RESUMO: O presente artigo científico busca apresentar a conceituação e a evolução histórica do Princípio da Celeridade Processual - disposto no art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal de 1988, introduzido pela Emenda Constitucional n. 45/2004 - e da Segurança Jurídica, que embora não explícito, extrai-se de uma análise conjunta do caput dos arts. 1º e 5º da Carta Magna. Trata-se de uma abordagem de alta relevância sobre os temas que unem os institutos apresentados, considerando que, a morosidade presente no cenário jurídico atual compromete a real efetividade do processo, bem como a vida dos jurisdicionados, no entanto, há uma necessidade expressiva de zelo quanto ao conteúdo das decisões, haja vista a solidez que estas possuem em razão da busca pela preservação da segurança jurídica. Desta forma, levanta-se o questionamento acerca da previsão constitucional dos dois institutos e, da necessidade de ponderação na colisão entre tais direitos fundamentais por meio da teoria da argumentação, como forma de resolução de conflitos.
Palavras-chave: Celeridade Processual. Segurança Jurídica. Efetividade. Colisão Principiológica. Teoria da Argumentação.
ABSTRACT: This article aims to present the concept and the historical evolution of the principle of the Procedural Celerity - found in the art. 5, LXXVIII from the Federal Constitution of 1988, introduced by Constitutional Amendment n. 45/2004 – and the Legal Security, though not explicit, extracted from a pooled analysis of several sections of that art. 5th of the CRFB/88. This is a high relevant approach to the issues that unite the presented institutes, considering that, the delays present in the current legal scenario undermines the real effectiveness of the process as well as the lives of jurisdictional claimants, however, there is a significant need for zeal on the content of decisions, observing the strength that they have by reason of seeking to preserve legal security. Thus, sets up the question about the constitutional provision of the two institutes and the need for weighting in the collision between such fundamental rights through argumentation theory as a mean of conflicts resolution.
Keywords: Procedural Celerity. Legal Security. Effectiveness. Procedures. Colision Between Principles. Argumentation Theory.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo científico trata do Princípio da Celeridade processual face à segurança jurídica, com foco na aparente colisão de princípios nos casos concretos, e traz a baila a necessidade de aplicação da ponderação como forma de resolução dos conflitos através da teoria da argumentação.
Uma infinidade de processos chega diariamente aos diversos órgãos da justiça brasileira. Verifica-se uma grande tendência a judicialização como forma de resolução de conflitos na atualidade. Há muito a autotutela perdeu sua licitude e legitimidade, de forma que o povo depende da tutela jurisdicional para garantir seus direitos, o que o faz com certa frequência, devido à própria garantia constitucional de que não se pode afastar da apreciação do judiciário lesão ou ameaça a direito, o que facilita o acesso à justiça.
No entanto, o que se observa no cenário atual é a demasiada lentidão no judiciário, que resulta, muitas vezes, na própria perda do direito do cidadão que buscou a justa justiça. Seus direitos perdem a razão de ser, seja pelo decurso do próprio tempo, pelo interesse, ou mesmo pelos infortúnios diários que permeiam a vida humana, como a morte, de forma que o resultado é a inefetividade da prestação oferecida.
Todavia, não há falar em uma busca desenfreada pela resolução ágil de conflitos, que resulte na inobservância dos ditames legais, e procedimentos necessários para a garantia de uma decisão equânime e segura para os litigantes do processo judicial e administrativo.
O princípio da segurança jurídica, presente na Constituição Federal não está explícito, mas o instituto está presente dentro de diversos outros princípios, razão pela qual guarda extrema importância na sua aplicação. Visa-se fundamentalmente garantir estabilidade à solução oferecida, trata-se da segurança do próprio direito.
Assim, verifica-se que celeridade processual e segurança jurídica são princípios supostamente contraditórios. O legislador pede a razoável duração do processo, mas garante também o direito ao contraditório e a ampla defesa, onde as partes terão direito de conhecimento e defesa contra todo o alegado. Compete aí ao intérprete da lei – Juiz – a busca pelo equilíbrio entre a resolução rápida da lide e a segurança da decisão que irá proferir.
