1 – Constitucionalismo e neoconstitucionalismo
A - Características
A palavra constituição vem do verbo constituir. Constituir é formar algo, é criar alguma coisa. Quando substantivamos esse verbo, vamos ter o termo constituição. Ou seja, os elementos que formam certo objeto. A constituição de uma cadeira são os elementos que formam essa cadeira.
Quando pegamos esse termo, “constituição”, e trazemos para a linguagem jurídica, percebemos que a constituição vai tratar dos elementos que formam o estado. Logo, amplamente falando, constituição é o documento que organiza e trata dos elementos do estado.
Se analisarmos a constituição como sendo o conjunto dos elementos que criam e organizam uma sociedade, chegaremos a seguinte conclusão: qualquer sociedade minimamente organizada tem sua constituição.
Se pegarmos uma tribo que nunca teve contato com nossa cultura, no meio da floresta, podemos afirmar que terá sua constituição. Quem vai ser o chefe daquela tribo? Onde aquela tribo poderá caçar? Todas essas normas que tratam da organização daquela micro sociedade é sua constituição.
Podemos analisar o constitucionalismo em seu sentido amplo e em seu sentido estrito.
Se analisarmos o termo constitucionalismo no sentido amplo, percebemos que desde o primeiro momento em que o homem se reuniu em sociedade, ele já teve a sua primeira constituição. Mas o importante para nós é trabalhar constitucionalismo em sentido restrito. É com ele que vamos trabalhar a partir de agora.
Sabemos que o objetivo da constituição é organizar o estado. Se analisarmos em sentido amplo, perceberemos que desde o primeiro momento em que o homem se reuniu em sociedade, ele já teve a sua primeira constituição. Mas pergunta-se: porque se organiza o estado? Qual a necessidade que há de organizar o estado?
Qual será o estado que tem o poder mais limitado: um estado que não tem organização, que todo mundo faz o que quer, ou um estado que é minimamente organizado? Obviamente, se organizamos o poder do estado, limitamos também o seu poder. Limitamos o poder estatal. O constitucionalismo em sentido restrito é uma técnica de limitação do poder estatal. O objetivo do constitucionalismo estrito é limitar o poder estatal. E quando surgiram essas técnicas de limitação do poder estatal? Quando surgiu o constitucionalismo?
B - Fases
Vamos analisar os momentos históricos que marcam o surgimento dessas técnicas de limitação ao poder estatal:
1° - Constitucionalismo primitivo (antigo)
Para os hebraicos: o documento que fazia as vezes da constituição era a Bíblia. O chefe do clan não poderia fazer o que quisesse. A Bíblia era um documento constitucional que limitava o poder do chefe da tribo.
Na Grécia, a norma que equivalia a constituição era chamada direito ancestral. O direito ancestral era uma norma de maior hierarquia dentro da ordem jurídica. Inclusive, na Grécia deu-se a origem do controle de constitucionalidade, com uma ação que era chama de “Graphe Paranomon”. A “Graphe Paranomon” objetivava impugnar um ato do senado em confronto com o direito ancestral. Se alguém do povo quisesse impugnar um ato do senado em confronto com o direito ancestral, ele poderia utilizar essa ação. Muito pouco utilizada, posto que, se o cidadão que entrasse com a ação perdesse, ele poderia sofrer a pena de morte.
2° - Constitucionalismo medieval
O principal documento que marca esse constitucionalismo medieval é chamado de “pacto”. Pacto era um acordo feito entre determinadas camadas sociais (normalmente a nobreza) e o rei. Por meio desse acordo, o rei se comprometia a respeitar alguns direitos da nobreza. Um exemplo de pacto é a Carta Magna Inglesa de 1215, um acordo firmado entre o rei da Inglaterra e os nobres, no qual o rei se comprometia a preservar determinados direitos da nobreza. Por que não podemos afirmar que a Carta Magna Inglesa era uma verdadeira constituição? Porque ela não protegia todo mundo. Só protegia quem fizesse parte do pacto. Logo, a Carta desprovida do atributo da universalidade.
3° - Constitucionalismo moderno (clássico)
É aqui que o constitucionalismo realmente começa a ganhar corpo. O constitucionalismo moderno surgiu no século XVIII. Quase todo o século XVIII viveu dentro da Idade Média, dentro do estado denominado Estado Absolutista. Vigorava o absolutismo. Sob o ponto de vista jurídico, o Estado Absolutista era estruturado da seguinte forma: se entendia que a fonte do poder real era uma fonte divina. Ao mesmo tempo, Deus era colocado no centro da ordem jurídica. Logo, como o rei era o representante de Deus na terra, ele podia fazer tudo. Havia muito poucas limitações. Ele podia desapropriar, podia cassar sua liberdade de ir e vir, quando ele quisesse.
