Resumo: A situação dos presídios brasileiros vem há muito sendo criticada. As condições subumanas enfrentadas pelos detentos são desumanas e afrontam os direitos e garantias fundamentais expostos na Constituição Federal. O massacre acontecido no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ) realçou novamente uma situação que fora, anteriormente, enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal. A suprema corte concedeu, liminarmente, dois dos pedidos pleiteados na ADPF 347 ao reconhecer o Estado de Coisas Inconstitucional do Sistema Carcerário Brasileiro. Acontece que as medidas deferidas não foram capazes de reverter o quadro de violação dos direitos fundamentais há muito instaurado. O artigo faz relação entre a sistemática do Estado de Coisas Inconstitucional e o recente acontecimento da capital amazonense.
Palavras-chave: Estado de Coisas Inconstitucional. Massacre. Manaus. Presídio. ADPF.
Sumário: Introdução. 1. O massacre do COMPAJ. 2. A situação carcerária brasileira. 3. O estado de coisas inconstitucional. Conclusão.
Introdução
A matança generalizada ocorrida no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ) serviu de alerta, novamente, para a situação carcerária do Brasil. A morte, contabilizada oficialmente, de 56 (cinquenta e seis) presos durante uma rebelião causou horror entre os brasileiros. Esses homicídios refletem a dramática situação carcerária nacional e foi capaz de despertar o estarrecimento dos maiores veículos de comunicação do mundo e até do Vaticano, que se pronunciou através do Papa Francisco.
Periódicos como o New York Times, o El Mundo e o El País trouxeram matérias abordando a matança ocorrida no território tupiniquim. O Santo Papa Francisco externou sua preocupação e tristeza com o acontecimento durante uma audiência-geral no Vaticano.
O Supremo Tribunal Federal já havia, em 2015, durante o julgamento da ADPF 347, enfrentado a questão das condições subumanas enfrentadas pelos encarcerados nos presídios brasileiros. Durante esse enfrentamento surgiu a confirmação da tese do Estado de Coisas Inconstitucional, originalmente desenvolvida na Corte Internacional da Colômbia, em 1997, onde surgiu inicialmente essa nomenclatura na "Sentencia de Unificacion (SU) 559".
Dados do INFOPEN dão conta de que o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo em números absolutos, com 622.202 apenados, ficando atrás somente dos Estados Unidos da América, da China e da Rússia, em ordem decrescente respectivamente. Tais números são indicativos de que a situação carcerária brasileira está caótica.
O Brasil há de enfrentar essa situação para evitar que novos massacres ocorram, pois, além das vidas perdidas, situações como essa são extremamente prejudiciais ao país no âmbito internacional, geram a responsabilização do Estado perante as famílias dos mortos e, também, a diminuição da credibilidade dos poderes instituídos.
1. O massacre do COMPAJ
O primeiro dia do ano de 2017 foi marcado pela morte de 56 apenados no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ) e pela fuga de, pelo menos, 200 presos. A causa do motim, além da superlotação carcerária e das péssimas condições vividas pelos presos, foi uma briga entre facções existentes naquela unidade prisional.
Há muito as facções criminosas tem ramificações dentro das unidades prisionais brasileiras e, como consequência disso, há muitas mortes em decorrência de conflitos entre elas.
Segundo relato do Juiz titular da Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, Luís Carlos Valois, havia "Pilhas de corpos espalhadas pelos corredores, membros esquartejados nos cantos e muitas cabeças decapitadas no local".
O caso foi retratado em jornais do mundo todo, que retrataram o caos vivido pelas presídios brasileiros, citaram as brigas entre as facções, as mutilações e as decapitações, além das superlotações.
2. A situação carcerária brasileira
O Brasil, segundo o último relatório divulgado pelo INFOPEN, realizado em 2014, é o quarto país com maior população prisional do mundo, com 622.202 apenados. Em primeiro lugar está os Estados Unidos da América (2.217.000), seguido pela China (1.657.812) e da Rússia (644.237).
Um dado alarmante demonstra que a morosidade do poder judiciário afeta substancialmente a situação carcerária nacional. O mesmo relatório, acima citado, aponta que 40,1% da população carcerária é composta por presos provisórios, são aproximadamente 250.000 presos aguardando julgamento. Isso implica dizer que a situação poderia ser diferente se os julgamentos dos processos criminais fossem dotados de celeridade.
Há um deficit de 250.000 vagas em todo o país, pois a taxa de ocupação está em 167%. O deficit de vagas coincide com o número de presos provisórios, o que implica dizer que se o julgamento dos processos criminais fosse mais célere a superlotação seria diminuída drasticamente.
Pode-se dizer, portanto, que o problema carcerário brasileiro não passa apenas pela administração prisional. É necessário que todo o país melhore para que o sistema carcerário também possa evoluir.
