Resumo: Contemporaneamente, os concursos públicos têm atraído a atenção de milhões de brasileiros nos últimos anos. Além disso, a ‘‘indústria dos concursos’’ movimenta bilhões de reais a cada ano. Do ponto de vista jurídico, o tema também vem ganhando extrema relevância, visto que cada vez mais o Poder Judiciário vem decidindo polêmicas e pacificando entendimentos relativos aos concursos e aos direitos dos candidatos. Apesar disso, ainda hoje é comum nos depararmos com cláusulas editalícias de duvidosa legalidade. Diante de tamanhos problemas, o primeiro tópico do presente trabalho focará seus estudos em diversos pontos polêmicos, tais como: as limitações editalícias relativas ao sexo, altura mínima e idade máxima dos candidatos. Ao final destacaremos o atual entendimento dos tribunais superiores quanto ao direito dos candidatos aprovados dentro do número de vagas. Para tanto, é fundamental destacar que, em cada um desses tópicos, abordaremos as principais posições doutrinárias e jurisprudenciais.
Palavras-chave: Concurso Público. Requisitos. Idade máxima. Altura Mínima. Candidatos Aprovados. Direito subjetivo à posse.
INTRODUÇÃO
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Concurso Público consolidou-se como o processo administrativo por meio do qual a Administração Pública seleciona os melhores candidatos para preencher os cargos e empregos públicos na administração pública direta e indireta, na forma do artigo 37 da CRFB.
A sua exigência na atual ordem constitucional decorre dos princípios constitucionais da isonomia, da moralidade e da eficiência. Além de justificarem a exigência de realização de concursos públicos, tais princípios devem ser observados em todas as fases do certame, sob pena de inconstitucionalidade.
O presente trabalho abordará a natureza e os principais tópicos relativos ao enquadramento jurídico dos concursos públicos na jurisprudência dos tribunais superiores e na doutrina.
I- DOS REQUISITOS À INVESTIDURA EM CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS
A atual redação constitucional indica que cabe ao legislador estabelecer os requisitos para o preenchimento de cargos e empregos públicos na administração direta e indireta (Artigos 37, I, II CF). Todos os requisitos à investidura em cargos e empregos públicos devem estar previstos diretamente em lei. O Supremo Tribunal Federal possui entendimento no sentido da impossibilidade de fixação, por exemplo, de limite de idade ou de altura exclusivamente no edital.
Além da necessária previsão legal, os requisitos de acesso aos cargos e empregos públicos devem possuir vinculação direta com a função que será exercida pelo candidato em caso de aprovação. Do contrário, estaríamos diante de clara afronta aos princípios da isonomia, da moralidade e da razoabilidade.
Os requisitos podem ser divididos em duas espécies de acordo com o momento de apresentação:
- Os requisitos de inscrição são todas aquelas exigências que devem ser cumpridas no momento de inscrição como condição para participação no certame. Ex: pagamento de inscrição, apresentação de documentos, entre outros.
- Os requisitos do cargo possuem relação direta com a função a ser exercida. Como exemplo, podemos citar a comprovação de regular inscrição no respectivo conselho fiscalizador, escolaridade, entre outros.
Por guardarem relação direta com as funções a serem exercidas, os tribunais têm entendido que os requisitos do cargo só devem ser exigidos no momento da posse do candidato já aprovado.
Nesse sentido, o enunciado de súmula 266 do Superior Tribunal de Justiça:
‘‘ O diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público.’’
Apesar do apresentado, é curioso perceber que o STJ e o STF entendem que o requisito constitucional de 3 anos de atividade jurídica para o ingresso na magistratura e no Parquet deve ser comprovado já no momento de inscrição no concurso.
Por conta disso, encontramos algumas críticas importantes por parte da doutrina. Entre os autores, podemos destacar José dos Santos Carvalho Filho[i] e Rafael Oliveira[ii].
Nesse sentido, o já citado Rafael Oliveira[iii] afirma que:
‘‘Entendemos, contudo, que a comprovação do requisito temporal deve ser exigida somente no momento da posse, pois as citadas normas constitucionais exigem os requisitos para ‘‘ingresso na carreira’’, o que efetivamente pressupõe aprovação prévia no concurso.’’
II DOS REQUISITOS DE IDADE, ALTURA E SEXO EM CONCURSOS PÚBLICOS
Conforme visto anteriormente, os requisitos para a aprovação no cargo ou emprego público dependem de expressa previsão legal, não sendo possível se falar numa ‘‘reserva do edital’’. Além disso, vimos que tais requisitos por serem, a princípio, ilegítimos por restringirem a participação de todos os interessados podem ser justificados sob a luz da proporcionalidade.
Nesse ponto veremos a interpretação dos tribunais superiores sobre questões tormentosas como a idade máxima, a altura mínima e o sexo.