Obviamente, essa situação não poderia perdurar muito tempo. Sendo assim, esse Estado Absolutista some para dar lugar a outra fase de estado, chamada de Iluminismo. No absolutismo tínhamos Deus como centro da ordem jurídica. No Iluminismo passamos a ter o homem como centro da ordem jurídica. A fonte de poder vem do homem. Como a fonte de poder era o homem, alguns direitos do ser humano precisam ser respeitados. E como é que isso se apresenta juridicamente?
Surge aqui o chamado Estado de Direito. O governante não representa mais Deus. O governante agora representa o ser humano. O estado existe para garantir o bem estar social. Você começa a ter agora limitações ao poder estatal. Esse Estado de Direito objetivava o que?
No Estado anterior nós tínhamos o indivíduo sem nenhum tipo de proteção. O Estado nos atingia como quisesse. Logo, para proteger o indivíduo, tinha que se criar um escudo de proteção, para evitar interferências indevidas do estado. O indivíduo estava, agora, protegido.
Logo, em um primeiro momento, você tinha um estado que atuava demais, com muita liberdade, e, posteriormente, você passa a proteger o individuo. Como fazemos para proteger o indivíduo? Como o estado faz para garantir sua liberdade de ir e vir? Basta que ele não prenda você. O que o estado precisa fazer para garantir o seu direito a propriedade?Basta que ele não lhe desaproprie. O que o estado precisa fazer para garantir a sua liberdade de expressão? Basta que ele não lhe censure.
Todos esses exemplos são exemplos de omissão do estado. Então, esse primeiro estado de direito traz para o estado os chamados deveres de omissão. Percebe-se aqui que o estado se recolhe. Tínhamos um Estado que aparecia demais e agora ele se recolhe. Logo, esse Estado de Direito é o chamado Estado mínimo. É aquele Estado garantidor de direitos de primeira geração. Direitos que são concretizados mediante deveres de omissão. Basta que o Estado não atue, que ele me assegura o direito de primeira geração.
Para o constitucionalismo clássico, um documento só pode ser chamado validamente de constituição se for norma escrita, que trate dos direitos fundamentais e do princípio da separação dos poderes.
4° - Constitucionalismo social
Diante do constitucionalismo moderno, o objetivo era proteger o indivíduo do estado. O Estado era completamente omisso. Os indivíduos se viravam, faziam como queriam. O empregador pagava o empregado sem nenhum tipo de proteção (o mercado que conduzia isso). Não havia nenhum tipo de proteção na relação entre particulares. A partir do momento que limita-se a atuação do estado, passamos a ter um tipo de dominação: a dominação econômica. Quem tinha mais passou a dominar quem tinha menos. Portanto, passou a haver o quadro de desigualdade social. Isso acontece principalmente após a 1ª Guerra Mundial.
O Estado passa ter um outro papel. O Estado tem que dar os direitos mínimos para que as pessoas possam viver dignamente. Logo, o objetivo maior do constitucionalismo social é garantir o valor igualdade. Para o Estado garantir minha liberdade, bastava que não agisse, fosse omisso. Por outro lado, para o Estado garantir a igualdade social, ele tem que agir. Sendo omisso ele não consegue garantir a igualdade. Para garantir a igualdade, ele tem que atuar.
Enquanto no Constitucionalismo Moderno tínhamos uma atuação negativa do Estado, no Constitucionalismo Social teremos uma atuação positiva do Estado. São os chamados direitos de segunda geração. O Estado agora começa a trazer direitos sociais, começa a intervir na ordem econômica.
Passado o Constitucionalismo Social, surge uma nova fase. Essa fase trouxe uma mudança tão marcante, que alguns autores se recusam chamar de constitucionalismo. Alguns autores chamam essa fase de neoconstitucionalismo.
