Msc. Maria Luiza Sapori Toledo Roquette
(Prof. Orientadora)
RESUMO: O presente trabalho trata da efetividade dos direitos fundamentais, tendo como base o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito ao mínimo existencial. A proposta desta pesquisa é abordar o campo teórico conceitual, com base em fontes legais, doutrinárias e jurisprudenciais, recorrendo à metodologia dedutiva e qualitativa, a partir de revisões bibliográficas, no intuito de analisar a efetividade dos direitos fundamentais, utilizando-se, para tal abordagem, os princípios da dignidade da pessoa humana e o direito ao mínimo existencial. Faz-se ainda, o estudo da teoria da reserva do possível, vez que tal teoria condiciona a efetividade dos direitos fundamentais ao orçamento público do Estado, ou seja, a garantia dos direitos supramencionados depende de recursos econômicos. Os direitos fundamentais exigem uma prestação positiva por parte do Estado, através de um orçamento público disponível para garanti-los. Diante disso, a jurisprudência atual não é pacífica com relação ao princípio da reserva do possível, sendo que por vezes acaba por relativizar a aplicabilidade dos direitos fundamentais.
Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana. Mínimo existencial. Direitos fundamentais.
ABSTRACT: This paper discusses the effectiveness of fundamental rights based on the principle of human dignity and the right to existential minimum. The purpose of this research is to approach the conceptual theoretical field, based on legal, doctrinal and jurisprudential sources, using deductive and qualitative methodology from literature reviews, in order to analyze the effectiveness of fundamental rights, using, for such approach, the principles of human dignity and the right to existential minimum. This paper also studies the theory of possible reserve, once this theory determines the effectiveness of fundamental rights to the State public budget, ie, the guarantee such rights depends on economic resources. Fundamental rights require positive performance from the State, by using a public budget available to secure them. Therefore, current jurisprudence is not peaceful in relation to the principle of possible reserve, and sometimes ends up relativizing the applicability of fundamental rights.
Keywords: Human dignity. Existential minimum. Fundamental rights.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 está em vigor há 28 anos, ao longo de todo esse tempo, é possível certificar que o debate em torno dos direitos fundamentais não se esgota; ao contrário, segue ocupando a lista dos grandes desafios do Estado e de toda a sociedade.
Não obstante a Constituição Federal de 1988 seja considerada a mais democrática e avançada e tenha inserido em seu texto constitucional um rol de direitos fundamentais – como a saúde, educação, trabalho –, os quais visam garantir a todos uma existência digna, há um desprovimento em matéria de efetividade dos direitos fundamentais, haja vista a grande insatisfação dos indivíduos frente à seguridade de tais direitos.
O mau funcionamento dos serviços públicos é um exemplo do descontentamento dos brasileiros, fato que se verifica, por exemplo, nas observações de Polignano (2001), o qual discute sobre a crise do sistema de saúde no Brasil. Para o referido autor, as filas de pacientes nos serviços de saúde, a falta de leitos hospitalares para atender à população e a escassez de recursos financeiros são fatores que ratificam o colapso no oferecimento de serviços públicos à população.
A efetividade dos direitos fundamentais vincula-se ao mínimo existencial, que consiste na concretização de condições materiais mínimas para que as pessoas adquiram uma existência digna.
Por outro lado, surge a teoria da reserva do possível, que visa condicionar a efetividade dos direitos fundamentais, mormente no que tange aos direitos sociais, ao orçamento financeiro do Estado, o que acaba por confrontar os princípios constitucionais – como a dignidade da pessoa humana e a própria Constituição Federal.
Estabelecer um custo para a concretização dos direitos fundamentais, sendo que a garantia de tais sentenças está prevista na Constituição, não condiz com a evolução histórica dos direitos fundamentais, nas quais se incluem a luta de vários povos na reivindicação dos seus direitos, os quais são de suma importância para a efetividade das suas necessidades dentro de um Estado.
Destarte, a sociedade brasileira exige do Estado um direcionamento em suas políticas de modo a promover a garantia dos objetivos e princípios constitucionais resguardados e prescritos pela República Federativa do Brasil. Veja-se: “Constituem objetivos da República Federativa do Brasil: [...] III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;” (BRASIL, 1988).
Nos últimos anos, tem-se percebido uma crescente demanda no Poder Judiciário para o alcance dos direitos sociais. O Supremo Tribunal Federal, em especial, vem desempenhado um importante papel no avanço dos direitos sociais. Neste contexto, têm crescido as discussões acerca dessa intervenção do Poder Judiciário, seja na doutrina, seja na jurisprudência.
A Constituição Federal, ao estabelecer os direitos sociais, tem por objetivo assegurar a todos as mesmas condições de acessibilidade aos direitos, promovendo a justiça social através de todos os instrumentos possíveis, proporcionando, assim, o desenvolvimento da sociedade nos preceitos do fundamento da dignidade da pessoa humana. Para que esta seja protegida, é imprescindível a efetividade dos direitos fundamentais.
Diante deste contexto, o propósito do presente trabalho científico é demonstrar a importância da efetividade dos direitos sociais no ordenamento jurídico brasileiro diante dos institutos da reserva do possível e do mínimo existencial, bem como discutir sobre o papel do Poder Judiciário no alcance dos direitos sociais, partindo do exame dos posicionamentos da doutrina e jurisprudência e suas decisões.
