RESUMO: Este trabalho versa sobre o estudo do crime de dispensa e inexigibilidade ilegal de licitação previsto no art. 89, da Lei 8.666/1993, com o fim de interpretá-lo e identificar as elementares e o elemento subjetivo exigido para a sua configuração, tendo em vista ser um delito de comum ocorrência e que repercute em todas as parcelas da sociedade. Além disso, por possuir a redação pouco clara e se tratar de tema ainda pouco explorado pela doutrina, buscou-se desenvolver um estudo detalhado e sistematizado objetivando o alcance da intenção do legislador quando da edição do referido tipo penal. Para tanto, o texto se embasa em obras doutrinárias, assim como em decisões judiciais oriundas do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça que, em conjunto, demonstrarão a necessidade de urgentes modificações legislativas.
Palavras-Chave: Lei 8.666/1993. Crime. Art. 89. Interpretação.
ABSTRACT: This work deals with the study of crime and illegal dismissal of waiver provided for bidding in art. 89 of Law 8.666 / 1993, in order to interpret it and identify the elementary and the subjective element required for your configuration in order to be a common occurrence offense and that resonates in all parts of society. In addition, by having the unclear wording and it is subject still little explored by the doctrine, he sought to develop a detailed and systematic study aiming to achieve the intention of the legislator at the time of issue of the said criminal offense. To this end, the text was grounded in doctrinal works as judicial decisions arising from the Supreme Court and High Court of Justice which, together, demonstrate the need for urgent legislative changes.
Keywords: Law 8.666 / 1993. Crime. Art. 89. Interpretation.
INTRODUÇÃO
É notória a necessidade de o Poder Público despender recursos financeiros para a concretização das atividades que lhe são afetas. Não raro, a Administração não produz grande parte dos produtos e serviços de que precisa, mostrando-se inevitável a realização de contratações que, na maioria das vezes envolvem elevada soma de valores.
Por isso, sempre que o Poder Público necessita de realizar obras, adquirir produtos, alienar bens e contratar com terceiros, faz-se imperiosa, segundo ditames constitucionais, a abertura de um procedimento licitatório. Essa é a regra insculpida no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal.
No entanto, a regra comporta exceções. São os casos, legalmente previstos, de dispensa e inexigibilidade de licitação, os quais se não observados, podem configurar o crime descrito no art. 89, da Lei 8.666/1993.
Procedimentos licitatórios fraudados são a cada dia uma prática recorrente no meio social e presente nos foros judiciais, consoante se denota dos diversos meios de comunicação hoje existentes e da própria prática forense. Essas condutas ilícitas, por sua vez, causam diversos impactos negativos e prejudiciais a toda a sociedade e, portanto, devem ser prontamente coibidas.
O presente trabalho terá como objetivo o estudo do art. 89, da Lei Licitatória, a fim de interpretá-lo e assim identificar as elementares previstas para esse tipo penal. Para tanto, se utilizará do método bibliográfico, embasando-se em obras doutrinárias das áreas do Direito Administrativo, Direito Penal e Direito Penal Administrativo a fim de reconhecer os posicionamentos existentes sobre a matéria.
Além disso, buscará identificar nos julgados dos últimos cinco anos – 2011 a 2016 - proferidos pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça o posicionamento jurisprudencial predominante, com o fim de se identificar a evolução e a melhor interpretação aplicável ao assunto.
Parte-se do ponto de partida de que a redação do mencionado dispositivo legal não é clara e se trata de tema ainda pouco explorado pela doutrina, o que dificulta, na prática, o enquadramento típico e consequentemente a punição daqueles que concorrem para a contração direta de empresas em desrespeito aos imperativos legais.
Para compreender o conteúdo do mencionado dispositivo legal e suas elementares, faz-se necessário definir o conceito de licitação, identificar os princípios norteadores dos certames públicos, assim como as hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação, os pressupostos para a sua configuração, além das correntes doutrinárias e jurisprudenciais existentes acerca do tema.
Tem-se que o enquadramento de determinada conduta humana como crime há de ser perfeita, de modo que haja entre o fato natural e a descrição do tipo penal absoluta correspondência, em conformidade ao que determina o princípio da legalidade. Isso para que não sejam cometidas injustiças a ensejar a indesejável insegurança jurídica no ordenamento, tampouco a impunidade.
É inegável que o legislador teve boas intenções ao inserir na lei que disciplina as licitações e contratos públicos, dispositivos destinados a incriminar condutas que desafiam os princípios constitucionais que regem a Administração Pública.
No entanto, por tais disposições carecerem de técnica redacional em alguns pontos é de suma importância a sistematização e interpretação de seus comandos legais, já que, nas palavras de Vicente Greco Filho “se de um lado, a sociedade precisa de proteção, de outro, a aplicação da pena é uma violência, ainda que necessária, que somente deve ser admitida com o respeito da integridade da esfera intangível da pessoa humana”[1] .
1 DO ART. 37, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Segundo a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, licitação “é um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas”[2]. Ela visa a concretização do princípio da isonomia, buscando sempre proporcionar a igualdade de condições entre todos aqueles que desejam contratar com a Administração Pública.