Quanto à idade, o Supremo Tribunal Federal considera possível a limitação de idade para a participação em concursos públicos quando a mesma possa ser justificada pela natureza das atividades a serem desenvolvidas no cargo ou emprego público a ser preenchido. A doutrina costuma citar os exemplos de cargos policiais e militares. Nesse sentido, o enunciado de súmula 683 do STF:
‘‘O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da , quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.’’
O Conselho Nacional de Justiça já possui entendimento no sentido não ser legítima a restrição de idade máxima em 45 anos para o ingresso na magistratura. Nesse sentido:
‘‘Procedimento de Controle Administrativo. Concurso Público para Magistratura. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Exigência de idade máxima menor que 45 anos. Impossibilidade. – “I) A limitação de idade para ingresso na Magistratura afronta os princípios da isonomia, razoabilidade e legalidade, pois não há previsão constitucional desta natureza e a maturidade elemento importante para o exercício da judicatura. II) O argumento referente ao tempo de aposentadoria é inconsistente, não podendo ser vedado o acesso do candidato ao concurso com base na suposta data em que ele se aposentaria’’[iv]
Importante ressaltar que, por conta do artigo 40, I, §1º, da CF, não é possível o ingresso na administração pública após os setenta anos de idade.
Além da idade, o requisito de altura mínima também costuma ser cobrado em certos editais para ingressos na carreira militar ou policial.
O Supremo Tribunal Federal já entendeu que tal requisito é legítimo desde que necessário à atribuição da função, devendo ser avaliado de acordo com a proporcionalidade.
Nesse sentido:
‘‘RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NA CARREIRA DE DELEGADO DE POLÍCIA. ALTURA MÍNIMA.REQUISITO. RAZOABILIDADE DA EXIGÊNCIA. 1. Razoabilidade da exigência de altura mínimapara ingresso na carreira de delegado de polícia, dada a natureza do cargo a ser exercido. Violação ao princípio da isonomia. Inexistência. Recurso extraordinário não conhecido.’’[v]
Cumpre observar que o requisito deve estar previsto em lei. Nesse sentido:
‘‘AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. ALTURA MÍNIMA. PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA. 1. Somente lei formal pode impor condições para o preenchimento de cargos, empregos ou funções públicas. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.’’[vi]
Outra questão muito debatida pela doutrina diz respeito ao afastamento de indivíduos de um determinado sexo de um concurso. Como exemplo, a doutrina costuma citar a contratação de pessoal para trabalhar em penitenciárias femininas.
Nesses casos, a exigência, a meu entender mostra-se perfeitamente razoável, tendo em vista que atividades como a revista íntima de presidiárias só poderá ser realizada por profissionais do sexo feminino, sob pena de violação da dignidade da pessoa humana das presidiárias.
III- DA POSIÇÃO ATUAL DOS TRIBUNAIS QUANTO AOS DIREITOS DOS CANDIDATOS APROVADOS
Avaliados alguns pontos relevantes no que concerne aos requisitos e restrições presentes em concursos públicos, avaliaremos a questão dos candidatos já aprovados.
Preliminarmente, é importante destacar que a doutrina e a jurisprudência tradicionais apontam no sentido da mera expectativa de direito à nomeação. Segundo tal entendimento, apenas com a nomeação, o candidato passaria a ter direito à posse.
Mais tarde, com a evolução da jurisprudência, passou-se a defender que o candidato aprovado tem direito à nomeação e à posse, dentro do prazo de validade do concurso, se a administração inobservar a ordem de classificação.
Nesse sentido, o enunciado de súmula 15 do Supremo Tribunal Federal:
‘‘DENTRO DO PRAZO DE VALIDADE DO CONCURSO, O CANDIDATO APROVADO TEM O DIREITO À NOMEAÇÃO, QUANDO O CARGO FOR PREENCHIDO SEM OBSERVÂNCIA DA CLASSIFICAÇÃO.’’
Da mesma forma, os candidatos teriam direito à nomeação em caso de realização de contratações precárias para o exercício da mesma função para qual se realizou o concurso.
Recentemente, a jurisprudência dos tribunais superiores evoluiu ainda mais, prevalecendo o entendimento no sentido de que os candidatos aprovados dentro do número de vagas teriam o direito subjetivo à nomeação e à posse dentro do prazo do concurso.
Tal tese é no sentido que de que ao definir o número de vagas para o cargo ou emprego público, a Administração Pública se autovincularia com base nos princípios da boa-fé e da confiança legítima. Com isso, o ato de nomeação de aprovados dentro do prazo de validade do concurso deixa de ser discricionário, passando a ser vinculado.
