Resumo: O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas é uma das técnicas de uniformização de jurisprudência necessária para a formação de precedentes judiciais. A pretensão do presente artigo é discorrer acerca do que os construtores do novo Código e os doutos da área lecionam a respeito do instituto jurídico. Para tanto a metodologia utilizada no presente artigo é de pesquisa qualitativa, pelo método dedutivo. Partiu-se de revisão bibliográfica e legislativa do Processo Civil e da Constituição Federal do Brasil. Ao final, constatou-se que o instituto, que debutou no Novo Código de Processo Civil, tem o condão de servir para apor respeito às decisões judiciais e primar pela autoridade dos princípios da isonomia e segurança jurídica às partes.
Palavras-chave: Questões de direito. Demandas repetitivas. Isonomia. Segurança jurídica. Teses jurídicas.
Abstract: The Incident of Repetitive Demands resolution is one of the techniques of standardisation of the jurisprudence which is needed for the formation of judicial precedents. The intention of this article is to discuss about what the builders of the new code and learned the area teach regarding the legal Institute. For both the methodology used in this article is of qualitative research, by the deductive method. Split of literature review and Civil Process and legislative of the Federal Constitution of Brazil. In the end, it was noted that the Institute, which debuted in the new code of Civil procedure, has the effect of serving to mark respect for judicial decisions and prioritize authority of the principles of equality and legal certainty to the parties.
Keywords: issues of law. Repetitive demands. Isonomy. Legal certainty. Legal theses
1 INTRODUÇÃO
Passou-se quase uma década do Século XXI e, a ciência jurídica, em constante revolução, conjuga a dinamicidade das relações sociais à necessidade de reformulação das premissas construtoras do Estado Democrático de Direito.
Ao breve porvir de mais uma década, uma Comissão de Juristas instituída por Ato do Presidente do Senado Federal, sob nº 379, de 2009, deu por iniciada a elaboração do Anteprojeto de Novo Código de Processo Civil, que redundou na publicação da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, a qual passou a viger em 18 de março de 2016[1].
O Novo Código de Processo Civil foi publicado com reformulação e instituição de novos remédios jurídicos e procedimentais, com o fito de otimizar a dinâmica processual, especialmente a de dar celeridade às ações judiciais.
Com efeito, até então, a insatisfação dos jurisdicionados é palpável, senão visível, em razão de haver, sobejamente, posicionamentos distintos e inconciliáveis, nos Tribunais, acerca da mesma questão jurídica, de modo que, jurisdicionados que estejam vivenciando situações idênticas tenham de subjugar-se a normas de comportamento desiguais, ditadas por decisões judiciais provindas de Tribunais diferentes e, por vezes, do mesmo Tribunal.
Esse fenômeno quebra o sistema, que deve ser igual, isonômico e justo, gera absoluta intranquilidade, desagrado nos jurisdicionados e verdadeira desesperança na coletividade advocatícia.
Desse diapasão surgem institutos que visam à uniformização dos entendimentos jurisprudenciais. São eles: Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, Recursos Repetitivos, Embargos de Divergência, Incidente de Uniformização de Interpretação de Lei Federal, Incidente de Assunção de Competência e Reclamação.
O presente artigo, porém, discorrerá acerca do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
O tema a ser apreciado será alicerçado na Constituição Federal do Brasil, a qual dita os princípios que devem incidir sobre os entendimentos dos nobres juízes dos tribunais de segunda instância e tribunais superiores, notadamente o da isonomia e da segurança jurídica, bem assim no Novo Código de Processo Civil, no qual debuta o instituto.
Tendo em vista o quadro narrado acima, entende-se que o tema escolhido para o presente artigo é de grande importância para a área jurídica, especialmente no limiar de vigência da Lei nº 13.105/2015.
Nesse passo, traça-se linhas teóricas e doutrinárias dos jurisconsultos sobre o instituto, a fim de compreender-se melhor a respeito desse tema.
Também se analisa sobre os princípios constitucionais que envolvem a matéria, de maneira especial o da isonomia e da segurança jurídica.
Para a elaboração deste artigo a metodologia utilizada é de pesquisa qualitativa, pelo método dedutivo, partindo-se das pesquisas bibliográfica, doutrinária e legislativa do Novo Código de Processo Civil e da Constituição Federal.