Dessa forma, o artigo será divido em três partes. Inicialmente, será feita uma abordagem sobre o princípio da dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico brasileiro. Em um segundo momento, será feita uma abordagem referente aos direitos sociais na Constituição Federal. Em seguida, far-se-á apontamentos sobre o surgimento e a aplicação do princípio da reserva do possível e o mínimo existencial, bem como seus impasses no que se refere à concretização dos direitos sociais. Posteriormente, será feita uma abordagem sobre a intervenção do Judiciário para a efetividade dos direitos sociais prestacionais e, por fim, serão trazidas algumas considerações finais, bem como perspectivas acerca da matéria.
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO VALOR SUPREMO
Preliminarmente, antes de evidenciar o que se entende por dignidade da pessoa humana, é necessário traçar um breve panorama para compreender sua origem e quais os motivos e fatores contribuíram para a formação de tal conceito.
Segundo Ricardo Castilho (2013), o conceito de dignidade, como um atributo inerente a todo ser humano, surgiu com o pensamento clássico e o Cristianismo. Na concepção do Cristianismo, dignidade estava relacionada com a ideia de que o homem foi concebido à imagem e semelhança de Deus.
Com o pensamento romano, o conceito de dignidade passou a referir-se ao status que a pessoa ocupava na sociedade, como assevera Luís Roberto Barroso (2014.p.14), “[...] o primeiro sentido atribuído à dignidade — enquanto categorização dos indivíduos — estava associado a um status superior, uma posição ou classificação social mais alta.”.
Já nos séculos VXII e XVIII, segundo Ricardo Castilho (2013), com o pensamento jusnaturalista, é introduzida a laicização da concepção de dignidade da pessoa humana; dessa forma, bastava ser humano para ser tido como uma pessoa digna, não necessitando ser cristão.
Contudo, foi com a grande influência do pensamento de Immanuel Kant, que prevalece até os dias de hoje, que se completou o conceito de dignidade, conforme preleciona Ricardo Castilho:
Se é a autonomia que dignifica o homem, por óbvio este não pode jamais ser tido como meio para algo. Todo homem é um fim em si. Eis a conhecida máxima por meio da qual Kant sintetiza sua concepção de dignidade, e que nos dias atuais é adotada, expressa ou veladamente, pela grande maioria dos autores [...] (CASTILHO, 2013,p.219).
O princípio da dignidade da pessoa humana impõe o respeito de uns para com os outros, de forma a manter a igualdade entre todos, nesse sentido, Ingo Wolfang adverte que:
[...] a ideia da dignidade da pessoa humana parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão somente de sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado (SARLET, 2010, p.45).
Nesse ínterim, não há como afirmar que uma pessoa tem mais dignidade que a outra. A dignidade constitui um valor supremo, não podendo ser substituído por outro ou reduzido de alguma maneira, cabendo a cada um respeitar o seu semelhante.
Cabe ressaltar que a proteção da dignidade da pessoa humana e o seu reconhecimento representa a luta de vários seres humanos, nas quais se incluem as intensas violações ocorridas contra a integridade física e psicológica, de acordo com Comparato:
A cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados a vista da ignomínia, que afinal se abre claramente diante de seus olhos, e o recurso pelas torturas, pelas mutilações em massa, pelos massacres coletivos e pelas explorações aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificada, a exigência de novas regras de uma via mais digna para todos (COMPARATO, 2010, p.50).
As atrocidades ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial contribuíram para que a dignidade da pessoa humana fosse consagrada como princípio fonte na maior parte dos sistemas jurídicos dos países ocidentais, principalmente após ter sido consagrada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, como preconiza Sarlet:
[...] Apenas ao longo do século XX e, ressalvada uma ou outra exceção, tão somente a partir da Segunda Guerra Mundial a dignidade da pessoa humana passou a ser reconhecida expressamente nas Constituições, notadamente após ter sido consagrada pela Declaração Universal da ONU de 1948 (SARLET,2006, p.62).
Entretanto, a dignidade da pessoa humana foi consagrada como princípio em uma Constituição a partir da Lei Fundamental Alemã de 1949 que estabelecia, em seu artigo 1º, que “A dignidade da pessoa humana é inviolável”. Todas as autoridades públicas têm o dever de respeitar e proteger.
No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana foi inserida, em seu Título I – Dos princípios fundamentais, art. 1º, inciso III, como um dos seus fundamentos:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana”. (BRASIL, 1988).
E por ter sido consagrado tal princípio como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito, cabe ao Estado a sua proteção, proporcionando condições materiais mínimas para que a dignidade da pessoa humana seja preservada, como afirma Sarlet:
Consagrando expressamente, no título dos princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado democrático (e social) de Direito (art. 1º, inc. III, da CF), o nosso Constituinte de 1988 – a exemplo do que ocorreu, entre outros países, na Alemanha -, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado, reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal (SARLET, 2006, p. 65).
Desta forma, a dignidade da pessoa humana, por ser um atributo inerente à pessoa humana, e como fim da atividade estatal, impõe ao Estado a promoção de políticas públicas eficientes para a preservação e respeito da pessoa humana e da sua dignidade.