A questão antagônica deve ser observada detidamente, com atenção a todo o sistema jurídico. Desta forma, traz-se a discussão a necessidade da ponderação dos princípios constitucionais em análise, da legislação vigente identificada aplicável, dos direitos e garantias inerentes ao cidadão e da final ponderação sobre a intensidade das circunstâncias fáticas e jurídicas que ensejarão a aplicação dos princípios de forma proporcional e razoável.
O presente trabalho não busca esgotar a análise do tema, haja vista sua complexidade e subjetividade, mas faz-se indispensável diante evidente da morosidade presente no judiciário brasileiro.
Para tornar viável o desenvolvimento do artigo em comento, adotou-se o método dedutivo e a técnica de pesquisa bibliográfica, através de leitura e fichamento das ideias de doutrinas de renomados juristas brasileiros, interpretando os diversos posicionamentos acerca do tema. Recorreu-se também ao Direito Comparado, na medida em que se observou o desenvolvimento histórico dos institutos apresentados.
2 A EVOLUÇÃO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O princípio da razoável duração do processo, positivado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 decorre da busca pela celeridade processual. Segundo Pedro Lenza, a chamada efetividade do processo, é a “missão social de eliminar conflitos e fazer justiça” (2012, p. 1032). O autor considera ainda que, a sistemática procedimental atual é justamente o que muitas vezes constitui uma obstrução a eficácia da tutela pretendida (2012, p. 1033).
A Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos, datada de 1950, dispõe, em seu art. 6º, parágrafo único: “A Justiça que não resolve litígios dentro de um prazo razoável é uma Justiça inacessível”.
Os ordenamentos jurídicos observaram, com mais cautela, a questão dos prejuízos decorrentes da demora processual com o decorrer dos anos. Em 1992 o Brasil ratificou o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, já adotado pela ONU em 1966. Referido Pacto já trazia do âmbito processual penal, a previsão de que todo acusado tem direito a ser julgado sem dilações indevidas.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), também datada de 1966, e ratificada pelo Congresso Nacional em 1992, já previa como direito fundamental do ser humano, a prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável e efetivo.
A partir da Reforma do Judiciário, por meio da EC n. 45/2004, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos ganharam maior relevância, haja vista que, se aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por 3/5 dos votos dos respetivos membros, se tornam equivalentes às emendas constitucionais, passando a ter status de norma constitucional. No entanto, a ratificação pelo Brasil, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ocorreu antes da referida emenda constitucional, não tendo passado por tal procedimento, de forma que, segundo o entendimento do STF, os tratados e convenções sobre direitos humanos ratificados antes da reforma do judiciário passaram a ter natureza de supralegal, ou seja, encontram-se acima das leis, e abaixo da constituição.
Desta forma, por força da supracitada emenda constitucional, houve a inclusão do art. 5º, LXXVIII na CRFB/88, o qual estabelece que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2015, p. 405) asseveram que, no que se refere à celeridade processual, diversos autores “já consideravam implícita na ideia de proteção efetiva, no postulado da dignidade da pessoa humana e na própria ideia de Estado de Direito”, embora a positivação da razoável duração do processo no ordenamento jurídico brasileiro tenha se dado somente através da reforma do judiciário, apontam ainda os autores que:
O reconhecimento de um direito subjetivo a um processo célere – ou com a duração razoável – impõe ao Poder Público em geral e ao Poder Judiciário, em particular, a adoção de medidas destinadas a realizar esse objetivo. Nesse cenário, abre-se um campo institucional destinado ao planejamento, controle e fiscalização de políticas públicas de prestação jurisdicional que dizem respeito à própria legitimidade de intervenções estatais que importem, ao menos potencialmente, lesão ou ameaça a direitos fundamentais. (MENDES; BRANCO, 2015, p. 405).
No entanto, a questão da obrigação de uma prestação Estatal que propicie os meios para alcançar a prestação buscada, encontra uma série de variações que interferem na duração do processo e comprometem qualidade do julgamento, principalmente no que tange à questão procedimental. Neste contexto, Nunes (2006, p. 49) assevera que:
É de se verificar que a quantidade média de processos que um juiz brasileiro possui sob sua “direção” impõe-lhe uma análise superficial dos casos que lhe são submetidos, uma vez que o sistema de “prestação jurisdicional” faz com que este atue como se o que importasse não fosse a aplicação de tutela constitucional e democraticamente adequada, mas sim a prestação de serviços rápidos e em larga escala.
