RESUMO: Busca-se com o presente trabalho analisar a proteção dos direitos da personalidade em face do direito à liberdade de expressão. Analisa-se, em um primeiro momento, o conceito e a evolução da liberdade de expressão e a censura, a qual esteve presente em todas as constituições brasileiras. Após, analisa-se o direito à liberdade de expressão em face da proteção dos direitos da personalidade, como a honra, a imagem, o nome e a fama. Por fim, enfrenta-se algumas decisões em que o Superior Tribunal Federal se deparou em um conflito entre a liberdade de expressão e a proteção dos direitos da personalidade.
Palavras-chave: Liberdade de expressão. Proteção aos direitos da personalidade
ABSTRACT: This work seeks to analyze the protection of the rights of the personality in the face of the right to freedom of expression. The concept and evolution of freedom of expression and censorship, which was present in all Brazilian constitutions, is analyzed in the first instance. Afterwards, we analyze the right to freedom of expression in the face of the protection of the rights of the personality, such as honor, image, name and fame. Finally, it addresses some cases in which freedom of expression was confronted with the protection of the rights of the personality.
Keywords: Freedom of expression. Protection of the rights of the personality
1 INTRODUÇÃO
Com o Código Civil de 2002, passou-se a tratar dos direitos da personalidade nos artigos 11 a 21. Os direitos da personalidade traduzem o modo de ser físico, psicológico ou moral de cada indivíduo, podendo ser divididos, em três grupos: direito a integridade física, o qual abrange o direito à vida e ao corpo. O segundo é o direito à integridade intelectual, abrangendo a liberdade de expressão e os direitos do autor. E, por fim, o direito a integridade moral, relativo à liberdade política e civil, a honra, ao recato, ao segredo, a imagem, a identidade social, entre outros.
Dentro deste contexto é que o presente artigo pretende compreender a solução a ser perquirida em hipótese de colisão entre o direito fundamental à liberdade de expressão e a proteção a outros direitos da personalidade, notadamente, a vida privada, a imagem do indivíduo.
O trabalho seguiu metodologia prioritariamente a base de pesquisa documental, com a análise de doutrina, e em especial do julgamento em controle abstrato de constitucionalidade feito pelo Supremo Tribunal Federal, bem como da legislação pertinente ao tema.
2 CONTEXTO HISTÓRICO E CONCEITO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO
O indivíduo não se contenta apenas em pensar, ele necessita expor os seus pensamentos, as suas ideias, e, até mesmo, convencer os demais de que elas são as melhores. A liberdade de expressão tem por intuito alcançar a livre competição no mercado de ideias. Não há como cogitar um Estado Democrático de Direito em que o indivíduo não pode manifestar os seus pensamentos, opiniões, críticas, entre outros sentimentos
A liberdade de expressão, prevista no art. 5º, incisos IV, V, IX, X e XIV, e art 220, §§ 1º e 2º, ambos da Constituição Federal de 1988, consiste, segundo os ensinamentos de SARLET (2014, p. 457)[1], na liberdade de exprimir opiniões, ou seja, juízo de valor a respeito dos fatos, ideias, opiniões de terceiros, bem como de explorar, descobrir, coordenar e divulgar aquilo que se conhece, pensa ou sente.
Desta forma, não há como se imagina um Estado Democrático de Direito em que a expressão seja limitada pelo Estado, sob pena de configurar censura, a qual é vedada no ordenamento pátrio. Nesse contexto, qualquer restrição do Estado à liberdade de expressão configura um verdadeiro autoritarismo, sendo um retrocesso no ordenamento jurídico. Nesses termos, leciona Moraes (2005, p. 108): “Proibir a livre manifestação de pensamento é pretender alcançar a proibição ao pensamento e, consequentemente, obter a unanimidade autoritária, arbitrária e irreal.”.
Ressalta-se que, nos últimos anos, o Superior Tribunal Federal vem proferindo decisões a favor da liberdade de expressão, cita-se Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.815/DF, sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia, a qual se analisou a necessidade ou não da autorização para que se possa publicar texto biográfico, verificando o conflito existente entre o princípio fundamental à liberdade de expressão em face de outros princípios constitucionais, notadamente a intimidade, imagem, vida privada, entre outros. No julgamento, a ministra Cármem Lúcia advertiu que o direito à liberdade de expressão vai além do indivíduo ao permitir a exposição do pensamento, em virtude de ser a comunicação componente próprio das relações entre as pessoas, não sendo o direito de dizer apenas o que é bom, mas o de criticar, contar, expor o que há da vida e da vida, da própria pessoa ou até mesmo de um terceiro.