Por outro lado, a definição de dignidade da pessoa humana no âmbito de proteção doutrinário ainda é uma discussão um pouco controversa, tendo em vista que esta possui diversos significados, sendo seu conceito indeterminado. Nesse sentido Castilho adverte (2013, p.222) que “[...] a amplitude da polissemia da expressão “dignidade da pessoa humana” impede que se atribua a ela um conceito fixo, ainda que aberto”. No âmbito jurídico-normativo, cabe, aqui, destacar o conceito de Sarlet (2002), que afirma ser a dignidade uma:
Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2006, p. 60).
Em outras palavras, o princípio supramencionado exige não somente uma abstenção por parte do Estado na prática de quaisquer atos que atentem contra a dignidade da pessoa humana, mas também a sua atuação concreta, através de prestações positivas promovendo o mínimo existencial, porquanto este consiste na efetivação dos direitos fundamentais, no intento de que as pessoas adquiram uma existência digna. Assim como destaca José Afonso da Silva:
A dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida [...]. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana (SILVA, 1998, p.92).
O princípio da dignidade da pessoa humana exige do legislador, ao mesmo tempo em que editar uma norma restritiva de direitos fundamentais, a criação de outras normas que proporcione mecanismos de compensação para que os direitos fundamentais sejam resguardados. Com isso, o núcleo essencial dos direitos fundamentais estará protegido.
Na esteira de estudos de Edilson Pereira de Farias :
O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana cumpre relevante papel na arquitetura constitucional: o de fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais. Aquele princípio é o valor que dá unidade e coerência ao conjunto dos direitos fundamentais. Dessarte, o extenso rol de direitos e garantias fundamentais consagrados pelo título II da Constituição Federal de 1988 traduz uma especificação e densificação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Em suma, os direitos fundamentais são uma primeira e importante concretização desse último princípio, quer se trate dos direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), dos direitos sociais (art. 6º a 11) ou dos direitos políticos (arts. 14 a 17). Ademais, aquele princípio funcionara ainda como uma “cláusula aberta” no sentido de respaldar o surgimento de “direitos novos” não expressos na Constituição de 1988 mas nela implícitos, seja em decorrência do regime e princípios por ela adotados, ou em virtude de tratados internacionais em que o Brasil seja parte, reforçando, assim, o disposto no art.5º, §2º. Estreitamente relacionada com essa função, pode-se mencionar a dignidade da pessoa humana como critério interpretativo do inteiro ordenamento constitucional (FARIAS, 1996, p. 54).
Assim, por ser o valor fonte do ordenamento jurídico brasileiro, o referido princípio-dignidade da pessoa humana confere tamanha importância à valorização da pessoa humana, constituindo, pois, uma qualidade, um atributo inerente a todos e sendo de vital importância para a orientação das demais normas contidas em nosso ordenamento jurídico brasileiro e para a organização do Estado e de toda sociedade.
A EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS A CAMINHO DA CONCRETIZAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Quando se fala em direitos fundamentais, é necessário que se discuta, primeiramente, sobre sua origem e seu surgimento, uma vez que tais direitos nasceram em circunstâncias diferentes, através da luta de vários povos na reivindicação dos seus direitos.
Se se pensar nos direitos fundamentais, com base nos estudos de Luiz Alberto David, poder-se-ia conceituá-los como:
[...] a categoria jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as dimensões. Por isso, tal qual o ser humano, tem natureza polifacética, buscando resguardar o homem na sua liberdade (direitos individuais), nas suas necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais) e na sua preservação (direitos relacionados à fraternidade e à solidariedade) (ARAÚJO, 2005, p.109-110).
Os direitos fundamentais são classificados pela doutrina em dimensão ou geração, no entanto, existem alguns doutrinadores que preferem fazer a sua divisão em dimensão. Assim, como afirma Marcelo Novelino:
Os direitos fundamentais não surgiram simultaneamente, mas em períodos distintos, conforme a demanda de cada época. A consagração progressiva e sequencial nos textos constitucionais deu origem às chamadas gerações de direitos fundamentais. Atualmente, tendo em conta que o surgimento de novas gerações não importa na extinção das anteriores, parte da doutrina tem optado pelo termo dimensão (NOVELINO, 2014, p. 377).
Assim, os direitos fundamentais de primeira dimensão referem-se aos direitos a liberdade, que são direitos civis e políticos. Estes constituem direitos de defesa frente ao Estado, tendo como titular os indivíduos. “Nas revoluções liberais (francesa e norte-americana) ocorridas no final do Século XVIII, a principal reivindicação da burguesia era a limitação dos poderes do Estado em prol do respeito às liberdades individuais” (NOVELINO,2014,p. 377).
“Daí esses direitos traduzirem-se em postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de não fazer, de não intervir sobre aspectos da vida pessoal de cada indivíduo” (BRANCO; MENDES,2014, p.150).
Já os direitos fundamentais de segunda dimensão, são os direitos sociais, econômicos e culturais e exigem uma ação do Estado (um fazer), ao contrário dos direitos de primeira geração, que exigem do Estado uma abstenção.
Por fim, os direitos fundamentais de terceira dimensão são os chamados direitos de solidariedade e fraternidade. Segundo Novelino (2014), esses direitos compreendem também os direitos ao meio ambiente, à comunicação e à autodeterminação dos povos. São direitos transindividuais, que visam a proteger o ser humano.