A essência constitucional das licitações e dos contratos administrativos está prevista no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, que prevê a realização do certame licitatório de maneira obrigatória.
A Lei 8.666/1993, por consequência, editada em obediência ao art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal, foi elaborada com o fim de regulamentar esse dispositivo constitucional. E por ser matéria de competência privativa da União, estabelece normas gerais de licitação e contratos públicos.
2 DOS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS
Em sendo assim, a norma licitatória, além da tutela do princípio da igualdade, busca a efetivação dos princípios regentes da Administração Pública em geral: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Pelo princípio da legalidade, conclui-se que a Administração só pode atuar quando autorizada por lei, ao contrário dos particulares que podem fazer tudo o que a lei não proíba. O princípio da legalidade visa, portanto, dirigir a atividade administrativa, de forma que a lei seja o fundamento de atuação da Administração Pública.
Em matéria de licitações e contratos, o princípio da impessoalidade se traduz na atuação do agente público de forma a proporcionar igualdade entre os licitantes, impedindo qualquer tipo de discriminação ou favorecimento entre os participantes do certame. Nas palavras do professor Celso Antônio, “tal princípio não é senão uma forma de designar o princípio da igualdade de todos perante a Administração”[3].
Já pelo princípio da moralidade, impõe-se ao administrador público uma atuação conforme a ética e a honestidade na gestão da coisa pública, de maneira que sua conduta seja sempre pautada pela probidade, boa-fé e preservação dos interesses de toda a coletividade.
Pela publicidade, determina-se ao administrador a divulgação de todos os atos e fases do procedimento licitatório, a fim de conferir transparência ao certame, viabilizando, por conseguinte, a qualquer interessado, a faculdade de participação e de fiscalização dos atos da licitação.
Com relação ao princípio da eficiência, por sua vez, introduzido no texto constitucional com a Emenda nº 19/98, exige-se do administrador público a qualidade do serviço a ser prestado. À vista disso, deve o agente público desenvolver a atividade administrativa do modo mais adequado aos fins a serem alcançados pela Administração.
Certo é que, além da tutela dos princípios norteadores da atividade administrativa em geral, a Lei 8.666/1993, em seu art. 3º, prevê expressamente os princípios considerados mais relevantes à realização dos procedimentos licitatórios e os objetivos a serem por eles alcançados, verbis:
A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
Dentre os princípios correlatos a que a lei se refere, pode-se destacar o da obrigatoriedade (art. 2º), do procedimento formal (art. 4º, parágrafo único), do sigilo das propostas (art. 3º, §3º), da vinculação ao instrumento convocatório (art. 41) e do julgamento objetivo (art. 44), nunca sendo demais ressaltar que o objetivo principal do procedimento licitatório, conforme já dito, é selecionar mediante critérios objetivos, imparciais e previamente estabelecidos, a proposta mais vantajosa para a Administração, compreendida naquela que melhor atenda ao interesse público.
Ressalta-se que a observância de tais princípios é de suma importância nos procedimentos licitatórios, na medida em que a violação desses pode ensejar a nulidade do certame, a prática de ato de improbidade administrativa ou mesmo a prática de crime, assim definido na Lei 8.666/1993.
3 DA DISPENSA E DA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO
Embora a Constituição Federal determine que todo contrato administrativo oriundo da Administração Pública Direta ou Indireta deva ser precedido de licitação, a própria Carta Constitucional excepciona essa determinação, autorizando, nas hipóteses expressamente previstas em lei (art. 37, inciso XXI, da CF), a celebração de contratação direta, desde que observadas as formalidades rígidas indicadas na legislação.
São os casos de dispensa e inexigibilidade de licitação, previstos nos artigos 24 e 25, da Lei Licitatória.
Isso se deve ao fato de que, apesar de, nas hipóteses de dispensa de licitação, a realização de o procedimento ser possível, deixa-se de efetuá-lo em razão do interesse público, com vistas a não frustrar a consecução da função estatal de maneira adequada. É importante frisar que o art. 24, da Lei 8.666/1993 arrola, de forma taxativa, os casos de licitação dispensável.
Por outro lado, a inexigibilidade resulta da inviabilidade da competição, dada a singularidade do objeto ou do ofertante. Em razão da impossibilidade de se prever todos os casos em que a licitação não seja possível, suas hipóteses são arroladas no art. 25, da Lei Licitatória de maneira exemplificativa.
Destaca-se que segundo doutrinadores pátrios, as hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação constituem-se verdadeiras causas excludentes de antijuridicidade do crime previsto no art. 89, da Lei de Licitações[4]. Outrossim, tal dispositivo é doutrinariamente definido como norma penal em branco, haja vista que a figura incriminadora nele prevista é incompleta, na medida em que depende da consulta da parte extrapenal da Lei de Licitação e Contratos Administrativos para a sua exata compreensão.
Contudo, consoante bem afirmado por Marçal Justen Filho,
a contratação direta não significa que são inaplicáveis os princípios básicos que orientam a atuação administrativa. Nem se caracteriza uma livre atuação administrativa. O administrador está obrigado a seguir um procedimento administrativo determinado, destinado a assegurar (ainda nesses casos) a prevalência dos princípios jurídicos fundamentais. Permanece o dever de realizar a melhor contratação possível, dando tratamento igualitário a todos os possíveis contratantes[5].
