RESUMO: Desde a Grécia antiga, os pensadores jusfilósofos tentam equalizar o conceito e limites que circunscrevem o Direito, bem como a sua relação com os parâmetros morais de justiça. Nesta linha intelectiva, surgem correntes filosóficas redutoras, que ora limitam a validade das normas jurídicas à justiça (jusnaturalismo clássico), ora limitam a justiça à validade (juspositivismo). Outros, limitam a validade e a justiça do ordenamento à eficácia social (aceitação). Entretanto, é importante lembrar que, em oposição à estas correntes reducionistas, modernamente se observa que não ocorre tal interdependência, apesar de se relacionarem em certos pontos, uma vez que a validade, a justiça e a eficácia da norma jurídica são institutos a serem estudados separadamente. Portanto, a noma jurídica pode ser (in)válida, apesar de (in)justa e (in)eficaz.
Palavras-chave: Norma Jurídica, Validade, Justiça e Eficácia.
1. INTRODUÇÃO:
Toda Norma Jurídica pode ser submetida ao exame de três valorações distintas, e estas valorações são independentes umas das outras. Nestes termos, frente a qualquer Norma Jurídica, podemos colocar uma tríplice ordem de problemas, quais sejam: Justiça, Validade e a Eficácia.
Somos programados a pensar a ciência jurídica como algo estanque, limitada ao que está escrito (positivado), já que é a lei, em sentido amplo, que norteia nosso agir, sancionando com uma coerção institucionalizada e externa o comportamento desviante.
Para Norberto Bobbio, o traço distintivo entre as normas jurídicas e os outros tipos de normas (morais e sociais) é o tipo de resposta às violações eventualmente ocorridas, ou seja, a sanção.
Apesar de existirem normas sem sanção, o autor identifica que a juridicidade não é propriamente a sanção da norma singularizada, mas a pertinência feita ao sistema. Portanto, a norma não pode ser caracterizada como jurídica isoladamente, mas apenas do ponto de vista sistemático. Foi nestes termos que Norberto Bobbio introduziu o estudo da Teoria do Ordenamento Jurídico.
2. O PROBLEMA DA JUSTIÇA:
Dizer que uma norma é justa é o mesmo que verificar a sua correspondência, ou não, aos valores últimos (ditos finais) que inspiraram o nascimento de um determinado ordenamento.
Para chegar à resposta deste questionamento, o estudioso não deve limitar seu objeto à existência de um bem comum ideal para todos os tempos e lugares (imperativo categórico de Kant). Basta lembrar que até hoje não houve consenso sobre os direitos mais básicos do ser humano. Ex.: Para Aristóteles, a escravidão era algo normal.
Então, verifica-se a justiça nos moldes propostos (estrutura eminentemente formal), quando se constata que todo o ordenamento persegue certos fins, e que estes representam os valores cuja realização o legislador dirige sua obra. Determinada norma será justa quando for apta a realizar esses valores.
O aspecto da justiça é um contraste entre o “ser” e o “dever ser”, ou seja, é a correspondência entre o real e o ideal. O problema da justiça envolve, pois, a deontologia (o agir) do direito.
3. O PROBLEMA DA VALIDADE:
Se refere à existência da regra, independente de juízo de valor (justiça), vez que a validade se resolve no juízo de fato.
Para julgar a justiça de uma norma é preciso compará-la a um valor ideal (juízo de valor), porém, para julgar a validade é necessário realizar três questionamentos.
#A autoridade que ela emanou tinha poder legítimo para tanto?
#Tal norma foi ab-rogada? Ainda pertence ao ordenamento?
#Ela é compatível com as demais normas do sistema? Houve ab-rogação implícita?
Duas normas não podem ser válidas se forem incompatíveis. O problema envolve a essência do direito (o ser), por isso envolve a ontologia do direito.
4. O PROBLEMA DA EFICÁCIA:
É o seguimento, ou não, da norma pelas pessoas a quem é dirigida, e, no caso de inconformidade de comportamento (violação), a imposição dos meios coercitivos.
Há normas que são seguidas universalmente de modo espontâneo. Outras, são respeitadas apenas quando providas de coação. Outras, ainda, nem quando providas de coação são seguidas. A averiguação da eficácia tem carater histórico-sociológico.
Pode-se dizer tal problema é de cunho FENOMENOLÓGICO.
5. DA INTERDEPENDENCIA DOS CRITÉRIOS:
Os critérios de validade, justiça e eficácia não são interdependentes, pois:
a) Uma norma pode ser justa sem ser válida. Os teóricos do Direito Natural tentaram formular normas advindas de princípios jurídicos universais. Tais normas, apesar de justas, se não fossem acolhidas pelo direito positivo, não poderiam ser consideradas válidas;
b) Uma norma pode ser válida sem ser justa. Alguns ordenamentos jurídicos admitem a escravidão até os dias atuais;
c) Uma norma pode ser válida sem ser eficaz. Uma norma, apesar de acolhida pelo direito positivo, pode enfrentar problemas de aceitação social, chagando ao limite de não ser atendida pela população, a exemplo da Lei das Palmadas;
d) Uma norma pode ser eficaz sem ser válida. Há normas sociais que são seguidas espontaneamente (são eficazes). Porém, essas normas não se tornam, só por isso, pertencentes ao ordenamento, ou seja, não adquirem validade. Ex.: A boa educação;
#Mas os costumes não alcançam a validade através da eficácia? Nenhum constume se valida apenas através do uso. O que torna o costume norma jurídica é o fato de ser acolhido e reconhecido pelos órgãos competentes (legislador, juiz, etc.). Enquanto a norma costumeira for apenas eficaz, ela não se torna jurídica.