Isto posto, é necessário compreender que a liberdade de expressão é um tema muito aberto e subjetivo. Diante disso, surgem diversas correntes com o intuito de analisar a liberdade de expressão, vindo cada corrente a desenvolver a sua linha de raciocínio a partir de tal ponto de partida, o que é analisado detalhadamente logo adiante.
De acordo a teoria da liberdade de expressão como manifestação da autonomia individual da vontade, este direito é visto como um bem jurídico primário, pois a comunicação é a única forma de formação da personalidade do ser humano. A principal crítica que é tecida a esta teoria é de que ela não é capaz de responder a certos questionamentos, como por exemplo, a prioridade de quem produz o discurso sobre os seus destinatários, colocando a liberdade de expressão como um princípio acima dos demais. Outra teoria importante, é a que traz a liberdade de expressão como busca da verdade, ela aduz que a liberdade de expressão é um instrumento que busca a verdade, e que, qualquer forma de restringi-la seria um prejuízo para toda a sociedade. Esta teoria tem como um de seus principais doutrinadores Jhon Stuart Mill, e é a teoria comumente adotada pela Corte Americana em seus julgados
Por fim, em todas as constituições brasileiras o direito em comento fora consagrado, com mais ou menos restrições, sendo algumas vedações presentes no próprio texto constitucional e outras em normas infraconstitucionais.
A Carta Imperial de 1824 dispunha em seu art.179:
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte:
(...)
IV. Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publical-os pela Imprensa, sem dependencia de censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar.
A Constituição de 1891, comandava:
Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§ 12. Em qualquer assumpto é livre a manifestação do pensamento pela imprensa ou pela tribuna, sem dependencia de censura, respondendo cada um pelos abusos que commetter, nos casos e pela fórma que a lei determinar. Não é permittido o anonymato
(Redação dada pela Emenda Constitucional de 3 de setembro de 1926).
A Carta Magna de 1934 instituía:
Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
9) Em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento, sem dependência de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um pelos abusos que cometer, nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido anonimato. É segurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos independe de licença do Poder Público. Não será, porém, tolerada propaganda, de guerra ou de processos violentos, para subverter a ordem política ou social.
Entretanto, o próprio texto constitucional previa censura em situações pontuais:
Art 175 - O Poder Legislativo, na iminência de agressão estrangeira, ou na emergência de insurreição armada, poderá autorizar o Presidente da República a declarar em estado de sítio qualquer parte do território nacional, observando-se o seguinte:
(...)
§ 5º - Não será obstada a circulação de livros, jornais ou de quaisquer publicações, desde que os seus autores, diretores ou editores os submetam à censura.
A Carta outorgada em 1937, ainda que em virtude de sua natureza autoritária, também positivou o direito, mas trazendo em seu bojo severas restrições:
Art. 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
15) todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente, ou por escrito, impresso ou por imagens, mediante as condições e nos limites prescritos em lei.
A lei pode prescrever:
a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação;
b) medidas para impedir as manifestações contrárias à moralidade pública e aos bons costumes, assim como as especialmente destinadas à proteção da infância e da juventude;
c) providências destinadas à proteção do interesse público, bem-estar do povo e segurança do Estado.
Art 168 - Durante o estado de emergência as medidas que o Presidente da República é autorizado a tomar serão limitadas às seguintes:
(...)
b) censura da correspondência e de todas as comunicações orais e escritas;
A Constituição do Brasil de 1946 prescrevia em seu art. 141:
Art. 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§ 5º - É livre a manifestação do pensamento, sem que dependa de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos casos e na forma que a lei preceituar pelos abusos que cometer. Não é permitido o anonimato. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos não dependerá de licença do Poder Público. Não será, porém, tolerada propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a ordem política e social, ou de preconceitos de raça ou de classe.
Art 209 - Durante o estado de sítio decretado com fundamento em o nº I do art. 206, só se poderão tomar contra as pessoas as seguintes medidas:
(...)
Parágrafo único - O Presidente da República poderá, outrossim, determinar:
I - a censura de correspondência ou de publicidade, inclusive a de radiodifusão, cinema e teatro;
Devemos destacar que, na vigência desta Constituição sobreveio o Ato Institucional nº 2, de 1966, que reformou o texto supracitado, tendo disposto em seu art. 12:
Art. 12 - A última alínea do §5º do 141 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação:
Não será, porém, tolerada propaganda de guerra, de subversão, da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe.