Nesse sentido:
‘‘DIREITOS CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. NOMEAÇÃO DE APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO. EXISTÊNCIA DE VAGAS PARA CARGO PÚBLICO COM LISTA DE APROVADOS EM CONCURSO VIGENTE: DIREITO ADQUIRIDO E EXPECTATIVA DE DIREITO. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO EM PROVER CARGOS VAGOS: NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. ARTIGOS 37, INCISOS II E IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Os candidatos aprovados em concurso público têm direito subjetivo à nomeação para a posse que vier a ser dada nos cargos vagos existentes ou nos que vierem a vagar no prazo de validade do concurso. 2. A recusa da Administração Pública em prover cargos vagos quando existentes candidatos aprovados em concurso público deve ser motivada, e esta motivação é suscetível de apreciação pelo Poder Judiciário. 3. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento.’’[vii]
Apesar disso, diante da crise fiscal que assola os entes federados, é preciso se interpretar tal entendimento com parcimônia.
Há que se reconhecer que todos os diretos são relativos e portanto, estão sujeitos à ponderação diante das particularidades de determinados casos concretos.
Rafael Oliveira é um dos autores que destaca a possibilidade de se reconhecer a legitimidade da ausência de nomeação quando a Administração comprovar que, por fatos supervenientes e relevantes, as finanças se mostram seriamente afetadas. Em alguns casos, a eventual nomeação poderia acabar por impactar na violação dos limites de gastos com pessoal impostos pela Constituição (Artigo 169) e pela LRF (Artigo 19 da LC 101/2000). Diante de hipóteses excepcionais e devidamente constatadas, essa parece, ao meu ver, ser a melhor solução para compatibilização dos dispositivos constitucionais e legais em análise.
No entanto, é preciso se reconhecer que a regra continua sendo no sentido de que os candidatos aprovados dentro do número de vagas teriam o direito subjetivo à nomeação e à posse dentro do prazo do concurso. É preciso que se tenha cuidado para evitar que os eventuais administradores tentem erroneamente tratar a exceção como regra, vindo a frustrar a legítima expectativa dos candidatos.
IV- CONCLUSÃO
Através do presente estudo visualizamos a consolidação do concurso público como o processo administrativo por meio do qual a Administração Pública seleciona os melhores candidatos para preencher os cargos e empregos públicos na administração pública direta e indireta. Além disso, abordamos algumas das muitas polêmicas relativas a exigências editalícias.
Nesse aspecto verificamos que a jurisprudência atual dos tribunais superiores é no sentido de exigir a expressa previsão legal de tais requisitos, não bastando a previsão no edital. Além da previsão legal, exige-se uma pertinência entre os requisitos e as funções a serem exercidas pelo futuro detentor daquele cargo ou emprego público. Com base nessa linha raciocínio, e utilizando-se do princípio da proporcionalidade, o Supremo Tribunal Federal possui importantes precedentes em matéria de idade máxima, altura mínima e restrições quanto ao sexo do candidato.
No capítulo final abordamos outra matéria extremamente atual em matéria de concursos públicos. Trata-se da situação dos candidatos aprovados. Nesse ponto, vimos que a doutrina e a jurisprudência inicialmente apontavam para uma mera expectativa de direito dos candidatos. A seguir, foi destacada uma gradativa mudança da jurisprudência, de modo que os atos de nomeação e posse dos candidatos aprovados dentro do número de vagas passaram a ser vinculados, salvo em casos excepcionais, citados pela doutrina, como os que importem na violação dos limites de gastos com pessoal.
REFERÊNCIAS
-ARAGÃO, Alexandre Santos de- Curso de Direito Administrativo- 1ª edição . Rio de Janeiro: Forense 2012
-CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. O empregado público / Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante, Francisco Ferreira Jorge Neto. – 3. ed. – São Paulo : LTr, 2012
-CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 23ª ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010, p. 424
-DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 20ª ed., São Paulo: Atlas 2007
-OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo- 3ª ed.- São Paulo: MÉTODO, 2015
NOTAS
[i] CARVALHO FILHO, José dos Santos Manual de direito- 23. ed. rev., ampl. e atualizada até 31.12.2009. – Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010 p. 702
[ii] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de direito administrativo- 1ª ed.- São Paulo: Método, 2013 p. 657
[iii] Ibidem, p. 657
[iv] PCA 347- Rel. Cons. Ruth Carvalho- Julgado em 14.3.2007- DJU 23.3.2007
[v] RE 140889- Rel. Maurício Corrêa- Julgado em 30.05.2000
[vi] AI-AgR 627586-BA Relator: Ministro Eros Grau Julgado em: 27.11.2007
[vii] RE 227.480 Relator: Ministro Menezes Direito Julgado em: 16.09.2008
Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro- PUC-Rio, pós-graduado em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes (UCAM) e advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Artur Lara. Tópicos especiais em concursos públicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jan 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48529/topicos-especiais-em-concursos-publicos. Acesso em: 23 dez 2024.
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