da Lei nº 8.906/1994, deparamo-nos com as atividades privativas de advocacia, quais sejam: I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais[1]; II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas. Acrescente-se que o mesmo artigo excepcionou a impetração de habeas corpus e dispôs em seu parágrafo segundo que, sob pena de nulidade, os atos e contratos constitutivos das pessoas jurídicas somente podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogados.
A postulação é a principal expressão da capacidade postulatória ou jus postulandi, sendo por excelência um exemplo de obrigação de meio. Consiste ela na aptidão especial que habilita o indivíduo para a prática eficaz, pessoal e direta dos diversos atos processuais. Há diversas teorias a respeito da capacidade postulatória, entre as quais se pode citar aquela segundo a qual a capacidade postulatória pertence à parte, mas é exercida pelo advogado. Contudo, a doutrina predominante entende que somente possui capacidade postulatória o advogado, posto que ele é o profissional regularmente habilitado para tal fim. Assim, quando um advogado interpõe um recurso, é sempre no interesse de seu cliente, mas a capacidade postulatória é do profissional. Quanto à capacidade postulatória, vejamos o que leciona Humberto Theodoro Júnior (2010, p. 57):
A capacidade de postulação em nosso sistema processual compete exclusivamente aos advogados, de modo que é obrigatória a representação da parte em juízo por advogado legalmente habilitado (art. 36). Trata-se de um pressuposto processual, cuja inobservância conduz à nulidade do processo (arts. 1º e 3 º da Lei nº 8.906, de 04.07.1994)
Percebe-se que a doutrina majoritária é no sentido de que a capacidade postulatória pertence ao advogado, exercendo-a na persecução dos interesses legítimos daquele que o constituiu como patrono.
A segunda atividade privativa de advocacia, a consultoria, consiste em o advogado, de forma permanente ou ocasional, dedicar-se a responder a questões específicas sobre temas postos à sua análise com vistas ao esclarecimento de dúvidas daquele que o contrata para o fim de orientar futura tomada de decisões.
Por sua vez, a assessoria, surge quando o causídico se dispõe à orientação quanto ao aconselhamento do caminho juridicamente favorável a percorrer quando da tomada de decisões, a fim de prevenir o cliente de possíveis demandas judiciais.
Quanto à sua atividade, independentemente de exercer a advocacia pública ou privada, é ela sempre serviço público. Observe-se ainda que um dos elementos característicos da advocacia é a obrigação civil de meio, consistente sempre em fomentar o convencimento do julgador postulando judicialmente a fim de obter decisão favorável ao seu cliente, razão pela qual seus atos são invioláveis e constituem múnus público (EAOAB art.2º).
Não é demais ressaltar que os atos privativos de advogado praticados por quem não o seja, bem como por aquele que se encontra em situação irregular perante o respectivo Conselho Seccional, são nulos de pleno direito, nos moldes do art. 4º do EAOAB, sujeitando-se aquele que inobservar tal regra a sanções civis, penais e administrativas.
No que se refere ao vínculo jurídico que une o advogado e seu cliente, cabe observar que o mesmo é de natureza contratual, pois que, nos moldes do art. 5º do EAOAB o advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato, exceto se afirmar urgência, situação em que pode atuar sem procuração, desde que se comprometa a apresentá-la no prazo de quinze dias, prorrogável por igual período, sob pena de responder por perdas e danos.
2.3 As Obrigações Civis
O direito obrigacional é essencialmente contratual. Neste ponto, cabe observar que a quase totalidade do gênero obrigações civis, das quais são espécie as obrigações consumeristas, estão precedidas por negócio jurídico bilateral. À vista disso é que o EAOAB, em seu art. 5º, caput, preceituou a regra de legitimidade de representação ao advogado somente com a apresentação do instrumento de mandato, salvo urgência.
O presente estudo, por sua finalidade faz ser imprescindível a submersão no âmago das naturezas e particularidades das prestações obrigacionais, visto que elas têm influência direta na responsabilidade do profissional em tela.