No entanto, conforme leciona Gajardoni (2007, p. 105) “Celeridade não pode ser confundida com precipitação. Segurança não pode ser confundida com eternização”. Desta forma, embora evidente a questão dos prejuízos causados pelo formalismo procedimental, faz-se necessário que, aliada à busca da agilidade processual, observe-se o disposto em lei de forma ordenada e cautelosa, considerando a importância da segurança jurídica.
Neste sentido, o autor Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias (2007, p. 218) sustenta que a morosidade da atividade jurisdicional do Estado não se combate apenas com reformas legislativas, mas com a:
Implantação de mudanças na estrutura dos órgãos jurisdicionais, com número de juízes em proporção adequada à população que atendem e ao número de processos neles em curso, dotando-lhes de recursos materiais suficientes e de pessoal treinado e tecnicamente qualificado, aspecto do problema em questão sempre olvidado. Ao lado disto, impõe-se a mudança de mentalidade e de formação técnica dos operadores práticos do direito (juízes, advogados, defensores públicos, membros do Ministério Público), que precisam enxergar o processo como metodologia normativa de garantia dos direitos fundamentais, vale dizer, compreendê-lo como processo constitucionalizado e não como simples instrumento técnico da jurisdição ou mero calhamaço de papéis no qual o juiz profere sentença após a prática desordenada de atos pelos sujeitos processuais, como vem ocorrendo, de forma caótica, na maioria das vezes.
Considerando que o tempo não é o mesmo para todos os litigantes indistintamente, o Judiciário deve observar as peculiaridades inerentes a cada feito de forma individualizada. Guerreiro (2007, p. 47/67) aponta que devem ser considerados o comportamento das partes, a complexidade fática e jurídica da causa, a forma de prestação jurisdicional, a importância dos direitos em análise e a questão temporal.
Sobre o tema, Câmara (2013, p. 68) aponta que:
Não se pode, pois, considerar que o princípio da tempestividade da tutela jurisdicional sirva de base para a construção de processos instantâneos. O que se assegura com esse princípio constitucional é a construção de um sistema processual em que não haja dilações indevidas. Em outros termos, o processo não deve demorar mais do que o estritamente necessário para que se possa alcançar os resultados justos visados por força da garantia do devido processo. Deve, porém, o processo demorar todo o tempo necessário para que tal resultado possa ser alcançado.
A pretendida celeridade processual requer consonância entre tempo e segurança, haja vista a necessidade de uma decisão segura. De nada adiantaria uma tutela tempestiva, se o Poder Público e o Judiciário que não conseguissem atingir a real finalidade buscada no processo - a garantia do direito pleiteado - daí a grande importância da observância da segurança jurídica na abordagem da celeridade processual.
3 CELERIDADE PROCESSUAL E SEGURANÇA JURÍDICA
Alexandre Freitas Câmara (2013, p. 67) assevera que “Tem havido, modernamente, uma busca quase desenfreada pela celeridade do processo, mas há um tempo que precisa ser respeitado”.
O que o litigante busca na justiça é que seu processo chegue ao seu fim com uma prestação jurisdicional tempestiva e adequada. Assim, verifica-se uma grande preocupação apenas com a questão da celeridade, não se levando em consideração, por parte dos jurisdicionados, a importância da segurança jurídica.
Carnelucci (1971, p. 177), acerca do tema, aduz que:
O processo dura; não se pode fazer tudo de uma vez. É necessário ter paciência. Semeia-se, como faz o camponês, e se há de esperar para colher. Junto à atenção há de se colocar a paciência entre as virtudes necessárias entre o juiz e às partes. Desgraçadamente, estas são impacientes por definição; impacientes como os enfermos, pois sofrem também elas. Uma das funções dos defensores é inspirar-lhes a paciência. O slogan da justiça rápida e segura, que se encontra sempre nas bocas dos políticos inexpertos, contém, desgraçadamente, uma contradição in adiecto; se a justiça é segura, não é rápida; se é rápida, não é segura. Algumas vezes a semente da verdade leva anos, até mesmo séculos, para converter-se em espiga (veritas filia temporis)”. (apud CÂMARA, 2013, p. 67).