Dessa forma, denota-se que mesmo diante de casos de contratação direta, o objetivo central da Lei de Licitações deve ser alcançado, qual seja, a satisfação do interesse público. Para tanto, devem ser observadas as regras e os princípios da mencionada lei, de forma que, a dispensa ou inexigibilidade de licitação, ou mesmo a omissão em observar as formalidades que lhes são pertinentes não constitua o crime descrito no art. 89, da Lei 8.666/1993.
4 DOS ASPECTOS CRIMINAIS DA LEI 8.666/93
No desenvolvimento da argumentação do tema que nos foi proposto para esta ocasião, o conceito de crime pode ser definido de maneira sucinta como toda ação humana previamente definida por lei, que corresponda a um fato típico, ilícito e culpável. É importante destacar que o enquadramento da ação humana como crime há de ser perfeita, de forma que haja absoluta coincidência entre o fato natural e a descrição penal. É essa total coincidência que se chama de tipicidade.
A Lei de Licitações disciplina a partir do art. 89 até o art. 99, a parte penal do mencionado diploma legal. Nela são arroladas as condutas humanas incriminadas penalmente e que violam os bens jurídicos considerados relevantes, seguida da sanção penal correspondente.
Os crimes tipificados pela Lei 8.666/1993 não admitem a modalidade culposa. Daí porque o elemento subjetivo exigido para os crimes em comento será sempre o dolo.
5 DO ART. 89, DA LEI 8.666/93
Conforme definido por André Guilherme Tavares de Freitas, dos crimes previstos na Lei 8.666/1993, aquele descrito no art. 89, é o de maior ocorrência prática, carecendo, assim, de “atenção especial”[6].
Nesta perspectiva, tem-se que o bem jurídico tutelado pela norma é a proteção dos interesses da Administração Pública, notadamente a moralidade administrativa, a lisura nos procedimentos licitatórios e o procedimento formal legalmente previsto para a contratação por parte da Administração Pública.
Corroborando a tese, Paulo José da Costa Júnior aponta que a objetividade jurídica defendida pelo tipo penal em comento “é a moralidade administrativa e a lisura das concorrências, em que são validamente premiados os que oferecem melhores condições ao Estado”[7].
Neste contexto, assim descreve o art. 89, da Lei 8.666/1993:
Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.
Com efeito, percebe-se que o caput, do art. 89, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, classificado como tipo penal misto alternativo, descreve a conduta típica daquele que, na qualidade de servidor público, dispensa (conduta comissiva) ou deixa de exigir (conduta omissiva) procedimento licitatório fora das hipóteses legais.
Além disso, prevê como típica a conduta do servidor que, de maneira consciente e deliberada, deixa de observar o procedimento previsto para os casos de dispensa ou inexigibilidade de licitação que, como regra, é aquele descrito no art. 26, da Lei Licitatória.
Ressalte-se que, dentre o procedimento a ser obrigatoriamente observado está a justificativa, a comunicação à autoridade superior para ratificação no prazo de três dias e a publicação na imprensa oficial no prazo de cinco dias.
Exige-se ainda a indicação dos motivos que levaram o agente a efetuar o ato de dispensa ou de inexigibilidade, requisito que, inclusive encontra-se em consonância com o que dispõe o art. 50, inciso IV, da Lei 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
Ademais, convém frisar que, as regras a serem cumpridas nas hipóteses de dispensa ou inexigibilidade de licitação poderão ainda estar dispostas em atos ou leis estaduais, distritais ou municipais.
6 DOS SUJEITOS DO CRIME
O sujeito ativo previsto no caput, do art. 89, da Lei 8.666/1993 é o servidor público que não exige ou dispensa a licitação fora das hipóteses legais ou em descompasso com as formalidades exigidas.
Aqui, há de se conceituar servidor público de maneira ampla, nos termos do art. 84, da Lei Federal de Licitações e Contratos da Administração Pública, considerando-se todo aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público[8]. Semelhantemente, considerar-se-á servidor público por equiparação aquele que exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, além das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista e demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder Público.
O conceito de servidor fornecido pelo art. 327, do Código Penal não se aplica aos casos abrangidos pela Lei 8.666/1993, visto que o objetivo desta foi justamente alargar o conceito e assim alcançar um maior número de agentes[9].
Trata-se, portanto, de crime próprio, na medida em que só pode ser praticado por servidor público, assim definido nos termos do art. 84.
Por outro lado, o sujeito ativo exigido para o parágrafo único do mencionado crime, é aquele que, na qualidade de particular (pessoa estranha aos quadros funcionais), auxilia agentes públicos para a contratação direta de empresas em desrespeito aos ditames legais.
Em ambos os casos, o sujeito passivo será o titular do bem jurídico protegido, ou seja, a entidade obrigada a licitar (União, Estado-membro, Distrito Federal, Município, autarquia, fundação, empresa pública, sociedade de economia mista). Em síntese, o sujeito passivo será a Administração Pública.