A sociedade vive em constante evolução e à medida que isso acontece, novos direitos também surgem, para que assim haja uma adequação social. Há autores, como Paulo Bonavides (2009), Marcelo Novelino (2014) que tratam dos direitos de quarta e quinta dimensão, tais como direitos à democracia, informação, direito à paz, dentre outros.
Embora os direitos fundamentais abranjam várias dimensões, não é a pretensão de o presente capítulo abordar todas as dimensões, mas delimitar algumas considerações sobre os direitos de segunda geração.
A segunda dimensão de direitos fundamentais teve como marco inicial para o seu surgimento a Revolução Industrial, conforme salienta Ingo Wolfang:
[...] o impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que os acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos, atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social (SARLET, 2014, p. 27)..)))))
Essa segunda dimensão de direitos teve como consequência as limitações da primeira, uma vez que as liberdades alcançadas já não eram suficientes para atender aos anseios da população; passou-se, pois a exigir do Estado uma atuação positiva, proporcionando a materialização dos direitos prestacionais, como saúde, educação e trabalho – entre todos os seres humanos em iguais condições, dirimindo, assim, as desigualdades existentes, como assinala Castilho:
Pode-se apontar, como natureza jurídica dos direitos sociais e econômicos, portanto, a de direito subjetivo de exigir uma prestação concreta por parte do Estado, o qual, via de consequência, deverá instituir os serviços públicos respectivos (CASTILHO, 2013,p.181).
Os direitos fundamentais sociais, além de abranger direito de prestação positiva, compreendem, também, “as liberdades sociais”, como a garantia do salário mínimo, o direito às férias e ao repouso semanal remunerado, entre outros direitos dos trabalhadores.
Ricardo Castilho (2013) sustenta que, embora os direitos de segunda dimensão tenham como característica uma conotação positiva ou prestacional, nem todos a possuem, evidenciando, assim, que se trata mais de uma categorização eminentemente didática.
Os ditos direitos sociais foram realmente reconhecidos em número maior de constituições no século XX, fato que se verifica, por exemplo, nas observações Sarlet (2014),o qual discute sobre a origem dos direitos fundamentais. Para o referido autor, os direitos sociais que já haviam sido contemplados nas Constituições francesas de 1793 e 1848, na Constituição brasileira de 1824 e na Constituição alemã de 1849 – que não chegou a entrar efetivamente em vigor – foram efetivamente contemplados em um número maior de constituições no século XX.
No Brasil, a Constituição brasileira de 1934, sendo inspirada pela de Weimar, foi a primeira a tratar dos direitos sociais no título sobre a ordem econômica e social, especialmente no que tange aos direitos dos trabalhadores, como a jornada de trabalho e as férias anuais remuneradas.[1] Conforme preleciona Silva (2014, p.287): “[...] no Brasil, a primeira Constituição a escrever um título sobre a ordem econômica e social foi a de 1934, sob a influência da Constituição alemã de Weimar, o que continuou nas constituições posteriores. ”
Contudo, a Constituição brasileira de 1988 foi a primeira a tratar dos direitos sociais, em capítulo próprio, dispondo em seu artigo 6º que:
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL,1988).
Ao estabelecer os direitos sociais no título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais, a Constituição brasileira de 1988 consagrou os referidos direitos como direitos fundamentais, como assevera Alexandre de Moraes:
Os direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando - se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando a concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo artigo 1º, IV, da Constituição Federal (MORAES, 2015, p. 206).
Apesar da Constituição brasileira de 1988 ter trazido esperanças quanto à aplicabilidade dos direitos fundamentais sociais e ter inserido a dignidade da pessoa humana como um dos seus fundamentos, não é o que se percebe quanto à efetividade daqueles e o respeito ao princípio dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido afirmam Guerra e Emerique que:
[...] o princípio da dignidade da pessoa humana impõe um dever de abstenção e de condutas positivas, tendentes a efetivar e proteger a pessoa humana. [...] embora seja uma preocupação significativa com os direitos fundamentais e com a valorização da pessoa, infelizmente observa-se a violação contínua dos referidos direitos e o aviltamento da dignidade humana (GUERRA E EMERIQUE, 2006, p. 384).
A obrigação do Estado reside não somente no dever de abster-se na prática de quaisquer atos que violem a dignidade humana, mas também o de proporcionar tal dignidade através de uma atuação positiva, promovendo condições materiais mínimas para que a dignidade seja protegida.
Para Sarmento (2000), o homem tem a sua dignidade aviltada não apenas quando se vê privado de alguma das suas liberdades fundamentais, como também quando não tem acesso à alimentação, educação básica, saúde, moradia etc.
Os direitos sociais têm como finalidade a proteção daqueles que se encontram numa situação mais fragilizada, de forma a promover a redução das desigualdades, que é um dos objetivos da República Federativa do Brasil, como afirma José Afonso da Silva, os direitos sociais são:
[...] prestações positivas proporcionais pelo Estado direta e indiretamente, enunciados em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais (SILVA, 2014, p.288).
Dessa forma, será por intermédio da efetivação dos referidos direitos fundamentais – direitos sociais – que visam a proporcionar a todos as mesmas condições, que a dignidade da pessoa humana estará protegida, uma vez que só é possível falar em uma existência digna se for garantido ao homem o pleno gozo dos seus direitos.