No entanto, acima de uma decisão célere está a segurança desta, considerando que, sem segurança, não há efetividade no processo. Neste sentido, urge a necessidade de uma abordagem acerca do princípio da Segurança Jurídica.
Verifica-se que há uma íntima relação entre os conceitos de ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada com a própria segurança jurídica. Canotilho (1995, p. 373-374) defende esta posição, lecionando que:
Os princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica podem formular-se assim: o cidadão deve poder confiar em que seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados ou tomadas de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros. Estes princípios apontam basicamente para: (1) a proibição de leis retroactivas; (2) a inalterabilidade do caso julgado; (3) a tendencial irrevogabilidade de actos administrativos constitutivos de direitos.
O Autor aponta ainda que, a segurança e a confiança jurídica são próprias do Estado de Direito, de forma que dão a este uma dimensão de “durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas”, de sorte que “legitima a confiança na permanência das respectivas situações jurídicas”.
Abordando justamente o fato de o princípio não estar explícito no texto constitucional, José Afonso da Silva (2001, p. 65) assevera que tal fato não diminui sua importância, considerando a carga constitucional que carrega, sendo tratado como norma-princípio ou norma fundamental.
Neste mesmo sentido, Brandão (2005, p. 23) aduz que:
O direito brasileiro considera o princípio da segurança jurídica como basilar para nosso ordenamento jurídico, uma vez que este instaura a “paz” e a estabilidade no mundo jurídico, que é um pressuposto básico que gera um clima de confiança em seu conteúdo.
Verifica-se a tendência no entendimento de segurança jurídica como forma de exigência de um direito estável e previsível, em forma de busca a fim de garantir a estabilidade do ordenamento jurídico, inerente ao próprio Estado de Direito.
Cumpre ainda ressaltar a visão de Brandão acerca dos conceitos sob os quais se desenvolvem as ideias fundamentais do princípio da segurança jurídica:
(1) estabilidade ou eficácia ex post da segurança jurídica: uma vez adoptadas, na forma e procedimento legalmente exigidos, as decisões estaduais não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes.
(2) previsibilidade ou eficácia ex ante do princípio da segurança jurídica que, fundamentalmente, se reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos.
Deste modo, ante a relevância das decisões proferidas e a necessidade de preservação da coisa julgada, evidenciada nitidamente com a importância da segurança jurídica, torna-se manifesta a necessidade de coexistência entre esta e a celeridade processual.
De outro modo, ocorreria a temida colisão entre princípios, um prevalecendo sobre o outro, quando, na verdade, ambos devem coexistir no ordenamento jurídico. Não há falar assim, em uma busca inconstante pela celeridade que de causa à insegurança jurídica, considerando que assim, não haveria real satisfação da tutela pretendida pelas partes.
Resta evidente a razão de ser do instituto em análise, conceder aos jurisdicionados, litigantes ou não, que os efeitos das decisões serão permeados pelo ideal de justiça.
4 A POSSÍVEL COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Verifica-se, da análise dos institutos apresentados que insurge a possibilidade de colisão entre tais princípios, razão pela qual, faz-se necessária uma abordagem conceitual acerca da interpretação principiológica constitucional.
Barroso (2009, p. 155) aponta que princípios “são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins” e ainda, “fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui”. Salienta ainda o autor a necessidade de observação sobre a superação da distinção que se fazia entre norma e princípio, considerando que o entendimento atual sobre o tema sustenta que não há hierarquia entre estes em sentido normativo, “todas as normas constitucionais encontram-se no mesmo plano” (2009, p. 156).
Bandeira de Mello apresenta a mais clássica das conceituações acerca dos princípios:
Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico....
Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica uma ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais.
A partir da apresentação do caráter principiológico dos direitos fundamentais, verifica-se que transcende a possibilidade de colisão entre estes, e neste sentido, de qual forma esta seria solucionada pelo Direito Constitucional Contemporâneo.