Nesta linha de raciocínio, o crime previsto no parágrafo único, ao que parece não se trata de espécie delitiva autônoma, na medida em que se condiciona a ocorrência do delito previsto no caput. Assim, não sendo constatado qualquer ato ilegal quando da dispensa ou inexigibilidade do procedimento licitatório, não haverá que se falar em concorrência para a prática delitiva[10].
Por outro lado, o inverso pode ocorrer, visto que a configuração do crime previsto no caput, não depende necessariamente da caracterização do crime previsto no parágrafo único.
7 DO ENQUADRAMENTO TÍPICO DO CAPUT
Embora não haja entendimento pacífico a respeito do tema, porém, com vistas a definir o enquadramento típico do delito ora examinado, percebe-se pela leitura do caput do art. 89, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, tratar-se de um crime de mera atividade, em que não se exige a prova de resultado para a sua configuração além da reprovação das condutas descritas no tipo.
Tais condutas, a propósito, consistem na dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses permitidas ou na desobediência das exigências legalmente previstas para tanto, bastando, dessa maneira, o comportamento livre e consciente do agente voltado a violar o bem jurídico protegido pela norma.
O dolo previsto pelo tipo penal, portanto, é apenas o genérico, entendido como a vontade livre e consciente de o agente praticar a conduta descrita na lei como criminosa.
Com efeito, o dispositivo penal em comento, não fez qualquer menção ao prejuízo econômico eventualmente causado ao Estado. Nem poderia ser diferente, já que o bem jurídico protegido pela lei, ou seja, aquele que sofre as conseqüências da conduta criminosa, consoante defende a maior parte dos doutrinadores pátrios, é a moralidade administrativa[11] e a lisura dos certames públicos.
A norma, neste ponto, não se interessou pelo eventual prejuízo ao patrimônio público, não sendo correto afirmar, à vista disso, que em tais casos seja exigido o especial fim de agir voltado a causar dano ao erário, bem como a demonstração do efetivo prejuízo aos cofres públicos como infelizmente vem decidindo o Supremo Tribunal Federal (Inq 2688/SP, AP 559/PE e Inq 3077/AL) e o Superior Tribunal de Justiça (Apn 480/MG, HC 254944/SC e AgRg no REsp 1470575/MA).
Aliás, esse é o posicionamento defendido pelos Promotores de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Dermeval Farias Gomes Filho e Eduardo Gazzinelli Veloso, em obra publicada no sítio eletrônico daquele órgão:
A redação desse artigo revela de forma precisa tratar-se de um crime de mera atividade, em que não se exige qualquer resultado naturalístico para a sua consumação senão o próprio desvalor da conduta de dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses permitidas ou mesmo não obedecer às exigências do procedimento de dispensa ou inexigibilidade (art. 26, parágrafo único).
A lei, no dispositivo em comento, não se preocupou com eventual efeito financeiro deletério ao patrimônio público. Nem sequer se essa conduta visa a desfalcar ou a causar prejuízo ao caixa do Estado, casos em que o servidor público e aqueles que lhe auxiliarem responderiam por peculato, não por dispensa ilegal de licitação[12] .
Isso porque, o crime se consuma com a edição do ato administrativo que libera a Administração Pública de realizar a licitação[13], tornando-se inviável para a sua configuração, a prova da existência do prejuízo causado ao erário, o qual, se ocorrer, poderá se operar em qualquer uma das fases do procedimento, inclusive ao término da execução do contrato.
Dessa forma, seria um contrassenso exigir a prova do efetivo dano aos cofres públicos para a punição de um ato consumado anteriormente, não raro, em período bem anterior.
Exigir a prova do efeito financeiro danoso ao patrimônio público para que ocorra a punição daqueles que deixaram de agir de maneira escorreita pode inclusive repercutir na prescrição do delito a ensejar a indesejada impunidade, não sendo esse, indubitavelmente, os objetivos a serem alcançados pelo dispositivo legal que ora se analisa.
Embora, na maioria dos casos, a conduta criminosa do agente seja praticada objetivando a celebração de um contrato que beneficie indivíduos determinados, a lei, neste ponto, não fez menção a essa circunstância, não havendo que se falar em dolo específico.
Poderia o legislador, quando da edição do referido tipo penal, ter feito constar a expressão “com o fim de”, a indicar a exigência de um especial fim de agir para a prática delitiva, como fez expressamente no art. 90, da Lei 8.666/1993. Todavia, por opção legislativa, preferiu condicionar a punição dos agentes delituosos à mera violação dolosa dos procedimentos concernentes à dispensa ou inexigibilidade de licitação, não fazendo referência a qualquer elemento subjetivo especial.
Por oportuno, transcreve-se trecho da obra de Cezar Roberto Bitencourt que ensina ser despiciendo a comprovação do dolo específico para a configuração da conduta penal descrita no art. 89, caput, da Lei Licitatória:
O tipo subjetivo é constituído de um elemento geral – dolo -, que, por vezes, é acompanhado de elementos especiais – intenções e tendências -, que são elementos acidentais, conhecidos como elementos subjetivos especiais do injusto ou do tipo penal. Neste tipo, antecipando, não há previsão da necessidade de qualquer elemento subjetivo especial, como demonstraremos adiante. [...]. O elemento subjetivo das condutas descritas neste art. 89 da Lei de Licitações é o dolo, constituído pela consciência e a vontade de realização das condutas descritas, quais sejam, dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses legais, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou a inexigibilidade.[14]
Desse modo, pode-se concluir que o dolo exigido pelo tipo penal é apenas o genérico, entendido como a vontade livre e consciente de o agente praticar a conduta descrita na norma penal incriminadora.