De plano, cabe ressaltar a divergência quanto à necessidade de distinção entre obrigações de meio e obrigações de resultado no que diz respeito ao regramento do dever de indenizar. Autores há que defendem tratamento idêntico para as duas circunstâncias tendo em vista que, em essência, trata-se de reflexos do mesmo fenômeno. Por outro lado, encontra-se na doutrina pátria doutrinadores que defendem disciplina específica para cada qual, visto que em uma delas, qual seja, as obrigações de meio, o fim pretendido pelo consumidor ultrapassa as forças do causídico, o que acarreta a incompatibilidade entre os dois regramentos, enquanto que na outra, as obrigações de resultado, essa incompatibilidade inexiste.
Como adepto da primeira corrente, cita-se o Doutor em Direito pela USP, Paulo Luiz Netto Lôbo (2000), o qual entende que:
A dicotomia, obrigações de meios e obrigação de resultado, não se sustenta. Afinal, é da natureza de qualquer obrigação negocial a finalidade, o fim a que se destina, que nada mais é que o resultado pretendido. Quem procura um advogado não quer a excelência dos meios por ele empregados, quer o resultado, no grau mais elevado de probabilidade. Quanto mais renomado o advogado, mais provável é o resultado pretendido, no senso comum do cliente.
Por outro lado, no ângulo oposto, tem-se autores para os quais a diferenciação em apreço é questão de mérito da contenda. Cita-se entre esses, Maria Helena Diniz (2013, p. 317):
[...] Será preciso lembrar que pela procuração judicial o advogado não se obriga necessariamente a ganhar a causa, por estar assumindo tão somente uma obrigação de meio e não uma de resultado. [...] lO advogado que tiver uma causa sob seu patrocínio deverá esforçar-se para que ela tenha bom termo, de modo que não poderá ser responsabilizado se vier a perder a demanda, a não ser que o insucesso seja oriundo de culpa sua.
Pode-se observar uma particularidade especial no embate entre as obrigações de meio e as obrigações de resultado: na primeira, foge à forças do profissional a satisfação de seu cliente pois que, a título de exemplo, ao propor uma ação, não tem o poder de predeterminar na mente daquele que decide a lide a decisão favorável para o indivíduo que lhe contratou, sem que, por tal singelo fato, esteja desobrigado de perseguir tal fruto. Por outro lado, a obrigação de resultado contratada ao advogado não se distancia em qualquer momento de uma bela pintura de arte que séculos atrás era encomendada à Leonardo da Vince, ou seja, o adimplemento do objeto do contrato estava exclusivamente a cargo do artista, sendo que para o alcance do resultado bastava o estabelecimento do prazo e a delimitação do fim almejado.
Em sendo assim, não se vislumbra razão jurídica suficiente que justifique tamanha polêmica, visto que a modalidade de responsabilidade civil aplicável a cada espécie de obrigação será, com rara exceção, a subjetiva, incidindo nas relações de consumo a culpa presumida.
2.3.1 As Obrigações de Meio
As obrigações de meio consistem no dever acessório do causídico em atuar conforme a diligência razoavelmente esperada da classe de profissionais da qual pertence o profissional em estudo.
No presente, deve-se observar a diligência comum que se espera de um advogado, qual seja: a contemporaneidade em relação ao direito vigente, bem como de sua interpretação; o entendimento básico a respeito dos institutos jurídicos em que atua; a lealdade em aconselhar aquele que a ele recorre a respeito dos riscos do processo; a atenção em relação às medidas processuais e aos prazos que deve observar. Esclarece Diniz (2013, p. 317) que “o profissional tem o dever de conhecer seu ofício, sem que lhe seja exigida infalibilidade ou conduta excepcional.”
Exemplos não faltam para demonstram a incidência em tal lapso. Imagine-se pois a hipótese de outorga de procuração pelo consumidor, em dias próximos à consumação da prescrição bienal para ajuizamento por aquele de ação trabalhista cujo objeto seria indenização por danos morais, sendo que, por lapso do profissional, o prazo se exaurisse. Evidentemente houve dano ao cliente, dano este que está diretamente relacionado à omissão do causídico.