Barroso assevera o status de norma jurídica dos princípios constitucionais, afirmando estar ultrapassada a crença de que estes teriam natureza puramente axiológica (2003, p. 337). Afirma ainda, que:
a atividade de interpretação da Constituição deve ser iniciada com a identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar a formulação da regra concreta que vai reger a espécie.
Com base neste contexto, indaga-se sobre a hipótese em análise, dois princípios constitucionais – Celeridade Processual e Segurança Jurídica – incidentes sobre um mesmo conjunto de fatos. Tais princípios, na interpretação de um caso em concreto, poderiam levar a soluções contraditórias, simplesmente por tutelarem valores distintos, embora não se oponham.
Um primeiro raciocínio levaria o intérprete à escolha de uma das normas, uma premissa maior descartando uma menor, aplicando-se aí a subsunção. No entanto, tal perspectiva não pode prosperar, pois aí, estar-se-ia diante da hierarquia entre normas constitucionais, o que já fora veementemente desprezado pela interpretação constitucional contemporânea.
Neste sentido, fez-se necessário que a interpretação constitucional desenvolvesse técnicas eficazes a fim de lidar com a dialética da Carta Magna e sua tutela de interesses conflitantes. (BARROSO, 2009, p. 359).
Marmelstein (2008, p. 365) pondera também sobre o tema, afirmando que:
As normas constitucionais são potencialmente contraditórias, já que refletem uma diversidade ideológica típica de qualquer Estado democrático de Direito. Não é de se estranhar, dessa forma, que elas freqüentemente, no momento aplicativo, entrem em rota de colisão.
Diante desta problemática, entre em evidência o que se convencionou chamar de técnica da ponderação. Antunes (2006, p. 08) traz a baila o primeiro momento de utilização da técnica:
O método da ponderação de bens foi utilizado pela primeira vez no Tribunal Constitucional Federal Alemão na sentença Lüth em quinze de janeiro de 1958, na qual analisou-se e decidiu-se sobre a constitucionalidade de restrição a direito fundamental. O TCF decidiu que o direito fundamental à liberdade de expressão deveria prevalecer, uma vez que não afetava interesses de terceiros dignos de proteção. Aludida preferência resultou em função das circunstâncias do caso concreto.
Sobre o tema, Marmelstein (2008, p. 386) aponta que:
A ponderação é uma técnica de decisão empregada para solucionar conflitos normativos que envolvam valores ou opções políticas, em relação aos quais as técnicas tradicionais de hermenêutica não se mostram suficientes. É justamente o que ocorre com a colisão de normas constitucionais, pois, nesse caso, não se pode adotar nem o critério hierárquico, nem o cronológico, nem a especialidade para resolver uma antinomia de valores.
Destarte, a ponderação compõe-se de uma técnica de decisão jurídica a ser aplicada a casos difíceis, sobre os quais a utilização da subsunção não se mostrou suficiente, especialmente quando o caso em concreto enseja a aplicação de normas de mesma hierarquia que levariam a diferentes resultados.
Embora não haja um raciocínio cautelosamente seguro, trata-se sempre de uma questão de “balanceamento e sopesamento de interesses, bens, valores ou normas” (BARROSO, 2009, p. 360).
Barroso descreve ainda sobre a possibilidade de se desenvolver um procedimento de três etapas para a descrição da ponderação: Na primeira etapa, o intérprete investiga no sistema jurídico as normas pertinentes à solução do caso, identificando eventuais conflitos entre elas, insuperáveis pela subsunção. Ainda nesta etapa, as premissas que indicam a mesma solução devem formar um conjunto de argumentos. Na chamada segunda etapa, examinam-se os fatos inteirando-os com os elementos normativos, aqui, a situação concreta surge ao lado das diversas normas que a ela poderiam ser aplicáveis. A terceira e última etapa é a fase dedicada à própria decisão, realiza-se uma análise conjunta das normas passíveis de aplicação ao caso concreto e sua repercussão diante deste. Aqui se atribui o peso de cada elemento na disputa pela aplicação, isto é, a intensidade da solução escolhida. O autor extrai deste procedimento intelectual final um principal vetor de auxílio, o princípio da proporcionalidade e razoabilidade.
