RESUMO: o trabalho em questão faz uma breve reflexão acerca do princípio da igualdade consagrado pela Constituição Federal de 1988, analisando a evolução da ideia de isonomia desde os tempos remotos até o momento atual. Em seguida, realiza um estudo acerca da dicotomia entre o princípio da igualdade em suas acepções formal e material. Por fim, busca averiguar o verdadeiro significado da isonomia após o advento da Constituição Federal de 1988, minuciando de que forma o princípio da igualdade atua para corrigir distorções e equalizar desigualdades existentes entre os indivíduos.
PALAVRAS-CHAVE: Constituição, igualdade, isonomia
ABSTRACT: The presente work aims to present a brief reflection on the principle of equality enshrined in the Federal Constitution of 1988, analyzing the evolution of the idea of isonomy from the earliest times to the present. After, studies the dichotomy between the principle of equality in its formal and material meanings. Finally, it seeks to ascertain the true meaning of isonomy after the advent of the Federal Constitution of 1988, analyzing how the principle of equality acts to correct distortions and equalize diferences between individuals.
KEYWORDS: Constitution, equality, isonomy
SUMÁRIO: 1. Evolução do princípio da igualdade. 2. Igualdade formal. 3. Igualdade material. 4. O dever de tratamento desigual e o elemento discriminador. 5. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, em seu art. 5º, caput, dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Realizando uma interpretação sistemática da Carta Magna, contudo, chega-se à conclusão de que a Lei Maior consagra muito mais do que a mera igualdade perante a lei, mas uma igualdade substancial entre os indivíduos, conforme será visto adiante.
1. EVOLUÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
A evolução do princípio da igualdade pode ser fragmentada em várias fases. Faz-se necessário conhecer cada uma delas para uma correta compreensão do real sentido da expressão “isonomia”.
Na antiguidade, vigorava a total desigualdade entre os indivíduos. A estratificação social e os privilégios das classes dominantes não eram questionados, uma vez que a própria sociedade legitimava essa desigualdade entre ricos e pobres, e não havia qualquer preocupação em neutralizar as distorções sociais vigentes.
No período medieval, contudo, o absolutismo monárquico, pautado pelo direito divino de governar e na concentração do poder nas mãos do Rei, foi responsável pela geração de uma crise generalizada. O surgimento das concepções iluministas contribuiu para a formulação de críticas ao poder absoluto ilimitado, desaguando em revoluções que culminaram na queda do absolutismo.
Com o advento do liberalismo, entretanto, apenas foram obtidos direitos de índole individual, pois o Estado liberal era baseado na ideia de não intervenção do Estado na vida dos cidadãos. Surgem, portanto, tão somente as denominadas “liberdades individuais” ou “direitos de caráter negativo”.
Com a Revolução francesa e seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, surge a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. No entanto, como apenas direitos individuais foram alcançados nesse período, a isonomia assumiu uma feição puramente formal. Falava-se apenas em “igualdade perante a lei”.
Em pouco tempo, instaura-se a crise do Estado liberal, na medida em que havia a necessidade de um Estado que garantisse o bem-estar social, pois as desigualdades e injustiças existentes tornavam-se cada vez mais insustentáveis.
Nesse período, surge o Estado Social, que passa a intervir nas mais diversas searas com vistas a garantir aos cidadãos uma existência minimamente digna e a assegurar direitos de índole positiva, tais como a educação, a saúde, o trabalho e a moradia. A isonomia assume, nesse momento, uma face nitidamente substancial.
Com a promulgação da Constituição de 1988, resta nítida a adoção, pelo Ordenamento Pátrio, do princípio da igualdade em sua acepção substancial, haja vista a busca pela concretização dos chamados direitos sociais a serem implementados pelo Estado.
2. IGUALDADE FORMAL
A igualdade em seu sentido puramente formal, também denominada igualdade perante a lei ou igualdade jurídica, consiste no tratamento equânime conferido pela lei aos indivíduos, visando subordinar todos ao crivo da legislação, independentemente de raça, cor, sexo, credo ou etnia.