Igualmente, suponha-se a contratação de serviços de advocacia para a elaboração de defesa em ação de indenização por danos morais e patrimoniais decorrente de acidente automobilístico cuja tese de resistência limita-se a negar o sofrimento do autor (o que, em última análise, não é dano moral, mas sim seus efeitos), quedando-se o causídico em observar o princípio da eventualidade e fazendo com que seu cliente seja considerado revel quanto ao pedido de indenização por danos materiais em virtude da incidência do art. 302 do CPC, segundo o qual é ônus do réu a manifestação precisa sobre os fatos narrados na peça exordial, sob pena de serem presumidos verdadeiros os fatos não impugnados.
Em cristalinas letras, Lôbo (2000), traz luz a respeito das obrigações de meio:
Na obrigação de meios, (sic) a contrariedade a direito reside na falta de diligência que se impõe ao profissional, considerado o estado da arte (sic) da técnica e da ciência, no momento da prestação do serviço [...] O profissional não prometeria resultado, mas a utilização, com a máxima diligência possível, dos meios técnicos e científicos que são esperados de sua qualificação.
Ensina ainda Diniz (2013, p. 313):
A obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga tão somente a usar de prudência e diligência normais na prestação de certo serviço para atingir um resultado, sem, contudo, se vincular a obtê-lo. Infere-se daí que sua prestação não consiste num resultado certo e determinado a ser conseguido pelo obrigado, mas tão somente numa atividade prudente e diligente deste em benefício do credor. Seu conteúdo é a própria atividade do devedor, ou seja, os meios tendentes a produzir o escopo almejado, de maneira que a inexecução da obrigação se caracteriza pela omissão do devedor em tomar certas precauções, sem se cogitar do resultado final.
Perceba-se que as obrigações de meio encerram deveres relacionados ao exercício comum da profissão, não se podendo exigir do profissional cuidados que extrapolam a prática normal da mesma.
Pela mesma razão, deve o profissional de advocacia ser responsabilizado por culpa, na modalidade imperícia, pelo dano causado a seu cliente em virtude do denominado erro grosseiro, qual seja, o que demonstra inaptidão para a profissão ou desídia profissional, visto que o mesmo está onerado por múnus público e devendo portanto responder por seu ato, não obstante a inviolabilidade dos mesmos.
À baila, invocam-se julgados, respectivamente, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e do Superior Tribunal de Justiça para indicar o posicionamento da jurisprudência a respeito da responsabilidade do advogado:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO. OBRIGAÇÃO DE MEIO. COMPROVAÇÃO DE CULPA. NEGLIGÊNCIA. DEVER DE INDENIZAR - DANOS MORAIS - INEXISTÊNCIA. A relação jurídica entre cliente e advogado institui o que se denomina obrigação de meio, na qual o próprio conteúdo da prestação nada mais exige do que o emprego de meios adequados, sem que se indague sobre o seu resultado. Em conseqüência, a responsabilidade do advogado é circunscrita ao dever geral de diligência, devendo ser envidados todos os esforços no sentido de melhor zelar pelos interesses do cliente, independentemente do sucesso ou insucesso da demanda. É com base nessas diretrizes que o cliente poderá responsabilizar o advogado por eventuais danos materiais provando que ele obrou com dolo ou culpa no desempenho insatisfatório de seu mister.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO COM AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. CONDUTA OMISSIVA E CULPOSA DO ADVOGADO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. RAZOABILIDADE DO VALOR ARBITRADO. DECISÃO MANTIDA.
1. Responsabilidade civil do advogado, diante de conduta omissiva e culposa, pela impetração de mandado de segurança fora do prazo e sem instrui-lo com os documentos necessários, frustrando a possibilidade da cliente, aprovada em concurso público, de ser nomeada ao cargo pretendido. Aplicação da teoria da "perda de uma chance".
2. Valor da indenização por danos morais decorrentes da perda de uma chance que atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tendo em vista os objetivos da reparação civil. Inviável o reexame em recurso especial.
3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, a que se nega provimento.