Barroso conclui sobre o tema ponderando sobre aplicação da ponderação na atualidade:
No estágio atual, a ponderação ainda não atingiu o padrão desejável de objetividade, dando lugar à ampla discricionariedade judicial. Tal discricionariedade, no entanto, como regra, deverá ficar limitada às hipóteses em que o sistema jurídico não tenha sido capaz de oferecer a solução em tese, elegendo um valor ou interesse que deva prevalecer. A existência de ponderação não é um convite para o exercício indiscriminado de ativismo judicial. O controle de legitimidade das decisões obtidas mediante ponderação tem sido feito através do exame da argumentação desenvolvida. Seu objetivo, de forma bastante simples, é verificar a correção dos argumentos apresentados em suporte de uma determinada conclusão ou ao menos a racionalidade do raciocínio desenvolvido em cada caso, especialmente quando se trate do emprego da ponderação. (2009, p. 363-364).
Como é possível se observar, trata-se de um processo bastante subjetivo, que pode variar diante das diversas influências normativas e vinculadas ao próprio caso em concreto. A tarefa do intérprete depende de sua valoração acerca dos pesos diversos e relevantes de cada situação.
5 TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO COMO FORMA DE AUXÍLIO NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ENTRE AS NORMAS CONSTITUCIONAIS
Inicialmente, cumpre relembrar que não se admite no ordenamento jurídico atual a prevalência absoluta de um princípio em face de outro que com ele conflita. Faz-se necessário uma análise minuciosa sobre os mesmos fatos e elementos normativos e das diversas possibilidades interpretativas acerca desta hipótese, para que, assim, apresente-se uma fundamentação racional consistente.
A mentalidade atual dos operadores do direito de sempre procurar recursos, ainda que meramente protelatórios e que, evidentemente não mudem o conteúdo decisório, é uma das grandes razões de ser do assolamento do judiciário (MACHADO, LEAL JUNIOR, 2010, p. 77-119, p. 107-108).
Humberto Theodoro Júnior assevera ainda que:
O processo do Estado Democrático de Direito contemporâneo, em suma, não se resume a regular o acesso à justiça, em sentido formal. Sua missão, na ordem dos direitos fundamentais, é proporcionar a todos uma tutela procedimental e substancial justa, adequada e efetiva. Daí falar-se modernamente, em garantia de um processo justo, de preferência à garantia de um devido processo legal.
Takoi (2010, p. 232) assevera que “Atualmente o maior desafio do processualista é conciliar segurança do processo com a celeridade, pois a brevidade não pode comprometer o contraditório, a ampla defesa e outros princípios constitucionais”. Vistas as problemáticas apontadas, inegável a posição do autor de que a busca deve ser sempre pela decisão mais justa.
O autor Gidi (1995, p. 8) aborda a questão da estabilidade da decisão tratando-a como a própria medida de inteira justiça:
(...) esta garantia de estabilidade é anseio não somente da parte vencedora, como também da parte vencida e da população como um todo, que precisa movimentar o comércio e as relações jurídicas em geral com estabilidade e segurança. Com efeito, justiça sem estabilidade seria equivalente a nenhuma justiça.
Diante da infinidade de posições acerca da colisão principiológica em análise, a ponderação, conforme já se abordou neste trabalho, apresenta-se indubitavelmente como a grande saída para a questão em tela. No entanto, os parâmetros elementares de controle da argumentação são especialmente relevantes na utilização da técnica da ponderação.
A argumentação deve ser capaz de apresentar parâmetros normativos; é necessário que o intérprete apresente elementos presentes no ordenamento jurídico que referendem sua decisão. Assim sendo, um conflito normativo deve ser resolvido em favor da solução que seja fundamentada com a maior quantidade de normas jurídicas. Considerando o fato de que toda decisão deve ser fundamentada, urge, no caso da aplicação da ponderação, uma necessidade ainda mais grave de motivação, tendo em vista que diante do conflito, há uma forte tendência à universalização dos critérios adotados pela decisão prolatada. (BARROSO, 2009, p. 364-367).
