RESUMO: Este breve estudo pretende demonstrar que o prazo para oferecimento da denúncia previsto no artigo 131 do Código de Processo Penal – 60 (sessenta) dias após a efetivação da medida patrimonial assecuratória – não é peremptório e pode ser prorrogado fundamentadamente pelo juiz, sob pena de comprometer-se a investigação criminal e a recuperação do produto ou proveito auferido com a prática criminosa.
PALAVRAS-CHAVE: sequestro – arresto – medidas assecuratórias patrimoniais – oferecimento da denúncia – prazo – Ministério Público.
1. INTRODUÇÃO
São inegáveis a importância e a utilidade das medidas assecuratórias patrimoniais tanto para assegurar a persecução de atos criminosos como para conferir efetividade à ação civil por ato de improbidade administrativa, em especial para estancar a atividade ilícita de organizações criminosas e combater eficazmente a corrupção.
Embora já consagradas na legislação penal como efeitos genéricos da condenação (artigo 91 do Código Penal), a realidade brasileira tem demonstrado quão difícil, na prática, é obter-se a indenização do dano causado pelo crime ou conseguir-se a perda, em favor da União, do produto ou proveito auferido com a prática dos atos criminosos[1].
Este breve estudo pretende demonstrar que o prazo para oferecimento da denúncia previsto no artigo 131 do Código de Processo Penal – 60 (sessenta) dias após a efetivação da medida patrimonial assecuratória – não é peremptório e pode ser prorrogado fundamentadamente pelo juiz, sob pena de comprometer-se a investigação criminal e a recuperação do produto ou proveito auferido com a prática criminosa.
2. SOBRE OS PRAZOS PREVISTOS PARA AJUIZAMENTO DE MEDIDAS ASSECURATÓRIAS CAUTELARES
A Constituição Federal estabelece que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal (artigo 5o, LIV). No Brasil não há tratamento coerente
– seja na esfera criminal ou cível – em relação ao prazo para se intentar a ação penal ou ação civil após o deferimento de medidas cautelares patrimoniais assecuratórias, todas elas de inegável natureza cautelar.
O Decreto-lei 3.240/41, que dispõe sobre o sequestro de bens de pessoa que tenha cometido crime que resulte prejuízo para a Fazenda Pública, prevê prazo de 90 (noventa) dias para o oferecimento da denúncia após a efetivação da medida.
O artigo 131 do Código de Processo Penal estabelece o prazo de 60 (sessenta) dias para que seja intentada a ação penal, contado da data em que ficar concluída a diligência, sob pena de levantamento do sequestro.
A Lei 9.613/98, que tipifica o crime de lavagem de dinheiro, previa inicialmente o prazo de 120 (cento e vinte) dias para o início da ação penal (artigo 4º, §1º). Contudo, esse prazo foi expressamente revogado pela Lei 12.683/2012.
As leis que definem os crimes de tráfico de drogas (Lei 11.343/2006) e o crime de terrorismo (Lei 13.260/2016), embora cuidem expressamente de medidas assecuratórias patrimoniais, não tratam do prazo para oferecimento da denúncia.
Na falta de previsão expressa, o diminuto prazo legal de 60 (sessenta) dias previsto no CPP vem sendo aplicado em relação ao arresto e à hipoteca legal, medidas assecuratórias igualmente previstas no Código, bem como em relação aos procedimentos cautelares assecuratórios previstos nas demais leis especiais.
No âmbito cível, a Lei 8.429/92 prevê o prazo de 30 (trinta) dias para ajuizamento da ação principal pela prática de ato de improbidade administrativo, contados da efetivação da medida cautelar preparatória (artigo 17).
Por fim, o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), prevê prazo de 15 (quinze) dias para aditamento da petição de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, mas prevê a possibilidade de o juiz fixar prazo maior (artigo 303).
Registre-se ainda que o Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas sobre a Corrupção (Decreto 5.687/2006), que prevê em seu artigo 31 o embargo preventivo, a apreensão e o confisco.
3. POSSIBILIDADE DE PRORROGAÇÃO FUNDAMENTADA, NO CASO CONCRETO, DO PRAZO PREVISTO NO ARTIGO 131 DO CPP PARA OFERECIMENTO DA DENÚNCIA
Há precedentes jurisprudenciais no sentido de que o levantamento do sequestro devido ao decurso do prazo legal de 60 (sessenta) dias não é automático, sendo tal prazo não peremptório.
O STJ já se posicionou sobre o tema, nesse sentido, por duas vezes: na primeira delas ressaltou a “excepcionalidade do caso” e a necessidade de cumprimento de diligências apuratórias[2]; na outra, invocou o princípio da razoabilidade e destacou a “complexidade do feito”[3].
Nos Tribunais Regionais Federais também se encontram precedentes no mesmo caminho, com base nos seguintes fundamentos: complexidade do caso e ausência de inércia do Ministério Público[4]; princípio da razoabilidade e complexidade das investigações em caso de crimes praticados por organizações criminosas.[5]
A maioria das decisões pesquisadas, porém, segue no sentido contrário: aduzem que o prazo previsto no artigo 131 do CPP é decadencial e que a medida assecuratória deve ser levantada se houver o prolongamento da medida sem o oferecimento da denúncia[6].
O ponto de partida para análise da questão, a luz do caso concreto, é o princípio da razoabilidade. De acordo com a doutrina especializada, tal princípio define-se como “forma de controle da correção material das leis que não envolvem a análise da relação entre os meios empregados e fins almejados, a qual diz respeito ao controle da proporcionalidade”[7].