Perceba-se que as duas Cortes não responsabilizaram o causídico pela frustração no ganho da causa, mas sim pela sua displicência para com a mesma. Observe-se que em ambos os casos a raiz do dano emerge da conduta omissiva do causídico, razão pela qual a ele se dirige a obrigação civil secundária.
2.3.2 As Obrigações de Resultado
As obrigações de resultado são aquelas em que o profissional se obriga a alcançar benesse certa e/ou determinável. Nelas, o inadimplemento ou mora será caracterizada com a não consecução do objeto do contrato. Nesse ponto, ensina Diniz (2013, p. 14):
A obrigação de resultado é aquela em que o credor tem o direito de exigir do devedor a produção de um resultado, sem o que se terá o inadimplemento da relação obrigacional. Tem em vista o resultado em si mesmo, de tal sorte que a obrigação só se considerará adimplida com a efetiva produção do resultado colimado. Ter-se-á a execução desse relação obrigacional quando o devedor cumprir o objetivo final. Como essa obrigação requer um resultado útil ao credor, o seu inadimplemento é suficiente para determinar a responsabilidade do devedor, já que basta que o resultado não seja atingido para que o credor seja indenizado pelo obrigado, que só se isentará de responsabilidade se provar que não agiu culposamente.
Assim, o causídico que presta assessoria jurídica está mergulhado nas obrigações de resultado, posto que a finalidade daquela consiste na elaboração de pareceres técnicos e elucidação de dúvidas quanto ao que lhe é proposto. Desta forma, o causídico que se compromete a entregar um parecer técnico sobre determinado assunto no prazo de 10 dias, e não o faz, torna-se inadimplente quanto à esta obrigação independentemente de ter utilizado todos os recursos de que dispunha.
Em virtude de sua natureza, as obrigações de resultado são incompatíveis com certas atividades advocatícias, em especial, com a postulação em juízo, pois não se encontra em seu poder de atuação a faculdade de determinação do deslinde do caso.
3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO NO CDC
3.1 Advogado como Fornecedor
Constatou-se acima a existência de considerável divergência doutrinária em relação à definição de consumidor.
Quanto ao conceito de fornecedor, saiba-se que sobre o mesmo não pesa polêmica. Em princípio, aquele que se dedica à prestação de serviços de forma contínua e com finalidade econômica enquadra-se no conceito de fornecedor, seja pessoa física ou jurídica. Assim, percebe-se como fornecedor para fins de relação de consumo tanto o advogado que presta serviços isoladamente quanto a sociedade de advogados. O advogado empregado, porém, está excluí-lo do conceito de fornecedor, uma vez que presta serviços por conta de outrem, devendo portanto a responsabilidade de seus atos recair sobre o advogado empregador.
Deve-se agora perquirir o que o CDC entende por fornecedor. Segundo o art. 3º do CDC:
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (Grifo nosso).
Constata-se que a prestação de serviços de advocacia pode ser levada a efeito tanto por uma pessoa física (profissional liberal) quanto por uma pessoa jurídica (sociedade de advogados.). Não há obscuridade aqui. Trata-se primeiramente da prestação do serviço, ou seja, da sua disponibilização.
No que diz respeito à responsabilidade pela prestação dos serviços advocatícios, deve-se observar a previsão restritiva do artigo 14, § 4 do CDC, quando dispõe que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante culpa”, pois este preceituou a responsabilidade civil subjetiva para os profissionais liberais.
Neste ponto, entende-se que o CDC impõe responsabilização das sociedades de advogados por meio da modalidade objetiva, posto que a restrição do art. 14, § 4º do CDC destina-se aos profissionais liberais, e sociedade de advogados não é profissional liberal. Com efeito, o sentido do termo “profissional liberal” está indissociavelmente ligado à ideia de pessoa física, independentemente das circunstâncias do exercício da atividade.