A Carta de 1967, em pleno regime militar, dispunha:
Art. 150 – (...)
§ 8º - É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição à censura, salvo quanto a espetáculos de diversões públicas, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos independe de licença da autoridade. Não será, porém, tolerada a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de raça ou de classe.
Sobreveio então a Emenda nº 1, de 17.10.1969, que tecnicamente tratava-se de nova Constituição, embora não ostentasse tal nomenclatura, que veio a prever restrições de cunho extremamente subjetivista, o qual vedava a publicação e exteriorização de pensamentos contrários à moral e aos bons costumes:
Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos têrmos seguintes:
(...)
§ 8º É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos têrmos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes. (grifos nosso)
A Constituição Federal de 1988 veio então a consagrar em diversos de seus dispositivos a liberdade do pensamento, vedando expressamente qualquer espécie de censura:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(...)
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(...)
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Diante das diversas conquistas obtidas ao longo de nossa história de modo a assegurar nossas liberdades, cumpre informar o que vem a ser a censura, ato tão combatido pela atual Carta Magna.
Isto posto, tem-se que a liberdade de expressão é uma forma de expressar aquilo que o indivíduo sente, como direito fundamental, tem a pretensão do Estado não exercer censura, conforme a ministra Cármen Lúcia, a censura é uma forma de controlar a informação, sendo o meio pelo qual se controla a palavra ou a forma de expressão de outrem, dominando-se assim o acervo de informações que podem ser repassadas à sociedade. Logo, não cabe ao Estado dizer quais opiniões devem ser validas ou não, isso compete à sociedade como um todo que é destinatária.
Todavia, a própria Constituição Federal de 1988 delimitou que tal princípio não é absoluto, tendo suas limitações impostas em decorrência de outros princípios constitucionais, como a vedação ao anonimato, o direito de resposta e a indenização por danos, o que será visto adiante.
3 A LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM FACE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE:ANÁLISE DE CASOS ENVOLVENDO A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
A liberdade de expressão encontra-se catalogada no art. 5°, IV, da Constituição Federal de 1988, nesse contexto, é assegurada a liberdade de manifestação, sendo vedado o anonimato. Por outro turno, o art.5°, VI, da CRFB, que dispõe sobre a liberdade religiosa ou ainda o art.5°, IX, que prevê a liberdade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura e de licença, e por fim, o art. 5°, XIV, que garante o acesso à informação.
O texto constitucional também oferece a proteção à liberdade de expressão no art. 220. É previsto que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processos ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. Já o art.220, §1º, da Constituição Federal, assegura a liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, e seu §2º veda toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
O Supremo Tribunal Federal, em diversos casos, depara-se com conflitos hermenêuticos, de um lado, a liberdade de expressão, e do outro, a proteção dos direitos da personalidade, como direito a honra, a imagem, a vida privada. Desta forma, a liberdade de expressão encontra uma série de limitações explícitas na própria constituição, como: vedação ao anonimato (art.5°, IV, CRFB/88); o direito de resposta, proporcional ao agravo (art.5°, V, CRFB/88), além da indenização por dano material, moral ou à imagem ( art.5°, V, CRFB/88); a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art.5°, X, CRFB/88) , sendo assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrentes de sua violação.
Ressalta-se, que o art. 20, do Código Civil aduz que:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.
Tais dispositivos vinham sendo utilizados como argumentos para a vedação de publicações de biografias não autorizadas, sendo o caso mais famoso deles o do cantor Roberto Carlos, mas também podemos citar como exemplos as obras que retratavam a vida do cangaceiro Lampião, do pintor Di Cavalcanti e do compositor Noel Rosa.
Diante de tal fato, a ADI 4815/DF, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, foi ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (ANEL) em 05 de julho de 2012, objetivando a declaração da inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos arts. 20 e 21 do Código Civil Brasileiro.
O Supremo Tribunal Federal deparou-se com um clássico conflito entre princípios, de um lado a liberdade de expressão, do outro o direito à inviolabilidade da intimidade, privacidade, da honra e da imagem da pessoa, solucionando a lide de forma a observar a regra da proporcionalidade.
Ressaltou-se de modo bastante enfático o papel essencial que o direito em comento possui para os sistemas constitucionais democráticos, destacando que na história brasileira a liberdade foi e continua sendo um desafio incessante, bastando observar os textos constitucionais pretéritos para que cheguemos a essa conclusão. Em razão disso, sendo a liberdade objeto de permanentes lutas, porque de constantes ameaças, é que se faz essencial que o nosso ordenamento jurídico preveja expressamente normas proibitivas de censura.