Com isso se pretende que o instituto em tela seja compreendido por todos os que labutam na área jurídica, a fim de que a segurança jurídica das decisões judiciais traga tranquilidade aos que põem suas vidas à balança do Poder Judiciário.
Ressalta-se, de outra banda, que em se tratando de artigo científico, dada a limitação que lhe é inerente, expor-se-á de forma breve, sobre cada tópico a ser estudado, iniciando com sucintas considerações a respeito dos princípios constitucionais da isonomia e da segurança jurídica.
2 PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA SEGURANÇA JURÍDICA
Ao iniciar o conteúdo deste artigo, faz-se necessário mencionar brevemente sobre os principais princípios constitucionais, norteadores das técnicas de uniformização de jurisprudência, especialmente no que diz com a valia de proferir-se decisões judiciais que vão ao encontro da garantia de justiça aos que entregam ao Poder Judiciário suas contendas irreconciliáveis, as quais são idênticas às de um número indefinido de pessoas. São eles: isonomia e segurança jurídica.
Sem mais delongas acerca das declinações epistemológicas do termo “princípios”, traz-se à colação a definição, como sendo:
Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (BANDEIRA DE MELLO, 1980, p.230).
A partir desse conceito, os princípios, ora examinados, revestem-se da qualidade de pilares da uniformização de jurisprudência, à medida que o entendimento dos tribunais deve pautar pela igualdade constitucional de modo a traduzir segurança às lides jurisdicionadas.
2.1 Isonomia
Segundo o Dicionário Aurélio, a palavra isonomia significa “igualdade política e perante a lei”[2].
Na Constituição Federal a palavra isonomia toma a roupagem de princípio e vem expresso e consagrado no art. 5.º, caput e inc. I. Verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.
Ocorre que sendo um princípio consolidador da igualdade perante a lei, à luz da Carta Constitucional, é extensível ao Direito e nas relações sociais e jurisdicionais, e amplia seu legado aos jurisdicionados, através de mecanismos capazes de garantir, decisivamente, o efeito concreto dos direitos, no cerne de procedimentos de juízes livres, neutros e que assegurem às partes litigantes tratamento isonômico para o apropriado exercício do contraditório e da ampla defesa (CAMPOS E SILVA, 2012).
Mais adiante, o mesmo autor assevera que o Código de Processo Civil, atualmente vigente, trata do princípio no art. 125, I, atribuindo ao juiz que dirija o processo conforme as disposições do Código, impondo-lhe “assegurar às partes igualdade de tratamento” (CAMPOS E SILVA, 2012).
Desse modo, a isonomia é o princípio constitucional que tem por fim a igualdade de tratamento da lei em relação a qualquer circunstância da qual não há falar em favorecimento de um em detrimento de outro.
2.2 Segurança Jurídica
O Dicionário Aurélio descreve inúmeros significados para palavra segurança, a exemplo de “ato ou efeito de segurar” e “qualidade do que é ou está seguro”[3].
Entretanto, no sentido jurídico, segurança jurídica é a “garantia da exigibilidade de direito certo estável e previsível, devidamente justificado e motivado com vistas à realização da justiça” (CASALI, p. 6281, texto digital).
Na Carta Constitucional, a seu turno, o princípio está expresso e consagrado no art. 5º, inc. XXXVI, que dita que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Com o intento de atendimento a esse princípio e, relativamente aos motivos que ensejaram a elaboração de um Novo CPC, no que tange à necessidade de estabelecer-se regras para se definir a igualdade constitucional e a primazia da segurança no sistema de precedentes, a nobre doutrinadora Wambier, integrante da Comissão de Juristas, assim proferiu:
Temos convicção que o sistemático desrespeito aos precedentes compromete o Estado de Direito na medida em que as coisas passam a ocorrer como se houvesse várias ‘leis’ regendo a mesma conduta: um clima de integral instabilidade e ausência absoluta de previsibilidade.
No mesmo sentido, os doutos Oliveira e Anderle lecionam a segurança jurídica como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, traduzindo sua premissa de “antever a norma que será aplicada ao caso concreto e o resultado final da demanda”. Os autores asseveram, ainda que se trata de o jurisdicionado prever como o Poder Judiciário decidirá a lide, declarando a quem cabe a razão, de acordo com a autoridade e a vontade da lei. E afirmam que “essa certeza é o que proporciona à comunidade jurídica e à sociedade a sensação de estabilidade no entendimento das normas legais” (2014).