Em se tratando das sociedades de advogados, dispõe o art. 15, § 3º do EAOAB que o cliente deve outorgar as procurações individualmente aos profissionais que a integram, isto porque os atos processuais são praticados pelo profissional, não pela sociedade. Deve-se observar que a outorga genérica aos advogados integrantes da sociedade exclui o elemento intuito personae, ou seja, a confiança pessoal entre o cliente e seu patrono. José de Aguiar Dias (apud Ricardo Duarte Cavazzani) defende que:
Como participantes de uma sociedade, os advogados que a compõem não conservam uma responsabilidade individual, ou seja, a responsabilidade das sociedades de advogados, assim como a dos hospitais e clínica, passa a ser solidária e objetiva, visando a proteção do consumidor.
No mesmo sentido disciplina Ênio Santarelli Zuliani (Apud Rossi):
O preceito do artigo 14, § 4º, da Lei nº 8.078/90 (responsabilidade subjetiva do profissional liberal), aplica-se ao advogado que trabalha individualmente. Quando o serviço jurídico é prestado por sociedades de advogados, a responsabilidade deixa de ser subjetiva (dependente de culpa) e regula-se pela objetiva, ou seja, independente da prova da culpa. Evidentemente que não se outorga procuração a uma sociedade de advogados; contudo, mesmo emitindo-se mandato para determinados sócios, a sociedade de advogados responderá de forma objetiva e, depois, poderá exercer o direito de regresso em face do profissional culpado.
O mesmo diploma, em seu art. 17, disciplina que a sociedade tem responsabilidade primária pelos danos causados por seus integrantes, possuindo, esses últimos, responsabilidade subsidiária e ilimitada. Então, não há dúvida de que a sociedade de advogados possui responsabilidade civil.
A linha de pensamento aqui seguida é a que atribui àquela pessoa jurídica a responsabilidade civil objetiva. Isto porque o CDC tem como finalidade a proteção do consumidor, de tal modo que suas normas sejam assim interpretadas. A respeito, cita-se o art. 47 desse diploma, o qual dispõe que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor“. Tendo em vista a teleologia desse microssistema, por uma analogia, deve-se dar à interpretação o sentido mais benéfico à proteção do consumidor também nas obscuridades por ventura surgidas em suas normas.
Outro ponto a ser definido é o que diz respeito à figura do advogado empregado estampada no art. 18 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil – Lei nº 8.906/1994. No caso do advogado empregado, este presta serviços com isenção técnica e independência profissional, elementos da essência da atividade. Porém, tal serviço se dá à conta de outrem, qual seja, o empregador. Embora a advocacia não seja atividade econômica, o profissional liberal é empregador equiparado para fins da legislação obreira, nos termos do art. 2ª, § 1º do Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de Maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho. Ademais, em diálogo de fontes, o art. 932, III, da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil Brasileiro, o empregador responde pelos danos que seus empregados causarem no exercício do trabalho que lhes competir.
3.2 A Responsabilidade Civil do Advogado Nas Obrigações de Resultado
Conforme dito alhures, o advogado, no exercício de suas atividades, pode se vincular a duas espécies de obrigações, quais sejam, as obrigações de meio e as obrigações de resultado.
No presente tópico trataremos das obrigações de resultado, dedicando a análise das obrigações de meio para tópico posterior.
As obrigações de resultado são aquelas em que o advogado se compromete a fornecer um serviço específico, o qual desde a celebração do contrato já está certo e determinado, somente de si próprio dependendo para ser realizado. Aqui, além da obrigação de diligência na prestação do serviço, o adimplemento do mesmo está indissociavelmente ligado ao objeto do contrato, de tal modo que incorre em mora ou adimplemento absoluto se, na data aprazada, o serviço não estiver concluído por completo ou a contento.
Nessas espécies de obrigações deve-se aferir a responsabilidade dos advogados através da culpa presumida. Em tais casos, parte-se do pressuposto de que o serviço não foi prestado satisfatoriamente por ato atribuído ao causídico, pois que exclusivamente a ele pertencia os meios para o adimplemento da obrigação. Defendendo a presunção de culpa nessas obrigações, argumenta Lôbo que:
Cabe ao cliente provar a existência do serviço, ou seja, a relação negocial entre ambos, e a existência do defeito de execução, que lhe causou danos, sendo suficiente a verossimilhança da imputabilidade. Cabe ao advogado provar, além das hipóteses comuns de exclusão de responsabilidade, que não agiu com culpa (em sentido amplo, inclui o dolo). Se o profissional liberal provar que não se houve com imprudência, negligência, imperícia ou dolo, a responsabilidade não lhe poderá ser imputada.
