RESUMO: Hans Kelsen inclinou-se para o campo da normatividade, derivado do Direito Romano, e teve grande influência do filósofo Kant. Ele queria transformar o Direito em uma Teoria Pura, torná-lo autônomo e dar ao Direito a possibilidade de responder por si só às questões do campo jurídico e manter-se sozinho, de modo a se tornar livre de qualquer intervenção exterior, como o poder político e a figura de Deus. Para o autor, o Direito é um sistema fechado que está sujeito à hierarquização das normas. Kelsen embasa seu discurso na norma fundamental, instrumento hipotético que responderia a todas as questões de Direito e desencadearia o processo de formação da ordem jurídica. Assim, ele iguala o Direito ao Estado, em uma forma de mostrar que nenhum poder político estaria acima do documento jurídico máximo; a autoridade do Estado produziria o Direito e o Direito limitaria as ações do Estado.
Palavras-chave: Kelsen, norma fundamental, dever ser, validade.
Introdução
O pensamento de Kelsen inicia-se com a definição de norma fundamental e o fundamento da sua validade. Para o autor, uma norma não pode ser classificada em falsa ou verdadeira; normas cognitivas, derivadas da experiência sensível e correspondentes à realidade, não são válidas. O enunciado do ‘’ser’’, verdadeiro quando está de acordo com a realidade, afasta-se do enunciado do ‘’dever ser’’, que é válido ou não válido, conforme o sistema de normas.
Desenvolvimento
O campo do “dever ser” alude a algo que deve ocorrer, ao normativo. A validade de uma norma é sempre uma norma pressuposta, tida como geral, definitiva, da qual não se pode determinar uma norma superior, e nunca, um fato. As normas fundamentais desencadeiam uma série de enunciados e tais normas ‘’secundárias’’ formam o dito sistema, uma ordem. Já o conteúdo dessas é determinado por fatos e a função delas é tornar possível a interpretação normativa desses dentro do sistema jurídico. As normas perdem a validade quando não mais correspondem à realidade. Dentro do campo do ‘’ser’’ ou ‘’dever ser’’ e da necessidade de separação entre os dois, determina-se, por exemplo, que a conduta humana só pode ser caracterizada por lícita ou ilícita se houver uma pretensão de como ela deve ser.
O sistema de ordens pode ser classificado em estático ou dinâmico (explorado no texto), a partir da natureza da norma fundamental. Observa-se a forte crítica ao Direito Natural, o qual tem uma origem ontológica que transcede a vontade humana e é abrangente a todos os homens, em todos os tempos e lugares, que remete ao justo, ao moral. ‘’O Direito é sempre Direito positivo, e sua positividade repousa no fato de ter sido criado e anulado por atos de seres humanos, sendo, desse modo, independente da moralidade e de sistemas similares de normas.’’ (KELSEN, 2005, p. 166).
No sistema dinâmico, estabelece-se a norma fundamental (regra básica, que constitui a unidade, norma superior) por meio de um afunilamento, através de várias indagações, da qual não se pode estabelecer uma norma mais definitiva e que será o ponto de partida de um processo criador de normas (inferiores) por atos de vontade; o que representa o movimento de uma norma dentre uma hierarquia normativa. Nesse hierarquia, uma norma é fonte de outra e todas são fonte de Direito. A pirâmide estabelecida por esse sistema, apresenta a norma fundamental como topo e a sanção como base e relação entre essas normas é chamada relação de supra e infra-ordenação. A norma fundamental não é definível, é um instrumento hipotético para construir o conhecimento, só estabelece certa autoridade e, em seguida, elege-a também a indivíduos (Estado), através de uma delegação, os quais criam o sistema normativo. Esse sistema, todavia, não responde à questão do que é restrito ao Direito (essência) e o distingue de outras normas sociais.
Recorrendo-se ao sistema dinâmico para a conceituação do Direito, de forma falha, pode-se ignorar o elemento coercitivo. ‘’É uma norma jurídica apenas se pretende regular a conduta humana e se regula a conduta humana estabelecendo um ato de coerção como sanção.’’ (KELSEN, 2005, p. 180). Então, nota-se que a lei, como um produto legistativo, é um documento regido por palavras, mas, nem sempre, é uma norma jurídica, salvo às que obedecem a caracterização de norma apresentada no período anterior.
A partir dessa mesma perspectiva dinâmica, a jurisprudência exercida pelo juiz ao criar uma norma individual, com o enfoque na primeira constituição e continuado pela legislação e/ou costume, é completado pela execução da sanção individual. A norma geral, abstrata, precisa ser individualizada e concretizada para ser aplicada no campo real. “Para esse fim, tem-se de, num caso concreto, averiguar se as condições, determinadas in abstracto na norma geral, estão presente in concreto, para que a sanção, determinada in abstracto na norma geral, possa ser ordenada e executada in concrecto.’’ (KELSEN, 2005, p. 196). A articulação entre o concreto e o abstrato é essencial à função judicial, que tem caráter constitutivo.
O Direito possui dois tipos fundamentais: Direito consuetudinário, criado a partir de costumes e Direito estatuário, criado de qualquer maneira, se não essa, e também, ‘’O Direito é sempre criado por um ato que tem o fim deliberado de criar Direito’’ (KELSEN, 2005, p.167), diferentemente do primeiro.