Assim os mesmos autores concluem:
A segurança, portanto, não decorre propriamente da lei, mas principalmente das decisões proferidas pelos tribunais. Apenas pode ser garantida, respeitando a igualdade perante a interpretação dos juízes. Se os tribunais emitem decisões contraditórias, aplicando o mesmo dispositivo legal em diversos sentidos, o que se terá é insegurança jurídica.
No mesmo diapasão, Faria (2012) assevera que mesmo que o conceito de justiça mostre-se de difícil constatação, é evidente que interpretar casos concretos semelhantes apondo-lhes decisões distintas produz grave sensação de injustiça para a parte prejudicada. Ainda que a decisão a algum lhe pareça injusta, por certo que se a aplicação do entendimento for isonômico, produzirá maior comodidade e menor irresignação pelos membros da sociedade que estão naquela situação jurídica.
O notável jurista, Mitidiero, a seu turno, leciona que “a segurança jurídica é um meio de promoção da liberdade e da igualdade.[...] é um instrumento que serve à dignidade da pessoa humana e à obtenção da justiça” (2016, p. 22).
Oportuno trazer a lume que a isonomia e a segurança jurídica já se consistiam em metas do Projeto do novo Código de Processo Civil, no art. 521, § 6.°, com o texto: “A modificação de entendimento sedimentado, sumulado ou não, observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia“.
Dessarte, a aplicação do princípio da segurança jurídica às decisões judiciais nos mesmos casos concretos está evidentemente associada à garantia de justiça e à paz social.
3 INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS
O incidente de resolução de demandas repetitivas debutou como instituto jurídico no NCPC, quando foi instituído pelos arts. 976 a 987, a partir do Projeto de Lei do NCPC que tomou o nº 8.046/2010[4].
Esse recurso jurídico em estudo trata-se de instituto a ser aplicado em um primeiro processo que aborde questão com potencial para originar acentuado número de ações fundadas na mesma questão de mérito, a qual pode promover grave insegurança jurídica diante da probabilidade de resultar decisões colidentes.
Calha ater-se à previsão do art. 976, incisos I e II, do NCPC, ao estabelecer que o IRDR é cabível quando houver: “I- efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; e, III- risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica”.
Nesse sentido, Mendes e Rodrigues (2012) afirmam que o instituto tem como finalidade definir previamente uma tese jurídica central comum a muitas ações individuais com o mesmo objeto, cuja resolução deverá ser obrigatoriamente adotada nos demais casos. Os autores acreditam que o resultado é de contribuição significativa para a efetivação dos princípios da segurança jurídica, da isonomia, da economia processual e da duração razoável do processo, de modo que, ao aprovar uma maior uniformização nos julgamentos proferidos no país, contribuirá para a construção de um sistema jurisdicional mais racional e harmônico.
A seguir, disserta-se acerca das questões teóricas do instituto originalmente nascido nos arts. 930 a 941 do Projeto de Lei nº 8.046/2010.
3.1 Origem do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
Ao reunirem-se para elaborar o Anteprojeto do Código de Processo Civil, a Comissão de Juristas estava ciente de que era preciso que o NCPC tutelasse os direitos e buscasse rapidamente soluções para as teses repetitivas das ações judiciais, sem, no entanto, abrandar a segurança jurídica. Por conta disso, inspiraram-se em técnicas dos direitos alemão e inglês.
A técnica alemã (Musterverfahren) consiste na criação de procedimento-modelo, específico para as ações indenizatórias decorrentes de danos originados no mercado de capitais do direito alemão. Nessa técnica é selecionada uma ação-piloto individual dentre as existentes, cuja resolução será transportada para as questões comuns de fato e de direito existentes em outras ações individuais (DANTAS, 2015).
A técnica inglesa, por sua vez, nominada como Test Claim na Group Litigation Order[5] (GLO), consiste em uma ferramenta de gerenciamento judicial de ações de massa com o objetivo de “possibilitar que uma estrutura enxuta do Poder Judiciário possa confrontar-se com uma quantidade enorme de demandas”; no qual o case management[6] adquire importância fundamental por determinar que uma ou mais ações sejam qualificadas como ações-piloto, o que corresponde aos casos representativos de controvérsia do Direito brasileiro (DANTAS, 2015, p. 95 e 96, apud LÉVY, 2011, p. 186).