Com a Revolução Francesa, afirmava-se a igualdade perante a lei, em uma perspectiva puramente negativa, na medida em que submetia todos os indivíduos ao império da lei geral e abstrata, desconsiderando assim as desigualdades existentes no plano fático.
A igualdade em sua face formal, contudo, é insuficiente, na medida em que desconsidera as peculiaridades dos indivíduos e grupos sociais menos favorecidos, não garantindo a estes as mesmas oportunidades em relação aos demais.
É nesse sentido que adveio a crise no liberalismo estatal, uma vez que o neutralismo do Estado criava inúmeras situações de injustiça, já que a igualdade puramente formalista favorecia tão somente uma parcela elitista da sociedade, em detrimento dos mais fracos.
Nessa esteira, com o advento do Estado Social, houve a reconstrução do sentido de igualdade. O Estado adquire uma feição intervencionista com o fito de proteger os grupos menos favorecidos, efetivando os seus direitos fundamentais.
Nesse momento, surge a concepção de igualdade em sua acepção substancial, que não se limita apenas ao plano jurídico-formal, mas busca uma atuação estatal positiva.
3. IGUALDADE MATERIAL
Denominada por alguns de igualdade real ou substancial, a igualdade material tem por finalidade igualar os indivíduos, que essencialmente são desiguais.
Sabe-se que as pessoas possuem diversidades que muitas vezes não são superadas quando submetidas ao império de uma mesma lei, o que aumenta ainda mais a desigualdade existente no plano fático. Nesse sentido, faz-se necessário que o legislador, atentando para esta realidade, leve em consideração os aspectos diferenciadores existentes na sociedade, adequando o direito às peculiaridades dos indivíduos.
De acordo com o professor Marcelo Novelino, “a igualdade não deve ser confundida com homogeneidade”[1]. Nessa esteira, a lei pode e deve estabelecer distinções, uma vez que os indivíduos são diferentes em sua essência, devendo os iguais serem tratados igualmente e os desiguais tratados desigualmente, de acordo com suas diferenças.
Denota-se que a isonomia em seu aspecto substancial visa corrigir as desigualdades existentes na sociedade, pois os indivíduos são desiguais sob as mais diversas perspectivas. Ademais há, ainda, no seio social, indivíduos e grupos historicamente mais vulneráveis ou que necessitam de tratamento diferenciado, seja pelo legislador, seja pelo aplicador do direito. Portanto, não se pode conceber que sejam os mesmos tratados pelo Ordenamento Jurídico como se idênticos fossem.
A Constituição Federal, simultaneamente, assegura a igualdade formal e determina a busca por uma igualdade substancial. Em seu art.5º, caput, a Carta Magna prevê a chamada cláusula geral do princípio da igualdade ou isonomia, que visa obstar quaisquer discriminações ou distinções injustificáveis entre indivíduos, nos seguintes termos:
Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. [2]
De acordo com o professor Alexandre de Moraes[3], a igualdade assegurada pela Constituição de 1988 atua em duas faces: em relação ao poder legislativo ou executivo, este quando edita leis em sentido amplo, na medida em que obsta a criação de normas que violem a isonomia entre indivíduos que se encontram na mesma situação; E, também, em relação ao intérprete da lei, ao impor que este a aplique de forma igualitária, sem quaisquer diferenciações.
Dessa forma, resta claro que a Carta de 1988 buscou aproximar as concepções de igualdade formal e material. Há inúmeros dispositivos constitucionais que buscam a eliminação de desigualdades de fato, como o art. 3º, que dispõe que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (inciso I), “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (inciso III) e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação” (inciso VI). [4]
4. O DEVER DE TRATAMENTO DESIGUAL E O ELEMENTO DISCRIMINADOR
Conforme José Afonso da Silva[5], Aristóteles foi responsável por inserir o princípio da igualdade na seara da filosofia, quando explicitou que “a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, dando a cada um o que é seu”. A referida afirmação, apesar de vaga, denuncia que “o enunciado geral de igualdade, dirigido ao legislador, não pode exigir que todos sejam tratados exatamente da mesma forma ou que todos devam ser iguais em todos os aspectos”[6].