A exigência da prova do dano, conforme vem decidindo as Cortes Superiores acabará por inviabilizar diversas condenações pelo crime de dispensa ou inexigibilidade ilegal de licitação.
Atualmente, conforme já dito, tem prevalecido no âmbito do Supremo Tribunal Federal a exigência da demonstração da intenção do agente em lesionar os cofres públicos e da efetiva existência de dano ao erário para a caracterização do crime de dispensa ilegal de licitação, entendimento firmado em sessão plenária, conforme ementa:
Penal e Processual Penal. Inquérito. Parlamentar federal. Denúncia oferecida. Artigo 89, caput e parágrafo único, da Lei nº 8.666/93. Artigo 41 do CPP. Não conformidade entre os fatos descritos na exordial acusatória e o tipo previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93. Ausência de justa causa. Rejeição da denúncia. 1. A questão submetida ao presente julgamento diz respeito à existência de substrato probatório mínimo que autorize a deflagração da ação penal contra os denunciados, levando em consideração o preenchimento dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não incidindo qualquer uma das hipóteses do art. 395 do mesmo diploma legal. 2. As imputações feitas aos dois primeiros denunciados na denúncia, foram de, na condição de prefeita municipal e de procurador geral do município, haverem declarado e homologado indevidamente a inexigibilidade de procedimento licitatório para contratação de serviços de consultoria em favor da Prefeitura Municipal de Arapiraca/AL. 3. O que a norma extraída do texto legal exige é a notória especialização, associada ao elemento subjetivo confiança. Há, no caso concreto, requisitos suficientes para o seu enquadramento em situação na qual não incide o dever de licitar, ou seja, de inexigibilidade de licitação: os profissionais contratados possuíam notória especialização, comprovada nos autos, além de desfrutarem da confiança da Administração. Ilegalidade inexistente. Fato atípico. 4. Não restou, igualmente, demonstrada a vontade livre e conscientemente dirigida, por parte dos réus, a superar a necessidade de realização da licitação. Pressupõe o tipo, além do necessário dolo simples (vontade consciente e livre de contratar independentemente da realização de prévio procedimento licitatório), a intenção de produzir um prejuízo aos cofres públicos por meio do afastamento indevido da licitação. 5. Ausentes os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não há justa causa para a deflagração da ação penal em relação ao crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93. 6. Acusação, ademais, improcedente (Lei nº 8.038/90, art. 6º, caput)[15]. (grifo nosso).
Neste sentido vem sendo também o posicionamento majoritariamente adotado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Entretanto, há de se ressaltar que remanescem alguns Ministros com entendimento em sentido contrário, reputando-o como crime de mera conduta, para o qual não se exige a demonstração de qualquer resultado naturalístico para a sua configuração, tampouco do dolo específico de se lesar o erário, bastando a presença do dolo genérico, entendido como a consciência e a vontade de realização dos elementos objetivos descritos no tipo penal[16], em conformidade com o posicionamento adotado pela maioria da doutrina.
Com relação ao exposto, vale a pena transcrever trecho do voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, proferido na Ação Penal nº 559/PE, de 2014, in verbis:
[...] Como se nota, o tipo penal do art. 89 da Lei 8.666/93 não contém elemento subjetivo especial, razão pela qual não se exige a intenção de causar prejuízo ao erário, mas tão somente o dolo genérico, consistente na vontade de dispensar ou inexigir licitação, sabendo que não estão presentes as hipóteses legais para tanto[17] [...].
De semelhante modo, colhe-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no Habeas Corpus nº 315.494/GO, de 2015, o posicionamento do Ministro Felix Fischer a respeito do assunto:
[...] Com efeito, a simples leitura do caput do art. 89 da Lei nº 8.666/93 não possibilita qualquer conclusão no sentido de que para a configuração do tipo penal ali previsto exige-se qualquer elemento de caráter subjetivo diverso do dolo, entendido como a consciência e a vontade de realização dos elementos objetivos do tipo penal. Dito em outras palavras, não há qualquer motivo para se concluir que o tipo em foco exige um ânimo, uma tendência, uma finalidade dotada de especificidade própria, e isso, é importante destacar, não decorre do simples fato de a redação do art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93, ao contrário do que se passa apenas a título exemplificativo, com a do art. 90 da Lei nº 8.666/93, não contemplar qualquer expressão como "com o fim de", "com o intuito de", "a fim de", etc. Aqui o desvalor da ação se esgota no dolo, é dizer, a finalidade, a razão que moveu o agente ao dispensar ou inexigir a licitação fora das hipóteses previstas em lei é de análise desnecessária[18] [...].