Existem diversos entendimentos que se verificam incompatíveis com a celeridade processual, porém, ligados à segurança jurídica. A título de exemplo, veja-se o anteprojeto apresentado pelo Tribunal Superior do Trabalho, onde o Recurso Ordinário seria admitido apenas em caso de violação legal, constitucional ou contrariedade á súmula do TST. Tal ponto foi vetado pelo Presidente da República, considerando o fato da redução da possibilidade recursal ao TST, sendo, desta maneira, danosa a possibilidade de recurso ao Tribunal Regional.
Neste diapasão, o que se extrai do entendimento supra é uma ideia de incompatibilidade com a celeridade processual, mas intrinsecamente ligada à preservação da segurança jurídica, sob a fundamentação de que o número de recursos garante uma maior estabilidade.
Desta forma, verifica-se sinteticamente, um claro exemplo da aplicação da técnica da ponderação, aliada a teoria da argumentação na resolução do conflito aparente entre as normas constitucionais abordadas.
Cada caso concreto específico merece análise minuciosa acerca de todas as opções que o cercam. O que não se pode permitir é que em nome da segurança jurídica os processos fiquem engessados no judiciário, de forma que resulte na temida inefetividade processual com a consequente perda de Direitos. Não se busca uma mitigação do princípio da segurança jurídica em detrimento da celeridade, mas uma harmonização que gere efetividade aliada à segurança.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os princípios constitucionais analisados neste trabalho são de irrefutável relevância ao ordenamento jurídico brasileiro, de forma que a aplicação de um, não deve afetar, muito menos mitigar a aplicação do outro. Verifica-se aqui uma necessidade eminente de reestruturação judiciária a fim de dar efetividade aos institutos. O sistema jurídico brasileiro precisa ser drenado a fim de que de sejam atendidas as demandas, com soluções céleres e seguras, conforme previsto na Carta Magna de 1988.
A celeridade processual inserida no ordenamento constitucional pela EC n. 45/2004 é resultado do clamor social diante da lentidão instaurada no judiciário, certamente sua razão de ser, a garantia de uma duração razoável do processo, atende tal exigência. No entanto, não há como falar que tal fenômeno ocorrerá de forma milagrosa, apenas com o dispositivo positivado. Trata-se sim de progresso, mas desde que se respeitem todos os demais princípios processuais constitucionais.
No que concerne à segurança jurídica, não se pode reduzir sua aplicabilidade tendo em vista apenas o tempo do processo, deixando de observar, indistintamente, a existência de tal princípio. De nada adiantaria o poder judiciário decidindo na tão almejada duração razoável, se não houvesse estabilidade no conteúdo decisório.
Diante disto, verifica-se uma necessidade elevada de valoração dos princípios para que se encontre o equilíbrio: decisões em tempo hábil para satisfação do direito pretendido, de conteúdo seguro e efetivo.
A cultura brasileira é burocrática, valorizam-se procedimentos em detrimento de conteúdo. Formalismo exacerbado não instrumentaliza a realização da justa justiça. Desta forma, é de fundamental importância uma reforma judiciária a fim de solucionar os problemas que dão causa a morosidade na justiça.
Não se trata apenas de um conflito principiológico, pois este, conforme já explanado, é passível de resolução por meio das técnicas de ponderação e argumentação, um princípio deve complementar o outro, não mitiga-lo.
O que se verifica desta análise é a necessidade de uma reforma estrutural no judiciário, que garanta a este meios efetivos para a prestação da tutela jurisdicional, bem como uma análise complexa acerca dos institutos recursais, dado o fato de que um dos grandes fatores que geram a lentidão no judiciário é número de recursos possíveis, utilizados de maneira incorreta a fim de apenas protelar o desenvolvimento final do processo.
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Bacharela em Direito pela Universidade Tiradentes - Aracaju, Sergipe, Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GROSS, Jaqueline Oliveira. Celeridade processual e segurança jurídica: a teoria da argumentação como forma de resolução da colisão entre princípios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 out 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47656/celeridade-processual-e-seguranca-juridica-a-teoria-da-argumentacao-como-forma-de-resolucao-da-colisao-entre-principios. Acesso em: 23 dez 2024.
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