Os contratos de engenharia (seja no segmento comercial, residencial, industrial ou de infraestrutura) são instrumentos jurídicos de alta complexidade técnica, estando sujeitos a constante modificação, dada a natureza dos projetos e empreendimentos objetos da regulamentação / acordo de vontades.
Apenas para se ter uma ideia da dimensão dessa complexidade e suscetibilidade de mudanças, em apenas um único dia de trabalho um projeto pode sofrer mudanças (ocorrência de atos, fatos ou eventos) as quais, se analisadas de forma isolada, se caracterizariam como fatos geradores da emissão de aditivos contratuais para cada uma delas separadamente.
Geralmente estas alterações decorrem das seguintes situações abaixo (apresentadas de maneira ilustrativa e não exaustiva):
Situações especificas:
- Constatação de impedimentos, interferências ou empecilhos à execução racional e econômica das atividades contratadas, com a consequente modificação das condições de trabalho inicialmente planejadas (atrasos na liberação de áreas, interferências com outras empresas contratadas no site, com estruturas de unidade industrial existente, falta de licença ambiental ou urbanística, constatação de condições de acesso ou de infraestrutura do site diferente das previstas, interdição ou embargo de obra por agentes públicos, etc.);
- Revisão, inconsistência ou omissão dos projetos construtivos ou da falta de integração entre os projetos civis e eletromecânicos;
- Solicitações de mudanças (change orders) realizadas pelo contratante (melhorias, otimizações, complementações, acréscimos, substituições etc.)
Situações genéricas:
- Alteração das premissas contratuais essenciais: prazo (cronograma e marcos contratuais), objeto (adição, supressão e/ou modificação de escopo ou de metodologia construtiva), preço (majoração de custos de produção e/ou de aquisição de insumos) ou qualidade (modificação de requisições e/ou especificações técnicas), etc.
- Concretização de riscos contratuais e extracontratuais previstos (mas de consequências incalculáveis) ou imprevisíveis (riscos legais, regulatórios, econômicos, construtivos, geológicos, atmosféricos, tecnológicos, organizacionais, etc.);
Cada uma dessas alterações resulta em impactos negativos ao projeto, com a consequente desestabilização da equação econômica e financeira do contrato, uma vez que ou o projeto sofrerá uma extensão não prevista do prazo de conclusão ou serão necessárias ações especificas para recuperação dos prazos e finalização dentro das expectativas originalmente concebidas, entre as quais citamos o consumo adicional de Homens x Hora / Horas x Máquina (execução de atividades em horários extraordinários de trabalho) ou incremento físico de recursos de produção (pessoal e equipamentos), a contratação de novos subempreiteiros, a aquisição de insumos e materiais de aplicação adicionais, além do replanejamento da sequência executiva, reavaliação da metodologia e da tecnologia construtiva empregada, e o emprego de esforços adicionais de coordenação, supervisão e gerenciamento.
Caso fique demonstrado, à luz das melhores técnicas de engenharia, sob o prisma contratual, e de maneira clara e objetiva, que tais mudanças decorreram de atos alheios à responsabilidade e controle da empresa Contratada, certamente a implementação dessas mudanças servirá ao contratante como a concretização de oportunidades de melhoria com aumento da funcionalidade e da capacidade operacional do empreendimento, da segurança estrutural e da qualidade do projeto, agregando valor ao seu processo, produto ou serviço e ampliando a disponibilidade econômica de seu patrimônio (ativo permanente).
No entanto, para que esses bônus possam ser justamente usufruídos pelo Contratante (em atenção ao principio da boa-fé contratual, da equivalência das prestações, da equidade e da vedação ao enriquecimento ilícito), é imprescindível que todos os esforços vertidos pela Contratada na implementação dessas mudanças sejam remunerados segundo os parâmetros contratuais acordados ou segundo os usos e costumes da indústria da construção, na falta de parâmetros contratuais objetivos existentes.
As atividades de gestão do contrato e de gerenciamento de reivindicações / controle integrado de mudanças deverão, portanto, ser realizadas com base em algumas premissas, segundo as quais:
- Os atos, fatos ou eventos devem ser documentados (registrados) de forma auditável, mediante emprego de linguagem técnica, clara e objetiva.