e) Uma norma pode ser justa sem ser eficaz, ou eficaz sem ser justa. O fato de uma norma ser universalmente seguida não demonstra sua justiça, assim como o fato de não ser obedecida não pode ser considerado prova de injustiça. Não se pode derivar a justiça da eficácia. Em determinados momentos da história a escravidão era um comportamento universal, nem por isso pode ser dito que é uma prática justa.
Portanto o chamado “consensus ominium”, que remete à uma possível derivação da justiça na eficácia não se revela correto, pois a justiça sempre se revela independente da validade e da eficacia.
6. DAS DOUTRINAS REDUCIONISTAS:
Fala-se em reducionismo quando se tenta derivar um dos elementos da ciência jurídica (validade, justiça e eficácia). Assim, podemos visualizar três concepções filosóficas reducionistas:
a) DIREITO NATURAL: Há uma tendência de reduzir a validade da norma à justiça. Portanto, uma lei, para ser lei, deve ser justa (Radbruch). Porém, que o direito corresponda à justiça é uma exigência ideal. Na verdade, não há ordenamento perfeitamente justo.
#Existe a possibilidade de reconhecer como direito apenas o que é justo? Se a justiça fosse uma verdade evidentemente demonstrável, de modo a não haver dúvidas, diria que sim (pretenção jusnaturalista). Porém, o estabelecimento de uma justiça universal não encontrou consenso. Para Kant, a liberdade era natural. Para Aristóteles, natural era a escravidão. A observação do natural não oferece base suficiente para determinar o justo, e, por consequência, não haveria um juízo de certeza, esteio do direito positivo.
#Se a diferença entre o justo e o injusto não é universal, a quem compete tal escolha? Há duas correntes:
1 – Compete aos detentores do poder. Concerva o juízo de certeza, mas passa a conceber a justiça como validade, doutrina completamente oposta (juspositivismo);
2 – Compete a todos os cidadãos. A segurança restaria destruída.
b) POSITIVISMO JURÍDICO: Reduz a justiça à validade, admitindo-se um direito válido apesar de injusto. Para Kelsen, os ideais de justiça são subjetivos e irracionais, distinto da validade. Thomas Hobbes verifica que não há outro critério do justo fora do direito positivo, logo injusto seria o proibido, pelo fato de ser proibido. Para Hobbes, não há um “justo por natureza”, mas apenas um “justo por convenção”. Neste sentido, a justiça nasce junto com a validade.
c) REALISMO JURÍDICO: O direito se forma e transforma nas ações dos homens, colocando em relevo a eficácia, em detrimento da justiça (jusnaturalismo) e da validade (positivismo). Em antítese ao primeiro, esta corrente é chamadas de realista, e em antítese ao segundo, é chamada de conteudista. Nesta linha peca pela abstração tanto jusnaturalistas quanto positivistas. Válido é o direito em sua concretude. Trata-se de um fenômeno histórico-social.
7. CONCLUSÃO:
Os três problemas fundamentais que sempre se ocupou a filosofia do direito coincidem com as estas três qualificações normativas: justiça, validade e eficácia.
O problema da justiça investiga e tenta elucidar os valores supremos que tende o Direito. Nasce a filosofia do direito como Teoria da Justiça.
O problema da validade consiste em determinar o direito enquanto regra obrigatória e coativa, características do ordenamento jurídico que se distinguem dos outros ordenamentos normativos, como a moral.
Não se trata aqui dos fins, mas dos meios cogitados para a realização deles. Nasce a filosofia do direito como Teoria Geral do Direito.
O problema da eficácia está no campo da aplicação das normas, investigação, geralmente conexa a indagações de caráter histórico-sociológico.
Essa tripartição corresponde, nos ensinamentos de Del Vecchio, às funções da filosofia do direito, quais sejam, a deontologia, a ontologia e a fenomologia. Em suma, o direito pode ser visto sob uma ótica ideal (justiça), formal (validade) e prática (agir).
Na verdade, trata-se de 3 aspectos diversos do mesmo problema. A insistência na divisão é preservada tão somente para evitar confusões conceituais ou para restringir as doutrinas reducionistas.
8. REFERÊNCIAS:
KELSEN, Hans. O que é justiça. Tradução de Luís Carlos Borges. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. (tradução de Maria Celeste C. J. Santos). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997.
BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Bauru: Edipro, 2001.
Graduado em Direito na Universidade Regional do Cariri. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes. Atualmente ocupa o cargo de Delegado de Polícia no Estado do Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Fabricius Ferreira. Critérios de valoração normativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2016, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/47921/criterios-de-valoracao-normativa. Acesso em: 23 dez 2024.
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