O entendimento até então prevalente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, alterado com o julgamento da Ação Penal nº 480/MG[19], era justamente no sentido de que para a caracterização do crime previsto no art. 89, da Lei Licitatória, dispensável a demonstração do dolo específico consistente na vontade de fraudar o erário, bem como da comprovação de prejuízo à Administração Pública.
Desse modo, a exigência apenas do dolo genérico, conforme exposto, ao que parece, é o entendimento mais adequado aos fins pretendidos pelo art. 89, da Lei 8.666/1993 e que mais se coaduna com a intenção do legislador ao incriminar as condutas nele dispostas.
8 DO ENQUADRAMENTO TÍPICO DO PARÁGRAFO ÚNICO
Por outro lado, com relação ao parágrafo único do art. 89, da Lei 8.666/1993, tem-se que:
Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.
Não se questiona que, da forma como o citado parágrafo foi redigido, é possível que surjam dúvidas sobre a exata compreensão das elementares do delito para fins de adequação típica, uma vez que a lei faz menção tanto ao verbo concorrer como beneficiar-se, não deixando claro se são requisitos cumulativos ou não.
No entanto, apesar da existência de posicionamentos doutrinários dissonantes, a doutrina majoritária entende que, neste caso, a intenção do legislador foi de condicionar a punição do particular que auxilia agentes públicos para a contração direta de empresas em desrespeito aos ditames legais, à percepção de benefício.
Aqui, diversamente do que ocorre com o caput, observa-se que o legislador ao redigir a norma, fez constar como um dos elementos caracterizadores do ilícito, a percepção de benefício pelo agente[20], o que leva a crer que, por motivos de política criminal, tenha ele optado por limitar a punibilidade do concorrente[21].
Tecendo comentários acerca do parágrafo único, Guilherme de Souza Nucci leciona que:
Esta é a razão pela qual, no parágrafo único deste artigo, inseriu-se que, quanto ao contratado (não servidor), deve-se buscar, além do dolo, a específica vontade de se beneficiar da dispensa ou inexigibilidade da licitação, tendo tomado parte na concretização da ilegalidade [...] é importante destacar que a inserção do parágrafo único restringiu o alcance da lei penal ao contratado (não servidor), pois colocou, na figura típica, além da intenção especial de obter benefício, a comprovada concorrência para a consumação da ilegalidade[22].
Não é por outro motivo que a maioria dos doutrinadores entende ser necessária para a configuração do crime previsto no parágrafo único, além do dolo genérico, a presença do dolo específico consistente na finalidade de contratar com o Poder Público, causando-lhe, portanto, algum prejuízo.
Aliás, esse também é o entendimento que vem sendo adotado pelos Tribunais Superiores quando do julgamento dessa espécie delitiva, na em medida que, de semelhante modo, exige para a sua consumação a comprovação do dolo específico do agente em causar dano ao erário, bem como do prejuízo à Administração Pública. A título de exemplo, cita-se trecho da ementa resultante do julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 65254 decidido pelo Superior Tribunal de Justiça[23]:
No julgamento da Ação Penal n. 480/MG, consignou-se ser necessário, no que diz respeito ao crime descrito no art. 89, parágrafo único, da Lei n. 8.666/1993, que órgão acusador demonstre, desde logo, o dolo específico de causar dano ao erário, bem como efetivo prejuízo causado com a conduta.
Neste ponto, convém registrar que o mencionado parágrafo único constitui exceção à Teoria Monista adotada em regra pelo Código Penal Brasileiro, pois as elementares típicas previstas para o art. 89, caput, da Lei Licitatória, são diversas daquelas exigidas para a configuração de seu parágrafo único, especialmente no que diz respeito à percepção de benefício para a caracterização deste último.
Sob outra perspectiva, Paulo José da Costa Júnior analisando a redação do mencionado dispositivo legal, registra que “O erro de técnica redacional é manifesto. O tipo penal é de contornos fluidos e indecisos, sem precisar a modalidade de concurso ou o grau do benefício auferido. Com isso, o princípio da certeza do direito resta bastante comprometido”[24].
Desse modo, considerando que a lei não mencionou tratar-se de benefício de natureza econômica, tampouco especificou a intensidade do benefício a ser auferido, parece mais adequado concluir pela interpretação da expressão em seu sentido amplo.
Em todo caso, certo é que, em qualquer dessas situações, a punibilidade pela prática delitiva estará condicionada a existência de um ato que rompa com a presunção de legalidade conferida aos atos administrativos.
9 DAS PENAS
Dessa forma, praticada de maneira dolosa uma das condutas previstas no art. 89, da Lei de Licitação e Contratos Administrativos, o preceito secundário do mencionado delito prevê como sanção ao agente delituoso a cominação de pena de detenção de 3 (três) a 5 (cinco) anos e multa.
Especificamente com relação à pena pecuniária, o art. 99, da Lei 8.666/1993 estabelece os parâmetros para a sua fixação:
Art. 99. A pena de multa cominada nos arts. 89 a 98 desta Lei consiste no pagamento de quantia fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base corresponderá ao valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente.
§ 1o Os índices a que se refere este artigo não poderão ser inferiores a 2% (dois por cento), nem superiores a 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com dispensa ou inexigibilidade de licitação.