Disso, tem-se que o IRDR nasceu inspirado por técnicas inglesa e alemã de uniformização de jurisprudência, partindo-se de ações de massa, que exigiram soluções práticas a partir de ações-piloto, no qual a tese de uma questão foi aplicada a uma infinidade de ações individuais.
3.2 Conceito e natureza jurídica
Conceitualmente, o IRDR é o incidente processual cabível para afiançar interpretação isonômica à questão controvertida em demandas repetitivas, mediante julgamento único e vinculante, a interesses individuais homogêneos (DANTAS, 2015).
De outra parte, o IRDR, é um instituto com natureza jurídica de incidente processual que nasce e morre na esfera da segunda instância, carecendo de uma situação jurídica antecedente para que possa influir. É um remédio jurídico novo que se aplica por ocasião da existência de um ponto controvertido ou duvidoso de direito – e não de fato -, de atividade cognitiva, a partir do qual todas as demandas com o mesmo foco terão o mesmo resultado (ABELHA, 2016).
Sem desfocar do teor, Dantas (2015) leciona que a natureza jurídica do IRDR é de incidente processual sui generis mantendo a mesma relação de partes com todas as consequências que dela sucede. E complementa, asseverando que, na prática, no IRDR ocorre o fracionamento no conhecimento e no julgamento da demanda; o tribunal fixa a tese em abstrato e, ao juízo originário cabe a aplicação da tese ao caso concreto, revertendo-se em decisão.
Dessa feita, o novo remédio jurídico é um incidente processual, decorrente da mesma relação entre as partes, que surge de uma controvérsia de direito, e não de fato, e do qual resulta uma solução a partir do conhecimento e julgamento da demanda.
3.3 Premissas
Premissa é a “ideia ou fato inicial de que se parte para formar um raciocínio ou um estudo”[7].
Segundo Abelha (2016), a ideia inicial da criação do instituto decorre de algumas circunstâncias fáticas, as quais se enumeram, como segue:
3.3.1 a necessidade cada vez maior e emergente de reduzir drasticamente a quantidade de processos que tramita no Poder Judiciário, em regra, relativamente aos mesmos 15 grandes litigantes habituais (a exemplo de: poder público, bancos, financeiras, concessionárias de telefonia), que somam mais de 150.000 ações judiciais;
3.3.2 a multiplicação de ações individuais, sendo, inúmeras deles com a mesma questão de direito, abarrota os diversos órgãos jurisdicionais pelo país todo, implicando em inúmeras e infindáveis interpretações da mesma questão, produzindo o que o autor denomina de “loteria judicial”. Em consequência da alucinada oscilação e inconstância das decisões, o resultado é a evidente violação do princípio isonômico;
3.3.3 a preocupação do Poder Judiciário como um todo, em atentar para o direito subjetivo das partes, primando pela atenção às teses jurídicas do “direito jurisprudencial”; e
3.3.4 as matérias individuais que geram repercussão geral e são tratadas como direitos individuais homogêneos.
No que tange às premissas da criação do incidente, o que os doutrinadores são unânimes em afirmar, a exemplo de Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2015) é que, como afirma o art. 976, inc. I, do NCPC, “o incidente só se presta para a mesma questão unicamente de direito” (2015, p. 579).
Dessarte, a existência do incidente de resolução de demandas repetitivas teve como ideia principal de criação a necessidade primordial de reduzir, exponencialmente, o número de ações judiciais que tratam da mesma questão jurídica.
3.4 Finalidade
O incidente tem como finalidade primeira salvaguardar o direito objetivo, à medida que almeja impedir tratamento díspare entre situações semelhantes, que resultem decisões injustas (ABELHA, 2016).
No mesmo sentido, Dantas, ao analisar a Exposição de Motivos do Novo CPC, destaca uma passagem na qual expõe que o objetivo da uniformização das teses jurídicas é “concretizar, na vida da sociedade brasileira, o princípio constitucional da isonomia” (2015, p. 100-101). O mesmo autor prossegue, destacando que o NCPC “prevê um verdadeiro sistema orgânico e funcional de tratamento de ‘casos idênticos’, com vistas ao julgamento conjunto da questão de direito que lhes seja comum” (2015, p. 101).