- Devem ser utilizados os documentos previstos em contrato, seguindo o fluxo de comunicação previamente definido e colocado à disposição das partes, valando-se, prioritariamente, dos documentos bilaterais;
- Deve-se fazer com que os registros efetuados sejam acompanhados de croqui esquemático ilustrativo da situação e de relatório fotográfico do dia da ocorrência, ou, não sendo possível, do dia útil imediatamente posterior à mesma;
- Deve-se providenciar a análise qualitativa da mudança, demonstrando o que, como, quando, onde e porque determinada premissa técnica ou contratual sofreu modificação, relacionando sempre com os documentos que compõem o contrato e o acompanhamento do projeto (ID de cronograma, item de PQP, número de projeto e sua respectiva revisão, coordenadas, cotas, eixos, linhas, dimensões, etc.);
- Deve-se realizar a mensuração dos custos envolvidos (custos incorridos) e da projeção de custos a incorrer no futuro (análise quantitativa);
- Deve-se buscar, sempre que possível, o embasamento contratual e legal da reivindicação, seguindo sempre o procedimento de ajustes contratuais e/ou de resolução de disputa preconizado em contrato;
- Por fim, todo o conjunto do estudo econômico-financeiro, técnico e jurídico-contratual deve ser apresentado previamente ao Contratante para análise a aprovação antes de implementada qualquer mudança, a não ser que se trate de uma situação urgente, para evitar grave prejuízo irreversível a elementos estruturais do empreendimento, inviabilização a método construtivo adequado e recomendado, ou para evitar premente risco de segurança e saúde ocupacional.
Importante elucidar que a administração de contratos e o claim management não são atividades isoladas de apenas um profissional ou setor, mas sim o resultado estruturado da integração planejada e estratégica de esforços da equipe comercial, de engenharia e de suporte jurídico-contratual, os quais devem estar em constante interface com os demais stakeholdres e principalmente com o cliente final (ou dono da obra).
Entretanto, mesmo sabendo se tratar do exercício regular de um direito, previsto na lei e no contrato, a gestão (controle, acompanhamento, elaboração e apresentação) de mudanças e de reivindicações ainda possui reputação bastante negativa em todo o mundo, sendo geralmente associada a uma atividade comercial predatória que visa precipuamente ao lucro, e não propriamente ao ressarcimento de custos adicionais e imprevistos incorridos ou a incorrer, por fatos alheios à responsabilidade e controle da parte que reivindica.
Segundo Jürgen Hahn, claim management expert na Alemanha, a razão para a má-reputação da gestão de reivindicações decorre do significado deturpado atribuído a esta atividade, ou seja, alguém que quer dinheiro e outra pessoa que não quer dar:
“Claims management continues to have a negative reputation (…). The reason for that is probably that making a claim means “someone wants money and the other person doesn’t want to give it up” (1).
Outro fato que deve ser citado, e que explica tal reputação negativa, é que toda reivindicação surge de um conflito não resolvido entre as partes (posições antagônicas, insatisfação ou desentendimento reciproco das pares contratantes com relação a determinado processo, produto ou serviço).
Ainda a reforçar os motivos que levam a Change & Claim Management a uma má-reputação é o fato de que a maioria dos arranjos jurídico-contratuais que regulamentam os direitos e obrigações das partes contratantes em projetos de engenharia está desprovido de mecanismos rápidos, eficientes e equânimes de autocomposição de conflitos e de resolução de disputas.
Isto porque, na ausência destes mecanismos, a tendência é que os conflitos evoluam para disputas insolúveis, e que sejam acionados os meios tradicionalmente disponíveis para resolução, entre os quais citamos o poder Judiciário e a sua histórica incapacidade técnica e de especialização para tutelar este tipo de disputa, bem como o Tribunal Arbitral, o seu alto custo e a crescente demora no julgamento dos procedimentos arbitrais submetidos à apreciação, dada a crescente demanda, principalmente e usualmente recorrentes no âmbito do mercado da construção.
Assim o Change & Claim Management procedures (procedimentos de gestão de mudanças e reivindicações), ou métodos e técnicas de administração contratual, não vem sendo utilizados apenas pelas empresas Contratadas (prestadores e serviço me fornecedores de material / equipamentos), mas também as empresas Contratantes têm recorrido aos profissionais com experiência e conhecimentos estratégicos, visto a exigência cada vez maior por redução de custos em projetos ou, para a correta justificação da necessidade de mudanças e majorações de custo devidamente amparadas na lei, no contrato e nas melhores práticas de engenharia e de gestão contratual, seja para fins de auditoria, enquadramento fiscal, contábil e financeiro, ou para fins de criação de um portfólio de lições apreendidas para projetos futuros de implantação (obras greenfield) ou de ampliação (brownfield).
advogado especialista em administração de contratos, especialista em Direito Público e estou escrevendo sobre Administração de Contratos de Engenharia, assunto relacionado ao novo ramo do Direito intitulado pela recente doutrina como "Direito da Construção" ou "Direito da Infraestrutura".
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARNEIRO, Tiago Amorim Pouillard. Change & Claim Management procedures - Ato predatório ou exercício regular de Direito? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 nov 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47783/change-claim-management-procedures-ato-predatorio-ou-exercicio-regular-de-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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