Assim, o profissional que se obriga à confecção dos atos constitutivos de uma pessoa jurídica e o faz de modo defeituoso, responde se houver procedido com culpa, mas consigo está o ônus de provar a inexistência da mesma, com vista a eximir-se da responsabilidade. O mesmo raciocínio estende-se aos pareceres, uma vez que esses têm considerável importância na tomada de decisões, o que cria a potencialidade de dano para seu destinatário.
3.3- A Responsabilidade Civil do Advogado Nas Obrigações de Meio
Nas obrigações de meio, quais sejam, aquelas em que se deve observar a diligência do profissional, compatibiliza-se com a natureza das atividades exercidas por este a responsabilidade civil subjetiva sob a modalidade culpa provada. Desta feita, experimentado o dano, deveria o cliente perquirir se o advogado procedeu com a cautela que deveria possuir, a fim de que, em caso negativo, perseguir sua responsabilidade. Com efeito, por exemplo, seria ônus do consumidor fazer prova da negligência do profissional com relação a prazos processuais, bem como a imprudência na escolha dos meios de defesa dos interesses de seu cliente. Deste modo, aquele que se julgasse prejudicado pelo insucesso de ação proposta sob argumento de que seu patrono deixou de observar o cuidado no proceder, a princípio, deve demonstrar em juízo que o ato danoso foi gerado por culpa do causídico.
Contudo, essa linha de pensamento merece ser posta à distância em virtude de não se enquadrar entre a que melhor se coaduna com o espírito do código consumerista. Deveras, em hipótese alguma se pode deixar de considerar que a vulnerabilidade do consumidor é princípio básico do CDC, cuja facilitação da produção de provas, instrumentalizada pela inversão de seu ônus, é um dos auges de expressão desse reconhecimento, o qual tem por fim assegurar um reequilíbrio na relação jurídica de consumo. Deste modo, constatada tal relação, deve o magistrado inverter o ônus da prova em favor do consumidor, pois tratando-se de situação abrangida pelo microssistema, deve a proteção ao mesmo ser a finalidade primeira.
Destaque-se que a proteção referida estaria seriamente comprometida nessa espécie de obrigação se coubesse a ele o ônus de provar a culpa do advogado contratado. Em verdade, quando o art. 14, § 4º, da legislação protetiva em análise condicionou a responsabilidade dos profissionais liberais, entre os quais se enquadra o advogado, à prova de culpa, não permitiu e menos ainda teve como intenção que tal culpa devesse ser provada pela vítima do dano. Observe-se a regra do Código de Defesa do Consumidor é que a responsabilidade civil do fornecedor seja na modalidade objetiva, sendo a dos profissionais liberais a única hipótese de responsabilidade subjetiva. Perceba-se então que a responsabilidade do advogado constitui exceção ao espírito do CDC, e, como é sabido, em Direito, as exceções interpretam-se estritamente, sendo descabida a pretensão de se atribuir sentido extensivo a um dispositivo no qual se observa uma regra de exceção.
3.4 A Responsabilidade Civil Objetiva do Advogado
Questão importante diz respeito à faculdade conferida aos advogados de substabelecimento dos poderes conferidos pelo cliente à outro causídico. Nessas situações, o causídico celebra contrato com outro profissional para prestação de serviços àquele que o contratou. Independentemente da espécie de substabelecimento, sabe-se que a eleição do profissional para a prestação de serviços advocatícios leva em conta o a própria pessoa do advogado, o que faz com que no substabelecimento o cliente se veja utilizando serviços de profissional que não contratou.