Na mesma senda, Bueno (2015) destaca que o objetivo do instituto fica cunhado como metodologia dedicada a obter decisões iguais para casos iguais.
Por fim, pertinente colacionar ao presente artigo notícia sobre o recente julgamento de Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva que tomou o nº 0804575-80.2016.4.05.0000[8], o qual tramita perante o Tribunal Regional Federal da 5ª Região. O Tribunal admitiu IRDR envolvendo a Caixa Econômica Federal e empresas seguradoras em processos que abarcam seguros de mútuo habitacional do Sistema Financeiro da Habitação. Na ocasião o Relator, Desembargador Federal Roberto Machado, emitiu seu entendimento acerca do objetivo do instituto, ipsis literis:
o principal objetivo do IRDR é uniformizar as decisões judiciais, minimizando o risco de ofensa aos princípios da isonomia e da segurança jurídica, de modo a garantir às partes economia e celeridade processual e o direito de obter, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Diante, pois, da envergadura das descrições das finalidades do instituto formuladas pelos doutos trazidos à baila, pode-se resumi-lo em poucos termos como sendo a justiça das decisões iguais para casos iguais, com a concretização da isonomia, da segurança jurídica, por decisões de mérito justas e efetivas.
3.5 Requisitos, procedimento, legitimidade e competência do IRDR
O NCPC estatui no art. 976, de forma bastante clara, os requisitos simultâneos para a instauração do IRDR,: “I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica”.
Esmiuçando os requisitos, Abelha (2016) sustenta que, para instauração do incidente, o suscitante deve mostrar as razões que o justifiquem. Deve comprovar existência de uma questão de direito a ser antecedentemente decidida em recurso em trâmite no tribunal; que essa questão de direito tem como fim tratar com isonomia os inúmeros jurisdicionados da massa de ações idênticas; que a resolução evitará decisões contraditórias decorrentes de diversas interpretações; que o incidente proporcionará julgamento em tempo razoável de todas as demandas repetidas; que a segurança jurídica da decisão evitará o descrédito e a loteria judicial. Em sequência, Abelha leciona que independe a existência ou não de uma divergência prévia no tribunal sobre a questão de direito, mesmo que nenhuma causa já tenha sido julgada, bastando demonstrar que a questão possa causar divergência futura a uma gama de jurisdicionados.
Sem embargo, Marignoni, Arenhart e Mitidiero (2015) acrescem que o incidente somente será possível quando houver efetiva multiplicação de processos, ou uma questão possa comprometer o princípio da isonomia e da racionalidade do sistema jurídico e que, a controvérsia sobre essa questão, apresentada em vários processos, seja capaz de oferecer risco à isonomia e à segurança jurídica.
Paralelamente, os mesmos doutos identificam um “requisito negativo” no § 4º do art. 976, NCPC. Ou seja, é incabível a instauração de um incidente, se o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal já tiver afetado recurso para definir tese de direito material ou processual repetitivo (MARIGNONI, ARENHART e MITIDIERO, 2015).
De outra parte, procedimentalmente, os requisitos formais para instauração do IRDR estão descritos nos arts. 977 a 987 do Novo Código de Processo Civil.
O aspecto procedimental está diretamente relacionado com a legitimidade para a instauração incidental, permissão esta estatuída no art. 977, NCPC.
Nesse diapasão, o incidente pode ser instaurado pelo Juiz ou Relator da causa em que a controvérsia jurídica emirja, ou pelas partes, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública. Se a instauração der-se pelo Juiz ou Relator, será por ofício; se pelo Ministério Público ou Defensoria Pública, por petição, os quais serão instruídos com todos os documentos necessários para demonstrar o preenchimento dos pressupostos para a formação do incidente.
Ademais, o Ministério Público tem a legitimidade que lhe foi instituída como fiscal da ordem jurídica pelo art. 127 da Constituição Federal. A legitimidade da Defensoria Pública, por sua vez, emerge quando a questão de direito controversa puder comprometer, mesmo que indiretamente, os direitos dos carentes e necessitados.