Nessa linha, Robert Alexy, com base na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, ensina que “se houver uma razão suficiente para o dever de um tratamento desigual, então, o tratamento desigual é obrigatório”[7]. Ainda de acordo com Alexy,
A assimetria entre a norma de tratamento igual e a norma de tratamento desigual tem como consequência a possibilidade de compreender o enunciado geral de igualdade como um princípio da igualdade, que prima facie exige um tratamento igual e que permite um tratamento desigual apenas se isso for justificado por princípios contrapostos.
Portanto, na busca pela concretização da isonomia em sua feição substancial, é legítimo ao legislador criar distinções com a finalidade de igualar oportunidades em prol de indivíduos e grupos menos favorecidos, uma vez que, historicamente, negros, mulheres e idosos sempre se encontraram em situação de hipossuficiência no seio da sociedade.
Dessa maneira, a lei pode e deve eleger como critério de diferenciação elementos baseados em situações, pessoas e até mesmo em coisas.[8]
Fatores como idade, gênero, raça e orientação sexual são aptos a legitimar o legislador a criar diferenciações a fim de atingir a igualdade material, corrigindo distorções.
Conforme explicitou Novelino, “para ser compatível com o princípio da isonomia, o elemento discriminador, cuja adoção exige uma justificativa racional, deve ter por finalidade promover um fim constitucionalmente consagrado. O critério utilizado na diferenciação deve ser objetivo, razoável e proporcional”[9].
Assim, para que haja o discrímen é imprescindível que este se baseie em critérios realmente passíveis de serem aferidos objetivamente. A lei deve estabelecer distinções visando suprir as desigualdades existentes no plano fático, a fim de que os indivíduos possam galgar os mesmos objetivos e oportunidades.
Celso Antônio Bandeira de Mello[10] entende que é possível que a lei atinja uma categoria específica de pessoas, ou até mesmo um só indivíduo, desde que vise sujeito indeterminado e indeterminável no presente. Isto porque
o primeiro tipo de norma é insuscetível de hostilizar a igualdade quanto ao aspecto ora cogitado, isto é, quanto à “individualização atual do destinatário”, porque seu teor geral exclui racionalmente este vício. O segundo também não fere a isonomia, no que pertine ao aspecto sub examine, porque não agride o conteúdo real do preceito isonômico: evitar perseguições ou favoritismos em relação a determinadas pessoas.[11]
O tratamento desigual, entretanto, deve ser pautado pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, sob pena de se criar situações de privilégio infundado.
Nesse sentido, segundo ensina Celso Antônio Bandeira de Melo[12], “a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita”, devendo haver uma “adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo”. Portanto, o elemento discrímen deve “guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados”, sob pena de ferir a isonomia e criar-se favoritismos ilegítimos.
5. CONCLUSÃO
O princípio da igualdade é tema extremamente complexo, e sua compreensão só é possível quando analisada a sua origem histórica e evolução ao longo dos tempos.
Como forma de regulação da sociedade, a isonomia alcançou uma feição substancial às custas de lutas sociais e movimentos revolucionários, tornando-se instrumento de grande valia em prol das minorias.
Não restam dúvidas de que a ideia aristotélica de “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, dando a cada um o que é seu” alcançou seu ápice com a promulgação da Lei Maior, não obstante estarmos muito longe da concretização plena do princípio da isonomia. Nesse sentido, andou bem o constituinte de 1988 ao determinar, sem medir esforços, a busca incessante pela igualdade em seu aspecto mais democrático e pluralista.
REFERÊNCIAS
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[1] NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Método, 2010. p.392.
[2] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,1988.
[3] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 65.
[4] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,1988.
[5] SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 33ª Ed. rev. e atual. São Paulo:Malheiros, 2010. p. 213.
[6] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 397.
[7] ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 410.
[8] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.23.
[9] NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010, p. 392.
[10] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.25.
[11] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.26..
[12] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.39.
Servidora Pública do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco; Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Carolina Dias Martins da Rosa e. Igualdade formal x igualdade material: a busca pela efetivação da isonomia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jan 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48550/igualdade-formal-x-igualdade-material-a-busca-pela-efetivacao-da-isonomia. Acesso em: 23 dez 2024.
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