Os direitos sociais, conforme discutidos anteriormente, possuem grande relevância na Constituição Federal de 1988. Entretanto, apesar de os direitos sociais terem sido positivados pela Constituição, tal positivação não foi suficiente; na prática, a sociedade tem encontrado várias dificuldades para a concretização de seus direitos. Nessa ótica, destaca Napoleão Casado Filho (2012, p.106), para quem “[...] há um grande hiato entre tais previsões e a realidade social brasileira”. Afinal, é certo que não asseguramos uma série desses direitos a uma parcela considerável de nossa população.
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 5º, § 1º, que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, entretanto, a efetividade dos direitos fundamentais está relacionada a duas teorias – a teoria da reserva do possível e a teoria do mínimo existencial.
Não obstante, a garantia dos direitos sociais está expressa na Constituição federal de 1988, o Estado, quando chamado para formar a relação processual, tem invocado a cláusula da reserva do possível para justificar a não concretização do direito pleiteado.
A referida teoria – reserva do possível – visa a condicionar a efetividade de tais direitos ao orçamento público do Estado, ou seja, se não houver tal orçamento para a efetivação dos direitos, estes não serão concretizados, o que acaba por confrontar a Constituição. Gilmar Mendes adverte que:
[...] a inconteste evolução que o Direito Constitucional alcançou é fruto, em grande medida, da aceitação dos direitos fundamentais como cerne da proteção da dignidade da pessoa e da certeza de que inexiste outro documento mais adequado para consagrar os dispositivos assecuratórios dessas pretensões do que a Constituição. (MENDES, 2009, p. 265).
Tal teoria surgiu na Alemanha, em 1972, durante uma decisão de um grupo de estudantes que não conseguiram ingressar nas escolas de Medicina de Munique e Hamburgo diante da limitação do número de vagas.
Segundo Marcelo Novelino (2014), embora o direito à educação não esteja consagrado na Constituição Alemã, na sua decisão o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha entendeu que a liberdade de escolha profissional necessitava, em certa medida, do acesso ao ensino superior.
Adverte ainda o referido autor que, não obstante, na decisão ficou estabelecido que o direito pleiteado deveria corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, cabendo ao legislador, numa primeira análise, avaliar quais interesses da coletividade devem ser primeiramente atendidos pelo orçamento em razão da reserva do possível.
Os direitos sociais não são os únicos que exigem recursos financeiros por parte do Poder Público, qualquer direito fundamental, como os direitos individuais, também geram custos para o Estado, conforme destacado por Ingo Wolfang:
[...] também os direitos de liberdade e os direitos de defesa em geral exigem, para que sejam efetivados, um conjunto de medidas positivas por parte do poder público e que sempre abrangem a alocação significativa de recursos materiais e humanos para sua proteção e efetivação de uma maneira geral. Assim, não há como negar que todos os direitos fundamentais podem implicar “um custo”, de tal sorte que esta circunstância não se limita aos direitos sociais de cunho prestacional (SARLET, 2008, p.10).
Esses custos dos direitos sociais, por exigir prestações positivas do estado para sua concretização aliado à insuficiência dos recursos financeiros, impedem a sua concretização de uma maneira mais satisfatória, de acordo com Marcelo Novelino:
A questão envolvendo a efetividade é, sem dúvida, uma das preocupações mais frequentes nos debates envolvendo direitos sociais. A implementação e proteção de qualquer espécie de direito fundamental envolve, direta ou indiretamente, uma significativa alocação de recursos materiais e humanos (NOVELINO, 2014,p.594).
Nesse diapasão, surge um impasse por parte do Estado para a efetivação dos direitos sociais e os seus gastos financeiros. Os direitos sociais, por exigirem do Estado um conjunto de prestações positivas e por possuírem custos, não podem ser reduzidos a números.
Destarte, essa limitação de recursos impõe ao Poder Público a tarefa de destiná-los e redistribuí-los entre a sociedade. Como adverte Miguel Dantas: “[...] o possível da reserva é que tem que ser ampliado, tendo como desdobramento, a diminuição do alcance da reserva do possível.” (DANTAS, 2009, p.127).
Nesse ínterim, destaca Ingo Wolfang:
[...] com efeito, quanto mais diminuta a disponibilidade de recursos, mais se impõe uma deliberação responsável a respeito de sua destinação, o que nos remete diretamente à necessidade de buscarmos o aprimoramento dos mecanismos de gestão democrática do orçamento público, assim como do próprio processo de administração das políticas públicas em geral, seja no plano da atuação do legislador, seja na esfera administrativa (SARLET, 2008, p.12)
A teoria da reserva do possível, que deveria ser usada apenas em casos excepcionais, tem sido invocada constantemente pelo Poder Público para eximir da sua responsabilidade constitucional de promover o mínimo existencial. Na esteira das discussões do ministro Celso de Mello:
[...] não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa, criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições mínimas de existência [...] a cláusula da reserva do possível, ressalvada a ocorrência de justo motivo, não poderá ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo,aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade(ADPF 45, Celso de Mello,2004).[2]
Como destacado por Pedro Lenza (2012), na análise do caso concreto, deve-se verificar a razoabilidade do direito pleiteado e a disponibilidade financeira do Estado para a efetivação da política pública através do STF. Para o referido autor:
Assim, a violação aos direitos mínimos tem de ser evidente e arbitrária, como o desvio do dinheiro para o ensino e saúde do art. 34, VII, “e”; para a construção de uma obra de embelezamento; ou, ainda, o veto do Executivo a dispositivo da lei orçamentária anual que destine dinheiro do fundo de erradicação da pobreza proveniente da extinta CPMF para outra finalidade distinta (LENZA,2012,p.304).