No que tange à competência para o julgamento do IRDR, de outra linha, é determinada pelo órgão indicado no regimento interno de cada tribunal para o qual foi instaurado o incidente, conforme dispõe o caput, do art. 978, CPC.
Em sequência, como define o parágrafo único do art. 978, o colegiado que julgar o incidente, fixando a tese jurídica, igualmente julgará o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde partiu aquele incidente.
A propósito, conquanto os incidentes processuais não admitam recurso especial ou extraordinário, a decisão que julgar o IRDR é passível desses recursos, conforme a matéria federal ou constitucional. Ao incidente em tela o NCPC concebeu situação singular, com o escopo de que a tese consolidada não seja aplicada indiscriminadamente a numerosos processos, gerando ainda maior risco à isonomia e à segurança jurídica. Assim, “o novo Código prevê que a decisão do incidente possa desde logo ser impugnada por esses recursos excepcionais, independentemente da posterior aplicação que seja dada no caso concreto” (MARIGNONI, ARENHART e MITIDIERO, 2015, p. 584).
Diante disso, concebe-se o IRDR com aspectos processuais diferenciados dos incidentes processuais comuns.
3.6 Fases
Sem grandes delongas consigna-se as fases do IRDR na semelhança do extinto incidente de uniformização de jurisprudência, previsto nos arts. 476 a 479 do Código de Processo Civil de 1973.
Com efeito, o incidente possui requisitos de admissibilidade (legitimidade, competência, etc.), os quais serão aferidos por ocasião do juízo de admissibilidade; em sequência, a análise do mérito com os efeitos subsequentes (ABELHA, 2016).
O nobre autor sintetiza, de modo didático, as etapas do julgamento do incidente expostos nos arts. 979 e seguintes do novel Código, descrevendo-os como tendo duas fases: uma de admissibilidade, outra de mérito, as quais são feitas pelo órgão indicado no regimento interno do tribunal, entre os responsáveis pela definição das teses jurídicas. Acrescenta que as fases serão sucedidas de mais ampla divulgação e publicidade, com registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça. E, diante da importância do incidente, deve ser julgado no prazo de um ano e terá preferência sobre os demais feitos, à exceção dos que envolvem réu preso e pedidos de Habeas Corpus.
Na sequência, o ilustre doutrinador preleciona que para o julgamento do incidente, superada a admissibilidade, o relator designado poderá ouvir partes, testemunhas e interessados, inclusive órgãos e entidades com interesse na controvérsia (amicus curiae), ao que estes terão o prazo comum de 15 dias para juntar documentos e requerer diligências. Concluídas estas, solicitará dia para julgamento do IRDR.
Ainda, o mestre adiciona que, no julgamento, observar-se-á a seguinte ordem: I- o relator exporá o objeto do incidente; II- autor e réu, Ministério Público e demais interessados poderão sustentar suas razões; III- prolação da tese jurídica.
Por fim, o renomado doutrinador pontua que a tese deliberada será aplicada para todos os processos individuais ou coletivos que abordem sobre análogo tema de direito e que tramitem na área de jurisdição do tribunal, inclusive nos juizados especiais estaduais ou federais; e, aos casos vindouros que tratem igual questão de direito a tramitar futuramente no território de competência do tribunal (ABELHA, 2016).
Examinou-se, assim, as etapas do incidente de resolução de demandas repetitivas, com a pontuação das questões mais revelantes do procedimento.
4 CONCLUSÃO
Os processualistas receberam com surpresa a grande novidade do Novo Código de Processo Civil. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas inaugura a esperança de justiça e equidade nas decisões judiciais originadas de ações de massa ou cuja matéria de direito possa gerar controvérsia futura a uma gama de jurisdicionados.
De certo que o novo CPC debutou no novo Código com a ideia principal de reduzir exponencialmente o número de ações judiciais e se presta quando houver a pulverização de processos com a mesma questão de direito, mesmo que não se repita em várias demandas, mas, potencialmente, possa comprometer o princípio da isonomia.
Tendo isso em mente, a Comissão de Juristas que o criaram estabeleceram como finalidade especial do instituto a de equalizar controvertidas questões de direito e convergi-las para um determinado núcleo, que seja tomado como tese a ser projetada para todas as ações que versem sobre a mesma discussão jurídica.