§ 2o O produto da arrecadação da multa reverterá, conforme o caso, à Fazenda Federal, Distrital, Estadual ou Municipal.
Com efeito, a lei determina que seu arbitramento seja feito com base no valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente, nunca superior a 5% (cinco por cento) nem inferior a 2% (dois por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com a dispensa ou inexigibilidade de licitação.
Neste sentido é possível constatar mais um defeito de técnica legislativa, na medida em que o critério a ser utilizado para a sua aplicação não se mostra perfeitamente aplicável ao crime disposto no art. 89, da Lei Licitatória.
Isso se deve ao fato de que para a caracterização do crime previsto no caput, não se faz necessária a percepção de vantagem pelo agente criminoso. E embora para a configuração do ilícito previsto no parágrafo único seja imperiosa a demonstração do benefício auferido pelo agente, geralmente o magistrado não encontra nos autos elementos aptos a definir, com segurança, o valor da vantagem percebida.
Nesta linha, discorre Vicente Greco Filho:
Art. 89: Na conduta do caput – dispensa de licitação fora dos casos legais – não existe vantagem efetiva ou potencialmente auferível se o contrato celebrado com dispensa ou inexigibilidade não apresentou superfaturamento (overhead). Em caso afirmativo, como calcular esse superfaturamento? Aliás, a afirmação de que houve superfaturamento é mera hipótese, impossível de se aferir objetivamente. Será que se teria de determinar prova pericial contábil ou avaliatória para determiná-lo? Isso é no mínimo, ridículo em termos de multa penal. Observe-se que a primeira questão é a da base de cálculo, vantagem efetiva ou potencialmente auferível, e aí ainda não se põe o ponto relativo ais limites, baseados no valor do contrato. Na hipótese do parágrafo único, como apresentado nos comentários ao artigo, a lei considerou benefício a própria celebração do contrato com dispensa ou inexigibilidade. Mas aí, também, não é possível definir com segurança o montante da vantagem[25].
Ainda sobre as penalidades aplicáveis ao crime de dispensa ilegal de licitação, porém, sob outro enfoque, o art. 83, da Lei Licitatória acrescenta que “os crimes definidos nesta Lei, ainda que simplesmente tentados, sujeitam os seus autores, quando servidores públicos, além das sanções penais, à perda do cargo, emprego, função ou mandato eletivo”.
Entrementes, mostra-se propício registrar que pelo princípio geral da responsabilidade e da independência entre as esferas civil, administrativa e penal, as sanções de natureza penal não obstarão a responsabilidade civil e administrativa eventualmente imputada ao agente.
CONCLUSÃO
Neste diapasão, resta evidenciada a importância do tema, tendo em vista que as fraudes em procedimentos licitatórios afetam a sociedade como um todo, fazendo-se, imperioso, portanto, a obediência do procedimento rígido insculpido pela Lei Licitatória para a realização dos certames públicos.
Importante pontuar que há pouco material de pesquisa com relação a esse relevante tema do Direito Administrativo Penal.
No entanto, pelo presente estudo, foi possível concluir que não há consenso entre os intérpretes da norma acerca da aplicação prática do art. 89, da Lei 8.666/1993, visto que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça vêm, de forma prevalente, exigindo para a configuração do crime a presença do dolo específico voltado a causar dano ao erário, além da prova do efetivo prejuízo aos cofres públicos.
Por outro lado, alguns Ministros das Cortes Superiores, aliados ao entendimento majoritário da doutrina, entendem ser necessário para a perfeita subsunção do ilícito, apenas a presença do dolo genérico, não se exigindo qualquer resultado naturalístico.
Não se questiona as boas intenções do legislador ao tipificar a conduta de dispensa ou inexigibilidade ilegal de licitação como crime, preocupando-se com a tutela dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, presentes no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal.
Contudo, denota-se da simples leitura de seu texto legal, a fragilidade da norma nele contida em razão da imperfeição técnica a que se subordina. O tipo penal ora analisado é muito abrangente em determinados pontos, o que se acredita constituir um empecilho a se chegar a uma interpretação pacífica.
O fato de o crime previsto no art. 89, da Lei 8.666/1993 ser norma penal em branco, sem que haja a definição clara e determinada da legislação extrapenal que integre o tipo, semelhantemente, dificulta a pretendida pacificação e implica em violação aos princípios da legalidade e da taxatividade que são tão relevantes na seara penal.
Isso acaba por representar enormes dificuldades quando da aplicação da lei, uma vez que a norma, da maneira como está redigida, encontra-se intimamente relacionada a interpretação legislativa e marcada por elevado grau de subjetivismo, gerando, com isso, interpretações oscilantes e muitas vezes contraditórias.
Assim, em razão do impasse identificado, a punibilidade do agente pelo crime em exame não dependerá, exclusivamente da conduta física do autor do fato, mas, também da solução que vier a ser dada, casuisticamente, pelos Tribunais.
Neste contexto, mostra-se urgente a realização de modificações legislativas neste aspecto, na medida em que o esperado da norma penal é que as condutas típicas nelas descritas, sejam claras de forma a não deixar dúvida por parte do destinatário da norma, tampouco ensejar insegurança jurídica ou impunidade.