Segundo Novelino (2014), a complexidade envolvendo os direitos sociais e sua concretização necessita de uma análise específica e pontual desses direitos, para que sejam encontradas medidas adequadas à sua natureza e enunciado, sempre tendo como direcionamento o princípio da máxima efetividade. Ainda nas observações do referido autor, o princípio da máxima efetividade “[...] impõe uma interpretação que confira a maior eficácia social ‘possível’ ao direito em jogo, de modo a fazê-lo cumprir a finalidade para a qual foi criado”(NOVELINO,2014,p.597).
Neste contexto, o princípio da proporcionalidade também assume importante papel, qual seja: direcionar a atuação tanto dos órgãos estatais quanto dos particulares, por exemplo, quando estes exercem a atividade estatal de forma delegada. Destarte, esse princípio também deve atuar como parâmetro respeitando tanto o núcleo essencial dos direitos restringidos como também não poderão desprover a proteção de outros direitos de forma que fiquem aquém de um patamar minimamente eficaz de realização dos direitos (SARLET,2008).
Diante dessa estreita dependência entre a concretização dos direitos sociais de exigirem prestações positivas ao Estado e as condições financeiras do Poder Público, surge o mínimo existencial. As teses doutrinárias sobre o mínimo existencial foram criadas na Alemanha, especificamente porque a clássica Lei Fundamental ou Constitucional de Bonn, de 1949, não tratava sobre qualquer direito social de cunho prestacional.
Surgiu, então, a necessidade da garantia de um conjunto de prestações para uma existência digna, conforme exarou seu entendimento a relatora Min. Carmen Lucia no agravo de instrumento nº 564031/SP:
O mínimo existencial afirma o conjunto de direitos fundamentais sem os quais a dignidade da pessoa humana é confiscada. E não se há de admitir ser esse princípio mito jurídico ou ilusão da civilização, mas dado constitucional de cumprimento incontornável, que encarece o valor de humanidade que todo ser humano ostenta desde o nascimento e que se impõe ao respeito de todos.
A garantia do mínimo existencial configura o parâmetro para a efetivação dos direitos sociais; pois, sem as condições materiais mínimas, não há que se falar em uma vida digna.
Torres (2009, p.84-88) defende o respeito a um mínimo existencial como diretriz, como regramento, aplicável por trabalho de adequação da lei ao caso concreto (subsunção) e não por ponderação, o que proporcionaria uma maior segurança para a sua existência. O autor ainda limita o mínimo existencial à camada “[...] aquém da qual desaparece a possibilidade de se viver com dignidade”, sendo, portanto o núcleo intangível derradeiro dos direitos fundamentais.
Quando, juridicamente, fala-se de um "mínimo existencial", está-se referindo a algo intrinsecamente relacionado à concretização dos direitos fundamentais, que representam a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana (WEBER, 2013).
Dessa forma, a cláusula da reserva do possível deve atuar como mandado de efetivação dos direitos sociais, impondo ao Estado o dever de proporcionar as condições eficazes da atuação estatal de modo a garantir a todos as condições mínimas de subsistência, e também resguardando as prestações estatais já realizadas, observando a necessidade de se reconhecer o princípio da proibição do retrocesso social no intento de proteger o mínimo existencial, conforme adverte Pedro Lenza:
[..] o legislador, ao regulamentar os direitos, deve respeitar o seu núcleo essencial, dando as condições para a implementação dos direitos constitucionalmente assegurados. Ainda, dentro desse contexto, deve ser observado o princípio da vedação ao retrocesso, isso quer dizer, uma vez concretizado o direito, ele não poderia ser diminuí- do ou esvaziado, consagrando aquilo que a doutrina francesa chamou de effet cliquet. Entendemos que nem a lei poderá retroceder, como, em igual medida, o poder de reforma, já que a emenda à Constituição deve resguardar os direitos sociais já consagrados (LENZA, 2012, p.1089).
Por tudo isso, as discussões acerca da efetividade dos direitos sociais devem analisar os elementos e os recursos financeiros disponíveis do Estado para que este cumpra as normas constitucionais. No entanto, a insuficiência dos recursos financeiros do Estado não pode se tornar obstáculos à garantia das condições mínimas de existência, sob pena de reprimir o princípio fundamental, que é o princípio da dignidade da pessoa humana.
Destarte, os critérios que conduzem a efetividade dos direitos sociais estariam na ponderação da cláusula da reserva do possível em face do mínimo existencial, realizando, assim, não somente uma conciliação entre ambos os princípios, como também uma melhor compreensão da Constituição como um documento de total eficácia.