Nesse contexto, ressalta-se que inviolabilidade do direito à honra e à intimidade não possui o mesmo grau de proteção a todos os particulares, vindo este a variar em decorrência do grau de exposição que cada um escolhe para a sua vida. Os famosos que exercem suas atividades em público, dependendo destes últimos para obter o seu êxito profissional. Tal exceção ocorre porque estas pessoas ao se tornarem públicas, atraem os interesses do público em geral, despertam a curiosidade da população não cabendo às personalidades públicas determinar que só aquilo que lhe traga lucros poderá ser exposto, e aquilo que lhes seja inconveniente seja escondido.
Entretanto não significa que as pessoas públicas não gozam de proteção da sua honra e vida privada, o que ocorre é apenas que se tem por minimizado o âmbito de invasão protegido constitucionalmente. Nesse contexto, é que aparecem as biografias não autorizadas, que visam não apenas saciar a curiosidade do público, mas contar histórias, relatar o que serviu de inspirações para o biografado, como a sua personalidade ajudou, de alguma forma, a mudar a história do povo. Desta forma, tem-se que não é razoável o consentimento da pessoa biografada quanto a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo também desnecessária a autorização dos familiares, em caso de falecimento, bem como das pessoas retratadas como coadjuvantes na obra, pois configuraria verdadeira censura que é vedada no nosso ordenamento. Por outro lado, a liberdade de expressão não pode ser utilizada de forma desarrozoada. Por isso a Suprema Corte reafirma o direito à inviolabilidade da intimidade, privacidade, da honra e da imagem da pessoa, cuja transgressão haverá de ser reparada mediante indenização, jamais mediante proibição de circulação da obra biográfica.
Desta forma, a Constituição garante a responsabilização daquele que abusa da liberdade de expressão. No âmbito internacional, o art.13, da Convenção Americana de Direito Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), a qual foi recebida no ordenamento jurídico brasileiro como norma de hierarquia supralegal, dispõe:
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão
1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar:
a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.
Frisa-se o Enunciado 279, IV, Jornada de Direito Civil:
A proteção à imagem devem ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de empresa. Em caso de colisão, levar-se-à em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.
Nesse contexto, tem-se que nem a liberdade de expressão e nem a privacidade podem ser tratadas como direitos absolutos, entretanto, o ser humano não pode ser tratado como um simples objeto de exposição ao público, sob pena de ferir a dignidade da pessoa humana. Por outro lado, o Estado não pode censurar os meios de comunicação, pois a Constituição repudia esse tipo de comportamento, devendo aquele que teve a sua honra atingida devido a comportamento de outrem buscar reparação civil do seu dano. Nesses termos, Mendes (2014, p. 266):
Este último modo de ver tem por si o argumento de que nem a garantia da privacidade nem a da liberdade de comunicação podem ser tomadas como direitos absolutos; sujeitam-se à ponderação no caso concreto, efetuada pelo juiz, para resolver uma causa submetida ao seu descortino. Dada a relevância e a preeminência dos valores em entrechoque, é claro que se exige a máxima cautela na apreciação das circunstancias relevantes para resolver o conflito. Mas, se é possível, de antemão-sempre na via judiciaria, de acordo com o devido processo legal-,distinguir uma situação de violência a direito de outrem, não atende à finalidade do Direito deixar o cidadão desamparado, apenas para propiciar “ um sentimento de responsabilidade entre os agentes criativos em geral”
Frisa-se, no contexto ora traçado, outro caso em que a liberdade de expressão é restringida diz respeito à proibição de divulgar, por qualquer meio de comunicação, o nome, ato ou documento de procedimento judicial e administrativo relativo à criança ou adolescente a que se atribua ato infracional. Neste caso, a liberdade de expressão cede devido à proteção integral da criança e do adolescente prevista no art.227 da Constituição Federal de 1988. Veja-se:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Salienta-se também, o caso veiculado na ADI 5.136/DF, o qual, o Plenário do STF reputou constitucionalmente lícitas às restrições à liberdade de manifestação em estádios de futebol durante a Copa do Mundo de 2014. O Superior Tribunal Federal, nesse caso, fez um juízo de ponderação, e entendeu que a liberdade de manifestação não é um direito absoluto, portanto, comportava as restrições impostas no art.28, da Lei 12.663/2012 (Lei geral da Copa), cujo objetivo era prevenir brigas entre torcedores e garantir a segurança dos telespectadores daquele evento.