Pensa-se, entretanto, que não será tarefa fácil. É fato que os casos reais postos às mãos da Justiça vêm coroados de desrespeito à lei, por uma parte ou por outra. Cediço que um mesmo fato pode gerar várias questões jurídicas das quais podem nascer inúmeras interpretações e suscitar outras tantas teses. Essas teses, criadas nas mentes dos advogados, perpassam as mentes de juízes e, dada a amplitude territorial do país, produzem uma gama de possibilidades de entendimentos, contraditórios no mais das vezes.
Tem-se, disso, que o IRDR debuta no novo CPC com a finalidade de estabelecer vínculo entre as questões de direito e o resultado a ser observado em todas as ações que versem sobre a mesma matéria jurídica.
Do estudo, conclui-se que o incidente de resolução de demandas repetitivas tem o condão de apor respeito às decisões judiciais e primar pela autoridade dos princípios da isonomia e segurança jurídica às partes.
Ao finalizar este artigo, verifica-se que, conquanto exista, pela frente, a árdua empreitada de reduzir drasticamente o volume de processos do abarrotado Judiciario, o incidente de resolução de demandas repetitivas tem a tarefa precípua de garantir a justiça e a equidade das decisões do Poder, sem contudo, descurar da mais elevada acuidade aos fatos postos à balança da Justiça.
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MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; RODRIGUES, Roberto De Aragão Ribeiro. Reflexões sobre o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas previsto no Projeto de Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. São Paulo, v. 211, p. 191-207, set. 2012. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br>. Acesso em: 18 nov. 2016.
MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
OLIVEIRA, Pedro Miranda de; ANDERLE, Rene José. O sistema de precedentes no CPC projetado: engessamento do direito? Revista de Processo. São Paulo, v. 232, p. 307-324, jun. 2014, Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br>. Acesso em: 15 nov. 2016.
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO. Tribunal admite IRDR envolvendo a CEF e empresas seguradoras. Disponível em: <http://www.trf5.jus.br/noticias/5949>. Acesso em: 21 out. 2016.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade com objetivos do Direito: civil law e common law, Revista de Processo. vol. 172. São Paulo: Ed. RT, jun. 2009.
[2] Extraído de https://dicionariodoaurelio.com/isonomia
[3] Extraído de: https://dicionariodoaurelio.com/seguranca
[5] Versão para o português: Test Claims e Group Litigation Order = Reivindicações de Teste e Ordem de Litígio em Grupo.
[6] Versão para o português: case management = gestão de casos/ações-piloto.
[7] Extraído de: http://www.lexico.pt/premissa/
[8] “TRF5 - Tribunal admite IRDR envolvendo a CEF e empresas seguradoras
IRDR TRATA DA INCLUSÃO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL EM PROCESSOS QUE ENVOLVEM SEGUROS DE MÚTUO HABITACIONAL DO SFH
O Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5 admitiu, ontem (19/10), o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) no PJe de número 0804575-80.2016.4.05.0000, que trata da influência da Lei nº 13.000/2014 sobre o entendimento firmado nos Recursos Especiais 1.091.363/SC e 1.091.393/SC, determinando-se qual a natureza jurídica da intervenção da Caixa Econômica Federal e o que se exige para demonstrar, caso a caso, o seu interesse em intervir nas ações que envolvem seguros de mútuo habitacional do SFH, nos contratos celebrados de 2/12/1988 a 29/12/2009 e vinculados ao FCVS (apólices públicas, ramo 66).
Os processos que versem sobre a mesma matéria ficam suspensos até a apreciação e julgamento do incidente no Pleno. De acordo com o relator, desembargador federal Roberto Machado, “como este incidente foi-me distribuído sem que haja sido selecionado um processo em trâmite no Tribunal, este órgão Plenário deve ser responsável apenas pela fixação da tese jurídica, a ser aplicada nos casos concretos em trâmite na área de sua jurisdição (causa-modelo)”.[...]”
Advogada. Bacharela em Direito pelo Núcleo Universitário de Guaporé/RS; Universidade de Caxias do Sul/RS. Aluna do Curso de Pós-Graduação em Direito Previdenciário e Processo pelo Centro Universitário UNIVATES, de Lajeado/RS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOURENSINI, Deonisa Luiza Michelon. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo Código de Processo Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jan 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/48986/o-incidente-de-resolucao-de-demandas-repetitivas-no-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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