Em relação à sanção, tanto a transição jurídica, em que os indivíduos regulam juridicamente certas relações e, por consequência, produzem direitos e deveres pelo contrato, quanto o delito são condições para aplicação daquela. Os dois se diferem no âmbito das consequências jurídicas, visto que a transição jurídica, além de ser um ato de aplicação, é um ato criador de Direito, e o delito, não. As consequências são estipulados mediante à Constituição vigente no local e seu caráter, estatuário ou consuetudinário. Vale ressaltar que o conceito de contrato também é válido para a norma contratual criada pelo procedimento de estabelecimento de direitos e deveres.
A Constituição é o documento limitante da experiência jurídica, o nível mais alto dentro do Direito nacional e é compreendida em dois sentidos: formal, documento solene, de difícil modificação e material, regras que regulamentam a criação das normas jurídicas gerais, dos órgão jurídicos e do processo legislativo. Tendo em vista a constitução material, há a distinção entre leis constitucionais e leis ordinárias, em que nas primeiras, os processos modificadores (emenda, revogação) são mais difíceis. Por outro lado, só existe essa distinção em sistemas pautados no Direito estatutário, em que há uma Constituição material. As respostas ao porquê da validade de tal documento remeteria a um ciclo de validade de Constituições anteriores, até enfim alcançar a primeira delas, que seria o postulado final, do qual desencadear-se-ia a validade de todas as demais normas. Entretanto, ao perguntar-se o porquê da obediência à primeira Constituição, poder-se-ia remeter ao poder de Deus e, como o positivismo jurídico dispensa justificativas religiosas no campo jurídico, denotou-se necessária a postulação de uma norma fundamental que deveria ser pressupostamente válida. ‘’A norma fundamental é apenas uma pressuposição necessária de qualquer interpretação positivista do material jurídico.’’ (KELSEN, 2005, p.170). O objetivo desse norma, então, é conferir o poder de criar Direito ao ato do primeiro legislados e a todos baseados nesse.
A legitimidade das normas jurídica se dá por um princípio de permanência, ou seja, elas pernacem válidas enquanto não tiverem sido invalidadas, entranto, isso deixa de ser verdade perante uma revolução, em que uma velha ordem é substituída por uma nova, e todos os princípios vigentes naquela deixam de ser válidos. Entede-se por revolução, anulação e substituição de uma ordem jurídica de maneira ilegítima e considera-se irrelevante se tal processo foi feito por uma insurreição violenta ou por um movimento de massa popular. Os novos homens poderosos anulam a antiga constiuição, estabelecem outras normas e, por mais que algumas leis da velha ordem permaneçam ‘’válidas’’, são consideradas novas, por possuírem uma natureza distinta. Isso implica também o estabelecimento de uma nova norma fundamental e, se essa nova ordem obter sucesso na conduta dos seus indivíduos, considerar-se-á válida, caso contrário, atribuir-se-á a sua implantação, crime de traição, ato ilícito, mediante os moldes da velha Constituição. Por outro lado, o princípio da legitimidade é restringido pelo princípio da eficácia. Uma norma não é valida por ser eficaz, e sim, por ser constitucional, mas para serem válidas, a ordem total precisa ser eficaz. Tal limitação não engloba normas individuais não eficazes, entretanto, se essas apresentarem-se por um período considerável nesse enquadramento, perdem a validade por ‘’dessuetude’’ (efeito negativo do costume). A eficácia do Direito é muitas vezes chamada de poder do Direito por pertencer à realidade, porém, a subsituição de um termo pelo outro traz à tona uma problemática entre ‘’direito e força’’ e é dito que apesar do Direito coexistir com o poder, ele é uma organização específica desse.
O autor também remete à divisão do Direito em material ou substantivo e formal ou adjetivo. O adjetivo organiza as normas formais que determinam a criação de um órgão e o processo a ser seguido por ele e o substantivo, as normas materiais que administram o conteúdo do ato judicial ou administrativo desse. Apesar de, em caráter de definição, esses tipos apresentarem-se separados, na prática, eles são inseparáveis.
O Direito não é exclusivo nem dos tribunais, nem dos legisladores, já que, mesmo com a tripartição dos poderes, ao aplicar uma sanção, o tribunal legisla, por criar Direito e o legislador, também aplica o Direito, o que mostra a atuação conjunta na aplicação e criação do Direito. Salvos seriam os casos da criação da norma fundamental, restrito à criação e a execução final da sanção, restrito à aplicação.
A ficção da ideia de lacunas no Direito também é aborda no texto e se diz que “A ordem jurídica não pode ter quaisquer lacunas.” (KELSEN, 2005, P. 213). Quando a denúncia feita ao réu não se enquadra em nenhuma norma geral, o juiz tem a possibilidade de legislar uma sanção individual ou de recusar a ação por não haver estipulação do Direito à obrigação reclamada.
Conclusão
O autor alemão tem um difícil propósito de tratar sobre a normatividade, visto que abrange um campo muito abstrato, teórico e ausente do cientificismo/empirismo. Em contrapartida, ele o faz muito bem, a partir da estipulação da norma fundamental, em que se cria uma base sólida para se tratar o Direito. Tendo em vista as inúmeras indagações feitas, não só por filósofos, mas por demais profissionais, é necessário criar um ponto de partida para se fundamentar o sistema jurídico. Além, é claro, da notável importância de tornar o Direito uma área de conhecimento individualizada por suas próprias questões, visto a teoria divina como justificativa de criação e a interferência de governos absolutistas no sistema jurídico.
Referência bibliográfica
‘’KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005 (Capítulos X e XI)’’
Estudante de Direito na Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, Anna Clara Fenoll. Hans Kelsen e a teoria da norma fundamental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 dez 2016, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48326/hans-kelsen-e-a-teoria-da-norma-fundamental. Acesso em: 26 dez 2024.
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