A efetivação dos direitos sociais pelo poder judiciário
Muito se tem discutido acerca da efetividade dos direitos e garantias fundamentais no Poder Judiciário nos últimos anos, seja pela sua importância estabelecida na Constituição no seu artigo 5º, § 1º, ao dispor que - as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, seja pela ineficiência por parte dos Poderes Legislativo e Executivo. Assim como destaca Airton Ribeiro da Silva e Fabrício Pinto Weiblen:
[...] uma vez não efetivados os direitos fundamentais consagrados na Carta Política pelos poderes ditos legitimados, quais sejam, Poderes Executivo e Legislativo, cabe ao Judiciário intervir, a fim de concretizar os ditames insculpidos na Constituição Federal, através de prestações positivas. Assim, ao dispor sobre as prestações estatais, o Judiciário apenas determina a realização prática da norma constitucional, não permitindo que esta se torne mera diretriz abstrata e inaplicável, ato para o qual é competente, uma vez que, no Estado de Direito, o estado soberano deve submeter-se à própria justiça que institui. Noutras palavras, não é papel do Judiciário criar novas medidas referentes a direitos sociais, o que consistiria em violação ao princípio da Separação dos Poderes, mas sim trazer uma real efetividade às políticas públicas já existentes, de modo a não permitir que um apego excessivo a formalidades acabe por obstar a concretização das metas principais do Estado Democrático de Direito ( SILVA; WEIBLEN, 2007, p. 52).
O judiciário tem sido provocado com demandas que tratam, sobretudo, das buscas por medicamentos e tratamentos pela via judicial, destaque em caso concreto ocorrido no Município do Rio de Janeiro, quando este, parte agravante, sustentou que o acórdão impugnado em sede recursal extraordinária teria violado diversos preceitos consagrados na Constituição Federal, entretanto, a segunda turma do Supremo Tribunal Federal em votação unânime negou provimento ao recurso dispondo que :
Ampliação e melhoria no atendimento à população no Hospital Municipal Souza Aguiar. Dever estatal de assistência à saúde resultante de norma constitucional. Obrigação jurídico-constitucional que se impõe aos Municípios (CF, art. 30, VII). Configuração, no caso, de típica hipótese de omissão inconstitucional imputável ao Município do Rio de Janeiro/RJ. Desrespeito à Constituição provocado por inércia estatal (RTJ 183/818-819). Comportamento que transgride a autoridade da Lei Fundamental da República (RTJ 185/794-796)-A questão da reserva do possível: reconhecimento de sua inaplicabilidade, sempre que a invocação dessa cláusula puder comprometer o núcleo básico que qualifica o mínimo existencial(RTJ 200/191-197)-O papel do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas instituídas pela Constituição e não efetivadas pelo Poder Público -A fórmula da reserva do possível na perspectiva da Teoria dos Custos dos Direitos Fundamentais: Impossibilidade de sua invocação para legitimar o injusto inadimplemento de deveres estatais de prestação constitucionalmente impostos ao Poder Público- A Teoria da Restrição das Restrições” (ou da Limitação das Limitações”)-Caráter cogente e vinculante das normas constitucionais, inclusive daquelas de conteúdo programático, que veiculam diretrizes de políticas públicas, especialmente na área da saúde(CF,arts.6º,196 e 197)-A questão das “ escolhas trágicas ”-A colmatação de omissões inconstitucionais como necessidade institucional fundada em comportamento afirmativo dos juízes e tribunais e de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito-Controle Jurisdicional de legitimidade da omissão do Poder Público: Atividade de fiscalização judicial que se justifica pela necessidade de observância de certos parâmetros constitucionais( Proibição de Retrocesso Social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proteção insuficiente e proibição de excesso)-Doutrina- Precedentes do Supremo Tribunal Federal em tema de Implementação de Políticas Públicas delineadas na Constituição da Repúblicas (RTJ 174/687- RTJ 175/1212-1213-RTJ 199/1219-1220)-Existência ,no caso em exame, de relevante interesse social-Ação Civil Pública: Instrumento Processual Adequado à Proteção Jurisdicional de Direitos Revestidos de Metaindividualidade- Legitimação ativa do Ministério Público( CF,ART.129,III)-A função institucional do Ministério Público como “ Defensor do Povo” (CF.ART. 129,III)-Doutrina- Precedentes- Recurso de Agravo Improvido. (RTJ 185/794-796)." (AI 759.543-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 17-12-2013, Segunda Turma, DJE de 12-2-2014.)
Rothenburg (2014, p. 888) assevera que, “[...] nas situações infelizmente nada raras de descumprimento dos direitos em geral e dos direitos sociais em particular, o acesso à jurisdição é uma alternativa disponível, quando não o último repositório das esperanças”.
Essa interferência do Poder Judiciário para que os direitos fundamentais sejam concretizados tem sido bastante discutida. Há argumentos que afirmam ser essa interferência antidemocrática e incompatível com o princípio da separação dos poderes, de acordo com Silva:
[...] os que entendem que há ofensa ao princípio da separação dos poderes devido ao conhecimento e deferimento de prestações positivas pelo Poder Judiciário argumentam que o Judiciário invade, nesse caso, esfera de poder do Legislativo e do Executivo; que apenas o Executivo e o Legislativo têm legitimidade democrática para fixar políticas públicas; que não cabe ao Judiciário a decisão política sobre onde investir e que bens materiais oferecer, pois sua seara é jurídica (SILVA, 2007, p.18).