5° - Neoconstitucionalismo
Antes do positivismo, existia a ideia do direito natural. O direito natural é aquela ideia de que existem alguns direitos que fazemos jus pelo mero fato de ser humano. São direitos que existem naturalmente, independentemente de qualquer tipo de norma (independentemente de ser positivado). Não importa se esse direito é ou não reconhecido por uma norma escrita. O problema é que para uma pessoa esses direitos podem ser uns e para outra pessoa esses direitos podem ser outros. Em seguida, limitou-se a atuação estatal por meio de normas escritas (positivadas). A tese de direito natural é afastada e surge o positivismo. Desde o constitucionalismo clássico, sempre vigorou o positivismo. O direito passou a ter como fonte normas positivadas, ou outros tipos de normas reconhecidas pelas normas positivadas. O positivismo, enquanto ideia básica, não se preocupa muito com o conteúdo da norma. Ele quer é dar segurança. Se aquela norma é justa ou injusta, o positivismo puro e simples não se preocupava. Se preocupa com a segurança jurídica e não com a ética. Logo, passou-se a perceber que essa ideia pura e simples do positivismo não era suficiente. Tinha que haver uma preocupação com o conteúdo da norma. Direito e ética não podem ser separados; têm que andar de mãos dadas. Surge então o chamado Pós Positivismo. Com o pós-positivismo ocorre uma reaproximação entre direito e ética. Então, esse é o quadro histórico que fez nascer o neoconstitucionalismo.
O marco filosófico do neoconstitucionalismo é o pós-positivismo. Temos uma reaproximação entre direito e ética, obviamente, temos que sobrevalorizar o princípio da dignidade da pessoa humana. Antes do neoconstitucionalismo, norma era vista como sinônimo de regra. Os princípios não eram vistos como norma. Princípio era um mero aconselhamento. O objetivo do positivismo era a segurança jurídica. O princípio tem uma linguagem muito aberta. Como ele tem uma linguagem muito aberta, geraria uma insegurança jurídica (dignidade da pessoa humana, por exemplo, dá ensejo a mil interpretações). Logo, no positivismo o estado não estava obrigado pelos princípios (podia aplicar ou não). Surge aqui a ideia de normatividade dos princípios. Com o pós-positivismo, como houve uma reaproximação entre direito e ética e a dignidade da pessoa humana, que é um princípio, passou a ser o elemento central da ordem jurídica, não podemos mais entender que princípio não é norma. Logo, o princípio passa a ser uma espécie de norma.
Do ponto de vista prático-teórico, o que caracteriza o neoconstitucionalismo? Nas constituições anteriores, havia a constituição como um todo, mas apenas as regras eram respeitadas. Os princípios não eram respeitados porque eram normas facultativas. A partir do neoconstitucionalismo, temos que obedecer todas as regras da Constituição (regras e princípios). A Constituição, então, passa a ter uma maior força normativa. Surge aqui a ideia da chamada força normativa da Constituição. A Constituição passa a ter força com relação ao seu todo e não apenas com relação a suas partes. Junto com a força normativa, surge a ideia da chamada filtragem constitucional.
A constituição passa a ser vista da seguinte forma: a constituição admite sempre aplicação. Essa aplicação da constituição pode se dar de modo direto e pode se dar de modo indireto. Mesmo quando a Constituição não traz expressamente a previsão sobre determinada matéria, ainda assim ela admite aplicação indireta. Se a Constituição não trata aquela matéria expressamente, aquela matéria vai ser tratada em algum outro ato normativo, como, por exemplo, uma lei. A aplicação indireta vai se dar no momento de interpretar a lei. A lei vai ter que ser interpretada em conformidade com a Constituição. Temos que tirar daquela norma o sentido que melhor a adeque a Constituição. Isso dá origem à técnica de interpretação conforme a Constituição
Se a Constituição passa a ter força normativa, tem que uma ampliação da jurisdição constitucional. Quando falamos em ampliação da jurisdição constitucional, estamos falando de sistema judicial. Há uma ampliação desse sistema com o chamado neoconstitucionalismo.
Ainda com o neocontitucionalismo os princípios passam a ser também normas. No entanto, o método interpretativo de uma regra não é o mesmo método interpretativo de um princípio.
Logo, temos que adotar normas técnicas de interpretação da Constituição. Surgem assim as normas técnicas de interpretação da Constituição.
REFERÊNCIA
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5 ed. São Paulo. Saraiva: 2000.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6ª Ed. rev. Coimbra:Almedina, 1993 (7ª Ed. 2003).
CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 15ª Ed., rev., atual. e ampl. – Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 19ª Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2015.
Advogada. Pós-graduada em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Priscilla Von Sohsten Calabria. Constituição e constitucionalismo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 out 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47691/constituicao-e-constitucionalismo. Acesso em: 23 dez 2024.
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