Aqui, tem-se uma situação excepcional. Deveras, o profissional liberal que presta serviços de advocacia sem que seja empregador de outro profissional ou integre sociedade de advogados é, sem dúvida, fornecedor para os fins da relação de consumo. Observa-se que o substabelecimento para atos isolados, ou até mesmo para sequência pequena de atos, não faz do substabelecido empregado ou sócio daquele que o substabeleceu. Também não cria liame entre o substabelecido e o cliente, não obstante os atos daquele refletirem-se no complexo jurídico deste. Assim, na hipótese de um cliente ser declarado revel em ação judicial cujo substabelecido não compareceu, ou na situação de decadência de direito por não ter sido a ação proposta pelo substabelecido no prazo, a conclusão que se tem é pela responsabilidade civil objetiva daquele que substabeleceu poderes.
CONCLUSÃO
Deflui-se do estudo da legislação consumerista que a proteção ao consumidor é fator essencial de nivelamento jurídico e social, tendo em vista que nas relações de consumo a desigualdade econômica, técnica ou informacional encontra-se, salvo raras exceções, sempre presente.
A atividade advocatícia, nas suas formas de expressão, cuida di patrimônio jurídico do indivíduo, de seus bens, de sua liberdade, razão pela qual, não pode existir imune à responsabilidade. Aquele que se propõe à tal ramo profissional deve estar sujeito ao dever de reparar os danos porventura oriundos de sus conduta ilícita. No campo da responsabilidade civil, presentes os elementos da relação de consumo, é plenamente aplicável as regras do CDC às atividades advocatícias.
O Direito é “ciência viva”, exigindo-se do profissional contemporaneidade com o mesmo. Aponte-se que o Estado Brasileiro encontra-se em franco desenvolvimento econômico, mas que não é acompanhado pelo social. A carência de efetividade dos direitos sociais é notória, o que cria ambiente favorável à sua violação. Consumado isso, o prejudicado necessitará de um advogado para buscar a reparação de seu patrimônio jurídico. Ele é o primeiro invocado como guardião de direitos. Contudo, deve-se observar que o discernimento da maior parte da população brasileira não é capaz de distinguir entre os profissionais capazes de restaurar o dano inicialmente sofrido e aqueles que irão produzir um outro. Nisto constata-se a vulnerabilidade do consumidor, pois a justiça pode ser conhecida pelo homem comum, mas o Direito não.
Por esse motivo, analisando a responsabilidade civil do advogado, conclui-se que o CDC a elegeu como subjetiva, sem ressalvas. Contudo, sendo Direito positivado, não observou o legislador a possibilidade de existência do dano sem culpa, sendo o mesmo exemplificado no presente estudo quando da hipótese de danos decorrentes de substabelecimento dos poderes outorgados.
Conjugando-se o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil com o Código de Defesa do Consumidor, concluiu-se que as sociedades de advogados respondem objetivamente perante seus consumidores, visto que nos serviços advocatícios prestados por seus membros inexiste o elemento intuito personae, o qual é o fundamento da responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais.
Ademais, quanto à responsabilidade subjetiva, a particularidade de distinção entre obrigações de meio e de resultado somente em um ponto é relevante, qual seja: tratando-se de obrigações de resultado, a culpa presumida deve ser o parâmetro para a responsabilização, tendo em vista que nela o profissional se comprometeu a alcançar o bem da vida, sujeitando-se ao inadimplemento total ou parcial em não o fazendo. Por outro lado, os danos causados no exercício das obrigações de meio, que a priori seriam analisados à luz da culpa provada, devem também possuírem como paradigma a culpa presumida, visto que a busca pela proteção do consumidor é a finalidade primeira do código.
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[1] O STF, na ADIn nº 1.127-8 (DOU de 26/05/2006), utilizando-se do instituto da Mutação Constitucional declarou a inconstitutionalidade da expressão “qualquer” constante deste inciso.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: Maylton. A Responsabilidade Civil do Advogado à Luz do Código de Defesa do Consumidor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47642/a-responsabilidade-civil-do-advogado-a-luz-do-codigo-de-defesa-do-consumidor. Acesso em: 19 out 2024.
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