Outro caso enfrentado pelo Supremo foi o caso Ellwanger, o qual foi julgado em Porto Alegre, em que o proprietário da editora Revisão, Siegfried Ellwanger Castran foi acusado de praticar condutas antissemitas. Dentre as várias obras publicadas, encontram-se os seguintes: Hitler, Culpado ou Inocente? e “Holocausto: Judeu ou Alemão”. Tais livros tentavam demonstrar que os verdadeiros culapados da Segunda Guerra Mundial foram os judeus, não, o povo Alemão. Foram meses de julgamento em torno do caso, pois de um lado estava a liberdade de expressão, e do outro a incitação ao racismo, a lesão aos direitos da personalidade dos judeus, como a honra e a imagem, o que fere diversos pontos da Constituição. No caso, chegou-se à conclusão não há que se cogitar que ainda exista na sociedade o conceito de raças e divisões dos seres humanos em verdadeiras categorias. Nas obras publicadas de Ellwanger estava claro que a liberdade de expressão estava incitando o racismo, difundindo ideais que, ao serem propagados, poderiam colocar os judeus em risco no País. Diante desse contexto, o Superior Tribunal Federal entendeu que a liberdade de expressão não pode ser utilizada como um escudo para a incitação do racismo, não podendo o direito individual ser utilizado como salvaguarda de condutas ilícitas.
Diante do exposto, tem-se que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, ela deve ser analisada em consonância com o ordenamento jurídico, não devendo ser imposta acima do ordenamento jurídico como um todo. Porém, determinar que o direito da personalidade, como a vida privada, deverá sempre se sobrepor é desarrazoado, devendo cada caso ser analisado pelo Poder Judiciário com a finalidade de sopesar os bens jurídicos no caso concreto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A liberdade de expressão constitui um mandamento de um Estado Democrático de Direito, não há como imaginar uma sociedade a qual as liberdades são limitadas pelo Estado. A Constituição Federal de 1988, mais conhecida como Constituição Cidadã, por ter sido promulgada pós-ditadura militar, demonstra um aspecto bastante garantista em seu texto, visando proteger na maior proporção possível o ser humano em todos os aspectos, é que esta veio a positivar diversos princípios fundamentais.
Entretanto, como todo direito fundamental, a liberdade de expressão pode entrar em colisão com os direitos da personalidade, também previstos na Carta Maior, razão pela qual cabe ao legislador, bem como ao Poder Judiciário, no caso concreto, solucionar tal problemática através dos métodos hermenêuticos, fazendo uma ponderação entre os bens jurídicos em destaque.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm >. Acesso em: 18 jun.2015.
____________. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 18 jun.2015.
____________. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm >. Acesso em: 18 jun.2015.
____________. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm >. Acesso em: 18 jun.2015.
____________. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm >. Acesso em: 18 jun.2015.
____________. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm >. Acesso em: 18 jun.2015
____________. Constituição Política do Império do Brazil de 1824. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm >. Acesso em: 18 jun.2015.
____________. Superior Tribunal Federal. ADI 5.136/DF. Relator: Gilmar Mendes. Brasília: DJE 29 nov.2014. Disponível em: <http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25342293/medida-cautelar-na-acao-direta-deinconstitucionalidade-adi-5136-df-stf>. Acesso: 31 out. 2015.
____________. Supremo Tribunal Federal. ADI 4.815/DF. Relatora: Min. Cármen Lúcia. Brasília: DJE 12 jun.2015. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=4815&classe=ADI&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 18 jun.2015.
CARVALHO RAMOS, André. Curso de Direitos Humanos. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
MILL, John Stuart. Liberdade de Pensamento e Discussão. In: CAPALDI, Nicholas. (Org.) Da Liberdade de Expressão: Uma antologia de Stuart Mill a Marcuse. Tradução de Gastão Jacinto Gomes. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1974, p. 1-46.
MORAES, Alexandre de. DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS: Teoria Geral. Comentários aos arts. 1º ao 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. Doutrina e Jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
SARLET, Ingo Wolfgan et al. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 4ed. São Paulo: Método, 2014.
[1] SARLET, Ingo Wolfgan et al. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
Advogada, Pós-Graduada em Direito Constitucional;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JALES, Camila Da Silveira. A proteção dos direitos da personalidade e o direito à liberdade de expressão: análise de casos envolvendo a liberdade de expressão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 dez 2016, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48495/a-protecao-dos-direitos-da-personalidade-e-o-direito-a-liberdade-de-expressao-analise-de-casos-envolvendo-a-liberdade-de-expressao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.