Em sua vertente da justiça do caso concreto, o princípio da razoabilidade estabelece que na interpretação dos fatos descritos nas normas jurídicas deve ser considerado o que normalmente acontece e não o excepcional. Na aplicação das prescrições normativas, devem ser levados em consideração os aspectos presentes no caso concreto, quando a generalidade da lei não os leva em conta[8].
Com base no referido princípio, estão corretas as decisões jurisprudenciais que determinaram o levantamento da medida constritiva assecuratória, quando já havia se passado prazo excessivo e não havia indicação de realização de diligência ou de prosseguimento das atividades investigatórias. Ora, se houve inércia das autoridades persecutórias, não seria razoável manter-se constrito, indefinidamente, o patrimônio do investigado. Por outro lado, não se mostraria razoável o levantamento da constrição após alguns meses de término do prazo legal, se tiver sido demonstrado nos autos que o Ministério Público ou a autoridade policial encontram-se em fase final de realização de diligências complementares que permitirão o oferecimento breve da denúncia.
O Novo Código Civil, aplicável por analogia tanto ao Processo Penal (artigo 3o do CPP) quanto à Lei de Improbidade Administrativa (artigo 17, §6o da Lei 8.429/92), estabelece um título próprio para a chamada tutela de urgência. Em casos de urgência, o novo CPC permite que o autor apresente a petição inicial, com requerimento de tutela antecipada, expondo somente a lide, o direito que se busca realizar e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (artigo 303 do CPC). Na sequência, o autor terá o prazo de 15 (quinze) dias para complementar os argumentos e juntar novos documentos, mas o juiz poderá fixar prazo diverso.
Na nova lei processual civil, fixou-se o critério que deve ser seguido para fixação de prazo diverso pelo juiz em casos não previstos expressamente: a complexidade do ato (artigo 218, §1o, do CPC).
Ou seja: a nova lei processual civil permite a fixação, pelo juiz, de prazo diverso para a juntada de documentos e complementação da argumentação em tutela de urgência, bem como estabelece a complexidade do ato como balizador do prazo que deve ser fixado em cada caso.
Há parâmetros objetivos que apontam para a complexidade de investigações criminais, os quais devem ser verificados em cada caso. Exemplos: quantidade de pessoas e de crimes investigados, crimes praticados por organizações criminosas, crimes de lavagem de dinheiro, crimes contra o sistema financeiro e crimes de terrorismo.
Além disso, o Ministério Público deve informar em juízo que se encontram pendentes diligências para a formação da opinio delicit e oferecimento da denúncia, tais como a análise de dados fiscais e bancários, a realização de atos de cooperação jurídica internacional ou o término de perícia contábil ou informática. É imprescindível demonstrar-se, ainda, que os órgãos de persecução não se encontram inertes e quais as diligências que ainda estão sendo realizadas.
Com base nessas informações e aplicando-se por analogia o novo CPC, o juiz criminal poderá verificar a complexidade das investigações que estiverem em curso e estimar, de acordo com as circunstâncias de cada investigação e com as diligências que estiverem em curso, qual o prazo razoável para oferecimento da denúncia, que poderá inclusive ser superior ao prazo previsto no artigo 131 do CPP.
4. CONCLUSÃO
Como já vinha sendo decidido por parte da jurisprudência, o prazo previsto no artigo 131 do CPP não é peremptório, podendo ser prorrogado fundamentadamente caso a caso.
À luz do Novo Código de Processo Civil e tendo em vista os limites estreitos deste trabalho, propõe-se que a fixação do prazo seja realizada pelo juiz, em cada caso, com base nos seguintes parâmetros: princípio da razoabilidade, complexidade da investigação, existência de diligências em curso e ausência de inércia dos órgãos de persecução.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 409.
DALLAGNOL, Deltan Martinazzo; CÂMARA, Juliana de Azevedo Santa Rosa. A cadeia de custódia da prova. In: A prova no enfrentamento à macrocriminalidade. SALGADO, Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. Salvador: Editora Juspodivm, 2015.
GARCIA, Emerson. Ministério Público. 3ª ed – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 269.
JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 8ª ed – Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 322-323.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 142-146.
MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. 10ª ed. rev. e atual – São Paulo: Atlas, 2000, p. 77.
PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Os Imperativos de Razoabilidade e de proporcionalidade. In: A reconstrução democrática do Direito Público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
[1] Há avanços legislativos, embora ainda tímidos e morosos. Nesse sentido, a Lei 12.694/2012 (organizações criminosas) prevê a possibilidade de perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior.
[2] RMS 9.999/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/06/1999, DJ 28/06/1999, p. 132.
[3] RMS 36.728/MT, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 25/11/2013.
[4] ACR 00355573920124013500 0035557-39.2012.4.01.3500, Desembargador Federal TOURINHO NETO, TRF1 - TERCEIRA TURMA, e-DJF1 DATA:10/05/2013 PAGINA:679.
[5]EDACR 00082515720104013600 0008251-57.2010.4.01.3600, Juíza Federal CLEMÊNCIA MARIA ALMADA LIMA DE ÂNGELO (CONV.), TRF1 - QUARTA TURMA, e-DJF1 DATA:18/09/2012 PAGINA:57.
[6] Confira-se, por todos: REsp 1594926/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 13/06/2016.
[7] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Os Imperativos de Razoabilidade e de proporcionalidade. In: A reconstrução democrática do Direito Público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
[8] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Ob. Cit.
Mestre em Direito Público pela PUC-SP, Procurador da República.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Paulo Gomes Ferreira. Medidas cautelares patrimoniais e o prazo para oferecimento da denúncia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 out 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47652/medidas-cautelares-patrimoniais-e-o-prazo-para-oferecimento-da-denuncia. Acesso em: 23 dez 2024.
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