Frise-se, ainda, que essa atuação jurisdicional privilegia apenas aqueles que têm maior facilidade de acesso à justiça, prejudicando aqueles que mais precisam da garantia dos direitos, este é o entendimento de Marcelo Novelino:
Argumenta-se, ainda, que uma atuação judicial mais efetiva na concretização desses direitos privilegia injustamente setores da sociedade com maior acesso à justiça, excluindo exatamente aqueles que mais precisam das prestações materiais fornecidas pelo Estado. (NOVELINO, 2014, p. 595).
Contudo, os argumentos contrários à atuação jurisdicional para a efetivação dos direitos fundamentais foram suprimidos pelos argumentos de uma postura mais ativa do Poder Judiciário para que este conceda a real efetividade dos direitos fundamentais.
Nesse sentido, é o atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AgR 664.053-0/RO, contra decisão que negou seguimento a recurso extraordinário tendo como relator o ministro Ricardo Lewandowski, publicado no DJE em 27/03/2009:
É certo, ainda, que a jurisprudência da Corte admite a possibilidade de atuação do Poder Judiciário para proteger direito fundamental não observado pela administração pública, como se vê da ementa do RE 463.210-AgR/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, que segue transcrita: CONSTITUCIONAL. ATENDIMENTO EM CRECHE EPRÉ- ESCOLA. I-Sendo a educação um direito fundamental assegurado em várias normas constitucionais e ordinárias, a sua não observância pela administração pública enseja sua proteção pelo Poder Judiciário.
Conforme as considerações tecidas por Silva (2007), as decisões judiciais que afirmam que o Estado está em atraso com suas obrigações constitucionais são incontestáveis, assumindo, pois, o importante papel de veículos condutores das reivindicações da sociedade. Destarte, os juízes, ao analisarem a falta de recursos financeiros e as omissões por parte do Poder Executivo, têm conferido ao poder Judiciário um papel de suma importância para efetividade dos direitos pleiteados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A dignidade da pessoa humana, como fundamento da República Federativa do Brasil, afirma ser imprescindível, por parte do Poder Público, a garantia de prestações materiais mínimas – o mínimo existencial –, sem as quais o indivíduo encontrar-se-á numa situação de indignidade.
Malgrado, o núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana seja composto pelo mínimo existencial, infelizmente na prática ainda não é o que percebemos quanto ao total cumprimento pelo poder público no que tange à efetividade dos direitos sociais.
Os direitos sociais são direitos que têm por finalidade assegurar a todos as mesmas garantias, dirimindo, pois, as desigualdades existentes em nosso país. Entretanto, para que estes sejam concretizados, é necessária uma alocação de recursos, em que consiste a cláusula da reserva do possível, por parte do Poder Público, para que tais direitos sejam realmente efetivados.
Em contrapartida, à medida que os anseios pela efetividade dos direitos sociais cresceram, os recursos financeiros infelizmente tornaram-se insuficientes, constituindo fator impeditivo para o alcance dos referidos direitos.
Cumpre ressaltar que a Constituição Federal de 1988 tem como objetivo principal o de promover o bem-estar social, proporcionando, através de políticas públicas, a efetividade dos direitos, para que assim a população tenha asseguradas as condições mínimas para se viver com dignidade.
Desse modo, é inconcebível limitar a concretização dos direitos fundamentais que são indispensáveis para que se tenha uma vida digna sob a justificativa da reserva do possível. Essa teoria, que consiste em determinar um custo para a efetividade dos direitos fundamentais, mormente os direitos sociais, é uma fática mitigação da dignidade da pessoa humana, porquanto este é o caminho que identifica as condições materiais dos direitos supracitados, em função de não ser possível falar em dignidade da pessoa humana se não for garantido ao homem o pleno gozo dos seus direitos.
Neste cenário, surge a intervenção do Judiciário sempre que os poderes competentes, quais sejam: os Poderes Executivo e Legislativo, se eximirem da sua obrigação para dar real efetividade aos preceitos consagrados na Constituição Federal, através de prestações positivas que proporcionem uma melhoria dos serviços públicos básicos.
Em outras palavras, não é função do Judiciário criar novas medidas no que tange aos direitos sociais, mas sim o de proporcionar e assegurar uma maior eficácia aos direitos sociais, de maneira que os dispositivos que tratam sobre tais direitos não se tornem meros enunciados.
Destarte, é imprescindível para o nosso ordenamento jurídico brasileiro o amparo ao princípio dignidade da pessoa humana e aos direitos e garantias fundamentais, estes elencados na nossa Constituição Federal, dos artigos 5º ao 11º, que reforçam a escolha da Carta Magna de 1988 por um Estado Democrático de Direito.
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NOTAS:
[1] Art 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País. § 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: c) trabalho diário não excedente de oito horas, reduzíveis, mas só prorrogáveis nos casos previstos em lei; f) férias anuais remuneradas; (BRASIL,1934).
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADF n.45/DF. Processo Legislativo/Lei de Diretrizes Orçamentárias/Lei 10.707/03 § 2º, Art.59- Saúde Pública. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, 29 de abril de 2004. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento. asp?numero=564035&classe=AI&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M . Acesso em: 26 mar. 2016
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: THALINE EMANUELLE FERREIRA FRóES, . A dignidade da pessoa humana como núcleo dos direitos e garantias fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47864/a-dignidade-da-pessoa-humana-como-nucleo-dos-direitos-e-garantias-fundamentais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Por: FELIPE GARDIN RECHE DE FARIAS
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
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