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[1] GRECO FILHO, Vicente. Dos crimes da lei de licitações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 2.
[2] MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 30ª ed., rev e atual, 2013. p. 533.
[3] MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 30ª ed., rev e atual, 2013. p. 542.
[4] Neste sentido cita-se Paulo José da Costa Júnior (COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal das licitações. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 2-15) e Diógenes Gasparini (GASPARINI, Diógenes. Crimes na licitação. Revista do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, n. 119, p. 36, 2007).
[5] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14 ed. São Paulo: Dialética, 2010. p. 295.
[6] FREITAS, André Guilherme de Souza. Crimes na lei de licitações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 55.
[7] COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal das licitações. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 15.
[8] Neste sentido, Marçal Justen Filho ensina que: “O tipo exige a atuação de servidor (na acepção ampla do art. 84), pois a decisão de efetivar contratação direta incumbe ao agente da Administração Pública. Estarão sujeitos à sanção penal todos os servidores a quem incumbir o exame do cumprimento das formalidades necessárias à contratação direta. Assim, será punível não apenas a autoridade responsável pela contratação, inclusive o assessor jurídico que emitiu parecer favorável à contratação direta”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, 14ª ed., São Paulo, Dialética, 2010. p. 902).
[9] GASPARINI. Diógenes. Crimes na licitação. Revista do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, n. 119, p. 29-39, 2007.
[10] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14 ed. São Paulo: Dialética, 2010. p. 906
[11] Neste sentido podemos mencionar Paulo José da Costa Júnior (COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal das licitações. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 15), Diógenes Gasparini (GASPARINI, Diógenes. Crimes na licitação. Revista do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, n. 119, p. 37, 2007), André Guilherme Tavares de Freitas (FREITAS, André Guilherme Tavares de. Crimes na lei de licitações. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 55) e Vicente Greco Filho (GRECO FILHO, Vicente. Dos crimes da lei de licitações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 60).
[12] GOMES FILHO, Dermeval Farias; VELOSO, Eduardo Gazzinelli. A licitação: faculdade ou obrigação?. Disponível em: <http://www.mpdft.mp.br/portal/index.php/comunicacao-menu/artigos-menu/5820-a-licitacao-faculdade-ou-obrigacao>. Acesso em 31 jul. 2015.
[13] Recurso em Habeas Corpus nº 33.965/MS, 6ª Turma, Rel. Ministra Assusete Magalhães, julgado em 03.12.2013, DJe 19.12.2013.
[14] BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito penal das licitações. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 159-160.
[15] Inquérito nº 3.077, Tribunal Pleno, Relator Min. Dias Toffoli, julgado em 29.03.2012, DJe 25.09.2012.
[16] Podendo-se mencionar os Ministros do Supremo Tribunal Federal: Luiz Fux (AP 559/PE), Luís Roberto Barroso (Inq. 2616/SP) e Marco Aurélio (Inq. 3077/AL) e, do Superior Tribunal de Justiça: Felix Fischer (HC 94.720/PE), Maria Thereza de Assis Moura (HC 291.145/ES) e Gilson Dipp (Resp 1.315.077/DF).
[17] Ação Penal nº 559/PE, 1ª Turma, Rel. Ministro Dias Toffoli, julgado em 26.08.2014, DJe 30.10.2014.
[18] Habeas Corpus nº 315.494/GO, 5ª Turma, Rel. Ministro Felix Fischer, julgado em 23.06.2015, DJe 29.06.2015.
[19] Ação Penal nº 480/MG, Corte Especial, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para Acórdão Ministro Cesar Asfor Rocha, julgado em 29.03.2012, DJe 15.06.2012.
[20] Em sentido contrário, José Cretella Júnior, ao tratar do parágrafo único do art. 89 da Lei 8.666/93, ensina que: “Quem, comprovadamente, concorreu com o agente administrativo para a consumação do crime de dispensa ou inexigibilidade de procedimentos licitatórios incorre no mesmo crime e, pois, está sujeito a idêntica sanção”. (CRETELLA JÚNIOR, José. Das licitações públicas. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 408).
[21] Conforme sustentado por André Guilherme Tavares de Freitas: “Vemos, então, que o legislador estabeleceu, nesta situação, uma condição para que seja responsabilizado penalmente o particular concorrente, qual seja, beneficiar-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público”. (FREITAS, André Guilherme Tavares de. Crimes na lei de licitações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 67).
[22] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 8. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 527.
[23] Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 65.254/RJ, 5ª Turma, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 02/02/2016, DJe 10/02/2016.
[24] COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal das licitações. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 19.
[25] GRECO FILHO. Vicente. Dos crimes da lei de licitações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 134.
Especialista em Direito pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Servidora Pública Federal, lotada em gabinete criminal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARCELOS, Carolina França. Interpretação do art. 89 da Lei 8.666/1993: Elementares e enquadramento típico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 nov 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47782/interpretacao-do-art-89-da-lei-8-666-1993-elementares-e-enquadramento-tipico. Acesso em: 23 dez 2024.
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