Não à toa a criminologia defende três tipos de prevenção penal. Apenas a prevenção terciária, voltada para a população carcerária é incapaz de resolver um problema tão grave. Dissertando sobre a prevenção terciária, Lélio Braga Calhau (2009, p. 93) sustenta que: "Os programas de prevenção terciária possuem apenas um destinatário: a população carcerária e buscam evitar a reincidência. São programas que atuam muito tardiamente no problema criminal e possuem, salvo raras exceções, elevados níveis de ineficácia".
Apesar de o encarceramento não ser solução isolada para a criminalidade, há de se a sua utilidade neste combate. Neste sentido, José César Naves de Lima Júnior (2014, p. 64) defende que: "Embora a pena não seja o único meio de controle da criminalidade, é peça fundamental do direito na medida em que a norma penal desatrelada da ideia de sanção não apresenta utilidade prática a justificar sua própria existência. Portanto, como parte integrante do direito penal, cuja intervenção causa indiscutivelmente efeitos drásticos na vida do indivíduo, sua aplicação deverá se limitar apenas e tão somente aos casos em que as outras esferas do direito revelaram-se incapazes de promover a pacificação social do conflito".
Neste sentido, é importante que os governantes estejam atentos para as outras vertentes de enfrentamento, conscientes de que o aprisionamento, unicamente, não resolverá o problema da criminalidade no Brasil.
3. O estado de coisas inconstitucional
A expressão do Estado de Coisas Inconstitucional e a ideia de que a Suprema Corte do país pode atuar, através do ativismo judicial estrutural, para corrigir essa situação surgiu na Corte Constitucional da Colômbia, em 1997, com a chamada "Sentencia de Unificación (SU) 559".
A declaração do Estado de Coisas Inconstitucional pressupõe a existência de três requisitos simultâneos, quais sejam: a existência de um quadro violação sistemática de direitos fundamentais; a ineficácia reiterada das políticas públicas em sanar aquelas violações; necessidade de modificação estrutural de um conjunto de entidades governamentais para a modificação do quadro de violação e a possibilidade de paralisação do poder judiciário através da propositura de demandas individuais por parte daqueles que estejam sendo afetados.
Ao se reconhecer um Estado de Coisas Inconstitucional, a Corte Constitucional poderá fixar, portanto, através do ativismo judicial, remédios estruturais voltados à modificação daquele quadro originário.
Há de se ressaltar, entretanto, que, ante a constitucional separação dos poderes instituídos, tal intervenção por parte da Suprema Corte deve se dar apenas em casos excepcionais, sendo observados tais requisitos com a maior cautela.
No Brasil, o Estado de Coisas Inconstitucional foi reconhecido, liminarmente, durante o julgamento da ADPF 347. Houve pedidos para que o STF determinasse que os juízes e tribunais: quando fossem decretar ou manter prisões provisórias, fundamentassem suas decisões dizendo expressamente os motivos pelos quais estão aplicando a prisão e não uma das medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP; implementassem, no prazo máximo de 90 dias, as audiências de custódia (pedido que foi deferido e buscou diminuir o número de presos provisórios); quando forem impor cautelares penais, aplicar pena ou decidir algo na execução penal, levem em consideração, de forma expressa e fundamentada, o quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro; estabeleçam, quando possível, penas alternativas à prisão; abrandar os requisitos temporais necessários para que o preso goze de benefícios e direitos, como a progressão de regime, o livramento condicional e a suspensão condicional da pena, quando ficar demonstrado que as condições de cumprimento da pena estão, na prática, mais severas do que as previstas na lei em virtude do quadro do sistema carcerário; e abatam o tempo de prisão, se constatado que as condições de efetivo cumprimento são, na prática, mais severas do que as previstas na lei.
Também foi requerido que o STF determinasse que o CNJ coordenasse um mutirão carcerário a fim de revisar todos os processos de execução penal em curso no País que envolvessem a aplicação de pena privativa de liberdade.
Além disso, foi pleiteado que a União liberasse, sem qualquer tipo de limitação, o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) para utilização na finalidade para a qual foi criado, proibindo a realização de novos contingenciamentos (pedido que foi deferido, ante a grave crise econômica enfrentada pelos estados).
Conclusão
Pode-se notar, conforme já foi reconhecido, que a situação do sistema penitenciário brasileiro caracteriza perfeitamente um Estado de Coisas Constitucional.
A trágica matança acontecida em Manaus somente confirmou grande parte das alegações formuladas no bojo da ADPF 347. Além disso, tal acontecimento comprova que os pedidos que foram acolhidos não estão sendo suficientes para reverter o quadro de grave violação dos direitos fundamentais.
É necessário que a Corte Constitucional se debruce novamente sobre o tema para buscar remédios estruturais que efetivamente tenham a capacidade de transformar um quadro de violação em um quadro de preservação e observação dos direitos fundamentais.
Referências
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Bacharel pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ, Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALBUQUERQUE, Álvaro Grako Lira Melo de. O massacre em Manaus e o estado de coisas inconstitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jan 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48600/o-massacre-em-manaus-e-o-estado-de-coisas-inconstitucional. Acesso em: 21 nov 2024.
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